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Recebi há poucos dias uma revisão científica sobre o diagnóstico de algumas doenças que possuem algumas características em comum com as neurofibromatoses, chamadas de doenças neurocutâneas.

O artigo[1] foi publicado em janeiro de 2016 pela equipe de neurologistas da Universidade de Chicago, entre eles o brasileiro Dr. Nikolas Mata-Machado, que tem colaborado conosco na Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses, e que teve a gentileza de me enviar uma cópia do artigo.

O título traduzido é “Doenças neurocutâneas para o neurologista prático: uma revisão específica”. O artigo revê de forma muito objetiva os principais critérios diagnósticos para as neurofibromatoses (NF1, a NF2 e a Schwannomatose) que são as mais comuns e depois apresenta os critérios clínicos para outras doenças neurocutâneas mais raras: Telangiectasia hemorrágica hereditária, Esclerose tuberosa, Doença de von Hippel-Lindau, Hipomelanose de Ito, Pseudoxantoma elástico, Xeroderma pigmentoso, Ataxia-telangectasia, Doença de Fabri, Incontinência pigmentária, Doença de Sturge-Weber, Síndrome de Wyburn-Mason e Síndrome de Ehlers-Danlos.

Imagino que a maioria dos leitores deste blog, inclusive muitos médicos, médicas e profissionais da saúde, jamais ouviram falar de diversas destas doenças. Isto nos dá uma pequena amostra de como é difícil o mundo das doenças raras, que podem ser mais de 5 mil na espécie humana.

Cada vez mais se torna evidente que somente acolheremos adequadamente as pessoas com estas doenças pouco conhecidas se lutarmos pela construção dos centros de referência em doenças raras prometidos pelo governo federal.

Como a gente sempre aprende algo novo em toda leitura, mesmo sobre aquilo que a gente acha que já conhece um pouco, o artigo do Dr. Nikolas ensinou-me que o chamado “tumor glomus”, um tumor benigno, raro e muito doloroso e que surge sob a unha, é praticamente encontrado quase que exclusivamente em pessoas com NF1. Quase como se fosse um sinal típico, como são os Nódulos de Lisch.

Meu obrigado à equipe do Dr. Nikolas Mata-Machado pela divulgação de mais conhecimentos sobre as neurofibromatoses.

[1] Figueiredo ACPC, Mata-Machado N, McCoyd M, Biller J. Neurocutaneous disorders for the practicing neurologista: a focused review”. DOI 10.1007/s11910-015-0612-7

Minha segunda filha possui NF1 com pseudoartrose da tíbia, foi mutação nova pois eu e meu marido não temos. A terceira filha nasceu com umas manchas diferentes, algumas são café com leite e outras são esbranquiçadas, e tem formato diferentes das manchas que a segunda filha tem. A geneticista que examinou as duas acha que não deve ser NF, mas pediu para levar na oncogenética, mas só consegui consulta para janeiro de 2016. Pode ocorrer de ter duas filhas com NF sendo mutação nova? AS, de localidade não identificada.

Cara S, obrigado pela sua pergunta interessante.
De fato, é possível acontecer duas mutações novas numa mesma família, mas isto deve ser pouco provável (ver neste blog um post sobre a diferença entre o que é possível e o que é provável nas NF – clique aqui).
A chance de nascer uma criança com NF de pais sem NF é de 1 em 3 mil nascimentos. A chance de uma segunda criança nascer naquela mesma família sem pais com NF apresenta uma probabilidade muito pequena, pois este fato ocorreria em cerca de uma vez em cada 9 milhões de pessoas.

Portanto, na sua situação precisamos ter segurança de duas coisas: 1) que as manchas de sua terceira filha são mesmo relacionadas à NF; e 2) que nem você nem seu marido possuem a NF1 seja na forma mínima ou na forma segmentar.


Para a primeira questão, devo lembrar que há tipos de manchas cutâneas que se confundem com as manchas café com leite das NF, e por isso seria importante a opinião de um especialista no caso de suas filhas.
Para a segunda dúvida, sabemos que nas formas mínimas, apesar da pessoa possuir a mutação, a expressão da doença, ou seja, os seus sinais são tão discretos que apenas os especialistas os percebem. Então novamente, seria importante a avaliação de alguém com experiência em NF.
Nas formas segmentares (ver neste blog sobre isto clicando aqui), as pessoas apresentam a NF em apenas uma parte (segmento) de seu corpo. Às vezes este segmento pode incluir um ou os dois ovários (ou testículos), então os óvulos (ou os espermatozoides) desta pessoa possuem a mutação que ela pode ser transmitida a um filho ou filha, que desenvolverá a doença plenamente.
Como sugestão, creio que você e sua família devem ser avaliados por um especialista em NF e podem começar realizando um exame oftalmológico no qual o médico deve procurar Nódulos de Lisch, que são sinais típicos na NF1.

