Recebemos algumas perguntas de uma família de Curitiba, que deseja esclarecer os problemas de voz em sua filha, que nasceu com NF1.
Para responder a estas dúvidas, convidamos a estudante Thaís Andreza, que está cursando Fonoaudiologia na Faculdade de Medicina da UFMG e é Bolsista de Iniciação Científica sob a orientação do Doutorando Bruno Cezar Cota Lage em sua pesquisa sobre terapia musical para as dificuldades cognitivas de adolescentes com NF1.
Inicialmente, apresento as dúvidas da família e, em seguida as respostas da Thaís, a quem agradecemos pela brilhante colaboração.
Perguntas da família
A questão que gostaríamos de compartilhar e para a qual solicitamos seu esclarecimento está relacionada com a fala da nossa filha de 5 anos, portadora de NF1.
Nossa filha possui a voz anasalada desde muito cedo e mais recentemente, dê uns 6 meses para cá, iniciou sessões de fonoaudiologia com exercícios diários. Ela tem evoluído, mas de forma muito lenta, a ponto da fonoaudióloga sinalizar um término de sessões devido insuficiência/incompetência velofaríngea (foi a primeira vez que nos deparamos com esse termo).
Pesquisando na internet sobre insuficiência/incompetência velofaríngea, encontramos associação com neurofibromatose: VER AQUI
O assunto nos trouxe várias dúvidas:
Existe mesmo correlação da voz anasalada com a NF1?
Esse problema persiste durante a vida adulta ou é mais restrito à infância?
Parece existir uma diferença entre insuficiência e incompetência velofaríngea.
“Insuficiência” talvez esteja mais associado com a anatomia das estruturas que impedem o fechamento velofaríngeo, enquanto que “incompetência” mais relacionado com questões de ordem neurológica.
Seria isso? De qualquer forma, no caso de existir correlação com a NF1, o mecanismo seria neurológico?
O tratamento com fonoaudiologia tem se mostrado efetivo para tratar a voz anasalada em crianças com NF1?
Há algum estudo/histórico de crianças com NF1 que precisaram se submeter a algum tipo de intervenção cirúrgica?
O otorrino que nos atendeu sugeriu fazer um exame de nasofibroscopia, porém, com a criança acordada e falando. Por se tratar de um exame invasivo e desconfortável para uma criança de 5 anos ficamos na dúvida se o momento seria adequado ou se aguardamos mais um tempo.
Praticamos exercícios diários de exercícios vocais: A-ÃHN, KÃ-GÃ, sopro de língua de sogra, respiron invertido (ela assopra em vez de inspirar) e tubo laxvox. Adicionalmente, não percebemos qualquer desvio no aspecto da audição.
Enfim, neste momento, temos buscado informações que possam contribuir para um direcionamento adequado seja com especialistas, exames etc.
Muito obrigado.
Respostas da Thaís Andreza
Prezades MR e SS,
Começo respondendo à pergunta principal de vocês: sim, existem correlações entre a ressonância predominantemente nasal em indivíduos com NF1.
Um estudo preliminar de Souza et al (2009), realizado no Centro de Referência em Neurofibromatose de Minas Gerais (CRNF-MG), demonstrou que 36% dos pacientes avaliados tinham hipernasalidade leve, além de mobilidade de palato diminuída, de forma regular (86%) entre outras alterações fonoaudiológicas associadas. A conclusão deste estudo foi de que as alterações fonoaudiológicas apresentadas pelos indivíduos com NF1 eram relacionadas às alterações neurológicas, que levam à hipotonia muscular orofacial e laríngea.
Outro estudo, realizado com indivíduos adultos com NF1 na Bélgica, relatou que, em relação ao grupo controle, os indivíduos com NF1 apresentaram maiores scores de nasalidade (COSYNS, et al. 2011).
Alguns anos depois, em 2013, a fonoaudióloga Dra. Carla Menezes da Silva estudou as alterações fonoarticulatórias em indivíduos com NF1, também no CRNF-MG, e, novamente, encontrou uso nasal excessivo, em concordância com a literatura (SILVA, 2013).
