Continuando a divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o a segunda parte do excelente texto da Dra. Vanessa Waisberg, doutora em oftalmologia, que tem sido uma colaboradora incansável do CRNF, atendendo pessoas com NF1 e Schwannomatose relacionada ao gene NF2, que foi justamente o tema de seu doutorado e prêmio nacional de oftalmologia. Agradecemos muito por mais esta colaboração e publicaremos a segunda parte (Problemas Oftalmológicos nas Schwannomatoses) na próxima semana.

Dr. Lor

 

 

Dra. Vanessa Waisberg

Oftalmologista com doutorado em

Medicina Molecular pela UFMG

 

Introdução

 

O olho e seus anexos estão frequentemente envolvidos nas Schwannomatoses, entretanto o envolvimento ocular é mais comum na Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (SWN-NF2) antes denominada NF2.

Schwannomatose Relacionada ao gene NF2

Um espectro bem definido de manifestações oculares está associado à SWN-NF2. As anormalidades oculares associadas são catarata, hamartomas retinianos, membranas epirretinianas (MER), estrabismo e meningioma da bainha do nervo óptico, como veremos abaixo.

Em crianças com a forma mais grave da doença, as alterações oftalmológicas como estrabismo, catarata, membrana epirretiniana e hamartoma retiniano geralmente estão presentes antes da apresentação neurológica característica e o reconhecimento de tais alterações pode ajudar a reduzir o atraso no diagnóstico dos pacientes com SWN-NF2.

Catarata Juvenil

A catarata aparece em cerca de 60% a 80% dos pacientes e é o principal critério diagnóstico oftalmológico da doença. Tem aspecto característico, com localização subcapsular posterior e/ou cortical. As cataratas geralmente são identificadas na primeira ou segunda década e progridem lentamente ao longo da vida.

 

Figura 1 A –  Catarata subcapsular posterior em um paciente de 17 anos com SWN-NF2. B – Catarata em um paciente de 50 anos portador de SWN-NF2.

 

Hamartomas Retinianos

Os hamartomas de retina fazem parte dos critérios diagnósticos da SWN-NF2 desde 2021.  Hamartomas de retina são tumores benignos que evoluem lentamente. Geralmente são pequenos, estáveis e não comprometem a visão.

Os hamartomas são identificados no exame de fundo de olho e geralmente aparecem como lesões nodulares e esbranquiçadas, às vezes discretas, e estão associados às formas mais agressivas da doença.

Figura 2. Exemplos de hamartomas de retina em pacientes com SWN-NF2

 

 Membrana Epirretiniana

A membrana epirretiniana (MER) associada a SWN-NF2 tem caraterísticas únicas que a diferencia da MER que ocorrem de forma isolada em pacientes acima de 50 anos. A MER está associada às formas mais graves da NF2 e foi incluída como critério diagnóstico da SWN-NF2 em 2021.

Na SWN-NF2, a MER é espessa e possuiu um aspecto característico em forma de chama de vela que se estende para a cavidade vítrea. Sua localização mais comum é na região central da retina, a mácula, e tende a permanecer estável ao longo da vida, prejudicando pouco a visão, apesar de sua localização central.

 

 

Figura 3. Membrana epirretiniana em “chama de vela”.

 

Estrabismo

O estrabismo geralmente aparece nos primeiros anos de vida e muitas vezes é a primeira manifestação da SWN-NF2. O estrabismo aparece em cerca de 50% dos pacientes e geralmente está associado as formas graves da doença. O estrabismo pode ser restritivo, quando associado a tumores, ou paralítico, quando associado as paralisias do III, IV ou VI nervo craniano. O tratamento da ambliopia e os resultados cirúrgicos nem sempre são satisfatórios.

 

Meningioma da Bainha do Nervo Óptico

Os meningiomas da bainha do nervo óptico (MBNO) são tumores benignos que podem ser primários do nervo óptico ou serem secundários a um meningioma próximo ao nervo óptico. Na população geral os MBNO representam cerca de 1% de todos os meningiomas. A acuidade visual tipicamente reduz ao longo dos anos.

A maioria dos pacientes com MBNO associado à SWN-NF2 apresentam redução da mobilidade ocular e baixa acuidade visual precocemente. A acuidade visual geralmente fica reduzida no olho afetado e o tratamento na maioria dos casos só está indicado quando ocorre protrusão significativa do globo ocular.

 

 

Figura 4. Ilustração evidenciando a diferença do MBNO primário e do meningioma secundário a um meningioma adjacente.

 

Schwannomatoses não associadas ao geneNF2

O envolvimento ocular nas Schwannomatoses não associadas ao gene NF2 é pouco comum e ocorre pela presença de schwannoma orbitário ou palpebral, sendo os orbitários mais frequentes que os palpebrais.

Nos pacientes que apresentam sintomas como, dor, proptose, diplopia ou redução da acuidade visual, o tratamento é cirúrgico e existe risco de recorrência dos schwannomas orbitários.

As alterações oculares associadas à SWN-NF2, como a catarata juvenil, hamartoma de retina e MER, não são descritas nas outras Schwannomatoses.

 

Referências:

 

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Damos continuidade à divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentando hoje o texto excelente de dois nutricionistas, Dra. Aline e Dr. Márcio, que realizaram seus mestrados e doutorados envolvendo pessoas atendidas em nosso CRNF e contribuíram de forma importante e original internacionalmente para nossos conhecimentos sobre os problemas nutricionais nas pessoas com NF1. Agradecemos a sua colaboração neste tema tão interessante em nossa comunidade.

Dr. Lor

 

 

Aline Stangherlin Martins e Marcio Leandro Ribeiro de Souza

Nutricionistas e Doutores

no Programa de Pós Graduação

em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto

da Faculdade de Medicina da UFMG

As características nutricionais na NF1 começaram a ser estudadas recentemente e ainda são pouco conhecidas. Muitos fatores e características relacionadas à nutrição ainda precisam ser investigados nessa doença. A pesquisa de Souza e colaboradores, realizada no Centro de Referência em Neurofibromatoses de Minas Gerais, foi o primeiro estudo publicado que avaliou aspectos da alimentação em indivíduos com NF1, mais precisamente o consumo alimentar e a ingestão de nutrientes em indivíduos com a doença (SOUZA et al., 2015). Segundo os autores, 72% dos pacientes não atingiram suas recomendações de energia, especialmente os homens. Também foi observado uma ingestão inadequada de vitamina D, magnésio, cálcio e vitamina B6, tanto em homens quanto mulheres com a doença, e 100% dos participantes consumiram excesso de sódio. Os pacientes com NF1 não consumiram quantidades adequadas de fibras alimentares, vitamina A e vitamina C e foi observado um consumo excessivo de gordura saturada e lipídios. É importante observar que esse estudo foi apenas descritivo e não houve comparação com indivíduos sem a doença. Os autores discutem que o perfil de ingestão alimentar é ruim na NF1, assim como também é observado na população em geral (SOUZA et al., 2015).

Em uma comparação de ingestão de nutrientes entre indivíduos com NF1 e controles não acometidos pela doença, Souza e colaboradores observaram que o grupo NF1 apresentou um consumo menor de cálcio, ferro e vitamina A e um consumo maior de sódio, ácidos graxos poli-insaturados e ácido linoleico (ômega 6), quando comparado ao consumo do grupo controle. Não houve diferença entre os grupos para o consumo dos demais nutrientes. Nutrientes como cálcio, ferro, vitamina A, sódio e ômega 6 são relacionados normalmente com a saúde óssea, porém nesse estudo não houve correlação entre a ingestão de nutrientes e as características de baixa massa óssea e baixa densidade mineral óssea na NF1, observadas nesse estudo (SOUZA et al., 2020a).

Enquanto os estudos citados anteriormente avaliaram o consumo de nutrientes de forma isolada, Vilela e colaboradores avaliaram o padrão alimentar de adultos brasileiros com NF1. Nesse estudo, os autores observaram que 53,3% dos indivíduos com NF1 apresentaram um padrão alimentar ocidental, caracterizado por um consumo maior de alimentos não saudáveis, como margarina, maionese, sobremesas, frituras, embutidos, bebidas artificiais e alcoólicas. Nesse estudo, os indivíduos com NF1 e padrão alimentar ocidental apresentaram área muscular do braço menor que no grupo com padrão alimentar saudável, indicando que a alimentação ou dieta pode contribuir, mesmo em partes, para o fenótipo muscular comumente observado em indivíduos com NF1 (VILELA et al., 2020).

Enquanto estudos de avaliação da alimentação na NF1 são escassos, a maior parte dos estudos nessa doença apresentam parâmetros antropométricos como índice de massa corporal (IMC), peso, estatura e perímetro cefálico como características do estado nutricional nessa população, porém as prevalências e valores dessas variáveis não apresentam um consenso entre os estudos e, portanto, requerem uma investigação padronizada (SZUDEK; BIRCH; FRIEDMAN, 2000; TROVO-MARQUI et al., 2005; SOUZA et al., 2009; PETRAMALA et al., 2012).

A baixa estatura é mais frequente em indivíduos com NF1 quando comparados com pessoas sem a doença (MARTINS et al., 2016; MARTINS et al., 2018; SOUZA et al., 2019; SOUZA et al., 2020a). Souza e colaboradores encontraram 60% de baixa estatura (percentil menor que 5) e 54% de macrocrania (percentil maior que 95) em seu estudo com 183 pacientes com idades entre 1 e 67 anos comparada com curvas e tabelas para a população não acometida pela doença (SOUZA et al., 2009). Esses valores de baixa estatura e macrocrania diferem um pouco de outras pesquisas na NF1, todas estas realizadas com faixas etárias diferentes. Szudek e seus colaboradores encontraram 13% de baixa estatura e 24% de macrocrania em 569 crianças brancas americanas com NF1, o que resultou na elaboração de curvas de crescimento desses dois parâmetros para essa população (SZUDEK; BIRCH; FRIEDMAN, 2000). Trovó-Marqui e colaboradores também observaram baixa estatura em 40% dos seus pacientes com NF1, considerando valores de percentil menor que 3 e macrocrania em 51% dos indivíduos com a doença (percentil maior que 98) (TROVO-MARQUI et al., 2005). No estudo de Souza e colaboradores (2016), a prevalência de baixa estatura foi de 28,3%.

Na NF1, o IMC também apresenta valores diferentes quando se comparam os estudos. Petramala e colaboradores observaram IMC reduzido em 70 indivíduos com NF1 quando comparados a 40 voluntários sem a doença. As taxas de desnutrição, ou seja, indivíduos com IMC menor que 18,5 kg/m2, não foram descritas no estudo. Esse mesmo estudo mostrou apenas 5% de baixa estatura e 5% de macrocrania nos indivíduos avaliados (PETRAMALA et al., 2012). Rodrigues e colaboradores demonstraram estatura significativamente mais baixa para homens e mulheres com NF1 quando comparados a voluntários sem a doença. Esse mesmo estudo ainda encontrou diferença significativa com relação ao IMC, uma vez que o IMC de mulheres com NF1 foi maior que o IMC de controles saudáveis, contrariando o estudo de Petramala e colaboradores (2012) citado anteriormente, que encontrou IMC reduzido em indivíduos com NF1 comparados ao grupo controle (RODRIGUES et al., 2013).

O estudo de Koga e colaboradores buscou avaliar as características antropométricas (estatura e IMC) de 96 adultos japoneses com NF1 comparados a 288 voluntários não acometidos pela doença. A estatura foi menor na NF1 comparada aos controles. Quando estratificado por idade, as diferenças foram estatisticamente significativas para homens com idade entre 20 e 49 anos e mulheres de 30 a 39 anos. Por sua vez, o IMC dos homens com NF1 foi menor que o grupo controle. Não houve diferença entre as mulheres (KOGA et al., 2014). Essas mesmas características também foram confirmadas em outro estudo que buscava avaliar características metabólicas, nutricionais e musculares em japoneses com NF1 (KOGA; YOSHIDA; IMAFUKU, 2016). É interessante observar que existem divergências de resposta quando se analisa homens ou mulheres com NF1 para IMC e a justificativa para essa diferença precisa ser melhor investigada.

Martins e colaboradores encontraram menor peso e menor estatura em indivíduos com NF1 comparados com o grupo controle. Não houve diferenças no IMC, uma vez que os indivíduos foram pareados por essa variável (MARTINS et al., 2018). Outros estudos também não encontraram diferenças no IMC de indivíduos com NF1 quando comparados com pessoas sem a doença (SOUZA et al., 2019; SOUZA et al., 2020a). O estudo de Souza e colaboradores demonstrou que o baixo peso esteve presente em 10% dos voluntários avaliados e o excesso de peso em 31,7%. O IMC médio dos indivíduos com NF1 (23,86 ± 4,73 kg/m2) nesse estudo foi classificado como normal (eutrófico), da mesma forma que foi demonstrado no estudo de Petramala e colaboradores, com IMC médio de 22,5 ± 4,3 kg/m2, também em voluntários com NF1 (PETRAMALA et al., 2012; SOUZA et al., 2016).

De uma maneira geral, percebe-se que peso e estatura baixos são características clínicas comuns na NF1 com bastante variação nas prevalências entre os estudos, porém uma melhor investigação sobre os compartimentos corporais é necessária. Quanto à composição corporal na NF1, os estudos são ainda mais escassos e com resultados discrepantes. O estudo de Souza e colaboradores é um dos poucos estudos que abordaram especificamente a composição corporal na NF1, embora tenha usado métodos mais simples (dobras cutâneas e equações preditivas) para essa avaliação, e não utilizou um grupo controle, o que limita as conclusões. A área muscular do braço foi considerada baixa em 43,3% dos voluntários desse estudo, achado presente em 51,7% dos homens e 35,5% das mulheres. O percentual de gordura foi classificado como alto em 30% da amostra (SOUZA et al., 2016). Stevenson e colaboradores, em estudo realizado na Universidade de Utah, utilizaram a tomografia computadorizada periférica quantitativa para comparar os ossos e a musculatura esquelética de 40 crianças com NF1 e 380 voluntários não acometidos pela doença, com idades entre 5 e 18 anos. Este estudo demonstrou que crianças portadoras de NF1 apresentam menor área de secção transversal muscular que seus controles, porém sem maiores detalhamentos quanto à fisiopatologia deste achado (STEVENSON et al., 2005).

