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Compreendo pouco como funciona o Sistema Único de Saúde, apesar de trabalhar no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, onde atendemos pelo SUS.

É uma estrutura muito complexa, da qual apenas sei que foi construída democraticamente, que procura dar atendimento público a todas as pessoas com cidadania brasileira e que é considerado um dos melhores sistemas de saúde pública do mundo.

Por isso, fico inseguro quando um governo vem e diz que vai mudar isso ou aquilo no SUS e a oposição discorda, diz que é um erro, que vai prejudicar a população. Como saber quem está com a razão?

Então, o sensato, me parece, é ouvir a opinião das pessoas que estudam e compreendem melhor o SUS.

E o que elas dizem?

Várias entidades relacionadas com a Saúde Pública (ver abaixo a lista completa) escreveram um texto sobre o SUS, que adaptei, a seguir, da forma como o entendi.

As entidades criticam algumas medidas do governo atual, como Portaria número 2979/19 do Ministério da Saúde, que ameaça a Saúde da Família e os recursos do SUS.

Para o SUS funcionar bem, ele precisa da participação das diversas instâncias do controle social, além daquelas previstas legalmente, como as conferências e conselhos de saúde.

Um dos órgãos fundamentais para o funcionamento do SUS é o Conselho Nacional de Saúde (CNS), que vinha sendo o principal local de discussão das políticas de saúde.

No entanto, o novo governo está forçando um modelo de financiamento da atenção primária à saúde sem nenhuma conversa com o Conselho Nacional de Saúde, nem com a comunidade científica, e impôs novos critérios de rateio dos recursos destinados aos municípios, que pode alterar profundamente o funcionamento do SUS.

Outra ação danosa deste governo para o povo brasileiro é desmontar os programas de Saúde da Família, que tem sido o principal meio da atenção primária no Brasil.  Bolsonaro acabou com Piso da Atenção Básica, sem qualquer estudo que evidencie claramente seus impactos sobre a condição de saúde da população, sobre a desigualdade de acesso nas regiões metropolitanas e a sustentabilidade econômica dos municípios.

Como consequência, com o tal ajuste fiscal, as prefeituras não têm como colocar dinheiro novo para repor os médicos (as) e enfermeiros (as) perdidos nos últimos anos, cujas consequências sociais podem ser desastrosas.

Além disso, o fim do pagamento destinado às equipes em funcionamento dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família repercutirá negativamente sobre a qualidade da assistência à saúde, dificultando o acesso da população ao cuidado integral realizado por nutricionistas, fonoaudiólogos (as), fisioterapeutas, psicólogos (as), entre outros.

Mas há reações a estas medidas.

Uma delas, do deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) e o senador Humberto Costa (PT-PE), que apresentaram Projetos de Decreto Legislativo, que pretendem sustar a Portaria nº 2979/19 do Ministério da Saúde.

Eles denunciam que esta portaria tem o objetivo de substituir o modelo de financiamento da atenção primária que vinha funcionando por outro baseado na captação ponderada e no pagamento por desempenho.

Essa mudança foi bolada por técnicos do Ministério da Saúde, sem qualquer transparência, a partir da experiência de países com território, população, renda média e modelo de provimento diferentes do caso brasileiro.

Os parlamentares alertam que esse novo modelo do governo atual não foi elaborado de forma transparente e não garante a redução das desigualdades regionais, ao adotar o número ao adotar o número de pessoas cadastradas como critério para repasse dos recursos, desconsiderando as necessidades de saúde da população, as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços públicos de saúde.

Para piorar, essa proposta está alinhada com a política de austeridade fiscal, que, a partir de 2016, introduziu um teto para as despesas primárias, por meio da Emenda Constitucional 95, que vem reduzindo o piso do governo federal em termos reais per capita.

Essa restrição orçamentária se torna mais grave com as recentes Propostas de Emenda Constitucional apresentadas pelo Ministério da Economia, que visam, a um só tempo, reduzir o teto dos gastos, eliminar o mínimo da saúde na união, estados e municípios e colocar a saúde e a educação numa disputa fratricida – que certamente agravarão as condições epidemiológicas e os vazios assistenciais.