Tenho recebido com muita honra diversas famílias gaúchas no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, além de perguntas neste blog.
No último Congresso Brasileiro de Oncologia realizado em Foz do Iguação fiquei conhecendo a Dra. Patrícia Ashton-Prolla que tem uma experiência de vários anos com neurofibromatoses no Hospital das Clínicas de Porto Alegre.
Para aqueles que desejarem, o contato é:
Dra. Patricia Ashton-Prolla e Dra. Cristina Netto
Serviço de Genética Médica HCPA
Rua Ramiro Barcelos 2350
Porto Alegre
Programa de Informações em Oncogenética para profissionais de saúde: telefone (51) 3359-7904
Fico muito feliz que estejamos dando mais um passo para realizarmos parcerias e estudos em conjunto, sempre em benefício das pessoas com neurofibromatoses.

Uma vez que estudos apontam a frequência da NF1 em 1/3.000, não seria um pouco contraditório considerar esta uma doença rara? Ou as neurofibromatoses em conjunto (NF1, NF2, Schwannomatose) é que são consideradas raras? CVNS, de Belo Horizonte, MG.
Cara C, obrigado pela pergunta. Você tem razão em ter esta dúvida, pois a definição de Doença Rara varia de uma instituição para outra.
Temos adotado em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais o conceito de doença rara utilizado pelo Ministério da Saúde do Brasil, que é o mesmo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), ou seja, doença rara é aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos (1,3 para cada duas mil pessoas). 
Concordo que esta maneira da OMS definir é um pouco confusa para quem não trabalha com saúde pública, por isso, podemos transformar a definição em números mais intuitivos, ou seja, uma pessoa com a doença para tantos nascidos vivos. Assim, as doenças raras para a OMS seriam aquelas que ocorrem em frequência menor do que 1 em cada 1538 pessoas.
Neste sentido, as neurofibromatoses podem ser consideradas raras porque sua frequência é menor do que aquele limite da OMS: a NF1 ocorre na proporção de 1 pessoa com NF1 para cada 3 mil nascidas, a NF2 é mais rara e acontece na proporção de 1 pessoa com NF2 para cada 20 mil nascidas e a Schwannomatose, mais rara ainda, ocorre em 1 pessoa com SCH para cada 40 mil nascidas.
Outro conceito que os médicos também empregam para definir as doenças raras é chamá-las de “doenças órfãs”, ou seja, abandonadas por falta de estudos, pesquisas e medicamentos. Como resultado, seriam doenças sobre as quais pouco se conhece a respeito de suas causas, da sua história natural ou do seu tratamento. 
O termo “doenças órfãs” parece-me que tem sido preferido, especialmente pela indústria farmacêutica, por ter um apelo emocional maior do que “doenças raras”, o que poderia ajudar no financiamento público de pesquisas em busca de drogas, assim como nos processos movidos pelas pessoas contra o Estado para a obtenção de medicamentos caros na Justiça.
Prefiro não adotar este termo de doença órfã para as neurofibromatoses, porque elas são bem conhecidas quanto às suas causas (mutações novas ou herdadas) e suas histórias naturais (evolução) e, embora ainda não existam medicamentos para a sua cura, os tratamentos atuais que dispomos melhoram a qualidade e a duração da vida das pessoas acometidas. Além disso, centenas de cientistas procuram conhecer as NF em todo o mundo.
Finalmente, para termos uma dimensão do problema, segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, cerca de 6% a 8% da população (cerca de 10 a 15 milhões de brasileiros) poderia ter algum tipo de doença rara. No entanto, é preciso cautela com estes números, porque eles me parecem imprecisos, pois há outras estatísticas que apontam entre 3 a 6% de doenças raras na população em geral, o que resulta numa enorme diferença de quase 10 milhões de brasileiros!
Neste imenso grupo de cerca de 5 mil doenças raras (outro número impreciso), estamos nós, as três neurofibromatoses: do tipo 1, do tipo 2 e a Schwannomatose.

