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Avaliação Técnica e Científica do estudo que motivou a aprovação da droga Mirdametinibe para tratamento de neurofibromas plexiformes sintomáticos inoperáveis nos Estados Unidos

 

Realizada pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues a pedido do CRNF e da AMANF

 

Destinada a fornecer informações a profissionais da saúde, ao Sistema Único de Saúde, aos órgãos públicos reguladores (ANVISA e CONITEC) e planos de Saúde Suplementar.

 

Avaliação Técnica do Ensaio Clínico chamado ReNeu: A Pivotal, Phase IIb Trial of Mirdametinib in Adults and Children With Symptomatic Neurofibromatosis Type 1-Associated Plexiform Neurofibroma (ver aqui o artigo completo – em inglês)

 

Qualidade da evidência: muito baixa, de acordo com os critérios do GRADE (estudo de fase 2b, multicêntrico, não randomizado, de braço único, aberto, desfecho primário substituto, financiado pelos fabricantes do mirdametinibe).

Incluiu 2 coortes: 1 de crianças e 1 de adultos, com NF1 e com PN inoperável, radiologicamente mensurável, causando morbidade significativa.

Não há definição formal de “morbidade significativa” na descrição do método; infere-se, pela introdução, que seja: dor, deslocamento/compressão de órgãos, comprometimento da função física e desfiguração (sem definição formal) e deterioração da qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) de pacientes e cuidadores.

O desfecho primário foi a taxa de resposta objetiva confirmada (ORR), definida como a proporção de pacientes com uma redução ≥20% na ressonância magnética (RM) do volume do PN alvo, da linha de base ao ciclo 24 (fase de tratamento), avaliada por revisão central independente cega em ≥2 exames consecutivos dentro de 2-6 meses. 

Os desfechos secundários de eficácia incluíram duração da resposta (DoR) e mudança da linha de base ao ciclo 13, pré-especificado, para desfecho relatado pelo paciente (PRO) ou medidas de desfecho relatadas por procuração dos pais de pior gravidade da dor do tumor (Escala de Avaliação Numérica-11 [NRS-11]), interferência da dor (Índice de Interferência da Dor [PII]), e HRQOL (Inventário Pediátrico de Qualidade de Vida, versão 4.0 [PedsQL 4.0]).

 

As coortes incluíram pacientes muito heterogêneos, com PNs de volumes muito pequenos até muito grandes:

    • Coorte de crianças (2 a 17 anos, mas mediana de 10 anos) com 56 participantes, com PNs variando de 5 a 3.630 mL. 
      • O volume mediano foi de 99 mL, o que significa que metade dos pacientes na coorte das crianças tinha tumores de menos de 99 mL e metade tinha tumores de mais de 99 mL. 
      • Destes, 62% eram considerados progressivos e 38% não progressivos.
      • 70% tinham dor, 50% desfiguração ou deformidade maior (sem definição destas variáveis), 27% tinham disfunção motora e 12% tinham disfunção de via aérea.
  • 6 destas 56 crianças já tinham recebido inibidor de MEK antes
    • Coorte de adultos (18 a 69 anos, mas mediana de 34 anos) com 58 participantes, com PNs variando de 1 a 3.457 mL.
      • O volume mediano foi de 196 mL. Destes, 53% eram considerados progressivos e 47% não progressivos.
      • 90% tinham dor, 52% desfiguração ou deformidade maior (sem definição destas variáveis), 40% tinham disfunção motora e 5% tinham disfunção de via aérea.
  • 4 dos 58 participantes já tinham recebido inibidores de MEK.

O uso prévio de outro iMEK foi proibido depois de uma modificação do protocolo, durante a execução do estudo.

O ensaio compreendeu uma fase de tratamento de 24 ciclos, uma fase de tratamento opcional de acompanhamento de longo prazo (LTFU) e um período de acompanhamento de segurança de 30 dias após a descontinuação do tratamento. 

Os pacientes podiam continuar recebendo mirdametinibe até que qualquer um dos seguintes ocorresse: progressão da doença radiográfica confirmada centralmente, eventos adversos intoleráveis ​​(EAs), incapacidade de aderir ao protocolo ou descontinuação determinada pelo paciente ou pelo investigador.

 

Desfechos em adultos:

  • ORR: 41% dos adultos teve resposta objetiva (> ou = a 20% de redução do volume do PN alvo após 24 ciclos); E mais 2 adultos (3,4%) tiveram resposta objetiva na fase LTFU (nos ciclos 28 e 32). E 75% dos pacientes que tiveram resposta, ou seja, 18 pacientes, tiveram duração de pelo menos 12 meses de resposta. O tempo mediano para atingir a resposta foi de cerca de 7,8 meses. 
    • A mediana de tempo em tratamento foi de 21,8 meses (variando de 0,4 a 45,6) e a mediana de duração da resposta ainda não havia sido alcançada;
    • A melhor porcentagem mediana de redução no volume foi de –41% (intervalo, –90 a +13); 62% dos adultos (ou seja, 15 de 24) com uma resposta objetiva confirmada atingiram uma redução máxima da linha de base de >50% (ou seja, 26% dos adultos tiveram uma redução de >50% dos seus tumores).
    • 84% dos adultos que concluíram a fase de tratamento optaram por ingressar na LTFU (o estudo não fala quantos concluíram a fase de tratamento; mas como 13 (22%) descontinuaram o tratamento por eventos adversos, esses 84% não podem ser mais que 38 pacientes, mesmo que somente 24 (41% de 58) tenham tido resposta objetiva.
    • Entre os adultos que puderam alcançar uma melhora clinicamente significativa (definida no Suplemento de Dados, Seção I https://ascopubs.org/action/downloadSupplement?doi=10.1200%2FJCO.24.01034&file=DS_JCO.24.01034.pdf):
      • 17 (29% de 58) alcançaram uma melhora clinicamente significativa em Escala de Avaliação Numérica-11 da dor; 
      • 13 (22% de 58) alcançaram uma melhora clinicamente significativa em interferência da dor (Índice de Interferência da Dor [PII]
      • 17 (29% de 58) alcançaram uma melhora clinicamente significativa em Inventário Pediátrico de Qualidade de Vida, versão 4.0 [PedsQL 4.0]
      • Ou seja, em termos de melhora clínica, cerca de ⅓ dos pacientes apresentou alguma melhora clínica (que foi ainda menor que os 41% que apresentaram redução de tamanho do tumor na ressonância).
      • É importante ressaltar que a avaliação de desfechos subjetivos em estudos abertos é significativamente enviesada, pois não pode ser balizada pelo efeito placebo.

Houve bastante toxicidade (98%), sendo que 16% foram de grau maior ou igual a 3. Os eventos adversos relacionados ao tratamento (TRAEs) relatados em ≥20% dos adultos foram dermatite acneiforme (78%), diarreia (48%), náusea (36%), vômito (28%) e fadiga (21%). Dezoito adultos (31%) experimentaram uma interrupção da dose, 10 (17%) foram submetidos à redução da dose e 13 (22%) descontinuaram o tratamento devido a EAs.

