Agradecemos à família que pediu informações sobre um estudo com uma droga chamada trametinibe para os neurofibromas plexiformes, que foi registrado na Suécia em 2019 – e deveria estar apresentando seus resultados em julho de 2023 (ver aqui detalhes do registro do estudo) .

ATENÇÃO – Por favor, leia com atenção o texto abaixo, ANTES DE NOS PEDIR RECEITA para usar este medicamento – como aconteceu com algumas pessoas nas primeiras horas depois que postamos esta informação. 

O trametinibe é uma quimioterapia que age no organismo da mesma forma que o selumetinibe (são inibidores da via metabólica MEK1/2). O selumetinibe, já foi aprovado pela ANVISA, e sobre ele a equipe de médicas e médicos do Centro de Referência em Neurofibromatoses (CRNF) realizou um trabalho de esclarecimento (enviado inclusive para a ANVISA) que pode ser consultado aqui.

Trametinibe

Já existem alguns estudos sobre o uso do trametinibe no tratamento de pessoas com NF1 e neurofibromas plexiformes sintomáticos graves (com risco de vida) e que não podem ser tratados cirurgicamente.

O trametinibe também já foi utilizado em algumas pessoas com NF1 e gliomas sintomáticos graves, ou seja, tumores que estão reduzindo a visão e/ou produzindo puberdade precoce e outros problemas neurológicos.

Alguns casos raros graves de neurofibromas plexiformes podem ser beneficiados por medicamentos como o selumetinibe ou o trametinibe. Por isso, já indicamos para 2 crianças em cerca de 2 mil famílias no CRNF.

No entanto, aguardamos resultados de outros estudos científicos mais amplos sobre a verdadeira eficácia destes medicamentos e ainda não estamos convencides de sua indicação nos gliomas ópticos nas pessoas com NF1.

 

A informação mais objetiva que dispomos sobre o trametinibe, até o presente, é uma metanálise, ou seja, uma revisão de 8 estudos realizada em 2022, envolvendo o total de 92 pessoas com NF1 tratadas com trametinibe (ver aqui o trabalho original em inglês).

Esta revisão mostrou que o trametinibe parece estabilizar o crescimento dos tumores sem diminuir seu volume, e que a segurança do medicamento seria satisfatória, mas a qualidade científica destas pesquisas foi muito baixa ou, no máximo, moderada.

Em conclusão, precisamos de estudos científicos sobre trametinibe realizados com mais cuidados nas pessoas com NF1 para indicarmos o seu uso com segurança.

 

Quer entender por que os estudos com selumetinibe e trametinibe, até agora, são insuficientes?

Para compreendermos por que algumas pesquisas ainda são pouco conclusivas, vamos comentar o estudo sueco enviado pela família, porque ele é muito parecido com outros estudos realizados com o mesmo objetivo.

Começamos reproduzindo as palavras com as quais este novo estudo é descrito:

“Este estudo, Treatment of NF1-related plexiforme neurofibroma with trametinib; um estudo aberto de braço único com os objetivos de remissão parcial volumétrica e alívio da dor (EudraCT 2018-001846-32, protocolo patrocinador número BUS2018-1, número de referência relacionado da Novartis CTMT212ASE01T) é um ensaio clínico pediátrico que investiga o uso potencial de o medicamento trametinibe (Mekinist®) como tratamento para neurofibromas plexiformes (PN) sintomáticos ou com probabilidade de se tornarem sintomáticos relacionados à NF1 em crianças entre 1 ano e 17 anos e 11 meses de idade.”

Vamos entender o significado destas palavras destacadas em negrito, que geralmente são complicadas para a maioria das pessoas.

 

  • Estudo aberto de braço único

 Isto quer dizer que haverá apenas um grupo de 15 pessoas voluntárias, as quais receberão apenas o medicamento trametinibe, mas não haverá nenhum outro grupo de voluntários recebendo um placebo – num comprimido sem nenhum medicamento -, para que possa ser comparado o efeito da droga com o efeito psicológico, o chamado efeito placebo.