Mais ou menos como aquela bolinha vermelha no meio das demais pretas que ilustram este post.
Continuo hoje a resposta para a AG, que perguntou se seria possível através da seleção de embriões (sem neurofibromatoses) “eliminar” as variantes genéticas que causam a doença e assim erradicar as neurofibromatoses.
A resposta é: sempre haverá pessoas com NF, porque entre as pessoas que têm uma das formas de NF metade delas é resultado de novas variantes, ou seja, elas não herdaram a variante de um de seus pais.
Então, mesmo que todas as pessoas que hoje têm NF decidissem não mais ter filhos ou se todos os seus filhos fossem resultado apenas de seleção de embriões sem a doença, ainda assim haveria novos casos causados por novas variantes genéticas, que acontecem na formação do espermatozoide ou do óvulo de pessoas sem a doença.
Estas variantes são aleatórias, ou seja, ocorrem completamente ao acaso, sem qualquer causa conhecida e acontecem nas seguintes frequências: para NF1 em 1 em cada 3 mil pessoas, para NF2 em 1 em cada 20 mil pessoas e para a Schwannomatose em 1 para cada 40 mil pessoas.
Como exemplo, hoje existem cerca de 80 mil pessoas com NF no Brasil e metade delas herdou a doença de um de seus pais e a outra metade é resultado de nova variante numa família onde ninguém tinha a doença.
Supondo que todas estas 80 mil pessoas decidissem não ter filhos ou apenas ter filhos selecionados sem a doença, ao longo dos anos haveria a ocorrência de novos casos aleatórios em qualquer família de brasileiros e teríamos novamente pessoas com a doença.
É interessante comentar que a ideia de “erradicar” uma doença pode parecer uma boa ideia, mas é preciso levar em conta que este desejo radical pode trazer consigo a rejeição social às pessoas que já possuem a doença.
Dentro do sistema capitalista em que vivemos, o valor de uma pessoa está associado à sua capacidade de produção e aqueles menos capazes são considerados peso morto para esta sociedade cruel e produtivista. Foi com ideias deste tipo que os nazistas mandaram esterilizar ou assassinaram as pessoas com doenças genéticas.
Infelizmente, há pessoas, inclusive médicos, que ainda defendem estas ideias de pureza racial, limpeza étnica, melhoramento genético ou seleção de embriões com determinadas características atribuídas às classes dominantes: homens, pele branca, olhos zuis, cabelos loiros, grande inteligência, porte atlético e etc.
É preciso lembrar que as pessoas com NF têm consciência de si mesmas, têm autoestima, desenvolvem relacionamentos afetivos, muitas podem trabalhar e vivem momentos de alegrias e tristezas. Possuem parentes e amigos que as amam e desejam a sua felicidade.
Mesmo aquelas pessoas com NF com complicações mais graves desejam continuar vivendo e serem mais felizes.
A vida das pessoas com qualquer doença não torna estas pessoas menos valiosas.
Cada ser humano é um acontecimento único em toda a história do universo e não precisa de qualquer justificativa para ser respeitado e valorizado.
Como diz a canção, somente as pessoas com NF sabem a dor e a alegria de serem o que elas são.

 


Olá doutor gostaria de saber se existem estudos sobre a técnica de Diagnóstico Genético Pré-implantacional em pessoas que querem ter filhos e que possuem NF1, com a popularização desses métodos, poderia ser um caminho mais lógico para uma possível “eliminação” de mutações, selecionando então embriões saudáveis e consequentemente uma possível erradicação da síndrome? AG, de localidade não identificada.

Cara AG, obrigado por trazer esta questão importante, que contém em si duas outras também fundamentais. Hoje, falarei de como evitar passar adiante a NF. Amanhã, discutirei se é possível “eliminar” as neurofibromatoses.

Primeiro, sim, por meio das técnicas de inseminação artificial e reprodução assistida é possível fazer o diagnóstico se um embrião tem ou não a mutação para uma das formas de NF que um de seus pais possui.

Sabendo-se quais os embriões possuem ou não a mutação para a NF (ou para diversas outras doenças genéticas), pode-se escolher aqueles que serão implantados no útero para dar prosseguimento à gestação. Aqueles embriões que apresentam a mutação são recusados para o implante e devem permanecer congelados nas instituições de reprodução assistida, de acordo com normas legais brasileiras.

Esta tecnologia da seleção de embriões existe, mas ela não está disponível para todas as pessoas, em especial para aqueles que dependem dos serviços públicos. Alguns casais que escolhem este caminho precisam gastar grande quantidade de dinheiro para conseguir um bebê por meio desta técnica.

O direito de pessoas com doenças genéticas terem filhos (inclusive por meio da seleção de embriões) é uma discussão complexa, que precisa ser realizada pela sociedade brasileira, tendo em vista a portaria 199 de 2014 do Ministério da Saúde, (que pretende garantir às pessoas com doenças raras o atendimento pleno pelos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde) e a Lei 3037 do Estado de Minas Gerais (que estende às pessoas com neurofibromatoses os mesmos direitos das pessoas com necessidades especiais).

Sabemos que as neurofibromatoses são doenças que podem trazer complicações graves o suficiente para que os pais não queiram que seus filhos nasçam com qualquer uma das neurofibromatoses, pois com certeza haveria grande probabilidade de sofrimento para esta pessoa, o que ninguém pode desejar racionalmente.

Aquelas pessoas que nasceram com NF, ou porque apresentam uma mutação nova ou porque herdaram a mutação de um de seus pais (porque eles não sabiam que as neurofibromatoses podem ser transmitidas adiante), precisam aceitar sua doença como uma espécie de nova identidade, procurando viver da melhor forma possível, o que, felizmente a maioria consegue.

No entanto, esta aceitação nunca é tão abrangente que possa levar os pais ou mães com neurofibromatoses a desejarem ter um filho com a mesma doença que eles. Assim, é legítimo que os casais procurem medidas de auxílio gestacional para garantir que a mutação não seja passada adiante.

Levando-se em conta as complicações da gestação para as mulheres com NF1 e NF2 e os custos financeiros atuais para o implante de embriões selecionados, lembro que a adoção é uma das boas opções que devem ser consideradas por famílias nas quais um dos cônjuges tenha NF e que desejam ter filhos.

A segunda parte da sua pergunta trata da possibilidade de “eliminarmos” as NF. Isto será possível? Veremos amanhã.


Quais são as consequências emocionais para adolescentes com NF1 quando sofrem de preconceito ou bullying? O que deve se fazer? JV, de Belo Horizonte, MG.