O método considerado padrão-ouro para avaliação da composição corporal é a absorciometria com raios-X de dupla energia (DXA). Estudos usando DXA para avaliação da massa magra ou composição corporal na NF1 não são encontrados facilmente. A maior parte dos estudos que utilizam a densitometria nessa doença avaliam apenas as características ósseas na doença, sem detalhamento dos compartimentos corporais. Dulai e colaboradores usaram a DXA em 23 crianças com NF1 com idades entre 5 e 17 anos, e o objetivo principal era avaliar a densidade mineral óssea que foi menor nestes voluntários. Os autores citam que a massa magra total ajustada pela altura foi normal, mas com uma diminuição do conteúdo mineral ósseo relativo à massa magra (DULAI et al., 2007). O estudo de Souza e colaboradores (2019) avaliou a composição corporal de adultos com NF1 através do DXA e não observou diferenças para percentual de gordura, massa gorda e massa magra quando comparados com indivíduos sem a doença. Porém a massa magra apendicular ajustada pelo IMC foi menor nos indivíduos com NF1. Esse estudo também demonstrou massa óssea e força muscular reduzidas em indivíduos com NF1, características comumente observadas nessa população (SOUZA et al., 2019).

Esses resultados divergentes entre os estudos reforçam a importância de uma investigação padronizada desses achados e de estudos que busquem entender as diferenças. Estudo em modelo animal encontrou os mesmos resultados e reforçou esses achados antropométricos e metabólicos observados nos indivíduos com NF1 (TRITZ et al., 2021).

O estudo de Souza e colaboradores demonstrou um gasto energético de repouso (GER) aumentado em indivíduos com NF1 após ajuste por peso ou massa magra ou massa magra apendicular (SOUZA et al., 2019). A hipótese inicial dos autores era que o GER fosse menor em indivíduos com NF1, uma vez que são indivíduos menores em tamanho (menor peso e estatura) e com menor massa muscular, características também demonstradas neste estudo, porém o GER aumentado foi observado na NF1 quando comparados com indivíduos sem a doença. O GER é influenciado por fatores como massa muscular, massa gorda, peso, idade, sexo, níveis de adipocinas como leptina e adiponectina, alterações metabólicas em processos patológicos, como hipo ou hipertireoidismo, entre outros (NIELSEN et al., 2000; JOHNSTONE et al., 2005; HALL et al., 2012; PSOTA; CHEN, 2013). Esse aumento de GER assemelha-se ao estudo de Leoni e colaboradores, realizado com a Síndrome de Costello, também uma Rasopatia, no qual os autores observaram um aumento de GER em indivíduos acometidos pela doença (LEONI et al., 2016). As causas para esse aumento de GER na NF1 precisam ser melhor investigadas e discutidas.

Pensando na assistência ao indivíduo com NF1 pelos profissionais de saúde, o estudo de Souza e colaboradores comparou 8 equações preditivas comumente usadas na prática clínica para estimar o GER com a calorimetria indireta (padrão-ouro) e observou que todas elas subestimam o GER em indivíduos com NF1 (SOUZA et al., 2020b). Em outro estudo, Souza e colaboradores fizeram uma comparação de equações que usam bioimpedância elétrica ou dobras cutâneas para avaliação da composição corporal com o método padrão-ouro DXA e observaram que as equações de bioimpedância elétrica apresentaram melhor adequação e acurácia, embora todas precisem ser usadas com cautela na NF1 (SOUZA et al., 2020c).

Alguns nutrientes são estudados de forma isolada na NF1. Um estudo demonstrou que indivíduos com NF1 apresentaram níveis séricos mais baixos de vitamina B12 quando comparados com indivíduos não acometidos pela doença (AYDIN; BUCAK, 2021). Outro nutriente comumente estudado na NF1 é a vitamina D. Alguns estudos observaram níveis reduzidos de vitamina nessa população e alguns estudos estudam discutem a importância dessa vitamina para o indivíduo com NF1, uma vez que pode atuar na saúde muscular e óssea, comumente afetados nos pacientes com essa doença (LAMERT et al., 2006; TUCKER et al., 2009; RICCARDI et al., 2020). Porém uma meta-análise recente não encontrou diferenças estatísticas nos níveis de vitamina D na NF1 e os autores sugerem que as alterações ósseas na NF1 podem ser resultantes de um mecanismo independente de vitamina D (KASPIRIS et al., 2024). Outro estudo demonstrou que os níveis de oito aminoácidos estavam alterados em indivíduos com NF1. Os autores demonstraram que arginina, glutamina, asparagina, serina e aspartato estavam aumentados nos indivíduos com a doença, enquanto cistina e prolina estavam reduzidos (OZ; KOYUNCU; GONEL, 2022).

Associado as características nutricionais já demonstradas, pesquisadores do CRNF observaram uma menor incidência de pacientes com diabetes Mellitus tipo 2 (DM) nos pacientes atendidos. Esse dado chamou a atenção dos profissionais, uma vez que o DM é uma doença altamente prevalente na população brasileira. Em revisão da literatura, verificou-se que dados apontavam para uma menor ocorrência de DM em pacientes com NF1 (ZAKA-UR-RAB; CHOPRA, 2005; OZHAN; OZGUVEN; ERSOY, 2013; MADUBATA et al., 2015).

Foram encontrados dois estudos apresentando relatos de caso envolvendo indivíduos com NF1, mas ambos relatavam que a associação entre DM1 e NF1 é pouco comum (ZAKA-UR-RAB; CHOPRA 2005; OZHAN; OZGUVEN; ERSOY, 2013). Um estudo desenvolvido a partir da análise de banco de dados, mostrou que pessoas com NF1 apresentaram uma chance significativamente menor de ter DM do que pessoas sem a doença (OR:0,4, IC95%: 0,3 – 0,4). Nesse estudo, foram incluídos pacientes com DM tipo1 e DM tipo 2 (MADUBATA et al., 2015).

Com objetivo de esclarecer sobre a menor frequência de diabetes em pacientes com NF1, Martins e colaboradores avaliaram a glicemia de jejum de 57 pacientes atendidos no CRNF. Os pacientes selecionados com NF1 foram pareados com controles não-NF1 selecionados do Estudo Longitudinal Brasileiro de Adultos Saúde de acordo com sexo, idade (35–74 anos) e índice de massa corporal  (IMC) na proporção de 1:3. Em ambos os grupos, foram excluídos indivíduos com DM. O nível mediano de glicemia de jejum no grupo NF1 (86 mg/dl (intervalo, 56-127 mg/dl)) foi inferior ao do grupo de controle não-NF1 (102 mg/dl (intervalo, 85–146 mg/dl)) (P<0,001). A prevalência de glicemia de jejum >100 mg/dl no grupo NF1 (16%) foi menor do que no grupo controle não-NF1 (63%) (P<0,05). A chance de um alto nível de glicemia de jejum foi 89% menor no grupo NF1 (odds ratio, 0,112; IC 95%, 0,067–0,188) (P<0,05). Os autores concluíram que, adultos com NF1 apresentaram menores níveis de glicemia de jejum e menor prevalência de alto nível de glicemia de jejum em comparação com controles não-NF1 (MARTINS et al., 2016).

Diante dos dados que apontavam para menor frequência de DM e menor glicemia de jejum em pacientes com NF1, Martins e colaboradores desenvolveram uma pesquisa com objetivo de comparar a resistência à insulina (RI), que é um preditor para o desenvolvimento de diabetes, e alguns aspectos metabólicos que possuem relação com DM de pacientes com NF1 e indivíduos sem a doença. Foram avaliados 40 pacientes com NF1 pareados por sexo, idade e IMC a 40 controles da comunidade. Amostras de sangue foram coletadas para avaliação bioquímica. Avaliação do modelo de homeostase adiponectina (HOMA-AD), modelo de avaliação de homeostase resistência à insulina (HOMA-IR) e razão adiponectina/leptina (RAL) foram usados ​​para identificar RI. Foram avaliados também os níveis de adipocitocinas leptina, visfatina, resistina e adiponectina. Os pesquisadores observaram que o valor HOMA-AD foi significativamente menor e a RAL significativamente maior no grupo NF1. Os níveis de glicemia de jejum, leptina e visfatina de pacientes com NF1 foram significativamente mais baixos e os níveis de adiponectina foram significativamente mais elevados do que os dos controles. Os autores concluíram que os níveis mais baixos de glicemia de jejum, leptina, visfatina e HOMA-AD, e níveis mais elevados de adiponectina e ALR podem estar relacionados ao aumento da sensibilidade à insulina e menor ocorrência de diabetes mellitus tipo 2 em pacientes com NF1 (MARTINS et al., 2018).

Em 2020, um estudo realizado por Kallionpää e colaboradores com 1410 pacientes, também observou menores taxas de DM2 em pacientes com NF1, corroborando as pesquisas realizadas no CRNF–MG (KALLIONPAA et al., 2021).

Estudos de intervenção nutricional na NF1 ou mesmo estudos que testaram a utilização de dieta ou nutrientes isolados na observação de características clínicas da doença são escassos. Como exemplo, pode-se citar o ômega 3. Mashour e colaboradores demonstraram in vitro que a utilização de ácidos graxos, principalmente ácido docosaexaenoico (DHA) e ácido araquidônico, pode representar possíveis substâncias reguladoras do desenvolvimento de TMBNP, resultantes da malignização de neurofibromas plexiformes (MASHOUR et al., 2005).

Um fenótipo comumente observado na NF1 é a força muscular reduzida, observado também no estudo de Souza e colaboradores (SOUZA et al., 2019). Segundo Sullivan e colaboradores, em um estudo com modelo animal, a perda da neurofibromina no músculo esquelético resulta em uma miopatia metabólica associada com acúmulo de gordura intramiocelular, aumento de triglicerídeos e aumento da atividade da ácido graxo sintase, e desregulação da função mitocondrial nesses músculos (SULLIVAN et al., 2014). Ainda pensando em prováveis mecanismos para explicar esse fenótipo de força muscular reduzida na NF1, Summers e colaboradores analisaram biópsias musculares de 6 crianças com NF1 e observaram fibrose e infiltração de células mononucleares, além de um considerável acúmulo de lipídio intramiocelular em todas as amostras, que apresentou correlação com redução da expressão da neurofibromina. A partir dessas observações, os autores testaram modelos animais que reproduziram todas as características patológicas observadas nas biópsias musculares humanas. Os animais apresentaram também acúmulo de lipídio intramiocelular que foi fortemente correlacionado com uma fraqueza muscular. Os autores, na sequência, testaram uma dieta enriquecida com ácidos graxos de cadeia média, reduzida em ácidos graxos de cadeia longa (AGCL) e aumentada em carnitina na dose de 300mg/kg/dia nesses modelos animais. Após 8 semanas, no grupo que recebeu AGCM e carnitina, houve um aumento de 45% na força muscular e redução de 71% no acúmulo de lipídio intramiocelular (SUMMERS et al., 2018). Essa associação da L-carnitina com ácidos graxos de cadeia média confirmou esses achados em um estudo clínico de fase 2 com crianças com NF1 e os autores sugerem que mais estudos em humanos testem essa estratégia para recuperação da força muscular (VASILJEVSKI et al., 2020; VASILJEVSKI et al., 2021). E um estudo em modelo animal observou que essa estratégia pode contribuir para melhorar a qualidade e porosidade óssea na NF1, o que precisa ser confirmado em humanos (O’DONOHUE et al., 2024).

Por fim, existem ainda estudos, por exemplo, associando constipação com a NF1, o que requer mais estudos (SRIDHAR et al., 2013; PEDERSEN et al., 2013; EJERSKOV et al., 2017). Outro estudo avaliou a presença de transtornos alimentares, como bulimia e anorexia, em indivíduos com NF1, uma vez que alterações dermatológicas da doença podem contribuir para distorções ou insatisfações com a imagem corporal (CHIAVARINO et al., 2023). Provavelmente no futuro novos achados e associações entre a doença e aspectos nutricionais podem aparecer e mais estudos se fazem necessários.

 

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Em mais uma continuidade da divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o texto completo e didático da Dra. Vanessa Waisberg, doutora em oftalmologia, que tem sido uma colaboradora incansável do CRNF, atendendo pessoas com NF1 e Schwannomatose relacionada ao gene NF2, que foi justamente o tema de seu doutorado e prêmio nacional de oftalmologia. Agradecemos muito por mais esta colaboração e publicaremos a segunda parte (Problemas Oftalmológicos nas Schwannomatoses) na próxima semana.

Dr. Lor

 

 

Dra. Vanessa Waisberg

Oftalmologista com doutorado em

Medicina Molecular pela UFMG

Introdução

 

O olho e seus anexos estão frequentemente envolvidos nos pacientes com Neurofibromatose tipo 1 (NF1). Algumas dessas manifestações oculares, como os nódulos de Lisch, os gliomas de vias ópticas, os neurofibromas plexiformes e os nódulos de coroide são característicos da doença e fazem parte dos critérios diagnósticos da NF1 .

Enquanto os nódulos de Lisch não oferecem risco a saúde ocular, os gliomas ópticos e os neurofibromas palpebrais precisam de acompanhamento e podem eventualmente comprometer a visão dos pacientes.

Outros achados oculares podem ser encontrados em portadores de NF1, mas não são considerados critérios diagnósticos.

 

Nódulos de Lisch

Os nódulos de Lisch foram descritos pela primeira vez em 1937 pelo oftalmologista austríaco Karl Lisch. Eles são as manifestações oculares mais comuns e mais bem conhecidas da NF1.

