Posts


Comentei recentemente que a chance de um casal sem NF1 ter um filho com NF1 (mutação nova) é de 1 em 6 mil, mas esta informação é um pouco diferente daquela que venho repassando às famílias e que estão em diversas publicações, inclusive neste blog.

Somente me dei conta deste engano ao refazer as contas para calcular a chance de um casal vir a ter gêmeos com NF1. Vamos rever juntos o cálculo correto para um casal sem NF1 ter um filho ou filha com NF1.

A incidência de NF1 em qualquer população é de aproximadamente 1 em cada 3 mil crianças nascidas. Sabemos que metade das crianças com NF1 herdou a mutação no gene de um dos seus pais que já possui a doença. A outra metade das crianças com NF1 tem a doença por causa de mutações novas, ou seja, são variações genéticas que acontecem por acaso, no momento da formação do espermatozoide ou do óvulo, e que podem causar erros na produção de uma proteína chamada neurofibromina, a qual é responsável pelo controle do crescimento das células e pelo desenvolvimento do bebê (ver a ilustração na cartilha “As manchinhas da Mariana” clique AQUI).

Assim, naquelas 3 mil pessoas da população que precisamos reunir para encontrar uma pessoa com NF1, apenas “meia” pessoa seria resultante de uma mutação nova para a NF1. Como não existe “meia” pessoa, precisamos de reunir o dobro de pessoas na população para encontrarmos uma “pessoa inteira” com mutação nova, ou seja, precisamos reunir 6 mil pessoas na população.

Assim, a chance de um casal sem NF1 vir a ter um filho (ou filha) com NF1 (mutação nova) é de 1 para 6000. Por outro lado, a chance de um casal em que um dos pais possui NF1 vir a ter um filho (ou filha) também com NF1 (mutação herdada) é de 1 para 2, ou seja 50%.

Este cálculo mostra uma probabilidade um pouco maior de mutação nova em pessoas que não tem NF1 (1 para 6 mil) do que as pesquisas citadas pelo Dr. Friedman no livro do Riccardi (1999), que encontraram 1 mutação nova em cada 7800 a 23000 gametas, ou seja, espermatozoides ou óvulos (esta variação é por conta de diferenças de métodos entre os estudos).

Uma possível explicação para meu cálculo ter resultado numa maior chance (1 para 6 mil é maior do que 1 para 7800) talvez esteja no fato de que as pessoas com NF1 têm menor número de filhos do que a população em geral.

Considerando que pais com NF1 (especialmente os homens com NF1 que têm menos de 50% de filhos em relação aos homens sem NF1), isto aumentaria a participação das mutações novas no conjunto de pessoas que encontramos com NF1. Em outras palavras, por isso encontramos metade das crianças com NF1 com mutação nova e a outra metade com mutações herdadas.

Uma leitora de Portugal pediu minha opinião sobre um estudo que está sendo realizado nos Estados Unidos com uma nova droga para reduzir o tamanho dos neurofibromas plexiformes e sua transformação maligna. O artigo completo em inglês pode ser acessado AQUI .

Agradeço a indicação do artigo, pois ainda não o havia encontrado em minhas buscas por informações científicas sobre NF.

Primeiramente, devo alertar a todos os leitores de que se trata de um estudo ainda e apenas em laboratório, ou seja, a equipe científica está testando a nova droga em linhagem de células humanas com NF1 cultivadas artificialmente. Os resultados são animadores e indicam que o passo seguinte deverá ser testar a droga em camundongos geneticamente modificados para NF1.

Caso os resultados sejam favoráveis nos camundongos, a segurança da droga será testada num grupo pequeno de voluntários humanos. Se for segura, será então experimentada em outras pessoas voluntárias com NF1 para saber se a droga realmente diminui o tamanho dos neurofibromas plexiformes e/ou combate a sua transformação maligna.

Se a droga se mostrar eficiente como tratamento dos neurofibromas neste grupo inicial de voluntários, ela poderá ser oferecida a um grupo maior de pessoas com NF1 e, se os resultados confirmarem sua eficiência, poderá ser submetida às agências de vigilância sanitária nos diversos países.

Depois de aprovada por estas agências a nova droga poderá ser indicada regularmente para as pessoas com NF1 em todo o mundo.

Qual é a ideia da cientista Dra. Kate Barald e seus colaboradores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos?