Em outras palavras, as pessoas voluntárias e os médicos saberão que elas estão usando o medicamento trametinibe, ou seja, pode haver uma sugestão psicológica que favoreça a resposta positiva das pessoas sobre um dos objetivos do estudo que é aliviar a dor.

Também não haverá a comparação dos possíveis efeitos do trametinibe com os efeitos de outra droga já usada para a mesma finalidade (o selumetinibe, por exemplo). Assim, não saberemos se nas mesmas condições o trametinibe é melhor, igual ou pior do que o selumetinibe.

Portanto, este estudo aberto de braço único é cientificamente fraco.

 

  • Remissão parcial volumétrica é suficiente?

Isto quer dizer que não se espera que o trametinibe possa eliminar o neurofibroma plexiforme, mas apenas reduzir o seu volume.

A redução de volume considerada satisfatória nestes estudos tem sido igual ou maior do que 20% do volume do tumor antes de iniciar a medicação.

Temos chamado a atenção para o fato de que alguns plexiformes gravíssimos podem de fato ameaçar a vida (comprimindo a traqueia e impedindo a respiração, por exemplo).

Nestes casos, raríssimos (apenas 2 pacientes em cerca de 2 mil famílias atendidas no CRNF), sim, a redução de 20% pode salvar a vida.

No entanto, para a grande maioria das pessoas com NF1 e plexiformes a redução de apenas 20 – 30% do volume do tumor (como aconteceu para metade das pessoas com o selumetinibe) isso pode representar um efeito que não muda a sua qualidade de vida.

Portanto, se o resultado for apenas a redução volumétrica parcial não será um desfecho relevante para a maioria dos pacientes.

 

  • Alívio da dor é real?

O objetivo do estudo indica que querem saber se o trametinibe pode reduzir o volume E aliviar a dor? Ou são objetivos separados? Alguém com plexiforme, mas sem dor, pode participar do estudo?

A avaliação da dor, já comentamos acima, é altamente influenciada pelo estado psicológico da pessoa doente (e de sua família).

Se as pessoas envolvidas com o estudo (laboratório fabricante, médico que receita, família da criança e a própria criança com o plexiforme) estiverem TORCENDO para o trametinibe “dar certo”, é possível que aconteça o que observamos com a redução da dor no estudo do selumetinibe (em média um ponto na escala de dor (de 0 a 10), sem que a gente tenha certeza se foi o trametinibe ou se um placebo faria o mesmo efeito.

 

  • Plexiformes sintomáticos ou potencialmente sintomáticos – o que é isso?

Sabemos que os plexiformes podem ser:

  • Assintomáticos, ou seja, a pessoa não relata qualquer problema relacionado com o neurofibroma.
  • Outros podem apresentar dor ao toque ou com o uso de roupas.
  • Outros podem apresentar dor frequente, espontânea (se for forte e persistente, temos que pensar em transformação maligna).
  • Outros causam deformidades ósseas.
  • Outros causam problemas estéticos.
  • Alguns permanecem estáveis a vida toda, outros crescem sem qualquer razão aparente ou param de crescer, e outros até diminuem de tamanho, também sem razão aparente.

Portanto, diante de uma determinada pessoa com um plexiforme, NENHUM MÉDICO DO MUNDO SABE o que irá acontecer nos próximos meses ou semanas.

Assim, como podemos dizer que um plexiforme é POTENCIALMENTE SINTOMÁTICO? Este conceito não possui uma base científica.

Portanto, neste estudo proposto para o trametinibe não estão bem definidos quais os sintomas que são SEGURAMENTE relacionados ao plexiforme e quais serão usados como critérios para inclusão das pessoas no estudo.

 

  • Outro problema: quais serão os plexiformes estudados?

Sabemos que existem neurofibromas plexiformes nodulares e neurofibromas plexiformes difusos e que eles são estruturalmente diferentes e com evolução e sintomas muito distintos.

Este estudo com o trametinibe não deixa claro quais os tipos que serão estudados.

Este é um problema que já denunciamos no estudo com o selumetinibe e que enfraquece ainda mais os resultados com o trametinibe, financiados por laboratórios que fabricam medicamentos de altíssimo custo e efeitos irrelevantes ou duvidosos para doenças raras.