Portanto, a magnitude do benefício, no desfecho de taxa de resposta objetiva, segundo os critérios da ESMO (Form 3 Para estudos de braço único em “doenças órfãs” e para doenças com “alta necessidade não atendida” quando o resultado primário é PFS ou ORR https://www.esmo.org/content/download/117393/2059180/1/ESMO-MCBS-Version-1-1-Evaluation-Form-3.pdf), pode ser considerada grau 3 (ORR >20 e <60% e duração de mais de 9 meses), que é moderada. Porém, vale lembrar que essa escala foi desenvolvida para avaliar pacientes com câncer (ou seja, tumores malignos) e pode, portanto, superestimar o benefício no tratamento de neurofibromas plexiformes de histologia benigna, que é uma doença crônica.

 

Em crianças, os resultados foram semelhantes:

  • Vinte e nove crianças (52%; IC 95%, 38 a 65) alcançaram uma resposta objetiva confirmada pelo BICR durante a fase de tratamento
  • Uma criança adicional obteve uma resposta confirmada (início ocorreu no ciclo 32) no LTFU.
  • 22 (76%) respostas objetivas confirmadas permaneceram duráveis, tendo atingido ou excedido 12 meses em resposta.
  • A duração mediana do tratamento foi de 22,0 meses (variação de 1,6-40,0)
  • A melhor variação percentual mediana no volume do PN alvo foi de –42% (intervalo, –91 a +48).
  • 15 crianças (27% das 56 crianças) com uma resposta objetiva confirmada atingiram uma redução máxima da linha de base de >50%.
  • No ciclo 13, uma melhora clinicamente significativa em relação à linha de base foi alcançada em 8 crianças (14,3% de 56) para NRS-11, 5 (9%) para PII relatado pelo paciente, 6 (11% de 56) para PII relatado pelos pais, 13 (23% de 56) para PedsQL Total Score relatado pelo paciente e 15 (27% de 56) para PedsQL Total Score relatado pelos pais (Suplemento de Dados, Fig S5).
    • Ou seja, em termos de melhora clínica, assim como para os adultos, menos de ⅓ dos pacientes apresentou alguma melhora clínica (que foi ainda menor que os 41% que apresentaram redução de tamanho do tumor na ressonância).
    • É importante ressaltar que a avaliação de desfechos subjetivos em estudos abertos é significativamente enviesada, pois não pode ser balizada pelo efeito placebo.
  • O tratamento foi bastante tóxico; 95% tiveram evento adverso, sendo que TRAEs ocorrendo em ≥20% das crianças foram dermatite acneiforme (43%), diarreia (38%), paroníquia (30%), náusea (21%), fração de ejeção diminuída (20%) e aumento da CPK (20%). Dezessete crianças (30%) tiveram uma interrupção da dose, sete (12%) foram submetidas a uma redução da dose e cinco (9%) descontinuaram o tratamento devido a eventos adversos.
  • 85% das crianças que completaram a fase de tratamento escolheram entrar na LTFU (também não fala quantas completaram a fase de tratamento), mas 5 interromperam o tratamento devido a eventos adversos, então, não mais que 43 crianças passaram pra LTFU, mesmo que somente 29 delas tenham tido redução do tumor e no máximo 15 delas tenha tido melhora clínica.

 

A magnitude do benefício para as crianças, no desfecho da taxa de resposta objetiva, segundo os critérios da ESMO também pode ser considerada grau 3 (ORR >20 e <60% e duração de mais de 9 meses), que é moderada. Porém, vale lembrar que essa escala foi desenvolvida para avaliar pacientes com câncer (ou seja, tumores malignos) e pode, portanto, superestimar o benefício no tratamento de neurofibromas plexiformes de histologia benigna, que é uma doença crônica.

A comparação indireta da coorte de crianças que recebeu mirdametinibe com uma coorte histórica (ajustada para diversas variáveis) revelou a curva de tempo para evento (Kaplan-Meier) abaixo:

Essas curvas apresentam taxas de censura muito diferentes entre os grupos e, portanto, é uma análise ainda imatura para o grupo mirdametinibe (nem a mediana foi atingida ainda neste grupo). Portanto, é uma comparação espúria, até que a coorte do mirdanetinibe tenha um tempo maior de acompanhamento e menos censuras.

Pontos importantes:

  • Não houve correlação da magnitude da resposta com o volume do PN;
  • Não houve correlação da melhora clínica com a redução do volume do PN;
  • Aparentemente a maioria dos pacientes, incluindo aqueles que mantiveram a resposta, ainda estão em uso da medicação;
  • O estudo não foi projetado para avaliar a durabilidade da resposta fora do tratamento ou os benefícios clínicos sustentados após a suspensão do tratamento;
  • A duração ideal do tratamento não foi avaliada no ensaio clínico;
  • Assim como com outros inibidores de MEK, os potenciais efeitos colaterais de longo prazo ou de surgimento tardio e o benefício potencial da terapia de longo prazo ainda não foram demonstrados, especialmente em crianças.

 

Em resumo:

É uma droga com o potencial de reduzir (em cerca de 40% a 50%) o volume dos plexiformes em cerca de 1 a cada 2 ou 3 pessoas, mas não são necessariamente os maiores plexiformes que têm mais chance de reduzir. Também pode produzir alguns benefícios clínicos em 1 em cada 3 a 4 pessoas (não necessariamente as mesmas que tiveram a redução do tumor). Esses efeitos parecem levar cerca de 8 meses para aparecer, cerca de 13 meses para atingir o pico e mantêm-se estáveis, na maioria das pessoas, enquanto tomam o medicamento. Porém, o medicamento é bastante tóxico, causando efeitos colaterais em quase todas as pessoas, efeitos que afetam o cotidiano e o bem-estar das pessoas, como dermatite acneiforme, diarreia, náusea, vômito e fadiga. Como os neurofibromas plexiformes são crônicos, e o remédio não oferece cura, pode ser que a pessoa tenha que tomar esse medicamento de forma contínua para manter os efeitos, pois não se sabe se os efeitos perduram quando a pessoa para de tomar. Porém, não se sabe ainda como o uso, por mais de 2 anos, desse medicamento pode afetar a saúde das pessoas e o crescimento e desenvolvimento das crianças. Além disso, o medicamento é muito caro e provavelmente não será custo-efetivo para os sistemas de saúde no mundo todo, inclusive para o nosso SUS e a nossa Saúde Suplementar.

 

 

Sim, temos mais um motivo de esperança de que haverá – no futuro – algum medicamento eficiente para os neurofibromas, pois outra droga foi capaz de reduzir parcialmente os neurofibromas plexiformes em quase a metade das crianças e adultos com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) que foram tratados com MIRDAMETINIBE (um inibidor de uma das vias – MEK – do metabolismo celular).