O nódulos de Lisch (Figura 1)  são pequenas lesões elevadas, bem delimitadas, de coloração que varia entre o amarelo e o marrom, que podem ser discretas ou evidentes e aparecem na superfície da íris de cerca de 95% dos pacientes adultos com NF1. Histologicamente, os nódulos de Lisch são hamartomas, tumores de crescimento lento e benigno. O número e o tamanho dos nódulos de Lisch aumentam com a idade. Eles são incomuns antes dos dois anos de idade e aos dez anos de idade é possível identificar essas lesões em cerca de 70% dos pacientes.

 

Figura 1 – Variações dos nódulos de Lisch

 

Neurofibromas plexiformes orbitários e periorbitários.

A maioria dos neurofibromas (ver capítulo sobre neurofibromas) orbitários e periorbitários (NFO) se desenvolve ao longo das ramificações do nervo trigêmeo. Os neurofibromas isolados de pálpebra superior podem assumir a forma de S e geralmente causam leve ptose sem obstruir o eixo visual. Os neurofibromas localizados na pálpebra e região periorbitária podem causar ptose e levar a ambliopia por privação ou ambliopia refracional. Ambliopia é a redução da acuidade visual causada por interação binocular anormal durante o período de desenvolvimento visual. Os neurofibromas orbitários com ou sem envolvimento palpebral invadem a órbita lateral e raramente podem invadir estruturas intracranianas.

A incidência dos NFO em crianças com NF1 é menor que 10%. Apesar dos NFO serem congênitos, eles podem não ser evidentes logo após o nascimento. A maioria é identificada nos primeiros anos de vida. Toda criança com assimetria periorbitária ou proptose unilateral deve ser avaliada para descartar NFO. Não existe indicação de biopsia para confirmar o diagnóstico de NFO nas crianças que já possuem o diagnóstico de NF1.Toda criança diagnosticada com NFO independente do diagnóstico de NF1 deve realizar ressonância  magnética (RM) do encéfalo e da órbita para confirmar o diagnóstico de NFO e definir sua extensão. A necessidade de nova RM depende da progressão clínica.

 

Figura 2 – Diferentes apresentações do neurofibroma palpebral

 

Manejo oftalmológico

Recomenda-se que crianças com NFO realizem exame oftalmológico a cada seis meses durante os primeiros oito anos de vida, que é o período de desenvolvimento visual e é também o período que os NFO geralmente apresentam as maiores taxas de crescimento.

Os principais problemas oftalmológicos relacionados aos NFO são ambliopia, estrabismo, glaucoma e neuropatia óptica compressiva.

O manejo do estrabismo nas crianças com NFO é complexo. O oftalmologista deve priorizar o tratamento não cirúrgico da ambliopia, incluindo a correção dos erros refracionais e tratamento oclusivo. O tratamento cirúrgico do estrabismo deve ser considerado nos primeiros anos de vida quando a gravidade do estrabismo prejudica o tratamento da ambliopia. Uma abordagem conservadora inicial permite que o tratamento cirúrgico seja realizado quando o crescimento do NFO tenha diminuído e o processo geral do quadro esteja mais estável.

Indicações de tratamento

Após o diagnóstico, os NFO devem ser  acompanhados através de exame oftalmológico periódico e RM. Tumores estáveis podem ser acompanhados clinicamente. Nem todos os tumores irão progredir ou causar sintomas significativos. Quando se observar piora clínica está indicado realizar RM.

Até recentemente o tratamento cirúrgico era o principal tratamento disponível para  os NFO sintomático. Quando o tumor pode ser ressecado completamente a cirurgia geralmente é o tratamento de escolha. Infelizmente a cirurgia é desafiadora em muitos casos de NFO e  os resultados cirúrgicos geralmente não são satisfatórios a longo prazo devido à característica infiltrava do tumor e sua tendência a recorrer.

Nos últimos anos, o tratamento com quimioterápico oral se tornou uma opção de tratamento para pessoas com NF1 maiores que 2 anos com neurofibromas plexiformes inoperáveis  Alguns pacientes apresentam regressão parcial do tumor com o tratamento.

Muitos fatores influenciam a indicação do tratamento, como o tamanho do tumor, a localização, a taxa de crescimento, a idade do paciente, o risco de complicações irreversíveis e a gravidade dos sintomas. Alguns casos podem ser observados, outros podem ter indicação de cirurgia, tratamento  quimioterápico,  ou uma combinação dos dois.

 

Gliomas de Vias Ópticas

Gliomas de vias ópticas (GO) ocorrem em 5% a 25% das crianças com NF1. Eles podem aparecer em qualquer parte da via óptica e acometer um ou os dois nervos ópticos, o quiasma, as estruturas retro quiasmáticas como o hipotálamo e as radiações ópticas. Tipicamente, apresentam pouca tendência ao crescimento e muitas crianças permanecem assintomáticas. Raramente esses tumores podem ser agressivos. O motivo do comportamento agressivo de alguns GO ainda é desconhecido.

Nos gliomas assintomáticos a conduta é acompanhamento oftalmológico. Quando se observar redução na acuidade visual que não possa ser atribuída a outras causas, como erro refracional, ambliopia ou outros problemas anatômicos do olho, está indicado realizar ressonância magnética.

As principais indicações para realizar o tratamento do GO são piora clinica e aumento progressivo do GO. A piora clínica pode ser piora da acuidade visual, piora da proptose, sintomas neurológicos, perda da visão de cores ou disfunção endócrina.  A primeira linha de tratamento é a quimioterapia. Radioterapia e cirurgia raramente são indicados.

Figura 3 – Localização e imagens de glioma das vias ópticas

 

Alterações de Coroide

 As alterações da coroide, que é a camada vascular da parede ocular,  foram incluídas recentemente como critério diagnóstico devido a sua alta especificidade e sensibilidade para NF1, mas não oferecem risco para a visão.

As alterações de coroide da NF1 não são detectadas através do exame tradicional de fundo de olho.  Elas são identificadas com o exame de tomografia de coerência óptica (OCT), que produz imagens da retina e da coroide com a luz infra vermelha. As alterações de coroide aparecem como nódulos hiper refletivos e podem ser numerosos ou raros.

Outros Achados Oftalmológicos

– Glaucoma: o glaucoma na NF1 ocorre em cerca de 1% dos pacientes. Geralmente é unilateral e na maioria das vezes está associado a um neurofibroma palpebral ou periorbitário e ao ectrópio uveal, que é uma alteração congênita da íris. Nos glaucomas que ocorrem precocemente o tratamento geralmente é cirúrgico, semelhante ao tratamento do glaucoma congênito.  Nos casos mais tardios o tratamento com colírios pode ser tentado. A acuidade visual fica comprometida no olho afetado na maioria dos casos.

– Alterações da retina: o comprometimento da retina na NF1 é raro, mas tumores como hamartomas astrocíticos, hamartomas retinianos, hemangiomas capilares e tumores vasoproliferativos já foram descritos.

– Erros refracionais: a prevalência de miopia leve a moderada (-0,50 a -6,0 dioptrias) é um pouco maior que na população geral.  A prevalência da alta miopia, astigmatismo e hipermetropia é semelhante à da população geral.

 

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Dando continuidade à divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o texto esclarecedor da Dra. Cinthia Vila Nova Santana, doutora em genética , que vem colaborando com nossos conhecimentos sobre as pessoas com NF1. Muito obrigado por mais esta colaboração, que é uma necessidade dos profissionais de saúde que trabalham com doenças genéticas.

Dr. Lor

 

 

Cinthia Vila Nova Santana

Biomédica, Doutora em Genética

Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública

Fundação ProAR

 

O desenvolvimento da engenharia genética na década de 1970 marcou o início de uma era importante na medicina. Pela primeira vez, pesquisadores foram capazes de manipular moléculas de DNA através de técnicas como a clonagem e reação em cadeia da polimerase (PCR), o que tornou possível o estudo de genes de interesse medicinal e biotecnológico. Desde então, muitos avanços aprimoraram as técnicas de biologia molecular, possibilitando o estudo dos genes não apenas isolados, mas também no organismo como um todo.

O primeiro relato de terapia gênica se deu em 1990, em uma paciente com uma deficiência imunológica grave provocada por uma condição genética rara (Anderson, 1990). Essa técnica envolvia a inserção de cópias funcionais do gene responsável pela produção de uma enzima ausente ou defeituosa. Embora esse tratamento tenha mostrado resultados promissores, também revelou desafios significativos, como a possibilidade de reações adversas, eficácia limitada e, até mesmo, risco de morte.

Anos mais tarde, as pesquisadoras Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier anunciaram, em 2012, uma nova técnica de edição de genomas (CRISPR) que iria revolucionar o campo da terapia gênica. Essa descoberta conferiu, em 2020, o prêmio Nobel em Química para essas duas pesquisadoras (The Nobel Foundation, 2020). A nova metodologia reacendeu a esperança de cura para doenças genéticas, como as neurofibromatoses, que são provocadas por erros em um local específico no nosso DNA. Nesse capítulo, vamos entender um pouco mais sobre terapia gênica e como o método pode influenciar no tratamento da Neurofibromatose do tipo 1 (NF1).

 

Tratamentos genéticos e suas possibilidades na NF1

Antes de falarmos sobre tratamentos genéticos (ou terapia gênica), vamos compreender alguns conceitos. O nosso DNA contém genes onde estão armazenadas as instruções para a fabricação de proteínas. É como se os genes fossem o manual de instruções para a montagem de peças ─ as proteínas ─ e essas peças fazem o trabalho necessário para garantir o bom funcionamento do nosso corpo. Quando alguma instrução está defeituosa, temos proteínas que não funcionam corretamente, ou até mesmo que não são nem produzidas, e isso pode acarretar doenças genéticas como, por exemplo, a fibrose cística, anemia falciforme, beta talassemia, e as neurofibromatoses. Os tratamentos genéticos, por sua vez, têm como objetivo corrigir esses erros no DNA (também chamados de mutações), a fim de tratar uma doença (Anguela & High, 2019).

A NF1 é uma doença genética, resultante da mutação no gene que produz a proteína neurofibromina, presente em vários tipos celulares (especialmente em neurônios e nervos periféricos) e tem como função controlar o crescimento das células. Nas pessoas com NF1, essa proteína está ausente ou defeituosa, o que gera uma proliferação e um crescimento celular descontrolado, característico dos tumores (neurofibromas) observados na doença (Brems et al., 2009; Gutmann et al., 2017). Até o momento, não existe cura para a NF1, apenas tratamentos das condições específicas que surgem em cada paciente.

Mas, então, você poderia se perguntar: se o problema está na ausência da neurofibromina, por que não tomamos a neurofibromina artificial para correção da NF1? Existem alguns fatores a se considerar.

Primeiramente, esta é uma proteína grande (com cerca de 327 kDa e 2818 aminoácidos) e com uma conformação complexa (Nordlund et al., 1993; Upadhyaya et al., 2008), o que dificulta a sua síntese em laboratório.

Além disso, essa proteína é importante desde a vida intrauterina para o desenvolvimento do bebê, por isso muitas manifestações clínicas da doença, como as manchas café com leite, por exemplo, já estão presentes ao nascimento. Assim, a administração da neurofibromina após o nascimento não seria capaz de reverter as consequências da ausência dessa proteína em estágios iniciais do desenvolvimento.

Somando-se a isso, cerca de metade dos casos de NF1 são resultantes de mutações novas, quando não há histórico familiar (Mckeever et al., 2008), e, portanto, o diagnóstico da doença não é conhecido durante a gestação, o que inviabilizaria um possível tratamento.

Nesse contexto, terapias genéticas surgem como uma esperança de tratamento, e quem sabe até mesmo cura, para a NF1. Vejamos abaixo alguns dos avanços e pesquisas que estão sendo realizadas nessa área.

 

Terapia gênica direta – Substituição do gene defeituoso

 

A terapia gênica direta para NF1 busca corrigir a mutação ou substituir o gene NF1 defeituoso por uma cópia funcional (Leier et al., 2020), visando restaurar a função da neurofibromina e reduzir o crescimento dos tumores e outras manifestações associadas à doença. Essa parece ser uma excelente alternativa de tratamento, no entanto, alguns desafios ainda precisam ser superados para que a substituição do gene seja uma realidade.

Como já vimos, o NF1 é um gene grande, com cerca de 350 kb, e complexo (Pasmant et al., 2015), o que dificulta consideravelmente sua manipulação em laboratório. Pesquisadores conseguiram menos de 10% de sucesso nas taxas de transfecção, isto é, incorporação do gene funcional dentro das células (Bai et al., 2019). Além disso, o sistema de entrega do gene funcional ainda não está bem estabelecido para a NF1. Opções de entrega como a utilização de vetores virais, nanopartículas, exosomos e polímeros ainda não conseguem acomodar o tamanho do gene da NF1 em seu sistema. Imagine tentar transportar um bolo de casamento de 7 andares em uma bicicleta, é muito difícil conseguir entregar o bolo íntegro no local da festa.

 

CRISPR – Edição do genoma

 

Alternativamente à substituição do gene, a edição de parte do genoma se torna uma opção mais plausível no caso da NF1. Existem três abordagens principais para edição do DNA:

  • utilização de nucleases dedo de zinco (ZFN, do inglês zinc finger nucleases);
  • uso de nucleases efetoras semelhantes a ativadores de transcrição (TALENs, do inglês transcription activator-like effector nucleases);
  • sistema CRISPR-Cas (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats).

As duas primeiras utilizam como domínio de reconhecimento do DNA estruturas proteicas (dedos de zinco e proteínas TAL – transcription activator-like, respectivamente), ao passo que o sistema CRISPR-Cas utiliza o pareamento das bases nitrogenadas (adenina com timina e citosina com guanina), o que confere maior especificidade a essa metodologia.

Desde que foi descrito como ferramenta de edição de genoma em 2012 (Jinek et al., 2012), o sistema CRISPR-Cas vem sendo amplamente utilizado devido à sua simplicidade, eficácia e versatilidade (Wang & Doudna, 2023). Vamos entender um pouco mais sobre ele.