 

Conclusão

 Precisamos de melhores estudos científicos que tragam resultados relevantes para a maioria das pessoas com neurofibromatose do tipo 1, as quais sofrem com seus neurofibromas plexiformes.

 

 

Dra. Juliana Ferreira de Souza

Dra. Luiza de Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Dr. Nilton Alves de Rezende

Enf. Marina Silva Corgosinho

 

Outubro de 2023

 

Saber QUANDO procurar especialistas é uma das questões importantes no acompanhamento das pessoas com neurofibromatoses.

Na maioria das vezes, a primeira consulta com especialistas em NF1 pode identificar os achados, as manifestações e as complicações da NF1 e classificar a gravidade da doença (ver aqui mais informações sobre isto).

 

NF1 com gravidades mínima e leve

Assim, na maioria dos casos, as pessoas com gravidade mínima ou leve devem levar uma vida normal, sem quaisquer restrições de atividades físicas ou alimentares.

 

As pessoas com gravidade mínima ou leve devem levar consigo um laudo da primeira consulta com especialista em NF1 e podem ser acompanhadas APENAS pela equipe multidisciplinar da Atenção Primária à Saúde (APS), junto ao médico(a) de família e comunidade (MFC) (pessoas de todas as idades), pediatra (crianças e adolescentes) ou clínica médica (pessoas adultas).

 

Especialistas em NF devem emitir laudos para orientar a equipe da APS e os profissionais médicos (MFC, pediatria e clínica médica) sobre os problemas que devem ser acompanhados nas crianças e adolescentes (geralmente dificuldades de aprendizado,  acuidade visual, pressão arterial, alinhamento da coluna e puberdade) ou nos adultos (geralmente pressão arterial, aconselhamento genético, neurofibromas cutâneos).

 

Quando surgir um sintoma novo ou no caso de alguma dúvida é o momento de ouvir a pessoa especializada em NF1.

 

De um modo geral, exceto nas situações de urgência, é claro, sugerimos aos profissionais da APS que ouçam a médica ou médico especialista em NF1, antes de serem indicados novos exames (ressonâncias, biópsias etc.) ou consultas com outros especialistas (cirurgia, neurologia, dermatologia etc.).

 

NF1 com gravidade moderada

Na primeira consulta, especialistas em NF1 podem identificar algumas complicações da NF1 que classificam a gravidade da doença como moderada.

 

Nestes casos, a pessoa com NF1 também deve retornar aos cuidados gerais da equipe multidisciplinar da APS, junto ao médico ou médica de família e comunidade (pessoas de todas as idades), pediatra (crianças e adolescentes) ou clínica médica (pessoas adultas), com o laudo detalhado e com reavaliações periódicas com especialista em NF1.

 

A situação ideal para os casos de gravidade moderada é aquela em que a APS coordena os cuidados gerais em parceria com a pessoa especialista em NF1 e com outras especialidades como a cirurgia, oftalmologia, neurologia etc.

 

Casos graves de NF1

Mais uma vez, acreditamos no papel de coordenação do cuidado do profissional médico da APS (MFC, pediatria ou clínica médica) na condução médica dos principais problemas existentes.

 

É preciso alguém com a visão de conjunto dos diversos e complexos problemas de saúde que acometem as pessoas com NF1 e maior gravidade.

Geralmente, os casos mais graves necessitam de consultas mais frequentes com especialistas em NF1.

Schwannomatoses

As Schwannomatoses (SCH) são mais raras do que a NF1 e geralmente se manifestam a partir da segunda década de vida.

Nas primeiras consultas com especialistas em NF, deve ser confirmado o diagnóstico do tipo de SCH (ver aqui mais informações sobre isto) e laudos devem ser entregues para ajudar a equipe da APS, no acompanhamento dos problemas gerais de saúde e daqueles agravados pelas SCH.

No entanto, as características neurológicas dos problemas clínicos nas SCH (baixa audição, dor, convulsões etc.) exigem a participação mais frequente da neurologia, neurocirurgia, fonoaudiologia, clínica de dor etc., além de especialistas em NF.