Apresentamos abaixo um resumo dos resultados do estudo que justificou a liberação da droga  (ReNeu: A Pivotal, Phase IIb Trial of Mirdametinib in Adults and Children With Symptomatic Neurofibromatosis Type 1-Associated Plexiform Neurofibroma ver aqui o artigo completo – em inglês). e nossos comentários em seguida.

Atenção profissionais da saúde: amanhã postaremos a Avaliação Técnica e Científica do estudo que motivou a aprovação da droga Mirdametinibe para tratamento de neurofibromas plexiformes sintomáticos inoperáveis nos Estados Unidos, realizada pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues a pedido do CRNF e da AMANF, destinada a fornecer informações científicas aos profissionais da saúde, ao Sistema Único de Saúde, aos órgãos públicos reguladores (ANVISA e CONITEC) e planos de Saúde Suplementar.

 

Os resultados do estudo clínico

Os autores do estudo pertencem a diversos centros de atendimento em NF1 nos Estados Unidos e reuniram informações sobre 58 adultos (de 18 a 69 anos) e 56 crianças (de 2 a 17 anos) com NF1 e com neurofibromas plexiformes (NP) sintomáticos que não podiam ser removidos cirurgicamente.

Os principais sintomas iniciais eram: dor (90% dos adultos e 70% das crianças) e deformidade estética (52% dos adultos e 50% das crianças).

Todas estas pessoas voluntárias receberam cápsulas ou comprimidos para suspensão oral de MIRDAMETINIBE (2 mg por metro quadrado de superfície corporal) duas vezes por dia, máximo de 4 mg duas vezes por dia), independentemente da ingestão de alimentos, em ciclos de 28 dias (sendo 3 semanas com a droga e 1 semana sem a droga).

O objetivo principal foi medir o volume do tumor antes e durante 25 ciclos de tratamento, para saber se a droga seria capaz de reduzir o tamanho do NP em 20% ou mais do volume inicial.

Este resultado foi observado em 24 dos 58 adultos (41%) e em 29 das 56 crianças (52%). Nos demais voluntários, o NP continuou estável ou interromperam o tratamento por efeitos colaterais ou crescimento dos tumores acima de 20% (ver figura acima com os resultados). .

Nos adultos e crianças que responderam positivamente ao MIRDAMETINIBE, a melhor resposta foi a redução de 41% nos NP dos adultos e redução de 42% dos NP nas crianças (mediana). Quer dizer, em 41% dos adultos os tumores reduziram 41% e em 52% das crianças os tumores reduziram 42% no seu volume.

Nas crianças – que responderam ao tratamento, – o volume inicial dos tumores era de 99 ml (ver representação volumétrica na figura abaixo) e passou para 57 ml.

Nos adultos – que responderam ao tratamento, – o volume inicial dos tumores era de 196 ml e passou para 115 ml.

 

Veja abaixo uma figura representativa da mudança no volume dos tumores

 

 

Os autores não encontraram qualquer relação entre o efeito do MIRDAMETINIBE e o tamanho do tumor no início do tratamento. Além disso,  a idade da pessoa também não influenciou a resposta à droga nos adultos e nem nas crianças.

Na escala de dor de 11 pontos, o uso do MIRDAMETINIBE reduziu a dor em 1,3 pontos nos adultos e 0,8 pontos nas crianças.

Os autores consideram seus resultados comparáveis aos resultados do estudo que serviu de base para a aprovação do SELUMETINIBE (ver estudo Sprint) tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

Todas as crianças e adultos que usaram o MIRDAMETINIBE apresentaram um ou mais dos efeitos colaterais: acne (43 e 78%, respectivamente), diarreia (38 e 48%), náusea (21 e 36%), vômitos (14 e 28%), cansaço (9 e 21%),  pele seca (14% e 14%), queda de cabelos (12 e 12%), redução da função cardíaca (20 e 12%), alteração da CPK sanguínea (20 e 10%), micose nas unhas (30 e 2%) e outros.

A conclusão dos autores é de que este foi o maior estudo (em número de pessoas) multicêntrico sobre NP em pessoas com NF1 e o MIRDAMETINIBE mostrou redução profunda e durável  de volume do NP e melhora da dor e da qualidade de vida, sendo bem tolerado em adultos e crianças.

 

Comentários da equipe do CRNF

Lemos detalhadamente e discutimos este estudo e apresentamos alguns comentários a seguir.

Esta nova droga indica que inibir a via MEK do metabolismo celular pode ser um caminho promissor para a descoberta de medicamentos eficientes no futuro, mas o MIRDAMETINIBE ainda não é o medicamento ideal – com o qual nós e todas as pessoas com NF1 sonhamos – para melhorar o sofrimento das pessoas com NF1 e neurofibromas plexiformes (ver aqui mais informações sobre os neurofibromas plexiformes).

Por que o MIRDAMETINIBE ainda não é o medicamento ideal?

1 – Houve pouca redução no tamanho dos tumores

A melhor redução do volume dos NP foi de cerca de 40% em menos da metade das pessoas (adultos e crianças) que conseguiram completar o estudo por dois anos.

Nossa dúvida é se esta redução do tumor – nas pessoas em que ele ocorreu – traria realmente benefício para a qualidade de vida das pessoas com NF1?

2 – Em cerca de 20% das crianças e 5% dos adultos o NP continuou crescendo mesmo com a quimioterapia

Nestas pessoas a droga não foi capaz de agir nos NP, fazendo com que o tratamento fosse suspenso.

3 – Em cerca de 20% das crianças e 15% dos adultos o NP permaneceu do mesmo tamanho

Isto significa que somando estes tumores que permaneceram estáveis com aqueles que continuaram crescendo, em mais da metade das pessoas a droga não fez nenhum efeito nos tumores.

Isto indica que os fatores biológicos que promovem o crescimento dos NP são diferentes entre as pessoas e o MIRDAMETINIBE não foi capaz de inibir todos eles.

4 – Todas as pessoas apresentaram efeitos colaterais

Mesmo que os efeitos não tenham sido fatais, foram graves o suficiente para cerca de 20% das crianças e 40% dos adultos abandonarem o tratamento.

Assim, o uso clínico desta quimioterapia seria limitado pelos efeitos colaterais que a pessoa com NF1 seria capaz de tolerar em troca de uma redução parcial do seu NP.

5 – A redução da dor foi de cerca de 1 a 2 pontos numa escala de 0 a 10 pontos

Isto quer dizer que se a dor antes era de 5, por exemplo, ela passou para 3 no grupo que recebeu o MIRDAMETINIBE. Será que foi mesmo o MIRDANETINIBE o responsável pela diminuição da dor?” 

6 – A redução do volume não apresentou relação com a melhora da dor

Não houve relação entre a redução no tamanho do tumor com a mudança da dor e da qualidade de vida. Portanto, apenas tentar reduzir o volume do NP não trouxe benefício obrigatoriamente para as pessoas que usaram o MIRDAMETINIBE.