Por causa do perigo desta política do governo Bolsonaro, diversas entidades publicaram um documento contrário a estas condutas e reafirmaram seus compromissos éticos com a democracia e os direitos sociais.

As entidades abaixo pedem aos os parlamentares para aprovarem as propostas de Decreto Legislativo, anulando da Portaria nº 2979/19 do Ministério da Saúde e permitindo a reabertura do diálogo com a comunidade científica, com os movimentos sociais e, especialmente, com os conselhos de saúde – composto por usuários, trabalhadores, prestadores e gestores.

A carta foi assinada em 21 de novembro de 2019, no Rio de Janeiro pelas seguintes entidades:

Associação Brasileira de Enfermagem

Associação Brasileira de Ensino em Fisioterapia

Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ver abaixo)

Associação Brasileira de Saúde Coletiva

Associação Brasileira de Saúde Mental

Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais

Associação Brasileira de Economia da Saúde

Associação Nacional de Pós-graduandos

Associação Paulista de Saúde Pública

Associação Brasileira de Nutrição

Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

Conselho Federal de Nutricionistas

Conselho Federal de Psicologia

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social

Federação Nacional dos Farmacêuticos

Federação Nacional dos Psicólogos

Federação Nacional dos Assistentes Sociais

Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social

Federação Nacional dos Enfermeiros

Federação Nacional dos Odontologistas

Associação Brasileira da Rede Unida

Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares

Sociedade Brasileira de Bioética

Então, estou mais seguro para dizer: o projeto do governo Bolsonaro não é bom para o SUS e para a Saúde Pública.

Por isso, comecei a participar de um movimento brasileiro de médicas e médicos em defesa da democracia (ABMMD), cuja pauta principal é a preservação e ampliação do Sistema Único de Saúde (SUS) e nesta segunda feira, 25 de novembro, foi criada a diretoria provisória em Minas Gerais (foto).

Se desejar saber mais informações sobre esta associação entre em: https://pt-br.facebook.com/medicospelademocracia/

Em conclusão, proponho que na nossa próxima reunião da AMANF possamos discutir como podemos apoiar o SUS.

Dr LOR

Presidente eleito da AMANF

Gestão 2019-2023

PS: o desenho acima é uma das propostas em discussão para o logo da ABMMD.

O Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais atende pessoas de todo o país pelo Sistema Único de Saúde.

Para isso, é preciso seguir algumas instruções da Secretaria do Ambulatório de Dermatologia:

  • O telefone para marcação de consultas MUDOU: agora é (31) 3307-9560.
  • Para agendar, basta ligar, mas ligue somente nos horários de 7 às 10 horas da manhã e apenas de terça a sexta feira.
  • Caso a Sra. Jacqueline não esteja no momento, favor deixar contato com Neide ou Fernando, que ela entrará em contato.
  • Ao ligar, você deve estar com cartão SUS em mãos, quando será solicitado o número. Sem o número do cartão SUS, não será possível fazer a marcação.
  • O Dr. Lor será substituído pelo Dr. Bruno Cézar Lage Cota a partir de setembro de 2019. Marcações de consultas pelo SUS a partir de setembro podem ser feitas para atendimento com Dr. Bruno e com Dr. Nilton.
  • Dr. Lor continuará supervisionando alguns casos especiais que serão encaminhados a ele pelo Dr. Bruno.
  • A partir de setembro de 2019, o Dr. Lor continuará atendendo apenas no consultório particular (31) 3491 9460.

Acaba de ser publicado (15/5/19) numa das melhores revistas científicas internacionais de oftalmologia o trabalho realizado pela Dra. Vanessa Waisberg e colaboradores no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Dra. Vanessa Waisberg e seus colaboradores descreveram três novas mutações que atingem o gene NF2 no cromossomo 22, as quais levam à manifestação clínica da neurofibromatose do tipo 2 (tumores no nervo vestibular, catarata juvenil, tumores cerebrais e outras complicações).

No artigo científico também são descritas as alterações oculares observadas no exame oftalmológico e na tomografia de coerência óptica das pessoas com NF2 que foram voluntárias na pesquisa. Além disso, análises das alterações moleculares (bioquímicas e genéticas) foram descritas.