Cara J. Obrigado pela sua pergunta sobre um problema que, provavelmente, afeta quase todos os jovens com NF1: o preconceito.

Infelizmente, todo preconceito termina em agressões verbais ou físicas, em discriminação e hostilidade, podendo resultar em crimes graves.

É comum a queixa de pessoas com NF1 de preconceito que se traduz em bullying por parte dos colegas por causa de alguma coisa relacionada à NF1.

Veja a adaptação que fiz da definição que encontrei na Wikipédia para este triste comportamento :

“Bullying” é uma palavra em inglês que foi adotada entre nós para descrever atos de violência física ou psicológica intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos, causando dor e angústia e sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder.

O bullying é um problema mundial, sendo que a agressão física ou moral repetitiva deixa marcas para o resto da vida na pessoa atingida”.

O agressor inferioriza e se impõe sobre o outro, na tentativa de superá-lo em termos físicos e psicológicos, e de satisfazer sua própria vaidade.

Quase sempre, que pratica o bullying não tem o apoio de uma boa educação e é isso o que mais o encoraja a fazer o que faz.

Já a vítima é alguém com medo das possíveis consequências de sua reação, e é por isso que ela não reage, se reprimindo a si mesma.

Muitas vezes, o próprio praticante de bullying também é vítima.

Nas escolas, a maioria dos atos de bullying ocorre fora da visão dos adultos e grande parte das vítimas não reage ou fala sobre a agressão sofrida. ”

Parece justamente aquilo que você descreveu, a gozação que tem recebido de colegas por causa de suas manchas café com leite, o que a faz se sentir solitária e com medo de falar do assunto com seus pais e professores.

Apesar do bullying acontecer com pessoas sem NF1, as características de temperamento dos jovens com NF1 (timidez, isolamento, dificuldades de percepção das “dicas” sociais, problemas de fala e aprendizagem) podem aumentar as chances de uma criança com NF1 ser vítima de bullying.

Creio que as saídas para combatermos o bullying é a socialização melhor de todos, com menos competição e mais solidariedade, com mais atenção dos pais e professores para o problema e com maior divulgação de informações sobre as neurofibromatoses.

Acho que tudo aquilo que ajuda a um jovem a conhecer o outro, aproxima a todos.

Devemos lutar pelo fim de todos os preconceitos.

Olá, Dr. Sou portador da NF1 há aproximadamente 15 anos.
Pelas pesquisas que realizei, se trata de uma mutação nos genes de origem genética.
Ocorre que, ao pesquisar na família sobre algum caso parecido com o meu, não obtive informações sobre algum membro da família que tenha tido isso. Em minha infância, realizei um procedimento cirúrgico e tive que realizar uma transfusão de sangue em meu corpo.
Sou leigo em ciência biológica, mas essa mutação dos cromossomas poderia ser adquirida através de transfusão de sangue? TCL, sem localidade.
Caro TLC, obrigado pela sua pergunta que pode ser muito útil para compreendermos diversos fatos relacionados com as neurofibromatoses.
Primeira informação: embora você não tenha dito a sua idade, posso garantir que se você tem a NF1, você já nasceu com ela, porque todas as formas de neurofibromatoses são doenças genéticas e congênitas (ver neste blog um post sobre estas diferenças: clique aqui ).
A segunda questão: o fato de não ter encontrado nenhum parente com NF1, indica que, provavelmente, a sua mutação é uma nova mutação na sua família, que ocorreu no espermatozoide de seu pai ou no óvulo de sua mãe que deram origem a você.
Esta nova mutação acontece em metade dos casos com NF e a outra metade são pessoas que herdam a NF de um de seus pais.
A terceira pergunta: é possível adquirir NF por meio de uma transfusão de sangue? Para compreendermos que não é possível, temos que lembrar duas coisas:
1) a mutação genética que causa os sinais e sintomas da NF está presente em todas as células de seu corpo, e não apenas no sangue;
2) o sangue que você recebeu na transfusão foi completamente removido de seu corpo em poucas semanas e nada genético dele restou em seu organismo.
Assim, não me parece possível “adquirir” NF por transfusão de sangue.
Por outro lado, já comentei aqui a pergunta de um leitor com NF1 que sofreu rejeição ao tentar doar sangue.
De fato, qualquer forma de discriminação social é dolorosa e as pessoas com neurofibromatose passam por esta experiência com frequência.
Procurei resposta para sua pergunta nas principais fontes científicas que disponho e não encontrei qualquer estudo que tenha verificado algum risco na doação de sangue por parte de alguém com NF1.
Sabemos que todas as células de uma pessoa com NF1 carregam a mutação, incluindo os leucócitos e outras células que circulam pelo seu sangue.
Desconheço se algumas destas células (especialmente os mastócitos) poderiam sair do leito vascular e se alojar nos tecidos da pessoa que recebeu o sangue, onde poderiam agir de forma diferente do que seria esperado em condições normais.
Portanto, não posso dizer com segurança se há algum risco na doação de sangue por parte de alguém com NF, até que a questão seja respondida cientificamente.