Nossa interpretação, portanto, é que esta droga ainda não é o medicamento ideal, pois apresenta pouco benefício em relação aos seus riscos e o provável custo elevado, considerando-se as drogas semelhantes que já têm preço no mercado. 

 

Outras dúvidas

Além disso, nossa análise do estudo nos trouxe algumas dúvidas.

1 – Qual foi a indicação para o tratamento dos NP nas pessoas que se tornaram voluntárias?

As razões pelas quais os NP não podiam ser removidos parcial ou completamente por meio de cirurgia não foram informadas pelos autores, nem nos anexos disponíveis na internet.

Por exemplo, o volume dos tumores variou de 1 ml a 3,4 litros nos adultos e de 5 ml a 3,6 litros nas crianças. É difícil imaginar uma situação clínica na qual um tumor periférico (como são todos os NP) de 1 a 5 ml não possa ser retirado cirurgicamente quando apresenta algum sintoma intratável.

2 – O crescimento ou não dos tumores antes do tratamento

Em 53% dos adultos e 62% das crianças os NP estavam em crescimento antes do uso do MIIRDAMETINIBE.

Isto quer dizer que nos demais voluntários os NP apresentavam estabilidade, portanto, a indicação de tratamento nestes casos se torna menos evidente, ou seja, não deveriam apenas ser observados clinicamente por mais tempo?

3 – Foi mesmo o MIRDAMETINIBE que reduziu 1 a 2 pontos na escala de dor? 

Nos questionários sobre a qualidade de vida, cerca de 70% dos adultos e parentes das crianças relataram melhora com o uso da droga.

Isso indica que mais pessoas apresentaram melhora da qualidade de vida do que aquelas que tiveram redução no volume dos NP (cerca de 40 a 50%), ou seja, não haveria relação entre qualidade de vida e tamanho do tumor.

Em outras palavras, o simples fato de estarem “recebendo um medicamento” poderia reduzir a dor e melhorar a qualidade de vida, ou seja, seria o chamado efeito placebo?

5 – Por que não apresentaram as variantes genéticas encontradas nas pessoas voluntárias? 

Teria sido uma contribuição muito importante deste estudo se tivessem incluído uma análise da variante patogênica como um possível determinante de quais pacientes respondem melhor ao tratamento, uma recomendação que foi debatida no Congresso do de 2024 no Arizona, e que seria outro ponto para direcionar melhor o uso de quaisquer novas drogas. 

4 – Haveria interesses financeiros motivando os pesquisadores?

Algumas informações trazem alguma insegurança quanto a possíveis conflitos de interesse, pois muitos dos pesquisadores possuem vínculo com o laboratório fabricante do MIRDAMETINIBE.

O estudo que resumimos acima foi publicado na revista Journal of Clinical Oncology por 40 pesquisadores de várias instituições científicas norte-americanas, dos quais 13 deles têm relações comerciais com o Laboratório Spring-Works, fabricante da droga e financiador do estudo (ver aqui o artigo completo – em inglês).

Ficaríamos mais seguros sobre a isenção dos pesquisadores se TODOS eles não tivessem conflitos de interesse com a bilionária indústria de medicamentos.

A liberação rápida pela FDA

A agência norte-americana FDA (Food and Drug Administration) – semelhante à ANVISA no Brasil – liberou a droga MIRDAMETINIBE para ser usada no tratamento de neurofibromas plexiformes SINTOMÁTICOS E INOPERÁVEIS (ver aqui o comunicado) com base no estudo resumido acima e publicado em novembro de 2024 (ver aqui o artigo completo – em inglês).

O processo de liberação ocorreu de forma rápida (menos de 2 anos) porque o Laboratório inscreveu a droga na FDA como destinada a doença rara e doença órfã, o que facilita sua aprovação com menos exigências e comprovações de eficiência e segurança (ver ao final estudo Silvana e col.).

Um sinal de certa pressa na aprovação está na afirmação da FDA de que a droga MIRDAMETNIBE está aprovada para tratamento dos “neurofibromas plexiformes sintomáticos não passíveis de ressecção completa”.

Esta condição (ressecção completa) não faz parte do estudo que justificou a liberação e, além disso, sabemos que a imensa maioria dos neurofibromas não pode ser retirada cirurgicamente de forma completa  (ver informações sobre os plexiformes).

Se aplicada rigorosamente esta recomendação da FDA ela tornaria o MIRDAMETINIBE indicado para praticamente TODOS os neurofibromas plexiformes.

Ou seja, ampliaria o mercado de venda do produto de cerca de 5% dos pacientes com NF1 (que, de fato, apresentam NP sintomáticos e inoperáveis) – segundo nossa avaliação – para 50% da população com NF1. Uma simples palavra que pode resultar em lucros significativos.

 

Conclusão da equipe do CRNF

A principal questão diante de uma pessoa com NF1 e NP é saber se, quando e por quais motivos, devemos ou não realizar um tratamento, seja cirúrgico ou medicamentoso (Ver aqui mais sobre esta questão).

Os resultados apresentados acima com o MIRDAMETINIBE parecem, – a nós e, inclusive, aos autores do estudo, – que são semelhantes aos encontrados com o SELUMETINIBE.

Portanto, nossa sugestão é que – se e – quando o MIRDANETINIBE estiver disponível no Brasil, o seu uso seja orientado pelos mesmos passos clínicos que apresentamos anteriormente em nossa página (ver aqui).

 

Aguarde:

Amanhã postaremos a Avaliação Técnica do estudo que motivou a aprovação da droga Mirdametinibe para tratamento de neurofibromas plexiformes sintomáticos inoperáveis nos Estados Unidos realizada pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues a pedido do CRNF e da AMANF, destinada a fornecer informações a profissionais da saúde, ao Sistema Único de Saúde, aos órgãos públicos reguladores (ANVISA e CONITEC) e planos de Saúde Suplementar.

 

 

 

Agradecemos à família que pediu informações sobre um estudo com uma droga chamada trametinibe para os neurofibromas plexiformes, que foi registrado na Suécia em 2019 – e deveria estar apresentando seus resultados em julho de 2023 (ver aqui detalhes do registro do estudo) .

ATENÇÃO – Por favor, leia com atenção o texto abaixo, ANTES DE NOS PEDIR RECEITA para usar este medicamento – como aconteceu com algumas pessoas nas primeiras horas depois que postamos esta informação. 

O trametinibe é uma quimioterapia que age no organismo da mesma forma que o selumetinibe (são inibidores da via metabólica MEK1/2). O selumetinibe, já foi aprovado pela ANVISA, e sobre ele a equipe de médicas e médicos do Centro de Referência em Neurofibromatoses (CRNF) realizou um trabalho de esclarecimento (enviado inclusive para a ANVISA) que pode ser consultado aqui.