Os resultados apresentados aumentam o conhecimento internacional sobre a neurofibromatose do tipo 2 e devem beneficiar o diagnóstico e orientar o tratamento de pessoas com NF2 em todo o mundo. A cada novo conhecimento construído, damos mais um passo em direção à cura futura da doença.

O artigo (em inglês) tem o título: “Alterações oculares, achados moleculares e três novas mutações patológicas numa série de pacientes com NF2”. Os autores são Vanessa Waisberg, Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, Márcio Bittar Nehemy, Luciana Bastos-Rodrigues e Débora Marques de Miranda. A revista científica é a Graefe’s Archive for Clinical and Experimental Ophthalmology (endereço eletrônico https://doi.org/10.1007/s00417-019-04348-5 ).

O estudo foi feito como parte do doutorado da Dra. Vanessa Waisberg e só foi possível ser realizado por causa da estrutura PÚBLICA da Universidade Federal de Minas Gerais e com os recursos financeiros PÚBLICOS fornecidos pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento da Pesquisa e Tecnologia) no ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatose do Hospital das Clínicas (PÚBLICO) dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) (PÚBLICO).

Quem disse que nossas universidades públicas não produzem conhecimento?

Se  desejar ver o artigo completo em inglês clique aqui https://rdcu.be/bCncE

Caros associados da AMANF e leitores desta página.

As eleições estão chegando e na hora de votar precisamos saber quais os candidatos que representam AS MELHORES propostas para o nosso país, inclusive aquelas que ajudem o atendimento amplo às pessoas com Neurofibromatoses.

Em nossa última reunião da AMANF decidimos convidar a todos os leitores e associados para refletirmos com cuidado para podermos escolher os candidatos que:

  • Defendem o Sistema Único de Saúde (SUS) como um dos mais avançados sistemas de saúde pública do mundo e que prometem aumentar os recursos públicos para o SUS;
  • Defendem os direitos humanos para todos, como é o caso das pessoas com doenças raras, pois nós da NF estamos juntos com as mulheres, com os negros, com as populações indígenas, com as pessoas diferentes opções sexuais, com as diferentes orientações religiosas e todas as minorias entre os brasileiros;
  • Defendem o meio ambiente, pois sem a defesa do ambiente não haverá saúde e qualidade de vida;
  • Defendem a democracia, pois sem democracia não há possibilidade de corrigirmos os erros passados. Tentativas de soluções autoritárias apenas agravam os problemas, como aconteceu nas ditaduras do passado.
  • E que não tenham sido condenados por corrupção, pois a corrupção prejudica nosso desenvolvimento, embora não seja a causa da crise econômica.

Quem desejar conhecer melhor os programas de governos de todos os candidatos à presidência da República, sugerimos consultar este site que é confiável: VER AQUI

A democracia é alegre, sem ódio, sem radicalismos e sem medo de sonharmos com um país cada vez melhor para todos.

Dr Lor

Presidente 2017- 2019

O Dr. Paulo Chiabai, um advogado de Vitória (ES) que generosamente vem auxiliando a construção da Associação de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose do Espírito Santo, nos pergunta quais os procedimentos adotados no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Com base nestes procedimentos habituais, o Dr. Paulo pretende estabelecer o quantitativo de verbas que deveriam ser destinadas ao diagnóstico e tratamento das pessoas com NF no Estado do Espírito Santo.

Respondi pessoalmente ao Dr. Paulo e torno pública minha resposta porque ela pode ser útil a outras pessoas.

Primeiro, devo dizer que nosso Centro de Referência é um ambulatório do Hospital das Clínicas da UFMG e, portanto, está inserido no Sistema Único de Saúde e sujeito às normas gerais do SUS, com as quais concordamos. Por outro lado, sofremos também a falta crônica de recursos financeiros do SUS, o que limita profundamente nosso atendimento em termos de rapidez e amplitude de tratamentos, especialmente cirúrgicos.

Ao longo destes 13 anos de atividades no nosso Centro de Referência já foram cadastradas cerca de 1200 famílias com as diversas formas de NF, sendo a imensa maioria de pessoas com NF1, cerca de 20 famílias com NF2 e cerca de 10 com Schwannomatose. Diante disso, é natural que nosso atendimento seja mais voltado para as pessoas com NF1 do que para a NF2 e a Schwannomatose.