O grupo considerou que tanto o número quanto o tamanho dos tumores nas pessoas com NF1 aumentam durante a puberdade e a gestação. Como os tumores regridem em tamanho depois da gravidez, a equipe supôs que isto aconteceria em resposta aos hormônios esteroides que estão aumentados naquelas situações.

Eles já sabiam que um dos produtos naturais do metabolismo do estrógeno é a substância 2-metoxiestradiol (2ME2) que possui um efeito anticâncer. Então, modificaram esta substância natural e criaram outra chamada STX3451, e testaram seu potencial de ação contra células de tumores recolhidas de pessoas com NF1 e cultivadas em laboratório (ver figura).

Os resultados mostraram que a STX3451 foi capaz de destruir (causar apoptose) tanto as células que foram retiradas de neurofibromas plexiformes (benignos) quanto as células malignas (originárias do tumor maligno da bainha do nervo periférico).

Estes resultados são animadores e merecem nossa comemoração como mais uma esperança de tratamento para as pessoas com NF1.

Vamos torcer para que as novas etapas também sejam positivas.

“Meu filho de 9 anos tem NF1 e precisou amputar a parte de baixo da perna direita por causa da displasia da tíbia que deu pseudoartrose. Ele se adaptou bem com a prótese, mas acho ele muito desanimado. Vejo os atletas paraolímpicos e fico pensando se não seria bom para sua saúde se ele tentasse praticar um esporte de competição. ” CMR, de São Paulo.

Caro C, obrigado pela sua pergunta oportuna, pois estão acontecendo no Rio as competições entre as pessoas com necessidades especiais.

De fato, a NF1 é uma doença que torna algumas pessoas portadoras de necessidades especiais e, inclusive, já existe legislação sobre isto (ver AQUI ). Estas limitações causadas pelas NF1 podem ser de ordem física (como seu filho) ou intelectuais (dificuldades psicomotoras). Além disso, sabemos que as pessoas com NF1 apresentam menos força muscular, menor capacidade aeróbica (capacidade física) e maior dificuldade de regular a temperatura do corpo, e todos estes fatores levam ao menor desempenho nos esportes.

Talvez em decorrência destas limitações físicas, as pessoas com NF1 parecem menos envolvidas em esportes e competições e, pelo contrário, apresentam um temperamento menos competitivo e mais tímido. Então, fazer com que uma criança com NF1 pratique esportes, especialmente com a finalidade de se tornar um atleta paraolímpico, pode se tornar um triplo sofrimento para ela.

O primeiro sofrimento da criança com NF1 (e talvez de todas as pessoas com quaisquer outras doenças crônicas e incuráveis) já está presente no fato dela não poder levar a vida como as demais pessoas de sua idade pelas limitações próprias da doença. Ela já carrega o peso da discriminação dos colegas por causa de suas características (serem mais lentas, apresentarem manchas, etc.)

O segundo sofrimento é que para se tornar “atleta” é preciso participar diariamente de treinamentos em atividades que não trazem prazer (especialmente para pessoas com NF1) e que, para obter resultados esportivos a pessoa deve se submeter a práticas dolorosas, desconfortáveis e que desperdiçam muitas horas de vida. Num exemplo extremo, veja a reportagem recente sobre a prática de automutilação em atletas paraolímpicos que um em cada cinco atletas paraolímpicos está fazendo para vencer competições (ver AQUI ).

O terceiro sofrimento é a pessoa com NF1 (ou vítima de outras doenças) ser eventualmente comparada pelos pais ou pelos colegas aos atletas paraolímpicos na televisão, que são apresentados como exemplos de superação e força de vontade. – Está vendo? Se você se esforçasse mais, talvez fosse capaz de fazer a mesma coisa… – pode ouvir uma pessoa com deficiência diante da televisão, onde um atleta paraolímpico acaba de receber uma medalha – Mas você é meio preguiçoso…

Mesmo tendo escrito em 2011 um dos capítulos de um livro internacional chamado “Manual de Medicina Esportiva para Atletas Paraolímpicos” (ver capa do livro na figura acima), eu já havia abandonado a prática da Medicina Esportiva (que exerci por cerca de 20 anos), por entender que o esporte de alto nível não faz bem à saúde mental e física dos atletas, especialmente aos jovens.