Trametinibe

Já existem alguns estudos sobre o uso do trametinibe no tratamento de pessoas com NF1 e neurofibromas plexiformes sintomáticos graves (com risco de vida) e que não podem ser tratados cirurgicamente.

O trametinibe também já foi utilizado em algumas pessoas com NF1 e gliomas sintomáticos graves, ou seja, tumores que estão reduzindo a visão e/ou produzindo puberdade precoce e outros problemas neurológicos.

Alguns casos raros graves de neurofibromas plexiformes podem ser beneficiados por medicamentos como o selumetinibe ou o trametinibe. Por isso, já indicamos para 2 crianças em cerca de 2 mil famílias no CRNF.

No entanto, aguardamos resultados de outros estudos científicos mais amplos sobre a verdadeira eficácia destes medicamentos e ainda não estamos convencides de sua indicação nos gliomas ópticos nas pessoas com NF1.

 

A informação mais objetiva que dispomos sobre o trametinibe, até o presente, é uma metanálise, ou seja, uma revisão de 8 estudos realizada em 2022, envolvendo o total de 92 pessoas com NF1 tratadas com trametinibe (ver aqui o trabalho original em inglês).

Esta revisão mostrou que o trametinibe parece estabilizar o crescimento dos tumores sem diminuir seu volume, e que a segurança do medicamento seria satisfatória, mas a qualidade científica destas pesquisas foi muito baixa ou, no máximo, moderada.

Em conclusão, precisamos de estudos científicos sobre trametinibe realizados com mais cuidados nas pessoas com NF1 para indicarmos o seu uso com segurança.

 

Quer entender por que os estudos com selumetinibe e trametinibe, até agora, são insuficientes?

Para compreendermos por que algumas pesquisas ainda são pouco conclusivas, vamos comentar o estudo sueco enviado pela família, porque ele é muito parecido com outros estudos realizados com o mesmo objetivo.

Começamos reproduzindo as palavras com as quais este novo estudo é descrito:

“Este estudo, Treatment of NF1-related plexiforme neurofibroma with trametinib; um estudo aberto de braço único com os objetivos de remissão parcial volumétrica e alívio da dor (EudraCT 2018-001846-32, protocolo patrocinador número BUS2018-1, número de referência relacionado da Novartis CTMT212ASE01T) é um ensaio clínico pediátrico que investiga o uso potencial de o medicamento trametinibe (Mekinist®) como tratamento para neurofibromas plexiformes (PN) sintomáticos ou com probabilidade de se tornarem sintomáticos relacionados à NF1 em crianças entre 1 ano e 17 anos e 11 meses de idade.”

Vamos entender o significado destas palavras destacadas em negrito, que geralmente são complicadas para a maioria das pessoas.

 

  • Estudo aberto de braço único

 Isto quer dizer que haverá apenas um grupo de 15 pessoas voluntárias, as quais receberão apenas o medicamento trametinibe, mas não haverá nenhum outro grupo de voluntários recebendo um placebo – num comprimido sem nenhum medicamento -, para que possa ser comparado o efeito da droga com o efeito psicológico, o chamado efeito placebo.

Em outras palavras, as pessoas voluntárias e os médicos saberão que elas estão usando o medicamento trametinibe, ou seja, pode haver uma sugestão psicológica que favoreça a resposta positiva das pessoas sobre um dos objetivos do estudo que é aliviar a dor.

Também não haverá a comparação dos possíveis efeitos do trametinibe com os efeitos de outra droga já usada para a mesma finalidade (o selumetinibe, por exemplo). Assim, não saberemos se nas mesmas condições o trametinibe é melhor, igual ou pior do que o selumetinibe.

Portanto, este estudo aberto de braço único é cientificamente fraco.

 

  • Remissão parcial volumétrica é suficiente?

Isto quer dizer que não se espera que o trametinibe possa eliminar o neurofibroma plexiforme, mas apenas reduzir o seu volume.

A redução de volume considerada satisfatória nestes estudos tem sido igual ou maior do que 20% do volume do tumor antes de iniciar a medicação.

Temos chamado a atenção para o fato de que alguns plexiformes gravíssimos podem de fato ameaçar a vida (comprimindo a traqueia e impedindo a respiração, por exemplo).

Nestes casos, raríssimos (apenas 2 pacientes em cerca de 2 mil famílias atendidas no CRNF), sim, a redução de 20% pode salvar a vida.

No entanto, para a grande maioria das pessoas com NF1 e plexiformes a redução de apenas 20 – 30% do volume do tumor (como aconteceu para metade das pessoas com o selumetinibe) isso pode representar um efeito que não muda a sua qualidade de vida.

Portanto, se o resultado for apenas a redução volumétrica parcial não será um desfecho relevante para a maioria dos pacientes.

 

  • Alívio da dor é real?

O objetivo do estudo indica que querem saber se o trametinibe pode reduzir o volume E aliviar a dor? Ou são objetivos separados? Alguém com plexiforme, mas sem dor, pode participar do estudo?

A avaliação da dor, já comentamos acima, é altamente influenciada pelo estado psicológico da pessoa doente (e de sua família).

Se as pessoas envolvidas com o estudo (laboratório fabricante, médico que receita, família da criança e a própria criança com o plexiforme) estiverem TORCENDO para o trametinibe “dar certo”, é possível que aconteça o que observamos com a redução da dor no estudo do selumetinibe (em média um ponto na escala de dor (de 0 a 10), sem que a gente tenha certeza se foi o trametinibe ou se um placebo faria o mesmo efeito.

 

  • Plexiformes sintomáticos ou potencialmente sintomáticos – o que é isso?

Sabemos que os plexiformes podem ser:

  • Assintomáticos, ou seja, a pessoa não relata qualquer problema relacionado com o neurofibroma.
  • Outros podem apresentar dor ao toque ou com o uso de roupas.
  • Outros podem apresentar dor frequente, espontânea (se for forte e persistente, temos que pensar em transformação maligna).
  • Outros causam deformidades ósseas.
  • Outros causam problemas estéticos.
  • Alguns permanecem estáveis a vida toda, outros crescem sem qualquer razão aparente ou param de crescer, e outros até diminuem de tamanho, também sem razão aparente.

Portanto, diante de uma determinada pessoa com um plexiforme, NENHUM MÉDICO DO MUNDO SABE o que irá acontecer nos próximos meses ou semanas.

Assim, como podemos dizer que um plexiforme é POTENCIALMENTE SINTOMÁTICO? Este conceito não possui uma base científica.

Portanto, neste estudo proposto para o trametinibe não estão bem definidos quais os sintomas que são SEGURAMENTE relacionados ao plexiforme e quais serão usados como critérios para inclusão das pessoas no estudo.

 

  • Outro problema: quais serão os plexiformes estudados?

Sabemos que existem neurofibromas plexiformes nodulares e neurofibromas plexiformes difusos e que eles são estruturalmente diferentes e com evolução e sintomas muito distintos.