CRISPR acontece naturalmente em bactérias, como um mecanismo de defesa contra infecções por vírus (Figura 1) (Mojica et al., 2005). De maneira geral, quando um vírus infecta uma bactéria, ele injeta seu material genético dentro dela. Parte desse material é então incorporado no DNA da bactéria como um novo espaçador do sistema CRISPR. Vamos imaginar que a bactéria é uma casa que foi invadida pelo vírus. As câmeras de segurança conseguem identificar esse vírus e guardar a sua imagem nos arquivos (espaçadores do sistema CRISPR). Essa imagem é impressa e entregue aos seguranças para que fiquem alertas em caso de nova tentativa de invasão pelo vírus. No caso da bactéria, a sequência do vírus é, então, transcrita (“impressa”, isto é, a informação é passada de DNA para RNA) e processada para gerar os RNAs de CRISPR (crRNAs), como observado na Figura 1. Estes, por sua vez, associam-se a uma proteína Cas, que irá cortar o material genético do vírus invasor utilizando o crRNA como molde para esse silenciamento em infecções futuras (Wang & Doudna, 2023).

Figura 1: Representação esquemática do sistema CRISPR numa célula procariota. Com uma infecção por vírus, a bactéria incorpora parte desse material genético em seu próprio genoma, como um espaçador do sistema CRISPR (estágio 1). Essa informação será transformada (transcrita) em um pré-crRNA (estágio 2) e então processada para que, em caso de uma nova infecção viral, o crRNA maduro possa clivar (destruir) o material genético do vírus (estágio 3), impedindo o sucesso da infecção.

Inspirados nesse sistema, os pesquisadores começaram a trabalhar na possibilidade de utilizar CRISPR como ferramenta para edição de genomas. Após anos de estudo, o grupo liderado por Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier descobriu como realizar esse feito que iria revolucionar o campo das ciências biomédicas. Eles identificaram que para editar o genoma com CRISPR eram necessários basicamente três componentes (Figura 2) (Jinek et al., 2012):

  • RNA guia: é a combinação do crRNA (onde está a sequência complementar ao alvo) com o tracrRNA (contribui para a estabilidade da estrutura e seu reconhecimento pela enzima Cas);
  • Enzima Cas (do inglês CRISPR associated): essa enzima possui a capacidade de cortar o DNA na região específica identificada pelo RNA guia. Existem várias enzimas descritas hoje em dia, mas a primeira delas foi a Cas9;
  • DNA alvo com a sequência PAM: o DNA alvo é a sequência de interesse que será editada. Próximo a ela, está o motivo adjacente ao protoespaçador ou PAM (do inglês, Protospacer Adjacent Motif), que é uma sequência curta (cerca de 2 a 5 nucleotídeos) essencial para a ancoragem do complexo Cas/RNA guia. A sequência PAM funciona como uma bandeira para confirmação que aquela região do DNA alvo é realmente onde deve acontecer a edição.

 

 

Figura 2: Representação esquemática do sistema CRISPR como ferramenta de edição do genoma. Basicamente são necessários apenas três componentes, o RNA guia formado pela combinação do crRNA e o tracrRNA, a enzima Cas9 e o DNA alvo juntamente com a sequência PAM.

 

De maneira geral, o que acontece na edição do genoma é a entrega do complexo contendo o RNA guia acoplado à enzima Cas, para o tecido que necessita da edição. Um dos métodos mais comuns de entrega é através de vetores virais, que consistem em vírus modificados para não causarem doença, assim como por nanopartículas, exosomos, eletroporação, entre outros métodos de transporte.

Diversas adaptações foram realizadas nesse sistema para permitir uma atuação mais ampla na edição do genoma. Por exemplo, é possível modificar uma base nitrogenada sem necessariamente clivar o DNA utilizando proteínas acopladas à Cas, ou ativar e desativar genes, regular a expressão de genes através de modulação epigenética (afrouxando ou condensando o DNA para deixá-lo mais ou menos disponível para a maquinaria de transcrição da célula), entre outras aplicações [para maiores detalhes, ver revisão de (Chavez et al., 2023)].

Inúmeros estudos utilizam o sistema CRISPR como ferramenta de edição genética na busca pelo tratamento de doenças, mas, até o momento, apenas uma terapia gênica com essa ferramenta foi aprovada para uso em pacientes. No final de 2023, o Reino Unido, seguido dos EUA, aprovaram a terapia com CRISPR para tratamento da anemia falciforme e beta talassemia (Food and Drug Administration (FDA), 2023), após anos de pesquisas e acompanhamento de pacientes. Os resultados são bastante promissores e nos dão esperança para que, em breve, essa metodologia possa ser empregada no tratamento de outras doenças.

No que se refere à NF1, ainda existem poucos estudos com essa metodologia. De maneira geral, a literatura mostra a utilização da ferramenta CRISPR para criar organismos modelos experimentais da doença, a fim de que pesquisas mais aprofundadas possam ser realizadas para melhor entendimento da doença e busca de alvos terapêuticos. Contudo, até então, não existem publicações com o uso de CRISPR no tratamento da NF1.

Afinal, existe cura da NF1 com terapia gênica?

Leier e colaboradores e Staedtke e colaboradores resumem, em seus artigos de revisão, possibilidades de terapias genéticas para a NF1 (Leier et al., 2020; Staedtke et al., 2024). A terapia gênica é sim um grande avanço na medicina, no entanto, existem algumas limitações. É importante destacar que o tamanho e complexidade do gene NF1, a dificuldade com o sistema de entrega (vetores virais e não virais), o aspecto sistêmico da doença que afeta múltiplos órgãos e tecidos, a importância da neurofibromina desde a vida uterina, o diagnóstico tardio e a alta taxa de mutações novas em pessoas sem histórico familiar são alguns dos fatores que dificultam os avanços para o tratamento genético da NF1. Apesar disso, a ciência está caminhando em busca desse tratamento e espera-se que, em breve, novas possibilidades se tornem realidade.

 

Referências

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Outras informações sobre este tema em nosso site:

https://amanf.org.br/2016/04/crispr-nf/

https://amanf.org.br/2015/12/selecionar-bebes-sem-nf/

https://amanf.org.br/2016/02/novidade-no-dna-das-pessoas-com-nf1/

https://amanf.org.br/2016/03/pergunta-188-por-que-nao-dar-neurofibromina-para-quem-tem-nf1/

https://amanf.org.br/2016/09/reproducao-assistida/

https://amanf.org.br/2018/08/novas-mutacoes/

https://amanf.org.br/2019/04/quando-sera-cura-neurofibromatoses/

https://amanf.org.br/2019/05/reuniao-174-da-amanf-discutiu-novo-tratamento-genetico-a-festa-junina-e-outros-assuntos/

 

 

 

Dando continuidade à divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o cardiologista Jorge Sette, que tem nos auxiliado a compreender melhor os problemas cardiovasculares nas pessoas com NF1.

Agradecemos a sua participação com este texto bem fundamentado e atualizado.

Dr. Lor

 

 

Jorge Cavalcante Bezerra Sette

Cardiologista

 

Cerca de  4% das pessoas com NF1 apresentam uma complicação vascular importante que pode ser tratada com eficiência e para identificar esta complicação basta apenas uma ação muito simples, que pode salvar uma vida: medir a pressão arterial regularmente.

Um aumento relativamente recente da pressão arterial em pessoas com NF1, especialmente em crianças, jovens e adultos jovens, deve fazer o médico pensar em duas causas importantes: 1) a estenose da artéria renal e 2) um tumor chamado feocromocitoma.

Vejamos primeiro a estenose da artéria renal.

 

As artérias renais são vasos sanguíneos que levam o sangue aos rins, para que o sangue seja filtrado e algumas substâncias em excesso sejam eliminadas (por exemplo, ácidos e nitrogênio) na urina. Para que o sangue seja filtrado, é preciso que ele chegue aos rins com uma determinada pressão, que é fornecida pelo bombeamento do coração.

Em cerca de 2% das pessoas com NF1 pode ocorrer um defeito (chamado de displasia fibromuscular) na tubulação das artérias renais, que causa um estreitamento, o qual faz com que a pressão do sangue fique menor naquele rim que recebe o sangue da artéria estreitada. Como o sangue chega com menor pressão do que a necessária para a filtração, o próprio rim produz substâncias que forçam o aumento da pressão arterial.

O resultado desse estreitamento, então, é que a pressão arterial, aquela que deve ser medida com os aparelhos de pressão comuns durante os controles regulares anuais, aumenta acima dos limites normais para a idade, a estatura e o sexo da pessoa.

Se a pressão arterial permanecer aumentada durante muito tempo, o coração, os rins, as artérias cerebrais e as artérias dos olhos podem ser danificadas e problemas graves podem acontecer, como infarto no coração, incapacidade de os rins filtrarem o sangue,  derrames cerebrais e perdas na visão. Por isso, a hipertensão arterial deve ser tratada.

Felizmente, na NF1, há a possibilidade de tratarmos o defeito na artéria renal e assim a hipertensão pode ser curada em cerca de 75% das pessoas. O tratamento consiste na realização de uma angiografia, ou seja, num exame de imagem para visualizarmos o calibre e o formato das artérias renais, para comprovação do estreitamento e sua localização. Geralmente, faz-se um cateterismo por meio de anestesia local e passagem da sonda por uma das artérias das pernas.

Em seguida, durante o próprio procedimento do exame de imagem, na maioria dos casos, insufla-se um balão que consegue reestabelecer o fluxo de sangue ao rim. Caso haja alguma complicação, coloca-se um anel metálico especial de dilatação (stent) na região estreitada, recuperando-se parcialmente o calibre da artéria renal.

Este tratamento, a angioplastia trans luminal, deve ser o primeiro a ser tentado, pois apresenta  88% de bons resultados.

Quando o anel de dilatação não é possível ou não funciona, ou o estreitamento retorna, pode ser necessário o autotransplante do rim, ou seja, uma cirurgia que desconecta o rim da sua artéria obstruída e o reconecta a outra artéria sadia. Infelizmente, em alguns poucos casos, pode ser necessária a remoção de um dos rins para tratar a hipertensão.

Portanto, segundo o grupo da Dra. Rosalie Ferner, de Manchester (2011), o tratamento da hipertensão arterial secundária à estenose da artéria renal na NF1 é uma combinação de medicação anti-hipertensiva, angioplastia com balão da artéria renal e cirurgia.

Por isso tudo, a medida da pressão arterial é obrigatória, indispensável, fundamental e pode salvar uma vida em 2% dos pacientes com NF1 durante os controles anuais.

 

Outra causa de hipertensão: o feocromocitoma

 

A outra metade dos casos de hipertensão recente nas pessoas com NF1 acontece por causa do aparecimento de um tipo de tumor chamado feocromocitoma.

Este nome complicado, feocromocitoma, indica que é um tumor (oma) formado por células (cito) que são coradas (cromo) numa cor escura (feo). Estas células fazem parte do sistema nervoso, e ficam agrupadas na parte central de duas glândulas localizadas sobre os rins: as suprarrenais. Elas produzem alguns hormônios, incluindo a adrenalina, uma substância que todos conhecem ligada às emoções e aos exercícios, que ativa algumas funções no organismo, como o estado de alerta mental, os batimentos cardíacos e a produção de suor.

Nas pessoas com NF1, a deficiência de neurofibromina aumenta a chance de células do sistema nervoso e da pele crescerem desordenadamente formando tumores, por isso estas células produtoras de adrenalina também podem crescer mais do que o necessário, formando tumores em 2% das pessoas com NF1, em geral a partir dos 15 anos de idade, mas com maior frequência em torno dos 35 anos.

Quando ocorrem, os feocromocitomas geralmente são benignos (90%) e podem se apresentar com sintomas que significam o excesso de adrenalina no sangue. As pessoas com feocromocitomas podem apresentar sintomas em 50% das vezes e, quando apresentam, quase sempre são transitórios:

Os três principais sintomas são:

1)     Crises de aumento da pressão arterial em repouso ou hipertensão sustentada por vários dias;

2)     Palpitações (sensação de coração acelerado);

3)     Dor de cabeça – que pode ser leve ou intensa;

4)     Suor abundante sem relação com a temperatura do ambiente; pode estar acompanhada de tremor, fraqueza e falta de ar.

É importante lembrar que as crises de ansiedade, que afetam qualquer pessoa, inclusive aquelas com NF1, podem se manifestar exatamente com os mesmos sinais e sintomas, o que às vezes faz passar desapercebido um feocromocitoma.

Suspeitando da presença deste tumor, devemos medir a produção dos derivados da adrenalina na urina colhida durante 24 horas, chamadas de catecolaminas urinárias (ácido vanilmandélico, adrenalina, noradrenalina, metanefrina). Este exame é mais confiável quando a urina é colhida durante os sintomas acima.

Quando o exame urinário vem positivo, o próximo passo é realizar exames de imagem para localizar o tumor para guiar o tratamento cirúrgico. Em casos em que a suspeita clínica seja alta, mas o exame de urina esteja normal, outros exames são necessários. Os mais sensíveis são a ressonância magnética e a tomografia computadorizada com a emissão de pósitrons (PET CT), capazes de descobrir mesmo os menores tumores de até 1 cm. Este último exame pode auxiliar na descoberta de feocromocitomas também localizados fora do local mais comum que são as suprarrenais, como, por exemplo, no intestino, onde são chamados de tumores carcinoides.

A maioria dos feocromocitomas ocorre nas glândulas suprarrenais, mas 10% deles podem ocorrer nos intestinos, na artéria aorta (no arco aórtico ou no órgão de Zuckerkandl) e no mediastino.

Confirmada a presença do feocromocitoma (ou dos carcinoides), estamos diante de uma urgência de tratamento, que deve ser realizado por profissionais experientes neste problema.  O tratamento é cirúrgico e envolve uma preparação de cerca de 7 dias para conter os efeitos da adrenalina em excesso (com bloqueadores alfa e beta) antes da retirada dos tumores, que podem estar presentes em ambos os rins.

É preciso lembrar que os feocromocitomas ignorados podem ameaçar a vida, especialmente durante cirurgias e durante a gravidez.