Pelo contrário, os níveis de competição que os esportes em geral atingiram, incluindo as olimpíadas e paraolimpíadas, provocam comportamentos neuróticos e doentios nos atletas e na sociedade. Estes comportamentos somente interessam aos patrocinadores (especialmente às indústrias de alta tecnologia) e à ideologia baseada na competição e no suposto mérito pelo esforço individual, o famoso mito do “querer é poder”.

Por isso tenho questionado o papel das competições esportivas na nossa sociedade. Estou convencido de que as atividades físicas regulares são necessárias para uma vida saudável para todos os seres humanos (que queiram fazê-las), mas não a competição envolvida nos esportes (ver cartilha sobre obesidade infantil  AQUI ).

Você pergunta se esporte poderia ser bom para a saúde de seu filho com NF1. Repito que é preciso separar as atividades físicas regulares (cotidianas, moderadas, prazerosas, lúdicas) das atividades de competição esportiva. As primeiras são necessárias para a saúde. As segundas, causam doenças físicas e sociais.

Se desejar saber um pouco mais de minha opinião sobre esportes e saúde, veja um artigo que escrevi, chamado “Ouro em panaceia” clicando  AQUI ).

Alguém poderia argumentar que a prática do esporte ajudaria a pessoa com deficiência a ser incluída na comunidade. Penso que precisamos construir uma sociedade na qual ninguém precisa provar que merece ser respeitado. Todos nascemos merecendo igualmente respeito e uma vida digna.

Comentei ontem que no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG acompanhamos 14 pessoas nascidas gêmeas, sendo 6 pares idênticos com ambos os gêmeos com NF1 e 2 pares fraternos (onde apenas um deles tem NF1).

No entanto, todos os pares de gêmeos “idênticos” apresentam algumas diferenças de expressão da doença entre cada um dos irmãos.

Por exemplo, num dos pares de gêmeos idênticos com NF1, um dos irmãos apresenta inteligência normal e grave cifoescoliose enquanto o outro apresenta grandes dificuldades de aprendizagem e a coluna vertebral sem qualquer problema.

Noutro par de gêmeas idênticas com NF1, uma das irmãs apresenta um grande neurofibroma plexiforme numa das pernas que evoluiu para um tumor maligno, felizmente tratado a tempo, enquanto a outra irmã não apresenta nenhum neurofibroma plexiforme.

Num terceiro exemplo, duas outras gêmeas idênticas com NF1 apresentam cifoescoliose distrófica, muito semelhante em aspecto e gravidade entre elas, mas uma delas apresenta um plexiforme e a outra não.

Um último exemplo, que contraria os anteriores, duas outras gêmeas com NF1, com cerca de 8 anos de idade, até este momento são quase realmente idênticas (somente as manchas café com leite são diferentes entre elas), pelo menos aos meus olhos, o que me torna incapaz de distingui-las pelo nome, o que muito as diverte durante as consultas. E note-se que tenho um bom treinamento em casa, pois um dos meus genros é gêmeo monozigótico.

Por que estas variações na expressão da NF1 acontecem?

Sabemos hoje que o nosso genoma é a matriz genética que herdamos de nossos pais, mas a expressão dos genes o longo da vida sofre a influência de fatores externos, chamados de efeitos epigenéticos.

Assim, desde a vida intrauterina, mínimos acontecimentos ao acaso, por exemplo a posição dentro do útero, a disponibilidade de nutrientes, os erros aleatórios de cópias dos genes (por exemplo no caso das manchas café com leite e dos neurofibromas plexiformes que são formados na vida intrauterina) podem afetar o desenvolvimento do bebê. As pequenas diferenças iniciais podem dar origem a histórias de vida completamente diferentes.

E assim teremos gêmeos idênticos… diferentes!


Comentei ontem que acompanhamos em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG seis pares de gêmeos univitelinos (idênticos) com NF1 e dois outros pares de gêmeos fraternos.

A incidência de NF1 em qualquer população é de 1 em cada 3 mil crianças nascidas. Metade das crianças com NF1 herdou a mutação no gene de um dos seus pais que já possui a doença.


A outra metade das crianças com NF1 tem a doença por causa de mutações novas, ou seja, são variações genéticas que acontecem por acaso no momento da formação do espermatozoide ou do óvulo e que podem causar erros na produção de uma proteína chamada neurofibromina que é responsável pelo controle do crescimento das células e pelo desenvolvimento do bebê (ver na Cartilha “As manchinhas da Mariana” clicando AQUI).