Este estudo com o trametinibe não deixa claro quais os tipos que serão estudados.

Este é um problema que já denunciamos no estudo com o selumetinibe e que enfraquece ainda mais os resultados com o trametinibe, financiados por laboratórios que fabricam medicamentos de altíssimo custo e efeitos irrelevantes ou duvidosos para doenças raras.

 

Conclusão

 Precisamos de melhores estudos científicos que tragam resultados relevantes para a maioria das pessoas com neurofibromatose do tipo 1, as quais sofrem com seus neurofibromas plexiformes.

 

 

Dra. Juliana Ferreira de Souza

Dra. Luiza de Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Dr. Nilton Alves de Rezende

Enf. Marina Silva Corgosinho

 

Outubro de 2023

 

Nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), frequentemente precisamos esclarecer se um tumor é um neurofibroma ou se este neurofibroma sofreu uma transformação maligna, o que ocorre em cerca de 5 a 10% dos neurofibromas plexiformes e nodulares.

Essa dúvida ocorre quando uma pessoa com NF1 apresenta um tumor, um neurofibroma plexiforme ou um neurofibroma nodular – já existente, que cresceu rapidamente ou mudou de consistência (ficou mais duro e firme) ou começou a doer (dor forte e persistente) ou atrapalhou a função neurológica ou mais de uma destas mudanças ao mesmo tempo.

Nessa situação acima, temos que agir rapidamente para esclarecer se continua sendo um neurofibroma benigno ou se uma parte dele sofreu transformação para Tumor Maligno da Bainha do Nervo Periférico (TMBNP).

Os TMBNP são tumores agressivos que precisam ser retirados cirurgicamente o mais breve possível, pois não respondem bem à quimioterapia e nem à radioterapia.

 

Diante dessa dúvida, quais são nossas condutas?

 Nos últimos meses, discutimos este problema nas reuniões da equipe do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Dra. Juliana de Souza, Dra. Luíza Rodrigues, Dra. Hérika Martins, Dra. Carolina Feitosa, Enfermeira Marina Corgosinho, Dr. Bruno Cota, Dr. Nilton Rezende, Dr. Renato Viana e Dr. Lor).

Resumimos abaixo algumas das nossas conclusões sobre como saber se um tumor é benigno ou maligno.

 

  • Podemos realizar uma Biópsia

A retirada de uma parte do tumor (por agulha ou por cirurgia) e sua análise no laboratório seria o padrão mais confiável para definirmos se houve a transformação maligna, mas a biópsia apresenta alguns problemas nas pessoas com NF1.

A biópsia pode ser útil em outros tipos de câncer, quando todo o tumor é canceroso. Assim, qualquer fragmento colhido pela agulha poderá mostrar o tumor maligno.

 Na NF1 não acontece assim. Nos neurofibromas, a transformação maligna geralmente ocorre em parte do tumor. Então, a biópsia pode colher um fragmento da parte maligna e confirmar o diagnóstico e ajudar a salvar a vida da pessoa.

No entanto, a biópsia por agulha pode pegar apenas um fragmento da parte que continua sendo neurofibroma e não revelar o grande perigo que está ao lado.

Portanto, nas pessoas com NF1, não confiamos na biópsia com agulha quando o resultado é negativo (ver mais informações aqui).

 Além disso, para o acompanhamento de neurofibromas ao longo dos anos, biópsias repetidas podem não ser o método mais confortável para as pessoas. Então, precisamos contar com outros métodos que nos ajudem a esclarecer se um neurofibroma sofreu transformação maligna.

 

  • Podemos recorrer aos métodos de diagnóstico por imagens

Em 2022, cientistas chineses (Liu e colaboradores) publicaram uma revisão dos métodos diagnósticos da transformação maligna de neurofibromas, incluindo aqueles disponíveis e outros em estudo, como a Inteligência Artificial (ver aqui o artigo completo, em inglês).

Apesar do número relativamente pequeno de estudos científicos, por causa da NF1 ser uma doença rara, há vantagens e desvantagens de cada método, que serão resumidas a seguir.

Ultrassom

O ultrassom é um método não invasivo e econômico.

Quando um neurofibroma se torna maligno o ultrassom mostra tumores lobulados, com aspecto heterogêneo, com sinais de ampla circulação sanguínea.

No ultrassom de alta resolução, podem ser encontrados sete sinais sugestivos de transformação maligna:

  • Tumores maiores do que 5 cm
  • Crescimento rápido em semanas ou meses
  • Margens irregulares com edema
  • Aspecto heterogêneo
  • Aspecto infiltrativo
  • Vascularização estenótica, oclusiva, trifurcada e arcaica (enquanto nos benignos é hierárquica)
  • Contraste aumentado na periferia e inalterado no centro do tumor

No entanto, pelo fato do ultrassom ser um método que exige a presença do médico para ser realizado, seu acesso é mais difícil do que a ressonância magnética ou a tomografia, que podem ser realizados por pessoas com formação técnica. Além disso, a necessidade de realização de ultrassonografia com contraste para identificar a diferença de distribuição dele entre periferia e centro, torna o acesso ao exame ainda mais difícil.

Ressonância Nuclear Magnética (RNM)

A RNM é o método atualmente preferido para identificar tumores malignos, porque apresenta melhor resolução para tecidos moles, como são os neurofibromas.

Na RNM, nas imagens em T1, os neurofibromas benignos e o TMBNP são difíceis de distinguir, mas alguns achados ajudam a definir a possível malignidade:

  • Sugestivos de TMBNP:
    • Tamanho dos tumores maiores do que 5 cm
    • Imagens em T1 com gadolínio com aumento periférico da intensidade no TMBNP (e central nos neurofibromas)
    • Presença de hemorragia, necrose e aspecto cístico
    • Tumores com margens borradas (“em penugem”) e com edema ao redor
  • Sugestivos de neurofibromas benignos:
    • Massas bem definidas com alta intensidade em T2
    • Presença de área central menos intensa – o “sinal do alvo”

Com estes critérios, alguns estudos sugerem cerca de 65% de sensibilidade e 90% de especificidade para detecção do TMBNP.

A RNM funcional pode aumentar a sensibilidade para 88% e a especificidade para 94% se considerar os índices de difusão.

A RNM em 3 dimensões pode auxiliar na detecção precoce de aumentos volumétricos dos tumores e a arga tumoral aumentada na ressonância de corpo inteiro também pode sugerir a possibilidade de transformação maligna.

Limitações da RNM são:

  • É um método dependente da subjetividade do examinador
  • Há poucos estudos com os neurofibromas “atípicos” (tumores com padrão intermediário entre benigno e maligno)

 

Tomografia computadorizada (TC)

Não dispomos ainda de critérios seguros para distinguir neurofibromas de TMBNP apenas com a TC. Alguns estudos estão associando a TC com aprendizado de máquina (inteligência artificial) e podem no futuro trazer uma contribuição a esta questão.