Os casos mais graves, quando os feocromocitomas são malignos (10%), devem ser tratados com cirurgia e quimioterapia associada.

Mais uma vez, lembramos que é importante medir a pressão arterial de todas as pessoas com NF1 regularmente e, também, não esquecer de questionar os pacientes sobre os principais sintomas que possam dar pista ao diagnóstico (dor de cabeça, palpitação e suor aumentado).

 

E quando a pressão está aumentada sem uma causa definida na NF1?

 

Como vimos acima, as pessoas com NF1 correm maior risco de apresentarem dois problemas que causam aumento da pressão arterial: displasia da artéria renal (com estenose ou obstrução do fluxo de sangue para um ou os dois rins) e feocromocitoma (um tumor capaz de produzir adrenalina).

No entanto, um estudo procurou saber se as crianças com NF1 apresentam pressão arterial maior do que a população infantil sem a doença (ver aqui artigo em inglês: AQUI ).

O grupo orientado por Shay Ben-Shachar mediu a pressão arterial 3 vezes em 224 crianças com NF1, metade meninas, com idade em torno de 9 anos. Os resultados da pressão arterial foram classificados de acordo com a idade, o sexo e o percentil da altura de cada uma delas, em normais (menor do que o percentil 85%), pré-hipertensos (entre os percentis 85 a 95%) e hipertensos (maior que o percentil 95%).

Os resultados mostraram que em torno de 13% das crianças com NF1 eram pré-hipertensas e outras 13% eram hipertensas, o que significa que a hipertensão arterial é dez vezes mais frequente em crianças com NF1 do que na população em geral.

Outro achado importante do estudo foi que a hipertensão era maior na primeira medida (20%) do que na terceira, por isso devemos repetir a medida quando encontramos valores altos da primeira vez.

As condições do estudo não permitiram aos autores confirmar ou excluir as alterações vasculares nas crianças com hipertensão, assim, ainda não sabemos a definição exata da causa da hipertensão arterial nas crianças com NF1, mas levantaram a hipótese de que a pressão arterial aumentada faça parte das características da NF1. Esta hipótese merece ser mais estudada no futuro.

De qualquer forma, este estudo confirma e aumenta a necessidade de vigilância sobre a pressão arterial de pessoas com NF1, pois se não for tratada a hipertensão arterial pode causas complicações, inclusive fatais.

Portanto, não se esqueça de medir a pressão arterial pelo menos uma vez por ano.

 

 

 

Leandro Cruz Ramires da Silva

Médico cirurgião oncológico mastologista

e coordenador da AMA-ME

 

O desafio em busca da melhor qualidade de vida para pessoas portadoras de mutações genéticas que determinam condições crônicas, muitas vezes incapacitantes, acompanhadas de muito sofrimento para os próprios pacientes, suas famílias e seus principais cuidadores, acabou proporcionando nosso encontro, há pouco mais de cinco anos, com o Prof. Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, coordenador do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG.  Naquela época, eu atuava como coordenador da Mastologia na mesma instituição.

Esse desafio ganha uma dimensão ainda mais significativa quando essas mutações genéticas afetam nossos próprios familiares, nossos filhos e filhas. O fato de sermos médicos e pais nos transporta da convivência com esses pacientes, que antes se limitava ao ambiente hospitalar e ao consultório, para dentro de nossas casas. Aprendemos, de maneira privilegiada, a nos colocar no lugar do outro e a sentir “o peso do piano”. Desenvolvemos uma empatia mais profunda e canalizamos nossos esforços, iniciados desde a graduação em medicina, na busca por conhecimento e alternativas médicas, e não médicas, que possam melhorar a qualidade de vida, minimizando o desconforto e o sofrimento de nossos filhos e, consequentemente, de outros pacientes que compartilham dessas mesmas condições.

Neste contexto, nasceu a Associação Brasileira de pacientes de Cannabis Medicinal (ama-me), que em 2024 completa 10 anos e o Centro de Referência em Neurofibromatose do HC/UFMG, uma realização da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatoses (AMANF), que celebra 20 anos. A ama-me, entidade do terceiro setor sem fins lucrativos, surgiu inicialmente da necessidade de controlar, de forma sustentável, as crises convulsivas de crianças portadoras de epilepsia refratária e autismo, muitas delas decorrentes de doenças de origem genética, como as Síndrome de Dravet, Lennox Gastaut, West, CDKL5 dentre outras.

Nos últimos anos o Sistema Endocanabinoide (SEC)(1), tornou-se um alvo terapêutico muito importante, com evidências científicas cada vez mais crescentes, para:

  1. Distúrbios de Humor e Ansiedade: O SEC tem sido implicado no tratamento de distúrbios de ansiedade e humor, como Transtorno de Pânico, Transtorno de Ansiedade Social, Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno de Estresse Pós-Traumático e Transtorno Obsessivo-Compulsivo

 

  1. Câncer: O SEC desempenha um papel significativo no tratamento de vários tipos de câncer. Canabinoides têm demonstrado propriedades apoptóticas, anti-metastáticas, antiangiogênicas e anti-inflamatórias em diferentes modelos de câncer, como câncer de mama, pulmão, próstata, pele, entre outros.

 

  1. Doenças Neurológicas/Neurodegenerativas: O SEC é relevante no tratamento de doenças neurodegenerativas, como Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Doença de Alzheimer, Parkinson, Huntington, entre outras. Os canabinoides possuem propriedades neuroprotetoras e modulam a inflamação, podendo aliviar sintomas associados a essas condições.

 

  1. Doenças Autoimunes: O SEC também está implicado no tratamento de doenças autoimunes, como Esclerose Múltipla, Artrite Reumatoide, Doenças Inflamatórias Intestinais (como a Doença de Crohn e Colite Ulcerativa), Lúpus Eritematoso Sistêmico, entre outras. A interação dos canabinoides com os receptores CB1 e CB2 ajuda a regular o sistema imunológico e a resposta inflamatória.

 

  1. A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma das condições monogenéticas mais comuns e está associada a uma variedade de complicações de saúde, incluindo tumores benignos e malignos (como gliomas da via óptica, neurofibromas plexiformes, tumores malignos da bainha dos nervos periféricos e outros tumores do SNC), dores neuropáticas, dores de cabeça, convulsões, ansiedade, depressão, insônia, risco aumentado de constipação e síndrome do intestino irritável, dificuldades de aprendizagem ou atraso na fala, distúrbios de déficit de atenção, escoliose e risco elevado de outros tipos de câncer (como rabdomiossarcomas). Dadas as diversas manifestações, os problemas neurocognitivos e o risco de desfiguração e até mesmo de morte, não é surpreendente que pessoas com NF1 relatem uma diminuição significativa na qualidade de vida(2).

Estudo de longo prazo de uma coorte dinamarquesa de adultos com NF1 mostrou uma frequência aumentada de hospitalizações devido a doenças que afetam todos os sistemas do corpo ao longo de todas as fases da vida. Há um risco significativamente maior de transtornos psiquiátricos, incluindo distúrbios do desenvolvimento, como TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) e transtornos do espectro autista, além de maior dificuldade em estabelecer relações sociais. Mulheres com NF1 apresentam um risco aumentado de abortos espontâneos e natimortos. Indivíduos com NF1 relatam uma qualidade de vida reduzida, com uma alta necessidade de apoio profissional para lidar com problemas físicos, psicológicos e relacionados ao trabalho. A gravidade e a visibilidade da doença estão parcialmente associadas ao bem-estar psicossocial e à necessidade de suporte adicional(3).

Diante da complexidade dos sintomas associados à convivência com a NF1, o potencial terapêutico da Cannabis utilizada para fins medicinais pode contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida desses pacientes. Segundo o Mapa de Evidências sobre a Efetividade da Cannabis Medicinal, elaborado pela WeCann Academy em colaboração com a OPAS/BIREME e o CABSIN (disponível no link: https://mtci.bvsalud.org/en/evidence-map-on-effectiveness-of-medicinal-cannabis/), existem evidências robustas que apoiam a eficácia da Cannabis na melhora de condições como dor (crônica, neuropática, oncológica), espasticidade, náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia, epilepsia, ansiedade, insônia e doenças inflamatórias intestinais.

 

Nesse contexto, o uso medicinal da Cannabis torna-se uma opção atraente para pacientes com NF1, oferecendo algumas vantagens consideráveis, tais como:

Segurança: Não há registros de morte por overdose de Cannabis ou de seus derivados naturais.

Tolerabilidade: Em geral, os medicamentos à base de Cannabis são bem tolerados. O principal efeito adverso é o efeito psicoativo desencadeado pelo THC, que é dose-dependente e pode ser minimizado através da combinação com CBD. Além disso, a tolerância aos efeitos psicoativos desenvolve-se rapidamente, permitindo que os pacientes mantenham doses constantes sem necessidade de aumento ao longo do tempo (4).

Acessibilidade: Produtos à base de Cannabis já estão autorizados pela ANVISA e disponíveis em farmácias no Brasil. Além disso, a importação de produtos semelhantes, com maior variedade e menor custo, é possível através de um processo simplificado de obtenção de autorização para importação mediante prescrição médica, disponível no link: https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-autorizacao-para-importacao-excepcional-de-produtos-a-base-de-canabidiol.

Redução da polimedicação: O envolvimento do SEC em várias condições fisiopatológicas permite que o uso medicinal da Cannabis possa proporcionar alívio para uma série de condições que, de outra forma, necessitariam de um número maior de medicamentos. Isso, por sua vez, reduz o custo total do tratamento.

Autonomia: Com o tempo, o paciente torna-se capaz de avaliar seus próprios resultados com a terapia fitocanabinoide e fazer ajustes pontuais na medicação para obter melhores resultados.

 

A terapia com Cannabis para fins medicinais envolve o uso de óleos medicinais, cápsulas, cremes, pomadas, soluções e até supositórios, que podem ser produzidos a partir do extrato de Cannabis, constituído pelo insumo farmacêutico ativo obtido através da extração da resina presente nas flores secas das plantas fêmeas. A aplicação pode ser feita na mucosa oral, sublingual, por via oral ou vaporizada (aspirada). A taxa e a velocidade de absorção, o início do efeito e a metabolização dos fitocanabinoides estão diretamente relacionadas com a via de administração escolhida. As próprias flores secas são reconhecidas como medicinais e podem ser vaporizadas para proporcionar alívio mais rápido da dor.

De modo geral, os medicamentos de Cannabis são classificados em três quimiotipos principais: Quimiotipo I, com predominância de THC; Quimiotipo II, onde existe um equilíbrio entre as concentrações de THC e CBD; e Quimiotipo III, com predominância de CBD. A terapêutica canabinoide difere da terapêutica alopática convencional por ser mais individualizada. O mesmo quimiotipo pode proporcionar conforto e alívio para uma variedade de sintomas em um paciente e não ter a mesma eficácia em outros. A estratégia terapêutica deve começar com doses baixas, sendo os ajustes feitos gradualmente conforme os resultados, sempre dentro do contexto de acompanhamento próximo e de uma boa relação médico-paciente.

Além do CBD e do THC, outros fitocanabinoides (ver tabela 01.) também apresentam potencial terapêutico e podem ser úteis na melhora da qualidade de vida de portadores de NF1. De modo geral, quanto mais próximo da planta inteira for o medicamento, melhor será o efeito terapêutico alcançado. O uso de fitocanabinoides isolados, além de apresentar menor potencial terapêutico, está associado a uma maior possibilidade de efeitos colaterais indesejáveis. O uso da planta inteira favorece o “Efeito Entourage”, que caracteriza a relação sinérgica entre todos os compostos químicos presentes na Cannabis, promovendo melhor tolerabilidade e menos efeitos colaterais.

 

Tabela 01: Efeitos farmacológicos dos principais fitocanabinoides 

Fitocanabinoides Efeitos Farmacológicos
CDB Antiepiléptico, antioxidante, anti-inflamatório, antiemético, imunossupressor, antipsicótico, neuroprotetor, antineoplásico
Δ 9 -THC Antioxidante, antipruriginoso, anti-inflamatório, neuroprotetor, analgésico, antineoplásico, antináusea
CBG Antibacteriano, antifúngico, anti-inflamatório, previne a proliferação celular, antineoplásico, antidepressivo, anti-hipertensivo, analgésico
CBC Anti-inflamatório, analgésico
CBN Sedativo, anticonvulsivante, anti-inflamatório, antibiótico, antineoplásico
THCV Perda de peso, anticonvulsivante, anti-hiperalgesia, anti-inflamatório, antineoplásico
CBDV Inibe a degradação endocanabinóide, antináusea, anticonvulsivante, antineoplásico

Dor crônica, ansiedade, depressão, insônia, síndrome do intestino irritável, espasticidade, crises convulsivas, autismo e câncer são condições clínicas que ocorrem com maior frequência na população com NF1 e serão abordadas de forma individualizada a seguir.

 

Dor (crônica, neuropática, oncológica)

Os receptores canabinoides estão amplamente distribuídos por várias vias de modulação da dor, incluindo neurônios sensoriais centrais e periféricos, regiões do cérebro responsáveis pela discriminação sensorial, circuitos reguladores da dor no tronco encefálico e estados afetivos que modulam as respostas emocionais a estímulos nocivos, como a dor.

Os endocanabinoides AEA e 2-AG podem fornecer uma das primeiras respostas terapêuticas à dor (por exemplo, por meio da modulação dos receptores CB1, CB2, TRPs, PPARs e opioides), desbloqueando uma ou mais vias disponíveis para alcançar efeitos analgésicos.

Terapias baseadas em fitocanabinoides (por exemplo, THC, CBD) têm demonstrado graus variados de eficácia no tratamento dos oito tipos básicos de dor: crônica, aguda, central, periférica, inflamatória, nociceptiva, patológica e mental-emocional.