Em outras palavras, há “meia” pessoa com mutação nova para a NF1 em cada 3 mil pessoas na população, logo, para termos uma “pessoa inteira” com mutação nova, precisamos de reunir 6 mil pessoas na população.

Assim, a chance de um casal sem NF1 vir a ter um filho (ou filha) com NF1 (mutação nova) é de cerca de 1 para 6000. Por outro lado, a chance de um casal em com um dos pais com NF1 vir a ter um filho (ou filha) também com NF1 (mutação herdada) é de 1 para 2, ou seja 50%.

Estas chances de mutação nova (1 para 6 mil no casal sem NF1) ou transmissão hereditária da mutação de um dos pais (1 para 2) se repetem no nascimento de gêmeos idênticos ou de gêmeos fraternos.

No entanto, o nascimento de gêmeos é um acontecimento mais raro do que o parto de um único bebê em nossa espécie. Embora haja uma variação entre 20 a 60 gestações de gêmeos em cada 1000 mulheres grávidas em outras partes do mundo, na América Latina os partos de gêmeos acontecem em cerca de 10 em cada 1000 gestações (1%).

Portanto, a probabilidade de encontramos na população brasileira gêmeos com NF1 é uma combinação destas duas incidências independentes (1 pessoa com NF1 em cada 3000 e uma pessoa gêmea em cada 100), ou seja, encontraremos uma pessoa gêmea com NF1 em cada 30 mil brasileiros.

Em nosso ambulatório acompanhamos 14 pessoas nascidas gêmeas (6 pares monozigóticos com ambos os gêmeos com NF1 e 2 pares fraternos onde apenas um deles tem NF1) em 970 registros até o momento, ou seja, cerca de 1 em cada 100 pessoas atendidas. Ou seja, o número de gêmeos (cerca de 1%) entre as pessoas com NF1 acompanha a sociedade brasileira.

Em outras palavras, não parece haver maior ou menor incidência de gêmeos nas pessoas com NF1.

Mas por que as manifestações da NF1 são diferentes, mesmo nos gêmeos “idênticos”?

Veremos amanhã.

“Tenho gêmeos de 11 anos portadores de NF1. Eles têm muitas manchas café com leite. Um dos meninos apresenta pequenos neurofibromas, muitos na coxa, um no pescoço e um na língua. Ele praticamente não se queixa, mas gostaria de saber se o da língua é recomendável a retirada. Por conta do problema, também sofrem com dificuldades de aprendizado. É recomendável trabalhar com conteúdo escolar especial? Estou meio perdida, se puder me ajudar agradeço muito. ” RCS, de local não identificado.

Cara R, obrigado pela sua pergunta, pois ela me dá a oportunidade de tentar esclarecer melhor algumas questões.

Primeiro, como sempre digo, para orientar com segurança sobre questões específicas de uma pessoa (por exemplo, o neurofibroma da língua em um de seus filhos) preciso realizar um exame clínico pessoalmente. Para isto, estamos à disposição pelo SUS no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF-HC), e basta telefonar para agendar: 31 3409 9560.

Em termos gerais, nossa conduta no CRNF-HC é de que na NF1 não precisamos retirar um tumor só porque ele existe. Sempre devemos considerar que a maioria deles tem uma evolução benigna e os riscos e benefícios devem sempre ser levados em conta antes da decisão de uma cirurgia.

Atualmente podemos afirmar que, em termos gerais, sim, a NF1 causa dificuldades de aprendizado e pode se beneficiar de atenção especial e apoio pedagógico, assim como tratamentos fonoaudiológicos. Um elemento fundamental neste processo de apoio é a PACIÊNCIA com o ritmo mais lento de aprendizado que as crianças com NF1 apresentam.

É interessante saber que a dificuldade de aprendizagem escolar, psicomotora e social acontece em graus diferentes de gravidade, variando muito de uma pessoa para outra, até mesmo entre gêmeos “idênticos” (chamados de monozigóticos, antigamente chamados de univitelinos).

Em nosso Centro de Referência temos orientado alguns pares de gêmeos monozigóticos, ou seja, aqueles gêmeos formados pela divisão posterior de um embrião resultante da fecundação de apenas um óvulo por um espermatozoide (ver figura). Até o momento, são 6 pares de gêmeos monozigóticos, sendo 5 pares femininos e um par masculino. Todos estes pares de gêmeos monozigóticos apresentam a NF1.