Além disso, encontrei outro estudo, mais antigo, aparentemente pioneiro na pesquisa da hipernasalidade na neurofibromatose, realizado em 1981, que analisou 7 pacientes e todos apresentaram hipernasalidade, em diferentes níveis, causada por “insuficiência velofaríngea”. Entretanto, em nenhum dos pacientes havia evidências de anormalidade estrutural do palato duro, palato mole, faringe ou coluna cervical. Apenas um dos casos apresentava alterações orofaciais, mas não na faringe e no palato. Ao mesmo tempo, o estudo notou que era improvável que essa disfunção fosse por conta de alguma neoplasia no sistema nervoso, pois não havia indícios disso. Assim, ele finaliza sugerindo que indivíduos com neurofibromatose parecem ter um risco aumentado de fala hipernasal, mesmo na ausência de anormalidades estruturais ou achados neurológicos, e que a patogênese da insuficiência velofaríngea na neurofibromatose pode não ser evidente. (POLACK e SHPRINTZEN, 1981).
A disfunção velofaríngea (DVF) é um distúrbio em que não há o fechamento velofaríngeo adequado durante a fala e/ou deglutição. A incompetência velofaríngea acontece quando a estrutura está adequada, porém a função (mobilidade) não está.
Já a insuficiência velofaríngea acontece quando a anatomia está inadequada, não há estrutura o suficiente para que o fechamento ocorra da maneira adequada. Em casos de crianças com fissuras labiopalatinas pode acontecer, ainda, da cirurgia de palato acontecer após o desenvolvimento da fala e, então, a criança continuar com o padrão de fala que aprendeu antes da cirurgia. Na NF1, um estudo realizado em 2012 verificou se havia uma associação entre insuficiência velofaríngea e pacientes com NF1 e encontrou que, dos 21 pacientes analisados, 11 apresentaram algum grau de insuficiência. (ZHANG et al., 2012).
Para avaliar se o indivíduo tem uma incompetência ou uma insuficiência, precisamos de um exame objetivo que nos mostre o funcionamento velofaríngeo. Para isso, a nasofibroscopia e a videofluoroscopia podem ser utilizadas, complementando a avaliação feita pelo fonoaudiólogo. Saber de qual alteração se trata é importante para pensarmos em como a terapia será feita. No caso da NF1, não podemos descartar a possibilidade de neurofibromas na região oral (apesar de raros). Caso algum neurofibroma acometesse a região de fechamento velofaríngeo, seria necessária uma avaliação médica para analisar a necessidade de sua retirada.
Um estudo de 2017 relatou um caso raro de insuficiência velofaríngea progressiva como sintoma na Neurofibromatose do tipo 1. Esse caso específico apresentou, também, alterações de ressonância magnética que evoluíram para uma neurocirurgia, mas, é bom dizer novamente, foi um caso raro. (Johnson AB, Phillips JD, Bright KL, Ocal E, Hartzell LD, 2017).
Por outro lado, procurando no portal periódicos CAPES e no Google Acadêmico, não encontrei artigos a respeito da efetividade do tratamento de disfunção velofaríngea em NF1. Assim, por enquanto, a melhor estratégia terapêutica pode ser decidida por um(a) fonoaudiólogo(a) especialista em disfunção velofaríngea, que avaliará melhor cada caso e poderá pensar em estratégias que podem ser utilizadas.
Espero que minhas respostas tenham sido úteis e me coloco à disposição para outros esclarecimentos.
Referências
COSYNS, M. et al. Voice characteristics in adults with neurofibromatosis type 1. Journal of Voice, v. 25, n. 6, p. 759-764, 2011c.
Johnson AB, Phillips JD, Bright KL, Ocal E, Hartzell LD (2017) Progressive Velopharyngeal Insufficiency: A Rare presenting Symptom of Neurofibromatosis Type 1. J Otol Rhinol 6:6. doi: 10.4172/2324-8785.1000328
Pollack, Michael A.; Shprintzen, Robert J. Velopharyngeal insufficiency in neurofibromatosis, International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology. Volume 3, Issue 3, 1981, Pages 257-262, ISSN 0165-5876. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0165587681900094
Silva, Carla Menezes da. Alterações fonoarticulatórias em indivíduos com neurofibromatose tipo 1. Belo Horizonte, 2013. Dissertação de doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
Souza, Juliana Ferreira de et al. Neurofibromatose tipo 1: mais comum e grave do que se imagina. Revista da Associação Médica Brasileira [online]. 2009, v. 55, n. 4 [Acessado 17 Abril 2022] , pp. 394-399. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-42302009000400012>. Epub 03 Set 2009. ISSN 1806-9282. https://doi.org/10.1590/S0104-42302009000400012.
ZHANG, I. et al. Neurofibromatosis and velopharyngeal insufficiency: is there an association? Journal of Otolaryngology – head & neck surgery, v. 41, p. 58-64, 2012.