Conclusão

Apesar das NF serem doenças genéticas raras, a equipe multidisciplinar da APS, junto aos profissionais médicos da MFC, pediatria e clínica médica, devem coordenar o cuidado das pessoas com NF1 ou SCH e especialistas em NF devem seguir como consultores para o apoio permanente depois das primeiras consultas.

 

Dra. Juliana Ferreira de Souza

(Professora do Departamento de Pediatria, Coordenadora do Centro de Referência em Neurofibromatoses, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais)

 

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Médico, Professor Aposentado da UFMG, Diretor Administrativo da AMANF.

 

 

Ilustração: Dr Lor

 

Cientistas franceses estão estudando uma nova substância (cujo nome é binimetinibe) que pode vir a ser um tratamento para os neurofibromas cutâneos.

Eles publicaram recentemente (ver aqui) os resultados de sua pesquisa que é o primeiro passo sabermos se ele funcionará ou não. Eles criaram um camundongo geneticamente modificado que apresenta neurofibromas cutâneos e utilizaram o binimetinibe como uma pomada na pele dos camundongos. Os cientistas observaram que a nova droga inibiu o crescimento de novos neurofibromas cutâneos, mas não reduziu o tamanho dos neurofibromas existentes com o crescimento estabilizado.

As pesquisas seguintes precisam testar a segurança do uso do medicamento em seres humanos e se eles funcionam de forma eficiente.

Estamos torcendo para que este futuro se realize com este ou com outros medicamentos.

Veja abaixo o que eles publicaram (tradução livre minha).

Dr Lor

 

Título

A administração tópica de binimetinibe (inibidor de MEK) previne o desenvolvimento de neurofibromas cutâneos em camundongos mutantes com neurofibromatose tipo 1

Autores

F Coulpier , L Oubrou, L Fertitta , J-M Gregoire, A Bocquet , A-M , P Wolkenstein , K J Radomska ,  P Topilko

Instituições científicas

Instituto Mondor de Pesquisa Biomédica, Departamento de Dermatologia, Centro de Referência em Neurofibromatoses, Hospital Henri-Mondor, Pierre Fabre Dermatology, França.

Endereço eletrônico: katarzyna.radomska@inserm.fr

Resumo

Os neurofibromas cutâneos (nfc) são uma característica das pessoas com a doença genética neurofibromatose tipo 1 (NF1). Esses tumores benignos da bainha nervosa, que podem chegar a milhares, desenvolvem-se a partir da puberdade, podem causar dor e são considerados pelos pacientes como a principal carga da doença.

A causa dos nfc são variantes patogênicas que surgem por acaso – ou são herdadas – no gene NF1, um gene coordena diversas atividades nas células por meio da proteína neurofibromina.

Quando a proteína está insuficiente, a célula fica com dificuldade para controlar o crescimento das células de Schwann, que são consideradas a origem dos neurofibromas. Os mecanismos que regem o desenvolvimento dos neurofibromas ainda são pouco compreendidos e faltam tratamentos eficazes.

Uma das dificuldades para encontrarmos uma medicação eficiente é a falta de modelos animais apropriados. Para resolver isso, projetamos um camundongo geneticamente modificado que desenvolve neurofibromas cutâneos.

Usando esse modelo, descobrimos que o desenvolvimento neurofibromas cutâneos passa por três estágios sucessivos: iniciação, progressão e estabilização.

Descobrimos também que o trauma cutâneo acelerou o desenvolvimento de neurofibromas nos camundongos.

Por fim, usamos estes camundongos modificados para explorar a eficácia do inibidor de MEK chamado binimetinibe na cura desses tumores.

Verificamos que, enquanto o binimetinibe administrado topicamente tem um efeito seletivo e menor sobre os neurofibromas maduros (estabilizados), a mesma droga impediu o seu desenvolvimento por longos períodos.

Declaração de conflito de interesses

Declaração de Interesse Concorrente Os autores declararam não haver conflito de interesses