Novamente, temos que observar que quanto à ressonância magnética e tomografia, uma vez que para alguns dos critérios estabelecidos para a distinção do tumor maligno é necessária a administração de contraste, é necessário que um médico esteja presente.

Positron Emission Tomography (PET)

 O método mais popular combina o PET com a CT (PET/CT), usando o contraste radioativo 18F-FDG.

Os achados mais importantes dos TMBNP no PET/CT são:

  • Aumento da captação do contraste (SUV maior que 3,15)
  • Heterogeneidade da captação

Limitações do 18FDG-PET/CT são:

  • Sobreposição de SUV entre neurofibromas atípicos e TMBNP
  • Sensibilidade 100% lesões assintomáticas – especificidade para negativo 100% – especificidade para positivo 46%
  • Custo elevado

Alguns estudos estão sendo realizados com novos marcadores, como 68Ga-PSMA PET/CT e 11-Metionina, mas ainda não temos um consenso sobre seu uso nas pessoas com NF1.

 

Combinação de PET com RNM (PET/RNM)

 Ainda com poucos estudos em NF1 e sem disponibilidade em nosso meio.

Radiogenômica

Trata-se de novos métodos em estudo, que procuram associar os resultados das imagens com análise genética. Alguns dos autores do estudo (Liu e outros) dividiram o gene NF1 em 5 domínios e associaram com dados clínicos e imagens de RNM e encontraram forte correlação com a transformação maligna.

 

Conclusões

Ainda não temos um consenso internacional, mas o indicador mais forte de transformação maligna é o aumento significativo do tamanho de um neurofibroma.

Nosso desafio futuro será encontrar correlações entre imagens e os 6 tipos histológicos de tumores mais comuns na NF1:

  • Neurofibroma
  • Neurofibroma com atipias celulares
  • Neurofibroma celular
  • ANNUBP – neurofibromas atípicos de potencial biológico incerto
  • TMBNP de baixo grau
  • TMBNP de alto grau

Por enquanto, precisamos verificar em nosso meio a viabilidade do ultrassom contrastado e a disponibilidade de ultrassonografistas com expertise nesse tipo de exame, para que possamos considerá-lo na nossa rotina de cuidados. Além disso, no fututo, combinar métodos e avançar nos estudos com inteligência artificial.

 

Belo Horizonte, 13 de julho de 2023

 

 

 

 

 

Este é um passo importante, pois você deve estar se perguntando por quanto tempo deve usar o medicamento selumetinibe, caso ele produza uma redução de 30 a 40% do volume do seu neurofibroma plexiforme ou melhore sua dor ou sua disfunção.

Infelizmente, ainda não sabemos esta resposta, pois no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020) as pessoas com plexiformes que responderam ao selumetinbe continuaram em uso por tempo indeterminado.

Algumas pessoas que estavam observando redução do plexiforme e tiveram que suspender o selumetinibe por algum motivo, apresentaram volta do crescimento do tumor.

Assim parece que o selumetinibe teria que ser usado continuamente para sustentar os efeitos positivos observados.

Por outro lado, ainda não sabemos os efeitos do uso prolongado do selumetinibe sobre alguns aspectos importantes da vida das pessoas:

  1. Qual o impacto do selumetinibe no aprendizado, na função cognitiva, na inteligência?
  2. Qual a chance do selumetinibe produzir alterações no crescimento, no desenvolvimento sexual e na fertilidade?
  3. Qual a chance do selumetinibe propiciar o aparecimento de doenças malignas

Em conclusão, aguardamos novos estudos científicos para podermos responder estas questões com segurança.

Assim, se você acha que mesmo com esta incerteza deveria experimentar o selumetinibe, vamos ao passo seguinte, que é o custo do medicamento.

Se você chegou até este passo é porque você provavelmente é uma criança ou adolescente (ou os seus familiares) que apresenta um neurofibroma plexiforme, que deve estar sofrendo as complicações do tumor a tal ponto que, depois de informada (o) no post anterior, seria capaz de tolerar os efeitos colaterais do selumetinibe.

Para isso, você precisa ter a garantia de que a equipe médica e alguns exames complementares estarão disponíveis, no tempo necessário, pelo Sistema Único de Saúde (ou autorizados pelo seu convênio durante o seu tratamento), ou você terá recursos financeiros próprios para arcar com estas despesas.

Este sistema de proteção deve funcionar da seguinte forma:

  1. A equipe médica deve realizar em você exames clínicos periódicos (ver post de amanhã).
  2. Alguns exames complementares podem ser necessários (por exemplo, ecocardiograma para avaliar a disfunção cardíaca).
  3. Pode ser preciso utilizar outros medicamentos para tratar as complicações (por exemplo as náuseas, diarreias e vômitos).
  4. A equipe médica pode precisar ajustar a dose do selumetinibe.
  5. Você e a equipe médica podem decidir interromper o tratamento por causa dos efeitos tóxicos.

Se você considera que pode contar com a supervisão médica durante o tratamento e poderia suportar estes efeitos colaterais para tentar resolver sua queixa principal em relação ao seu neurofibroma plexiforme, então vá para o passo seguinte (amanhã).

Se deseja rever os passos anteriores CLIQUE AQUI

 

Se você chegou até este passo é porque você provavelmente é uma criança ou adolescente que apresenta um neurofibroma plexiforme, sintomático e inoperável. 

Você deve estar sofrendo as complicações do tumor a tal ponto que precisa saber os possíveis efeitos colaterais do selumetinibe, se vale a pena o custo em relação ao benefício.

O trabalho científico da Dra. Gross e colaboradores (NEJM, 2020), que justificou a aprovação do selumetinibe nos Estados Unidos, relatou que 1 em cada 4 crianças teve efeitos colaterais intensos o suficiente para obrigar a redução da dose do medicamento e 1 em cada 10 crianças teve que suspender definitivamente o tratamento por causa de sua toxicidade. 

É importante salientar que a redução da dose ou a suspensão do tratamento podem levar à perda da resposta inicial ao remédio e o tumor pode voltar a crescer.

Então, vamos saber o que os inibidores de MEK, como o selumetinibe, podem causar no seu organismo

Outro trabalho científico (para ver o artigo original em inglês  CLIQUE AQUI ) analisou os efeitos colaterais destes medicamentos e a Dra. Laura Klesse e colaboradores (2020) usaram uma graduação da gravidade dos efeitos colaterais, uma tabela usada para avaliar os tratamentos de pessoas que têm tumores malignos (câncer), ou seja, para doenças potencialmente mortais (o que geralmente não é o caso dos neurofibromas plexiformes).