Um estudo multicêntrico transversal analisou pacientes com dor crônica devido à lesão medular espinhal que usavam regularmente cannabis medicinal (inalada, spray na mucosa oral e óleos medicinais). Esses pacientes relataram melhoras em espasmos (90,3%), padrões de sono (83,5%), sensação de bem-estar (75,4%) e diminuição da ansiedade (69,7%), além de melhora no apetite (53,3%) e na percepção da dor. Os efeitos adversos mais comuns atribuídos ao uso de cannabis medicinal foram boca seca (54,5%), gosto ruim na boca (29,6%), desidratação (28,7%), perda de memória (27,2%), letargia (26,3%), sonolência (21,7%) e constipação intestinal (17,2%). No mesmo estudo, pacientes que não utilizavam cannabis relataram desidratação (42,4%), perda de memória (32,1%), letargia (46,4%), sonolência (49,1%) e constipação intestinal (46,3%), todos esses efeitos adversos foram mais comuns em comparação usuários de Cannabis(5).

Em relação à dor crônica, neuropática ou não, o tratamento com cannabis medicinal busca atingir os seguintes objetivos: melhorar a eficácia analgésica geral, a autonomia, o sono e o humor; reduzir a carga de sintomas específicos da doença, a anedonia, a ansiedade, o uso de opioides, benzodiazepínicos, relaxantes musculares, hipnóticos, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), além do uso de substâncias ilícitas e lícitas (álcool, tabaco)(5).

Como sugestão para o tratamento da dor, o paciente pode iniciar com 5 mg de CBD duas vezes ao dia e aumentar a dosagem em 10 mg/dia (5 mg de CBD 2x ao dia) a cada 2 a 3 dias, até atingir 40 mg de CBD por dia. Se a dose predominante de 40 mg/dia de CBD não atingir os objetivos de tratamento, os médicos podem considerar iniciar com 2,5 mg de THC por dia e aumentar a dosagem em 2,5 mg de THC a cada 2–7 dias, até 40 mg/dia, mantendo a mesma dose predominante de CBD(5).

 

Ansiedade e depressão

Centenas de estudos foram conduzidos para examinar o envolvimento de todos os componentes do Sistema Endocanabinoide (SEC) no tratamento de transtornos de ansiedade e pânico. Uma porcentagem crescente desses estudos consiste em ensaios clínicos humanos de alta qualidade, incluindo várias revisões sistemáticas e metanálises. A literatura disponível atualmente descreve em detalhes como os fitocanabinoides e outros constituintes da planta de cannabis modulam os fundamentos biológicos e os estados de humor relacionados à ansiedade.

Quando comparados a controles saudáveis, pacientes com ansiedade apresentam alterações na expressão de receptores canabinoides(6), níveis de endocanabinoides(7), suas enzimas metabolizadoras correspondentes(8), além de um tônus ​​endocanabinoide alterado, resultando em sinalização endocanabinoide prejudicada(9).

Em pacientes com ansiedade, uma dose baixa de THC (por exemplo, 1-2 mg/dia) foi eficaz na redução  ansiedade sem produzir efeitos adversos significativos(10). Por outro lado, doses iguais ou superiores a 10 mg/dia de THC (administração oral) podem aumentar a ansiedade(11) quando administrado de forma isolada. No entanto, quando administrado na forma de óleo integral “full spectrum” que envolve todos os componentes da planta, o THC é muito seguro até uma dose de 30 mg/dia. A coadministração de THC e CBD  é vista como  benéfica em comparação ao uso de THC isolado em versão farmacêutica(4). Tratamentos orais com 600 mg de CBD foram capazes de neutralizar a ansiedade induzida por 10 mg de THC em voluntários humanos(12).

O THC pode induzir efeitos ansiolíticos ou, em doses mais altas, efeitos ansiogênicos e paranoicos, ou seja, quanto maior a dose de THC, maior a probabilidade de causar ou agravar estados de ansiedade. Para reduzir esse impacto, a coadministração de CBD e o controle da forma e via de administração são fundamentais.

O CBD induz mudanças de humor suaves e positivas, sem causar alterações na cognição ou sedação. Uma dose de 300 mg de CBD por dia, administrada durante quatro semanas, reduziu significativamente a ansiedade em adolescentes diagnosticados com transtorno de ansiedade social(13). A ação ansiolítica direta do CBD pode ser modulada por meio das vias de receptores de serotonina(14). Indiretamente, a inibição da FAAH pelo CBD pode aumentar a concentração de AEA, ajudando a regular a ansiedade(15).

Os resultados de pesquisas pré-clínicas e clínicas sugerem que o CBG possui propriedades ansiolíticas. O mecanismo pelo qual o CBG atua como ansiolítico ainda não está completamente elucidado, pois evidências “in vivo” e “in vitro” indicam que o CBG pode atuar como um antagonista do receptor 5-HT1A em doses mais altas, diferentemente do CBD(16). Além disso, o CBG pode inibir a recaptação de GABA, contribuindo para o alívio da ansiedade e dos espasmos musculares.

Há um crescente corpo de evidências científicas sugerindo que a homeostase proporcionada pelo Sistema Endocanabinoide (SEC) está envolvida tanto na patogênese quanto no tratamento da depressão. Relatos indicam que a cannabis pode exercer tanto efeitos pró-depressivos quanto antidepressivos, dependendo do quimiotipo utilizado (por exemplo, o uso de um Quimiotipo I de cannabis, com predominância de THC sobre o CBD). Diversos ensaios pré-clínicos demonstraram que a modulação dos receptores canabinoides clássicos, como CB1 e CB2, bem como de outros receptores sensíveis a canabinoides (por exemplo, 5-HT1A/serotonina, adrenérgicos, glutamatérgicos), pode produzir efeitos terapêuticos semelhantes aos dos antidepressivos farmacêuticos.

Dadas as limitações e a falta de resultados positivos a longo prazo dos tratamentos farmacêuticos tradicionais, o mecanismo preciso de modulação do Sistema Endocanabinoide (SEC) para produzir efeitos antidepressivos tornou-se objeto de intensa investigação. Estudos demonstraram que o THC pode produzir tanto efeitos pró-depressivos quanto antidepressivos, provavelmente de forma dose-dependente (quanto maior a dose de THC, maior o risco de efeitos adversos). Em contraste, o CBD tem mostrado resultados predominantemente positivos na mitigação dos sintomas de depressão, apresentando, ao mesmo tempo, um perfil de segurança muito favorável(17). Além disso, vários terpenos comuns da cannabis, como terpineol, beta-cariofileno, limoneno, pineno e linalol, demonstraram eficácia na mitigação dos sintomas da depressão.

Uma revisão sistemática de ensaios clínicos (26) relatou faixas de dosagem efetivas para o uso oral de CBD no tratamento de várias condições, variando entre 1 e 50 mg/kg/dia (com uma média de 15 mg/kg/dia, por exemplo, 1050 mg para uma pessoa pesando 70 kg). No entanto, devido às diferentes sensibilidades individuais, um regime de dosagem baseado em mg/kg pode não ser o método mais preciso; é preferível titular os pacientes a partir de doses iniciais mais baixas. O CBD demonstrou reduzir a ansiedade e a depressão sem causar alterações cognitivas ou efeitos sedativos. Doses a partir de apenas 50 mg/dia, distribuídas em duas ou três administrações diárias, podem apresentar efeitos positivos no controle da ansiedade e depressão. Bons resultados são observados com doses entre 100 e 150 mg de CBD por dia.

 

Insônia

A Cannabis tem sido usada há milênios para ajudar as pessoas a terem um boa noite de sono. A AEA, um agonista dos receptores CB1, aumenta o sono de ondas lentas e o sono REM (movimento rápido dos olhos), além de reduz a vigília(18), favorecendo a ocorrência de sonhos. Os fitocanabinoides THC e CBN, ambos agonistas nos mesmos receptores, demonstraram efeitos indutores do sono semelhantes, sendo que a combinação de THC e CBN apresenta efeitos indutores do sono mais significativos do que o THC sozinho e muito mais do que o CBN isoladamente(19).

Além do SEC, outros receptores como os de serotonina, dopamina, GABA e receptores adrenérgicos, também respondem favoravelmente a endocanabinoides, fitocanabinoides e terpenos, auxiliando na indução e regulação do humor e o sono. Os efeitos do uso de fitocanabinoides individuais são dose-dependentes, ou seja, a quantidade de um único canabinoide (THC, CBD, CBN) pode determinar resultados indesejados se for excessiva ou insuficiente. A proporção entre THC, CBN e CBD, bem como a presença de outros constituintes da planta, como terpenos (por exemplo, mirceno, linalol e limoneno), pode desempenhar um papel significativo na determinação do que funcionará melhor para cada paciente. Facilitar o adormecimento, promover um sono profundo, garantir sonhos sem pesadelos, manter o sono durante a noite e evitar a sonolência residual no dia seguinte são os principais objetivos da terapia com fitocanabinoides em busca da melhor qualidade do sono.

O THC pode promover o sono e reduzir o tempo necessário para adormecer, mas também pode causar sonolência matinal ou, em dosagens mais altas ou em indivíduos mais sensíveis, provocar pânico e ansiedade, piorando a insônia. Embora o THC possa ajudar a lidar com pesadelos relacionados ao estresse pós-traumático, pessoas que consomem grandes e frequentes quantidades de THC podem relatar uma ausência completa de sonhos.

O CBN tem uma sinergia significativa com o THC e pode ser especialmente vantajoso em casos em que o THC sozinho não é suficiente para promover o sono. Embora estudos clínicos diretos sejam escassos, revisões sistemáticas e um estudo duplo-cego sugerem começar com uma dose noturna de THC entre 2,5 a 10 mg, associada a CBN na faixa de 20 mgou mais como ponto de partida (20).

O CBD também possui um efeito bifásico dependente da dose: auxilia na qualidade do sono em dosagens de 50 a 160 mg/dia(21, 22), mas induz a vigília em dosagens em doses de 15 mg/dia(23).

 

Síndrome do Cólon irritável

O tratamento da dor visceral em pacientes com distúrbios da interação intestino-cérebro, como a síndrome do intestino irritável (SII), apresenta um desafio clínico considerável, com poucas opções terapêuticas disponíveis. Cada vez mais, os pacientes têm recorrido à cannabis e aos canabinoides para controlar a dor abdominal. A cannabis atua nos receptores do sistema endocanabinoide, um sistema endógeno de mediadores lipídicos que regula a função gastrointestinal e as vias de processamento da dor, tanto em condições normais quanto patológicas. O sistema endocanabinoide representa, portanto, um alvo terapêutico molecular lógico para o tratamento da dor associada à síndrome do intestino irritável(24). No que diz respeito à SII, não há dados que sugiram a superioridade de um quimiotipo em detrimento de outro, o que oferece flexibilidade para os pacientes escolherem a opção que melhor ajude a controlar seus sintomas.

 

Espasticidade

A eficácia do Quimiotipo II (CBD e THC em proporções semelhantes) no tratamento da espasticidade decorrente de esclerose múltipla foi estudada em quatro ensaios clínicos randomizados e controlados por placebo, todos demonstrando resultados positivos. Esses estudos avaliaram o uso do spray bucal Mevatyl® (Quimiotipo II, com 27 mg/ml de THC e 25 mg/ml de CBD), e as doses variavam entre os pacientes. Em média, seis a doze aplicações diárias mostraram-se eficazes no controle da espasticidade. Óleos medicinais integrais de Cannabis ricos em THC, utilizados por via sublingual apresentam resultados a partir de 4,0 mg/dia divididas em três ou quatro tomadas.

 

Epilepsia e autismo

Mais de uma centena de estudos primários, incluindo vários ensaios clínicos, examinaram diretamente os componentes do sistema endocanabinoide no contexto do tratamento da epilepsia. Agora, temos uma base científica relativamente sólida que nos permite tomar decisões mais sábias e práticas sobre que tipo de cannabis e quais compostos específicos provavelmente produzirão resultados anticonvulsivantes ideais da forma mais segura possível.

Mais de 40 estudos clínicos, incluindo ensaios rigorosos aprovados pela FDA, avaliaram a eficácia de um quimiotipo III de cannabis (com predominância de CBD e pouco ou nenhum THC) ou de um produto farmacêutico purificado à base de CBD, demonstrando potencial terapêutico para a epilepsia. Em pacientes com a síndrome de Dravet, o canabidiol, utilizado na dose de 20 mg/kg/dia em adição ao tratamento antiepiléptico padrão, ao longo de 14 semanas, resultou em uma redução significativa na frequência de convulsões em comparação ao placebo, embora tenha sido associado a taxas mais elevadas de eventos adversos(25).

Pacientes autistas tratados com medicamentos à base de cannabis ricos em CBD e THC, numa proporção Pacientes autistas tratados com medicamentos à base de cannabis ricos em CBD e THC, numa proporção de 20:1 (ou seja, 20 partes de CBD para uma de THC), apresentaram melhora na maioria dos principais sintomas do autismo, além de uma melhoria na qualidade de vida dos pacientes e suas famílias. Nesses casos, os efeitos colaterais são geralmente leves e pouco frequentes. Além disso, a alotriofagia (hábito de comer substâncias que não são alimentos) pode ser tratada com medicamentos à base de cannabis. Os resultados favoráveis alcançados com óleos medicinais integrais de cannabis também contribuem para a redução ou suspensão de outros medicamentos, diminuindo, assim, os efeitos adversos associados a esses tratamentos  (26).

É importante ter em mente que há diferenças significativas entre produtos medicinais de cannabis da planta inteira, CBD de espectro completo ou amplo, e a forma farmacêutica isolada do CBD. Os benefícios específicos da forma farmacêutica não necessariamente se aplicam a todos os produtos de cannabis ou CBD, devido às variações na qualidade e nos processos de fabricação.