Nossa média de casos novos por ano é cerca de 100 casos, o que significa uma grande demanda, representando, por exemplo, um terço de todos os casos novos registrados no Japão, além de atendermos em média 450 retornos ambulatoriais anualmente.

 

Condições para o diagnóstico da NF1

O diagnóstico da NF1 é essencialmente clínico e em cerca de 95% dos casos basta a consulta médica com profissional experiente na doença para que o diagnóstico seja feito com segurança.

O exame clínico oftalmológico também pode ser uma ferramenta importante na complementação do diagnóstico.

A participação da neurologia é importante no diagnóstico quando há convulsões, gliomas ópticos, tumores cerebrais ou neurofibromas espinhais compressivos.

A interconsulta com a ortopedia é fundamental nos casos de displasias ósseas e desvios da coluna vertebral.

A análise de riscos e benefícios pela cirurgia é indispensável nos casos com necessidades cirúrgicas.

Avaliação fonoaudiológica, psicológica e cognitivas são necessárias em cerca de metade das pessoas com NF1, especialmente crianças e adolescentes.

Alguns casos de alterações do comportamento em pessoas com NF1 podem necessitar o auxílio da psiquiatria.

 

Exames complementares

A análise do DNA pode ser necessária para completar o diagnóstico de algumas formas da NF1 em cerca de 10% dos casos.

Exames de imagem podem ser indicados em cerca de 20% dos casos para avaliar a presença de complicações.

Outros exames complementares ocasionalmente são solicitados, como eletroencefalograma, ultrassom de abdome e exames de sangue.

Em casos de suspeita de transformação maligna de neurofibromas plexiformes, a tomografia com emissão de pósitrons (PET CT) é fundamental para a orientação terapêutica.

Portanto, os ambulatórios interligados necessários para o diagnóstico da NF1 são:

  • Medicina geral (clínica médica)
  • Oftalmologia
  • Neurologia
  • Ortopedia
  • Cirurgia
  • Fonoaudiologia
  • Psicologia
  • Psiquiatria

Os laboratórios complementares acessíveis aos pacientes devem ser:

  • Ressonância magnética
  • Análises genéticas
  • Ultrassonografia
  • PET CT com 18FDG

 

Condições para o diagnóstico da NF2 e a Schwannomatose

Tanto os diagnósticos da NF2 como da SCH requerem o exame clínico experiente, o qual solicita o estudo por imagem por meio de ressonância magnética, a audiometria e o exame oftalmológico (de preferência com Tomografia de Coerência Óptica) e o estudo anatomopatológico.

Portanto, as condições para o atendimento para o diagnóstico da NF1, NF2 e Schwannomatose são relativamente semelhantes e necessitam do acesso a uma estrutura ampla como a do Sistema Único de Saúde.

 

Condições para o tratamento das NF

 

Não existem ainda tratamentos medicamentosos cientificamente comprovados para as neurofibromatoses, seja para a NF1, para a NF2 ou para a Schwannomatose.

 Portanto, quando indicados, os tratamentos atuais disponíveis são cirúrgicos, fonoaudiológicos, psicológicos ou sintomáticos (como analgésicos, psicotrópicos, antipruriginosos, anticonvulsivantes, coletes ortopédicos, etc.).

A principal demanda cirúrgica na NF1 é a cirurgia plástica para a retirada de neurofibromas cutâneos e para tratamentos restauradores de deformidades causadas por neurofibromas plexiformes. Ocasionalmente pode ser necessária a intervenção da neurocirurgia para tumores cerebrais ou neurofibromas espinhais compressivos.

A principal demanda cirúrgica na NF2 e na Schwannomatose é a neurocirurgia para a descompressão de schwannomas vestibulares, remoção de meningiomas sintomáticos ou retirada de schwannomas periféricos.

Ocasionalmente a transformação maligna de tumores na NF1 e raramente na NF2 podem requerer quimioterapia além da cirurgia.

Em resumo, para o atendimento pleno das pessoas com NF é necessária uma estrutura ampla de especialidades, a qual somente pode ser conseguida pela inserção no SUS do atendimento especializado em neurofibromatoses.

 

Recebi do amigo Elcio Neves da Silva, que está organizando a associação de apoio às pessoas com doenças raras em Vitória (ES), as informações abaixo referentes a um Projeto de Lei Complementar (PLC) que envolve as doenças raras, entre elas as neurofibromatoses.