A partir desta quarta-feira, estarei no Congresso Brasileiro de Oncologia, em Foz do Iguaçu, onde farei uma palestra sobre rastreamento de tumores nas neurofibromatoses. Apresentarei o texto abaixo, escrito em colaboração com Nilton, Luíza e Juliana.

Até a próxima segunda.

Rastreamento ou vigilância de tumores nas neurofibromatoses?
Luiz Oswaldo C Rodrigues
Com a colaboração de
Luíza de Oliveira Rodrigues
Juliana Ferreira de Souza
Nilton Alves de Rezende
Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas
Universidade Federal de Minas Gerais
2015-10-23
Introdução
Aceitei com grande satisfação o convite para realizar esta palestra no Congresso Brasileiro de Oncologia, em Foz do Iguaçu em novembro de 2015, porque para nós, que trabalhamos com as diversas formas de neurofibromatoses, os oncologistas são profissionais fundamentais no manejo clínico deste grupo de doenças genéticas raras.
Com grande probabilidade, apenas entre os brasileiros, metade das 60 mil pessoas com Neurofibromatose do Tipo 1 (NF1) e a maioria das pessoas com Neurofibromatose do Tipo 2 (NF2) e Schwannomatose em algum momento de suas vidas necessitam dos conhecimentos da oncologia para enfrentarem a sua doença.
Para esta palestra, foi proposto o título: “Rastreamento de tumores nas neurofibromatoses”. Como clínico geral, tentarei aplicar às NF aquilo que entendi como o conceito de rastreamento empregado pelos oncologistas e em seguida sugerir algumas especificidades para as doenças com as quais trabalhamos no nosso CRNF.
Rastreamento
Parece-me que o termo rastreamento seriam os esforços realizados na tentativa de identificar tumores suficientemente prevalentes numa determinada população, os quais seriam capazes de causar danos à saúde ou ameaçar a vida caso não sejam precocemente diagnosticados. Além disso, devem ser tumores assintomáticos, mas que, uma vez identificados, possam ser tratados de forma relativamente eficiente, melhorando a qualidade de vida ou a sobrevida das pessoas portadoras do tumor rastreado. Todo este esforço deve apresentar uma relação custo/benefício favorável às pessoas submetidas ao rastreamento, em termos de riscos colaterais e financeiros.
Compreendemos que o termo “rastreamento”, portanto, aplica-se adequadamente a muitos dos tumores que são objeto da atenção dos oncologistas: ou seja, encontrar tais tumores e tratá-los cirurgicamente ou por meio da quimioterapia.
No entanto, nas pessoas com neurofibromatoses precisamos adaptar este conceito de rastreamento, porque: a prevalência de tumores na NF é naturalmente alta; o comportamento natural da maioria deles é benigno; os tumores podem ser sintomáticos ou não; nem sempre há tratamentos disponíveis ou não são necessários para os tumores encontrados; e quando estamos diante de tumores mais agressivos os tratamentos disponíveis não parecem mudar o curso da doença.
Observamos assim que a disposição predominante entre os especialistas em NF diante dos tumores encontrados é mais conservadora, de espera atenta (“watchful waiting”) e principalmente orientada pelos aspectos funcionais e pela qualidade de vida das pessoas com NF.
Isto porque em todas as três formas de NF, além da maioria dos tumores se comportar de forma benigna, sua evolução é imprevisível ao longo da vida. Nas NF, há tumores congênitos e assintomáticos, há aqueles que permanecem décadas sem qualquer manifestação, há aqueles que crescem por algum tempo e se estabilizam por períodos indeterminados, há alguns que regridem espontaneamente sem qualquer tratamento, mas há também uma parte deles que se torna maligna por causas ainda desconhecidas.
Tumores mais comuns nas NF
Os principais e mais comuns tumores nas NF são: neurofibromas e gliomas ópticos na Neurofibromatose do tipo 1 (NF1); schwannomas vestibulares e meningiomas na Neurofibromatose do tipo 2 (NF2); e schwannomas dolorosos na Schwannomatose (SCH).
Na NF1, a maioria dos tumores (85% das pessoas os possuem) é formada por neurofibromas cutâneos que crescem lentamente e que precisam ser removidos apenas por razões estéticas, pois jamais se tornam malignos ou ameaçam a vida.
Também na NF1, cerca de 30 a 50% das pessoas têm neurofibromas plexiformes, que são congênitos e histologicamente benignos, mas que podem causar deformidades. Os plexiformes, assim como os cutâneos, podem exigir correção cirúrgica estética ou funcional, e sempre que possível devem ser retirados, mesmo quando benignos.
Uma parte dos plexiformes (10 a 20%) se transforma em tumores malignos da bainha do nervo periférico (TMBNP), que são agressivos e de difícil tratamento. A maior parte dos estudos sobre tratamentos do TMBNP constitui-se de séries de casos, nos quais a sobrevida de 5 anos está em torno de 30%. Assim, a atenção sobre estes tumores concentra-se na identificação de sinais e sintomas precoces que sejam sugestivos de sua possível malignização, como veremos adiante.
Os gliomas ópticos nas pessoas com NF1 são astrocitomas pilocíticos grau I (WHO) e acometem cerca de 15% das pessoas com NF1, mas 85% deles não produzem quaisquer sintomas e requerem apenas acompanhamento clínico. Mesmo os gliomas ópticos que afetam a visão não parecem ser reduzidos pelos tratamentos quimioterápicos atuais nas pessoas com NF1, sendo, portanto, preferível uma atitude mais conservadora e voltada para os aspectos funcionais e não para o tamanho dos tumores. Apenas uma minoria dos gliomas ópticos na NF1 (1,5%) requer abordagens mais agressivas (cirurgia e/ou quimioterapia).