Os resultados mostraram que o uso do selumetinibe causou os seguintes efeitos colaterais mais comuns (graus 1 a 2):

 

  • Disfunção cardíaca em 4 de cada 10 crianças 
  • Diarreia crônica em 1 em cada 2 crianças
  • Fadiga (cansaço) em 1 em cada 2 crianças
  • Náusea ou vômitos em 1 em cada 2 crianças
  • Infecções nas unhas e pele das mãos e pés em 4 em cada 10 crianças
  • Acne (espinhas) em 6 em cada 10 crianças

 

Assim, se você usar o selumetinibe, terá uma chance grande de apresentar uma ou mais de uma destas complicações.

Sabendo que os efeitos colaterais podem acontecer, é preciso que você tenha um sistema de supervisão e comunicação permanente e direto com a equipe médica, para que ela possa reduzir ou corrigir estas possíveis complicações. 

No passo seguinte veremos como deve ser feita a supervisão médica CLIQUE AQUI

 

 

Antes de iniciar o tratamento com selumetinibe você precisa consultar uma cirurgiã ou cirurgião para saber se uma cirurgia poderia resolver sua deformidade, sua dor ou sua perda de função causadas pelo neurofibroma plexiforme. 

Você deve saber que somente conseguimos remover completamente os neurofibromas pequenos e superficiais, que geralmente não causam grandes problemas.

Os neurofibromas plexiformes maiores e mais profundos, podem envolver estruturas vitais e assim se tornarem impossíveis de remoção completa. 

Se o seu neurofibroma plexiforme não puder ser removido cirurgicamente ou a cirurgia não garantir a solução da sua queixa principal, você pode considerar o uso do selumetinibe como uma alternativa de tratamento. 

É preciso lembrar que os resultados possíveis do selumetinibe, de acordo com o estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020), são:

  1. Redução do tamanho do tumor, em cerca de 30 a 40%. 
  2. Outros resultados, como redução de dor ou melhora da qualidade de vida, podem ocorrer em uma proporção menor de pessoas, mas não está claro ainda qual o tamanho dessa melhora, quanto tempo ela leva para ocorrer e quanto tempo ela dura
  3. A redução no tamanho do tumor não se associou, no estudo, a estes outros resultados. Ou seja, reduzir o tumor não necessariamente leva a bons resultados em outros problemas da neurofibromatose do tipo 1.

Se você não puder realizar a cirurgia e acha que os efeitos possíveis do selumetinibe podem melhorar sua qualidade de vida, siga para o passo seguinte (clique aqui, a partir de amanhã).

 Se deseja retornar um passo, CLIQUE AQUI

 

É importante você saber que diante de um adulto ou uma criança ou um adolescente com neurofibroma plexiforme, podemos suspeitar que haverá fases de crescimento do tumor, outras de estabilidade e até mesmo fases de redução do tumor, mas não podemos afirmar com certeza o que irá acontecer nos próximos anos.  

Também precisamos saber qual tipo de neurofibroma plexiforme que você possui, porque existem dois tipos, os difusos e os nodulares e eles se comportam de forma diferente de acordo com a idade da pessoa. 

Veja neste link mais informações sobre os neurofibromas plexiformes difusos e nodulares: https://amanf.org.br/2020/10/como-crescem-os-neurofibromas-plexiformes/  

A maioria dos plexiformes apresenta algum crescimento na infância e adolescência, acima do crescimento natural da pessoa, mas os difusos crescem mais rapidamente antes da adolescência e os nodulares depois da adolescência. 

Assim, a sua idade pode ser um fator importante para saber se deve ou não usar o selumetinibe. O estudo que serviu de base para a aprovação nos Estados Unidos foi feito com crianças e adolescentes. Podemos dizer 3 coisas importantes sobre o crescimento dos neurofibromas plexiformes:

  1. Os difusos parecem ter uma biologia diferente dos plexiformes nodulares.
  2. A maioria dos difusos cresce na infância e os nodulares crescem mais tarde.
  3. Muitos plexiformes difusos podem reduzir seu tamanho na vida adulta.

Então, nos últimos meses, o seu plexiforme está crescendo, está do mesmo tamanho ou está diminuindo?

Outra questão importante é se o seu neurofibroma plexiforme está causando ou não problemas para sua vida. O selumetinibe foi aprovado nos Estados Unidos para neurofibromas que estejam causando problemas como deformidade, dor ou perda de função e que não possam ser corrigidos por meio de cirurgia.

Se o seu plexiforme está causando problemas para você, então veja o nosso post de amanhã, CLIQUE AQUI

Se você quiser rever nosso primeiro passo CLIQUE AQUI

 

 

Devo usar o novo medicamento? Como faço para conseguir o novo medicamento para neurofibromatose? Como devo usar? Quanto custa? 

Estas são as perguntas mais frequentes que temos recebido nos últimos meses, desde que o selumetinibe foi aprovado nos Estados Unidos para o tratamento de determinados casos de neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis.

Primeiro, você sabe o que é o selumetinibe? 

É um medicamento do tipo antineoplásico, que é como um tipo de quimioterapia, da classe dos inibidores de MEK, estudados e usados geralmente para tratar alguns tipos de câncer. 

O selumetinibe é um medicamento de uso por via oral, feito para ser tomado diariamente, mas que ainda não tem registro no Brasil pela Anvisa e, portanto, não está disponível, nem pelo SUS nem nas farmácias para compra particular.

Nós sabemos quanto sofrimento os neurofibromas plexiformes trazem para as pessoas com NF1 e suas famílias. 

Por isso, há vários anos , nossa equipe do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais tem estudado profundamente todos os trabalhos científicos que estão sendo publicados sobre o uso do selumetinibe na neurofibromatose tipo 1.

Temos discutido entre nós os resultados encontrados nestes estudos e também com o Dr. Carlos Magno Leprevost, da equipe médica do laboratório fabricante do remédio (AstraZeneca) e com um dos médicos autores da pesquisa que justificou a liberação do medicamento nos Estados Unidos, o Dr. Michael Fisher.

Além disso, participamos do último Congresso Europeu sobre neurofibromatoses em dezembro, realizado por videoconferência a partir de Roterdã, e levamos para lá nossas análises sobre o selumetinibe na forma de dois posters, que foram apresentados e discutidos com outros especialistas. 

 

Relógio de cuidados

Nossa resposta para esta importante questão sobre quando usar o selumetinibe será apresentar publicamente uma série de cuidados que construímos para que cada pessoa (ou sua família) com NF1 possa entender os efeitos esperados do remédio e decidir junto com seu médico ou sua médica e com segurança se deve usar ou não o selumetinibe e durante quanto tempo.

As etapas que cada pessoa ou cada família deve seguir estarão explicadas aqui no blog, um passo a cada post (um post por dia), até completarmos os 12 passos. 

A partir de amanhã, iremos iniciar e seguir passo a passo com você para sabermos se você tem tumores semelhantes aos que foram estudados, o que você espera do selumetinibe e o que ele pode oferecer, quais os cuidados a tomar durante o tratamento e qualseria o custo do medicamento.

Os passos estão resumidos na figura acima, que ilustra o nosso “Relógio de Cuidados“.

Clique aqui para ver nosso próximo passo