Acompanhamos também dois outros pares de gêmeos (chamados hoje de dizigóticos e que correspondem a cerca de 2 em cada 3 pares de gêmeos) fraternos, ou seja, formados por embriões decorrentes da fecundação de dois óvulos por dois espermatozoides em separado (ver figura). Um destes pares é formado por dois homens e outro por um homem e uma mulher. Em ambos os pares, apenas um dos gêmeos apresenta a NF1.

Como se sabe, os gêmeos “idênticos” são formados com o mesmo genoma, metade dos genes herdada do pai (pelo espermatozoide) e metade dos genes herdada da mãe (pelo óvulo), ou seja, sua constituição genética é a mesma.

 

Já entre os gêmeos fraternos o genoma de cada um deles é tão diferente quanto o de quaisquer dois outros irmãos ou irmãs nascidos em épocas distintas, pois foram formados por dois espermatozoides com diferentes combinações genéticas herdadas do pai e dois óvulos também com diferentes combinações genéticas herdada da mãe (ver figura).

Quando ocorre a fecundação dos gêmeos idênticos, se o óvulo ou o espermatozoide traziam em si a mutação patológica no gene NF1, ambos os bebês apresentarão os sinais da doença. Ao contrário, na fecundação dos gêmeos fraternos, apenas um dos espermatozoides ou um dos óvulos pode conter a mutação patológica para o gene NF1 e somente aquele bebê resultante desta fecundação realizada com a mutação para NF1 expressará os sinais da doença, enquanto o outro nascerá sem a NF1. 


E qual é a chance de nascerem gêmeos com NF1?

Veremos amanhã.

Na última reunião da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses, uma das pessoas associadas declarou que sua dor de cabeça havia melhorado depois que ela começara a usar um equipamento elétrico chamado CEFALY (figura ao lado fornecida no artigo abaixo), o que a deixava muito feliz agora porque sua dor parecia intratável com diversos medicamentos ao longo de muitos anos.

Naturalmente, muitas pessoas naquela reunião perguntaram se este equipamento realmente funciona para melhorar a dor de cabeça que atinge mais da metade das centenas de pessoas com NF1 atendidas em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Prometi estudar a questão e apresento a seguir o que encontrei.

Começo dizendo que não encontrei nenhum estudo científico que tenha verificado o efeito do CEFALY no tratamento da dor de cabeça em pessoas com NF1. Portanto, não podemos afirmar com certeza que o CEFALY funciona na NF1 porque a doer de cabeça na NF1 pode ter causas diferentes da dor de cabeça em pessoas sem NF1. Até o momento, não sabemos a causa exata da dor de cabeça crônica nas pessoas com NF1.

Assim, comentarei abaixo o melhor estudo que encontrei, ou seja, a revisão mais recente numa revista científica sobre o efeito do CEFALY (em pessoas sem NF1) que encontrei, que foi o artigo de abril de 2016 na Practical Neurology, uma publicação do grupo da British Medical Journal da Inglaterra (quem desejar ver o artigo em inglês CLIQUE AQUI ).

A médica Sarah Miller e seus colaboradores mostraram que não há provas científicas de que a estimulação elétrica dos ramos supraorbitais do nervo trigêmeo pelo equipamento CEFALY funcione melhor do que os medicamentos ou o efeito placebo nas crises agudas de dor de cabeça. Também informaram que o único estudo favorável ao uso do CEFALY como preventivo da dor de cabeça foi uma pesquisa patrocinada pelos fabricantes do equipamento e, mesmo assim, os resultados encontrados foram piores quando comparados ao uso do medicamento chamado topiramato.

De qualquer forma, considerando aqueles casos em que não há outra opção depois de todas as tentativas com medicamentos, a equipe médica inglesa sugere que o CEFALY deve ser testado em novos estudos científicos com populações maiores e com métodos mais rigorosos. Enquanto isso, os clínicos podem considerar a possibilidade de experimentar o CEFALY em alguns casos selecionados, como quando a pessoa apresenta tolerância ou efeitos colaterais com os medicamentos geralmente usados, como analgésicos, combinações de analgésicos e cafeína, topiramato, antidepressivos, anticonvulsivantes, e betabloqueadores, entre outros.