Na NF2, a qualidade de vida e os aspectos funcionais da audição e equilíbrio são os fatores determinantes do momento mais adequado para a tentativa cirúrgica de redução dos schwannomas vestibulares bilaterais (SVB) quando apresentarem aumento na sua velocidade de crescimento. A abordagem cirúrgica deve ser conservadora, buscando-se a redução do tamanho dos SVB muito mais do que a remoção completa do tumor, para se evitar danos colaterais sobre outros nervos cranianos, como o facial e o ramo do próprio oitavo par condutor da audição.
Também na NF2, apenas 40% dos meningiomas apresentam sintomas suficientes para a sua remoção cirúrgica. No momento, ainda não dispomos de tratamentos medicamentosos comprovados tanto para os SVB como para os meningiomas, apesar de alguns estudos em andamento estarem avaliando os efeitos do bevacizumabe sobre os SVB, cujas respostas preliminares ainda não são animadoras. [i]
As pessoas acometidas pela forma mais rara de neurofibromatose, a Schwannomatose, podem apresentar múltiplos schwannomas (exceto vestibulares), dos quais um ou mais pode se tornar doloroso, momento em que está indicada a sua remoção cirúrgica, quando possível.  Caso não seja possível sua exérese, existe a opção medicamentosa para o tratamento da dor neuropática.
Princípios fundamentais nas NF
Portanto, podemos compreender que uma regra fundamental nas NF é NÃO SE DEVE RETIRAR OU TRATAR UM TUMOR APENAS PORQUE ELE FOI ENCONTRADO.
Outra postura importante diante de uma pessoa com NF é reconhecermos que apesar de não haver CURA para este grupo de doenças, há diversos TRATAMENTOS E CONDUTAS que melhoram a qualidade e aumentam a expectativa de vida das pessoas acometidas.
Diagnóstico diferencial entre NF1, NF2 e Schwannomatose
A primeira conduta IMPORTANTE é realizar o diagnóstico diferencial entre as três formas: NF1, NF2 e Schwannomatose, para que possamos buscar a presença dos tumores mais comuns em cada uma delas. A identificação adequada do tipo de NF evita que as pessoas a procurem neurofibromas na NF2 ou schwannomas na NF1, o que pode prejudicar os tratamentos.
Realizado o diagnóstico com segurança, o passo seguinte é a identificação dos tumores mais comuns em cada um dos tipos de NF: neurofibromas e gliomas ópticos na NF1, schwannomas vestibulares e meningiomas na NF2 e schwannomas dolorosos na SCH.
Em seguida, devemos avaliar a repercussão clínica e funcional dos tumores. Sugerimos a consulta aos fluxogramas que nos orientam sobre cada um dos principais tumores em cada uma das NF e que estão detalhados e disponíveis em nossa publicação recente no periódico Arquivos de Neuropsiquiatria, de 2015. [1]
Condutas em comum nas NF
A avaliação clínica cuidadosa e anual, acompanhada dos estudos de imagem quando necessários, constituem as ferramentas indispensáveis para o bom acompanhamento dos tumores em todas as formas de NF.
Os estudos de imagem nas NF são preferencialmente realizados com ressonância magnética, mas ocasionalmente a tomografia computadorizada com emissão de pósitrons (PET CT) pode ser necessária na NF1.
É preciso salientar que a PET CT com 18FDG constitui um avanço na diferenciação entre neurofibromas benignos e TMBNP na NF1. Num estudo recente[2], numa série de 42 pessoas com NF1 em nosso ambulatório, a utilização de indicadores quantitativos, semi-quantitativos e qualitativos na avaliação de neurofibromas (geralmente plexiformes ou profundos e mais volumosos) aumentou a sensibilidade para 91%, a especificidade para 90% e o valor preditivo positivo para 98% e o valor preditivo negativo para 69% para a transformação maligna, o que nos tem ajudado imensamente nas condutas terapêuticas.
Tanto na NF1 quanto na NF2 encontramos mais raramente outros tumores, além daqueles expostos acima, que são mais frequentes do que na população em geral, como epiteliomas e astrocitomas encontrados em maior frequência na NF2 e que necessitam de abordagem específica, caso a caso.
Alguns deles necessitam da avaliação de profissionais com experiência no seu tratamento específico e as condutas não diferem daquelas tomadas para indivíduos sem as NF. Por exemplo, 1% das pessoas com NF1 apresentam feocromocitomas, que precisam ser urgentemente tratados dentro dos rígidos protocolos destinados às pessoas sem NF1.
Em pessoas com NF1, o câncer de mama (4 a 6 vezes mais comum nas mulheres com NF1 entre 30 e 50 anos de idade), o tumor sólido gastrointestinal (GIST) em adultos e a leucemia mieloide em crianças são mais prevalentes do que na população em geral, o que nos impõe avaliações regulares para sua detecção precoce.
Outro aspecto a ser considerado na conduta diante dos tumores na NF é o tipo de alteração genética (genótipo) que pode estar relacionado com a gravidade geral do quadro (fenótipo). Por exemplo, numa pessoa com NF1 e com suspeita de deleção do gene, devemos aumentar nossa vigilância sobre os plexiformes, neurofibromas espinhais e profundos por causa de sua maior propensão para a malignização.
Também na NF1, as meninas com glioma óptico parecem evoluir de forma mais grave do que os meninos com NF1 e o mesmo tumor.
No mesmo sentido, na NF2 esperamos mais sintomas e evolução menos favorável dos schwannomas vestibulares e meningiomas quando estamos diante de uma pessoa com a forma sistêmica (herdada ou resultante de mutação em célula germinativa) do que diante de uma pessoa com a forma segmentar (ou em mozaicismo).
Conclusão
As neurofibromatoses exigem de nós, especialistas e oncologistas, a postura de vigilância e acompanhamento diante da evolução imprevisível e um pouco diferente dos seus tumores.
As NF nos fazem reformular aquele conhecido pensamento: que tenhamos recursos para identificar e tratar o que deve ser tratado, que tenhamos capacidade de melhorar e acompanhar o que não deve (ou não pode) ser tratado e que tenhamos sabedoria para distinguir uma coisa da outra.