 

Quimioterapia, cuidados paliativos, náusea e vômitos

Até o momento, a literatura científica disponível apoia, favorece ou, na pior das hipóteses, sugere a necessidade de mais estudos sobre o uso de terapias baseadas em canabinoides no contexto de cuidados paliativos. Vários ensaios clínicos em humanos testaram direta e especificamente os efeitos dos canabinoides em cuidados paliativos. Recentemente, um estudo clínico randomizado e duplo-cego, realizado em 2023, relatou que a maioria dos participantes se sentiu “melhor” ou “muito melhor” após 14 e 28 dias de tratamento com óleo de CBD (dose média de 400 mg, concentração de 100 mg/ml, administrado de 0,5 ml uma vez ao dia até 2,0 ml três vezes ao dia). No entanto, não houve diferença significativa em outros desfechos, como qualidade de vida, depressão e ansiedade, conforme demonstrado em estudos anteriores(27).

A cannabis tem se mostrado um remédio eficaz para o tratamento de náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia. Ao longo das últimas cinco décadas, uma vasta quantidade de literatura científica tem confirmado esse uso histórico dos constituintes da planta (principalmente THC e, em menor grau, THCA, CBD e CBDA) e elucidado uma série de mecanismos receptores precisos (principalmente via CB1, mas também via 5-HT1A e TRPV1) pelos quais os canabinoides produzem seus efeitos terapêuticos em casos de náusea e vômito induzidos pela quimioterapia.

Além disso, o CBD oral tem demonstrado ser eficaz na prevenção da neuropatia periférica aguda e transitória induzida por quimioterapia, quando administrado na dose de 150 mg de óleo de CBD duas vezes ao dia (300 mg/dia) por 8 dias, começando 1 dia antes do início da quimioterapia(28).

Em 2020, um estudo apresentado e publicado pela European Society for Medical Oncology (ESMO) considerou 81 pacientes elegíveis que apresentavam náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia intravenosa hematogênica, apesar da profilaxia antiemética consistente com as diretrizes. Esses pacientes foram randomizados para receber tratamento com cannabis medicinal. O tratamento consistiu em um ciclo de 1 a 4 cápsulas de THC 2,5 mg/CBD 2,5 mg, administradas três vezes ao dia. A adição de THC e CBD orais aos antieméticos padrão foi associada a uma redução nas náuseas e vômitos, e a maioria dos participantes preferiu o tratamento com THC e CBD ao placebo, mesmo na presença de efeitos colaterais, como sedação, tontura ou desorientação(29).

À medida que a ciência avança e os benefícios terapêuticos da cannabis medicinal se tornam cada vez mais evidentes, o preconceito contra seu uso por parte de pacientes e médicos está, lentamente, dando lugar a uma compreensão mais informada e compassiva. Para pacientes portadores de neurofibromatoses, a cannabis medicinal oferece uma nova esperança para o manejo de sintomas complexos e debilitantes. A crescente aceitação de tratamentos à base de cannabis reflete uma mudança significativa na mentalidade médica, focada não apenas em tratar a doença, mas em melhorar a qualidade de vida. Esta evolução no entendimento e na prática clínica sinaliza um futuro onde a cannabis medicinal será cada vez mais vista como uma opção legítima e valiosa para o tratamento de condições crônicas impostas pelas neurofibromatoses.

 

Bases farmacológicas da Cannabis medicinal

A Cannabis, nome científico da maconha, é uma planta angiospérmica que existe em nosso planeta há aproximadamente 32 milhões de anos e é utilizada com fins medicinais desde 2.700 a.C., além de ser fonte de fibras para tecidos e cordoaria há mais de 12.000 anos. De origem asiática, a maconha surgiu no noroeste daquele continente, em regiões montanhosas do Himalaia, norte da Índia e na parte mais ocidental da China. Em seu habitat natural, as plantas da família Cannabaceae, do gênero Cannabis, são distribuídas em três espécies: Sativa, Indica e Ruderalis. Domesticada há milénios pela humanidade, atualmente existem centenas de variedades de cannabis, obtidas através de cruzamentos botânicos, que se diferenciam principalmente pelas concentrações de seus componentes químicos: fitocanabinoides, terpenos e flavonoides.

Os fitocanabinoides são uma classe estruturalmente diversa de constituintes químicos naturais do gênero Cannabis. Essa classificação química é amplamente baseada na derivação de um precursor conhecido como ácido canabigerólico (CBGA) ou seu análogo, o ácido canabigerovárico (CBGVA), resultando na produção de aproximadamente 140 moléculas. Essas moléculas, isoladamente ou em conjunto com outros constituintes químicos da planta, produzem efeitos medicinais que variam do sistema nervoso central (SNC) ao sistema imunológico. Os mais conhecidos incluem o Delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), principal responsável pelo efeito psicoativo, o Canabidiol (CBD), o Canabigerol (CBG), o Canabinol (CBN) e a Tetrahidrocanabivarina (THCV), entre outros(30).

Desde os anos 80, um estudo brasileiro pioneiro, duplo-cego, prospectivo e randomizado, coordenado pelo Prof. Dr. Elisaldo Carlini, confirmou o benefício do Canabidiol (CBD), um fitocanabinoide, no controle de crises convulsivas em pacientes adultos(31). Naquela época o mecanismo de ação dos fitocanabinoides era desconhecido.

Ainda no final da década de 80, foi identificado, nas células nervosas, o código do DNA responsável pelo surgimento de Receptores Canabinoides de membrana celular conhecidos como CB1 abundantes nas células do SNC e periférico(32). Um segundo receptor, conhecido como CB2, foi identificada por homologia de sequência e presume-se que esteja presente na periferia, principalmente em células do sistema imunológico(33). Hoje, sabemos que CB2 também está presente no SNC. Os receptores CB1 e CB2 são bem caracterizados como receptores acoplados a proteína transmembrana G. Ambos reconhecem várias classes de compostos agonistas e antagonistas, produzindo uma variedade de efeitos celulares distintos a jusante. Polimorfismos naturais e variantes de splicing alternativo também podem contribuir para a diversidade farmacológica. À medida que o conhecimento sobre eles cresce, adquirimos a capacidade de direcionar conformações específicas dos receptores e suas respostas farmacológicas correspondentes(34).

Uma vez descobertos, os receptores canabinoides CB1 e CB2 foram identificados em diversas células do organismo humano, e sua distribuição é crucial para o entendimento do potencial terapêutico do Sistema Endocanabinoide (SEC)(1):

  1. CB1: Está densamente presente no cérebro, em áreas responsáveis pela memória, aprendizagem, coordenação motora, regulação de hormonal, percepção sensorial, recompensa, emoções e temperatura corporal. No tronco cerebral, área crucial para manutenção da vida, a concentração é inexpressiva. Além disso, CB1 também é encontrado em níveis mais baixos em outras partes do sistema nervoso central e em tecidos periféricos, como o fígado, o tecido adiposo e o sistema gastrointestinal.

 

  1. CB2: Este receptor é predominantemente encontrado nas células do sistema imunológico, como macrófagos e micróglia, e em células envolvidas em processos inflamatórios. A expressão de CB2 é alta em células imunes, e sua ativação está associada a propriedades imunossupressoras, como a indução de apoptose em células T e macrófagos, e a regulação da liberação de citocinas pró-inflamatórias.

Em 1992, Mechoulam e seu grupo identificaram a Anandamida (AEA), um endocanabinoide, produzido pelo próprio organismo, derivado do ácido araquidônico, que interage com o receptor CB1 de forma agonista(35). Em 1995, o mesmo grupo descreveu outro endocanabinoide, trata-se de uma molécula análoga à anandamida contendo um radical glicerol, o 2-arachidonoyl-glycerol (2AG), localizado no intestino de ratos, que apresentava afinidade pelos receptores canabinoides, embora com menos intensidade que o THC(36). A produção de AEA e 2AG ocorrem sob demanda a partir de precursores de fosfolipídios da membrana celular por múltiplas vias biossintéticas, ou seja, apenas quando necessário, em resposta a estímulos fisiológicos. Não existem reservatórios endógenos de endocanabinoides.

As enzimas precursoras dos endocanabinoides incluem N-aciltransferase (NAT) e N-acilfosfatidiletanolamina (NAPE-PLD) para a síntese de AEA e diacilglicerol (DAGLα/β) para a síntese de 2AG. Após cumprirem sua função, os endocanabinoides são metabolizados pelas enzimas Amida de ácidos graxos hidrolase (FAAH), que degrada a anandamida AEA, e a monoacetilglicerol lipase (MAGL), que degrada o 2AG. A inativação seletiva das enzimas de metabolização (FAAH e MAGL) representa uma abordagem promissora. O CBD tem sua ação potencializada porque é um inibidor da FAAH(37).

Receptores canabinoides CB1 e CB2; seus ligantes endocanabinoides AEA e 2AG, suas enzimas precursoras NAT, NAPE-PLD, DAGLα/β, e suas enzimas de metabolização FAAH E MAGL, compõem o Sistema Endocanabinoide (SEC) que está intrinsecamente relacionado a várias funções fisiológicas essenciais para manter a homeostase do organismo. Esse sistema abriu novas frentes de pesquisa, evidenciando seu papel não apenas na transmissão de estímulos nervosos, mas também no sistema imunológico (7). Os fitocanabinoides e outros canabinoides sintéticos interagem direta e indiretamente com os receptores canabinoides e outros receptores, ampliando o potencial terapêutico, como exemplificado abaixo(1):

  1. Receptor GPR55: É considerado um receptor canabinoide “órfão”, tem sido proposto como um receptor canabinoide tipo 3. GPR55 está envolvido em várias funções fisiológicas, incluindo a modulação da dor e a regulação da pressão arterial, e pode mediar efeitos inflamatórios.

 

  1. Receptores TRPV1 (Transient Receptor Potential Vanilloid 1): Embora não seja um receptor canabinoide clássico, o TRPV1 interage com os endocanabinoides como a anandamida. Esse receptor é conhecido por sua função na detecção e regulação da temperatura corporal e na modulação da dor.

 

  1. Receptores PPARs (Peroxisome Proliferator-Activated Receptors): São receptores nucleares que também podem ser ativados por endocanabinoides. Os PPARs desempenham um papel crucial na regulação do metabolismo, na inflamação e na homeostase energética.

No sistema nervoso, quando ocorre uma sobrecarga de estímulos a partir do neurônio pré-sináptico, os neurônios pós-sinápticos iniciam produção aumentada de AEA e/ou 2AG que atuam de maneira retrograda, ocupando receptores específicos no neurônio pré-sináptico. Essa ocupação leva à redução do estímulo nervoso, uma vez que a membrana neuronal se modifica para reter os neurotransmissores, cessando, assim, a continuidade do estimulo nervoso.

Assim como o SEC promove a modulação do sistema nervoso, a ação dos endocanabinoides nos receptores CB2, nas células do sistema imunológico, promove seu equilíbrio, impedindo seu funcionamento exacerbado.  Ambas as ações são fundamentais para a manutenção da vida.  O SEC é um sistema molecular vital manter a homeostase.

Homeostasia, do grego “homeo” (igual) e “stasis” (estático), é a condição de relativa estabilidade necessária para que o organismo realize suas funções adequadamente. É a propriedade de um sistema aberto, especialmente dos seres vivos, de regular seu ambiente interno, mantendo uma condição estável por meio de múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico, controlados por mecanismos de regulação inter-relacionados.

O SEC foi detectado na Hydra vulgaris, uma pequena espécie de cnidário de água doce, que mede entre 10 e 30 milímetros, que surgiu há aproximadamente 600 milhões de anos. Esse organismo, um dos mais primitivos com um sistema nervoso rudimentar, possui receptores canabinoides semelhantes aos encontrados em mamíferos e é capaz de produzir anandamida. Caracterizada por seu corpo tubular e simétrico radialmente, com uma extremidade contendo tentáculos que envolvem uma cavidade bucal(38), a Hydra é um exemplo de como o desenvolvimento do SEC foi fundamental para o processo evolutivo da vida em nosso planeta.

No ser humano, o SEC está implicado em uma ampla gama de processos fisiológicos e fisiopatológicos, incluindo o desenvolvimento do sistema nervoso, função imune, inflamação, apetite, dor, ciclos de vigília/sono, regulação do metabolismo e da energia, homeostase, função cardiovascular, digestão, reprodução, desenvolvimento e densidade óssea, plasticidade sináptica e aprendizado, regulação do estresse, estado emocional e humor, bem como em doenças psiquiátricas, psicomotoras, comportamentais, de memória e autoimunes.

 

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Grande parte das famílias que atendemos em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses relata que suas crianças passam muitas horas diante de telas (tablets, smartfones, televisão, games, jogos e séries). E falam também das dificuldades de comportamento dessas crianças.

Será que uma coisa tem a ver com a outra?

A Dra. Luíza Oliveira Rodrigues nos enviou o primeiro estudo científico bem controlado para responder a esta pergunta, que foi publicado recentemente na revista JAMA (ver aqui o artigo completo em inglês).

A equipe de cientistas considerou que o uso excessivo de mídia de tela tem sido associado a pior saúde mental entre crianças e adolescentes em vários estudos observacionais. No entanto, faltavam evidências experimentais que apoiassem essa hipótese. Assim, decidiram investigar os efeitos de uma intervenção de duas semanas com redução de mídia de tela sobre a saúde mental de crianças e adolescentes.

O estudo incluiu 89 famílias (com o total de 181 crianças e adolescentes) de 10 municípios dinamarqueses na região do sul da Dinamarca. Todos os procedimentos do estudo foram realizados no domicílio dos participantes.

As famílias foram divididas aleatoriamente em dois grupos: um grupo A – de redução de mídia de tela – e outro, B – de controle. Os participantes do grupo A tiveram que reduzir o uso de mídia de tela de lazer para 3 horas por semana ou menos por pessoa e entregar smartphones e tablets. O grupo B continuou a usar as telas como fazia anteriormente.

O resultado principal foi a redução nas dificuldades comportamentais no grupo A, que diminuiu seu tempo de tela.

O melhor impacto da redução de tempo de tela foi sobre sintomas emocionais e problemas com colegas.

Em conclusão, este estudo clínico randomizado descobriu que uma redução de curto prazo (apenas duas semanas!) no uso de mídia de tela de lazer nas famílias afetou positivamente os sintomas psicológicos de crianças e adolescentes, particularmente diminuindo problemas comportamentais e melhorando a integração social.