Portanto, na NF1, continuamos, por enquanto sem saber se o CEFALY realmente funcionou para a diminuição da dor de cabeça da nossa associada ou se outros fatores contribuíram para a melhora quando ela passou a usar o aparelho. E torcemos para que os novos estudos científicos incluam pessoas com NF1 em sua pesquisa.


Apresento hoje duas perguntas que trazem uma questão em comum: a capacidade física das pessoas com Neurofibromatose do Tipo 1.

“Tenho NF1, estou com 17 anos e gostaria de saber se ela me impede de seguir carreira militar. Não tenho má formação nos ossos, mas a única coisa que identifica a NF1 são manchas pelo corpo de diferentes tamanhos, cor café com leite e outras mais escuras. ” DHS, de local não identificado.

“Meu filho de 12 anos tem NF1 e eu gostaria de saber se ele praticar esportes poderia melhorar sua timidez”. MJRZ, de São Paulo.

Cara M e caro D, obrigado pela sua participação neste blog.

Vamos partir de alguns conhecimentos já observados: as pessoas com NF1 têm menos força muscular e menor capacidade aeróbica, ou seja, elas apresentam uma desvantagem para a prática de atividades físicas em relação as demais pessoas sem a doença (clique para ver artigos sobre força e sobre capacidade aeróbica ).

Assim, tanto nas atividades militares como nas esportivas podemos esperar menor desempenho físico por parte das pessoas com NF1, o que pode ser um fator limitante para sua adequação e bem-estar nestas atividades. De fato, na minha experiência clínica não encontrei ainda uma pessoa com NF1 que tenha alcançado destaque em qualquer esporte.

Portanto, considerando que os esportes e a carreira militar selecionam as pessoas por sua capacidade física (entre outras habilidades), há grande probabilidade de que pessoas com NF1 sejam mais excluídas no processo de seleção para participar destas atividades.

Outra característica comum entre as pessoas com NF1 é a timidez, ou seja, certo retraimento social, decorrente de sua dificuldade de perceber indicadores sociais, de lentidão para interagir nos grupos, pouca habilidade de lidar com a ironia e brincadeiras, além de agressividade descontrolada quando contrariadas.

Este comportamento alterado nas pessoas com NF1 provavelmente também dificulta a sua inserção nos esportes, pois o ambiente competitivo requer rapidez nas respostas motoras e intelectuais, assim como capacidade de interagir em grupo e canalizar a agressividade para os objetivos do jogo.

Será que a prática de atividades físicas regulares poderia alterar este comportamento alterado e comum nas pessoas com NF1? Não conheço um estudo que tenha pesquisado esta possibilidade e, aliás, esta é uma ideia que poderia ser testada com métodos científicos.

No entanto, devemos pensar de forma diferente os esportes (ou seja, as COMPETIÇÕES) de outras atividades físicas, como brincadeiras, jogar bola, caminhadas, andar de bicicleta, e outras práticas nas quais NÃO HÁ COMPETIÇÃO.

Ambas as atividades, as lúdicas, ou seja, apenas por diversão, e as atividades competitivas, fazem parte de nossa natureza humana, como processos necessários ao nosso desenvolvimento cognitivo e social. No entanto, nos últimos cem anos, o esporte vem se tornando cada vez mais um grande negócio financeiro mundial (ver a máquina empresarial por trás das Olimpíadas neste momento) e um instrumento de propaganda da sociedade capitalista, transmitindo a ideia de que competir é um bem em si.

Hoje, milhões de pessoas sedentárias participam eletronicamente das atividades realizadas por um minúsculo grupo de atletas, que se tornam milionários anunciando os produtos que os espectadores consomem junto com a ideia de que competir é fundamental.

Antes de trabalhar com as neurofibromatoses, fui médico especialista em medicina esportiva e avaliei centenas de atletas de alto nível. Ao longo dos anos, fui me dando conta de que esporte não é sinônimo de saúde, mas o seu contrário: uma mistura de obsessão pelo desempenho, de narcisismo doentio, de individualismo e de lesões esportivas. Além de muita propaganda ideológica e imensos interesses financeiros, é claro.

Portanto, minha hipótese é de que realizar atividades lúdicas, prazerosas, coletivas e sem finalidade competitiva ao longo da vida poderia fazer bem às pessoas com NF1. Espero, um dia, poder testar cientificamente esta ideia.