[2]Hérika Martins Mendes Vasconcelos, 2015. Uso do 18F-FDG PET/CT na suspeita de transformação maligna em indivíduos com Neurofibromatose do tipo 1. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Medicina Nuclear da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.


[i] Bevacizumabe na NF2A indicação de bevacizumabe vem aumentando e parece-me predominantemente baseada numa revisão feita pelo grupo do Dr. Plotkin, de Boston, Estados Unidos (ver aqui  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22805104 ).
Em 2012, eles reviram um total de 31 pessoas com NF2 e schwannomas vestibulares que receberam bevacizumabe como opção de tratamento. Vejamos abaixo algumas características das pessoas tratadas, as quais receberam o medicamento durante cerca de 14 meses (6 meses o tratamento mais curto e 41 meses o mais longo).
A idade mediana das pessoas foi de 26 anos, no entanto, havia pessoas de 17 e de 73 anos, o que me deixa um pouco na dúvida se haveria entre elas algumas pessoas com schwannomas vestibulares, mas sem NF2.
A taxa média anual de crescimento dos tumores antes do bevacizumabe era de 64% de aumento, ou seja, um tumor de 2 cm havia passado para um pouco mais de 3 cm em um ano.
Depois de pelo menos 3 meses de tratamento com o bevacizumabe, a melhora na audição aconteceu em 13 de 23 pessoas (57%), ou seja, antes de começar o tratamento a chance do bevacizumabe funcionar seria mais ou menos como jogar uma moeda para cima e escolher cara ou coroa.
Da mesma forma, a redução (20%) do tamanho dos schwannomas na ressonância magnética aconteceu em 17 de 31 pessoas (55%), ou seja, antes do tratamento temos a metade da chance de dar certo.
Mesmo assim, a pequena redução do volume (20%) pareceu mais relacionada com o edema (líquidos ao redor do tumor) do que com a diminuição da parte sólida do schwannoma.
Depois de um ano do tratamento, 90% das pessoas tratadas permanecia com a audição estável. Não entendi bem como compararam com a possibilidade de, se não fossem tratadas, como estaria a audição?
Segundo os autores da pesquisa, o medicamento havia sido “bem tolerado” pelas pessoas.
No entanto, o tratamento com o bevacizumabe não é simples e seus efeitos colaterais podem ser importantes. Por isso, por exemplo, na Inglaterra, duas equipes médicas independentes entre si devem atestar que a pessoa precisa do tratamento com bevacizumabe para que ele seja iniciado.
O bevacizumabe deve ser administrado às pessoas por infusão venosa a cada 15 dias em ambiente hospitalar, o procedimento dura algumas horas e não pode ser dado a pessoas um mês antes ou depois de uma cirurgia ou durante a gravidez e amamentação.
A ressonância magnética do cérebro deve ser repetida a cada 3 meses para controle.
Dias ou semanas depois de iniciado o tratamento podem acontecer quaisquer destes sinais e sintomas: náuseas, febre, alergia cutânea, inchação dos lábios e obstrução da garganta, falta de ar, tontura, tosse contínua, dor no peito e em diversas partes do corpo, fadiga geral, perda do apetite, diarreia ou constipação, aumento da pressão arterial, úlceras na boca, dificuldade de cicatrização, sangramento, embolia pulmonar, baixa resistência às infecções, insuficiência cardíaca, problema no funcionamento renal e infertilidade.
A minha conclusão é que, infelizmente, o bevacizumabe ainda não é uma BOA opção de tratamento. Por enquanto, creio que devemos seguir o tratamento padrão (ver o post de ontem) e torcer para que outra alternativa melhor seja descoberta.
Outras informações podem ser obtidas em inglês sobre schwannomas ( http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4518745/pdf/jmedgenet-2015-103050.pdf ) e ineficácia do bevacizumabe em diminuir os meningiomas (ver aqui, em inglês outro artigo  http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3605344/ ) em pessoas com NF2. 
O amigo Rogério Lima, fundador da Associação Maria Vitória de Doenças Raras, que realiza neste momento parte do seu doutorado na Inglaterra, está sempre trazendo novas questões interessantes: desta vez, ele nos propõe discutirmos como se aplicam às neurofibromatoses os conceitos ingleses de doença (“disease”) e enfermidade (“illness”).