Mais pesquisas são necessárias para confirmar se esses efeitos são sustentáveis a longo prazo, mas este resultado já nos estimula a tentar reduzir o tempo de tela das nossas crianças.

Dr. Lor

 

 

Continuo os comentários sobre o último congresso realizado em Bruxelas.

O desejo da nossa equipe do CRNF seria de apresentarmos muitos outros conteúdos sobre o congresso, mas estamos sobrecarregados de trabalho no atendimento aos pacientes e tivemos diversos problemas de saúde em alguns de nossos familiares.

Além disso, estamos trabalhando bastante para realizar a edição comemorativa dos 20 anos do CRNF a ser lançada em novembro de 2024, na nossa festa anual.

Assim, vamos apresentando o que estamos conseguindo realizar.

 

Hoje , faço uma análise de um tema apresentado no congresso e que também saiu publicado na revista científica The New England Journal of Medicine de junho de 2024 (ver aqui artigo completo em inglês) com o título “Brigatinibe na Schwannomatose Relacionada à NF2 com Tumores Progressivos” pelo grupo de cientistas liderados por Jaishri O. Blakeley, do Massachusetts General Hospital.

A Schwannomatose relacionada à NF2 (NF2-SWN, anteriormente chamada de neurofibromatose tipo 2) provoca o crescimento de múltiplos tumores como schwannomas vestibulares, schwannomas não vestibulares, meningiomas e ependimomas. A doença geralmente é progressiva, necessitando de cirurgias repetidas e ainda sem medicamentos aprovados.

Alguns estudos de laboratório mostraram que uma droga chamada brigatinibe agiu como inibidora das tirosina quinases (estimulantes do crescimento celular) num tipo de schwannoma (não vestibular) e no meningioma induzidos por variante genética no gene NF2. Diante disso, a equipe da Dra. Blakeley realizou um estudo com brigatinibe em pacientes com múltiplos tipos de tumores progressivos em pessoas com NF2-SWN.

Neste ensaio, os pacientes com 12 anos de idade ou mais com NF2-SWN e tumores progressivos foram tratados com brigatinibe oral na dose de 180 mg por dia. O resultado principal foi a resposta radiográfica, ou seja, a variação de tamanho na ressonância magnética dos tumores chamados de “alvo”. Outros resultados secundários foram: segurança do medicamento, taxa de resposta em todos os tumores, melhora auditiva e resultados relatados pelo paciente.

Um total de 40 pessoas foram voluntárias (idade mediana de 26 anos) com tumores-alvo progressivos (sendo 10 schwannomas vestibulares, 8 schwannomas não vestibulares, 20 meningiomas e 2 ependimomas) e receberam o tratamento com brigatinibe.

Após 10,4 meses de uso do medicamento, segundo a equipe, a resposta radiográfica foi:

Redução de 10% para os tumores-alvo

Redução de 23% para todos os tumores

Outros resultados encontrados foram:

Meningiomas e schwannomas não vestibulares mostraram mais redução do que os schwannomas vestibulares.

As taxas de crescimento por ano diminuíram para todos os tipos de tumor durante o tratamento.

A melhora auditiva ocorreu em 35% das orelhas escolhidas.

Sugestão de redução da dor durante o tratamento.

Nenhum evento adverso grave (graus 4 e 5) foram relacionado ao tratamento.

 

Em conclusão, segundo os autores, o tratamento com brigatinibe resultou em respostas radiográficas em vários tipos de tumor e benefício clínico em um grupo de pacientes com NF2-SWN.

 

Comentários

Inicialmente, minha impressão é de que 10% de redução dos tumores-alvo e 23% de redução dos tumores em geral é um resultado insatisfatório.

Além disso, é preciso considerar que a perda de audição nem sempre está relacionada com o tamanho do tumor. Portanto, reduzir o tamanho do tumor não significa a melhora dos problemas dos pacientes.

Aliás, na Figura 2 publicada, há pessoas que apresentaram piora da audição numa orelha e estabilidade ou melhora discreta na outra. Ou seja, o medicamento não parece ter interferido nos tumores efetivamente.

Reduzir o tumor parece ser apenas um indicativo de que o medicamento está agindo nos processos celulares que promovem o seu crescimento e isto é um sinal promissor de que o caminho para tratamentos mais efetivos possa ser este.

Outro fator preocupante é que 45% das pessoas voluntárias abandonaram o tratamento por efeitos colaterais.

Uma limitação importante do estudo, admitida pelos próprios autores, é a falta de um grupo de pessoas usando placebo como grupo controle, uma vez que um dos resultados procurados pelas pessoas com NF2-SWN é a melhor compreensão das palavras numa conversa, ou seja, um dado fortemente influenciado por fatores subjetivos.

Finalmente, precisamos lembrar que este é mais um estudo realizado com apoio e financiamento da indústria que produz o próprio medicamento que está sendo testado, com diversos dos autores e autoras com conflito de interesse financeiro, pois recebem pagamentos das indústrias envolvidas. Além disso, foi também financiado pela Children’s Tumor Foundation (número no ClinicalTrials.gov INTUITT-NF2, NCT04374305.)

 

Conclusão

Infelizmente, o brigatinibe não mostrou ser uma droga capaz de melhorar a qualidade de vida da maioria das pessoas com NF2-SWN.

Dr. Lor

 

 

 

Terminou na semana passada, em Bruxelas, na Bélgica, a Global NF Conference, que reuniu uma parte da comunidade científica internacional que se dedica ao estudo da NF1 e das Schwannomatoses. Foram 305 assuntos abordados no congresso e destacamos a seguir algumas informações.

A primeira, é que foi um evento patrocinado por alguns laboratórios da indústria farmacêutica, principalmente a Astrazeneca (representada pela Alexion – seu braço comercial para as doenças raras) e a SpringWorks. Assim, já podíamos esperar, como aconteceu, as diversas sessões de propaganda explícita de medicamentos disfarçadas de comunicações científicas. 

A segunda, é que, no meio de muita propaganda, encontramos mais alguns tijolos úteis nessa lenta construção do conhecimento científico sobre NF1 e Schwannomatoses, como alguns avanços no uso da inteligência artificial (14 temas) e no chamado tratamento genético (outros 14 temas). 

A terceira, é que os medicamentos produzidos pelas indústrias patrocinadoras, chamados de inibidores da via MEK dominaram a pauta da reunião (1 em cada 5 temas discutidos). Assim, é preciso compreender o que são estes medicamentos antes de prosseguirmos nossa análise. 

Inibidores MEK 

Já se sabe que diversas manifestações clínicas da NF1 ocorrem porque há insuficiência de uma proteína chamada neurofibromina, a qual controla o crescimento celular assim:

Quando a célula deve crescer, ocorre um estímulo para o crescimento celular, que leva ao início de uma cadeia de eventos dentro da célula, que leva à ativação da etapa MEK, que leva à multiplicação celular. 

Quando a célula não deve crescer: ocorre um estímulo para o crescimento celular, que leva ao início da cadeia de eventos dentro da célula, mas ela sofre BLOQUEIO PELA NEUROFIBROMINA, evitando a ativação da etapa MEK , e então não ocorre multiplicação celular. 

Portanto, a insuficiência da neurofibromina nas pessoas com NF1 permite que a célula cresça quando não deveria, dando origem aos tumores (múltiplas células). 

Os medicamentos inibidores MEK foram desenvolvidos para “substituir” a neurofibromina, ou seja, inibir a etapa MEK, evitando o crescimento inadequado das células e a formação dos tumores.

O mecanismo suposto faz sentido e assim foi desenvolvido o medicamento selumetinibe (um dos inibidores MEK em estudo e discutidos no congresso), o primeiro a ser aprovado para uso terapêutico em diversos países nos neurofibromas plexiformes SINTOMÁTICOS E INOPERÁVEIS (ver aqui mais informações sobre isso). 

Os resultados de estudos com vários inibidores MEK foram apresentados no evento, a maioria deles com efeitos semelhantes ao selumetinibe: cerca de 30% de redução do volume dos plexiformes em metade das crianças que usaram a droga por pelo menos 8 meses, mas sem o uso de placebo para comprovação e com efeitos colaterais moderados (inclusive 10% de fraturas ósseas, ainda não relatadas, segundo resumo apresentado no evento pela pesquisadora Andrea Baldwin e colaboradores, vários deles também autores da pesquisa que justificou a aprovação do medicamento pelas autoridades de saúde).

Nos estudos apresentados em Bruxelas, a maioria patrocinada pelos fabricantes das drogas, além dos neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis, os inibidores MEK também estão sendo testados em experimentos clínicos, modelos animais, culturas de células e relatos de casos clínicos, mas os resultados são ainda inconclusivos nas seguintes situações: 

  1. neurofibromas cutâneos, 
  2. gliomas das vias ópticas
  3. glioblastomas  
  4. dor neuropática (em camundongos e mini porcos)
  5. dificuldades cognitivas (em moscas drosófilas)
  6. fadiga  (1 caso)
  7. tratamento adjuvante na transformação maligna 
  8. “preventivos” para crescimento dos tumores 
  9. “preventivos” para displasia do esfenoide
  10. tratamento de problemas psiquiátricos em pessoas com NF1

A expectativa de usar um mesmo tipo de medicamento para essa lista de problemas clínicos tão diferentes entre si parece pouco realista, mas, quem sabe? 

Em conclusão, é possível que a busca por tratamentos das complicações da NF1 com inibidores MEK continue por alguns anos e, nesta busca, esperamos que medicamentos mais eficientes, mais seguros e com preço mais acessível sejam encontrados. 

Esperamos também que, para isso, o financiamento dos estudos se torne cada vez mais público e menos privado (ver aqui as ideias de Isabelle Stengers como é possível), para garantir que as pessoas sejam as mais beneficiadas e não as ações da indústria de medicamentos.

Nos próximos dias comentaremos outras novidades do congresso. 

Dr. Lor

 

 

Opinião pessoal

Durante a consulta de uma criança com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), sua família perguntou se ela devia usar um medicamento divulgado nas redes sociais e então respondi que há algumas dúvidas sobre a eficiência daquele medicamento, lançado no comércio por um certo laboratório farmacêutico.

Momentos depois, quando sugeri o uso da vacina contra a COVID, a família manifestou sua desconfiança na eficácia da vacina, porque, segundo souberam, fora “inventada muito rapidamente” e, no entanto, foi produzida pelo mesmo laboratório.

Percebi, então, nossa contradição: como podemos confiar (ou desconfiar) das vacinas, mas confiar (ou desconfiar) no tal medicamento, sendo que a vacina e o medicamento são produzidos pelo mesmo laboratório?

Tento compreender.

Por um lado, para confiar nas vacinas, aprendi na faculdade e ao longo de minha prática profissional que as vacinas trazem consigo um histórico de salvar milhões de vidas com baixíssimos riscos. Elas são uma das grandes construções científicas que acompanho desde minha infância, quando ainda havia vítimas em cadeiras de rodas que não foram vacinadas contra a poliomielite entre meus colegas de geração.

Além disso, as vacinas são recomendadas por autoridades em saúde pública, local e internacionalmente, e tenho confiança nelas, acreditando que ministros, secretários e conselhos científicos devem recomendar o melhor para a saúde de suas populações.

Do outro lado, como especialista em neurofibromatoses, há anos acompanho os esforços de diversos laboratórios farmacêuticos para descobrir alguma droga que elimine, reduza ou, pelo menos interrompa o crescimento dos tumores da NF1 de forma eficiente.

Um dos laboratórios nessa corrida tecnológica conseguiu testar uma droga e os pesquisadores (alguns recebendo pagamentos do fabricante) afirmam que a substância reduziu o volume dos neurofibromas plexiformes em até 30% em metade das crianças testadas, com poucos efeitos colaterais. Com este resultado, o laboratório conseguiu a aprovação das autoridades de saúde, nos Estados Unidos e em outros países, inclusive no Brasil, para comercializar o produto.

Considerando o efeito modesto do medicamento (apesar de promissor para estudos futuros) e o custo altíssimo do medicamento (cerca de 1 milhão de reais por ano por paciente, por tempo indefinido), as equipes médicas da AMANF e do CRNF do HC UFMG consideram que há algumas situações em que o medicamento pode ser útil, mas não concordamos com a sua prescrição disseminada como vem acontecendo.

A maioria das pessoas não tem formação suficiente em biologia ou medicina para entender os resultados complexos das pesquisas com medicamentos.

Aliás, a mesma ciência que permitiu o desenvolvimento das vacinas também permitiu a criação das armas nucleares e acelerou a tecnologia predatória do capitalismo e a devastação do planeta.

Da mesma forma, as mesmas autoridades em saúde que aprovam os medicamentos e vacinas também podem, por motivos financeiros ou políticos, recomendar procedimentos criminosos, como aconteceu no ministério da saúde durante a pandemia de COVID no governo de Jair Bolsonaro, que levaram a um excesso de mortes de mais de 300 mil pessoas em relação aos demais países.

Em resumo, temos que ter cautela diante da propaganda do laboratório e também da aprovação das autoridades em saúde para o medicamento.

Como podemos enfrentar esse tipo de dúvida?

Então, precisamos nos organizar melhor em defesa da saúde como um todo, – do SUS – participando dos Conselhos Municipais de Saúde e elegendo representantes comprometidos com a saúde pública.

Mas também precisamos construir ou pertencer a entidades coletivas de defesa das pessoas com determinadas condições de saúde, que procurem influenciar a política de saúde pública, como tentamos fazer na AMANF, por exemplo.

Nessas entidades precisamos de pessoas capazes de compreender e explicar a ciência para as demais, tomando a ferramenta poderosa da ciência das mãos do capitalismo e utilizando-a em benefício do bem estar de toda a humanidade.

Aí, poderemos confiar nas respostas da ciência.

Neste caso da família atendida, é uma resposta a favor do uso das vacinas e da cautela com o tal medicamento.

Dr Lor