Rogério antecipa sua impressão de que o termo doença representa a visão médica e biológica, enquanto enfermidade significaria a percepção do ponto de vista da pessoa com um problema de saúde. Concordo com ele.
Não é apenas uma questão de jogo de palavras, não é somente uma questão semântica. Compreender a enorme diferença de visão entre os profissionais de saúde e as pessoas atendidas por eles pode nos ajudar a enfrentar os diferentes desafios para as famílias acometidas por uma das formas das neurofibromatoses.
Do meu ponto de vista como médico, as NF são “doenças” genéticas, ou seja, problemas de saúde causados por mutações aleatórias no DNA (genótipo), defeitos estes capazes de prejudicarem a síntese de uma proteína de uma determinada função biológica, o que resulta em sinais físicos e sintomas (fenótipo).
Como médico, minha formação científica exige que eu defina o tipo da “doença”, classifique sua gravidade, procure saber se os problemas apresentados têm ou não tratamento, quais as melhores alternativas e qual o impacto da doença sobre a qualidade de vida e sua duração. Além disso, devo levar em conta as condições sociais, psicológicas e econômicas relacionadas com a “doença”, assim como o aconselhamento genético e os custos financeiros para o seu acompanhamento.
Como médico, vejo uma pessoa com a “doença” por pouco tempo, no ambiente do ambulatório ou do hospital, e às vezes nosso contato dura menos de uma hora. Meus pensamentos são guiados por estatísticas, informações científicas e expectativas dentro de determinadas possibilidades baseadas em evidências.
Minha postura como médico costuma aparentar segurança, embora as neurofibromatoses estejam repletas de incertezas. As famílias, por sua vez, estão acostumadas ao sistema tradicional de autoridade médica e esperam que eu decida por elas o que é melhor a ser feito pela pessoa doente, mesmo que eu a tenha visto por breves momentos!
Por outro lado, como pai, a história de vida da minha filha é, na verdade, o que importa: sua felicidade, seu bem-estar, seus sonhos e realizações, assim como tudo o que aconteceu com minha família desde o momento em que ela nasceu. Nesta história, estão incluídos aqueles problemas que faziam (ou ainda fazem) sofrer a ela ou a todos nós, por exemplo, sua dificuldade para mamar, o choro de fome em seguida, a desnutrição crônica, a insônia e irritabilidade nos primeiros meses de vida, suas dificuldades de aprendizagem, a triste discriminação na escola ou seus neurofibromas cutâneos em crescimento.  
Como pai, sei o quanto sofremos em busca de respostas para as diversas manifestações da sua “enfermidade” ainda sem diagnóstico. Sabe-se que é muito mais fácil lidar com uma “enfermidade” quando sabemos sua causa e como as coisas vão evoluir, do que quando estamos numa busca desesperada por soluções no escuro. É nesse ponto que os médicos e as famílias se encontram, no diagnóstico, e ele é um momento crítico: as palavras ditas pelo médico podem ser gravadas de forma duradoura e trazerem tranquilidade ou causarem mais sofrimento.
Ao contrário do médico, que passa alguns minutos com a pessoa doente, como pai devo viver todos os dias de vida de minha filha (ou da minha) junto a ela e sua “enfermidade”. Acompanhando cada passo dela, descubro que o cotidiano não permite que seu problema de saúde venha a ser maior do que sua própria pessoa, do que sua vida em toda sua complexidade. A “enfermidade” é uma parte dela, e que pode demandar mais ou menos atenção e cuidados, dependendo da época.
A enfermidade é muito mais complexa do que a doença. A enfermidade envolve a doença e seus afetos e desafetos. A enfermidade pode ser uma parte importante da vida de uma pessoa, mas nunca substitui a pessoa. Por isso, hoje dizemos que minha filha é uma pessoa com neurofibromatose e não uma “neurofibromatótica”. Como também não dizemos mais que fulano é “Down”, ou “esquizofrênico”, ou “anão”. É fundamental lembrar que estamos diante de uma pessoa com Síndrome de Down, uma pessoa com esquizofrenia, ou uma pessoa com nanismo.
Antes de tudo vem a pessoa, que é sempre muito mais do que a sua doença ou enfermidade.

Vamos continuar pensando juntos.