Dividi o tema em partes e transcrevo abaixo (em azul) a notícia como está na página do Senado (Fonte: informações da Agência Câmara e Agência Senado)

Em seguida, acrescento (em verde) os comentários sobre esta notícia que foram realizados a meu pedido pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues (foto acima), médica clínica e dedicada a aplicar a medicina baseada em evidências nas novas tecnologias em saúde, incluindo medicamentos. 
Além de sua especialidade atual, a Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues já cuidou de muitas pessoas com neurofibromatoses e estudou alguns aspectos da NF1 durante seu mestrado em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (ver AQUI o artigo publicado com os resultados de sua pesquisa).

Parte 1

“A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) analisa projeto que cria a Política Nacional para Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta (PLC 56/2016) define como doença rara aquela que afeta até 65 em cada 100 mil pessoas.

O senador Romário (PSB-RJ) foi designado relator do texto, que após análise da CDH seguirá para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

Pelo projeto, a política deverá ser implantada em até três anos, tanto na esfera nacional, como na estadual e na municipal, com o objetivo de estabelecer uma Rede Nacional de Cuidados ao Paciente com Doença Rara. A proposta estabelece as competências de cada um dos entes federativos (municípios, estados e União) na execução da política.

O Ministério da Saúde, de acordo com o projeto, será obrigado a fornecer medicamentos para o tratamento de doenças graves e raras, ainda que eles não constem na relação de remédios disponibilizados gratuitamente pelo SUS.

Comentário da Dra. Luíza de O. Rodrigues:

Pelas leis atuais, nenhum medicamento fora da lista do SUS (incluindo os de alto custo) é fornecido pelo Estado.

As listas do SUS são compostas por medicamentos que foram previamente registrados na Anvisa e avaliados pelas agências responsáveis para incorporação às listas do SUS (como o CONITEC). Estas avaliações consideram eficácia, segurança e custo-efetividade de um medicamento. Dessa maneira, fazer o Estado fornecer medicamentos que não passaram por essas etapas de avaliação pode colocar a saúde do usuário em risco, além de poder comprometer a sustentabilidade do sistema de saúde.

A via judicial, de acordo com uma discussão do STF,1 só deveria ser acionada quando houvesse demora excessiva (acima de 365 dias) na apreciação do medicamento pelos órgãos competentes, dentro de determinadas circunstâncias. Eu cito:

“O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, sem eficácia e segurança comprovadas, em nenhuma hipótese. Já em relação a medicamentos não registrados na Anvisa, mas com comprovação de eficácia e segurança, o Estado somente pode ser obrigado a fornecê-los na hipótese de irrazoável mora da agência em apreciar o pedido de registro (prazo superior a 365 dias), quando preenchidos três requisitos: 1) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil; 2) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e 3) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.”

Pois, como avalia o ministro Luís Roberto Barroso, “o Poder Judiciário não é a instância adequada para a definição de políticas públicas de saúde”.

Na perspectiva das doenças raras, de fato, há poucas alternativas terapêuticas, mas aumentar o acesso a tratamentos sem comprovação mínima de eficácia e segurança não vai resolver essa questão.

São mais necessários os incentivos à pesquisa clínica nacional de qualidade, o que permitirá oferecer tratamentos inclusive experimentais, de forma mais segura e controlada.

Voltando ao texto do Senado:

Parte 2

Atenção básica e especializada

A política será implementada tanto na chamada atenção básica à saúde, quanto na atenção especializada.

Na atenção básica (Unidades Básicas de Saúde e Núcleo de Apoio à Saúde da Família), serão identificados os indivíduos com problemas relacionados a anomalias congênitas, erros inatos do metabolismo, doenças geneticamente determinadas e doenças raras não genéticas. A ideia é que os portadores de doenças raras sejam identificados precocemente, no pré-natal ou ainda recém-nascidos, e que recebam o tratamento adequado desde a primeira infância. A política prevê ainda o suporte às famílias dos pacientes com doenças raras.

Já na atenção especializada (Unidades de Atenção Especializada e Reabilitação e Centros de Referência), serão realizados o acompanhamento especializado multidisciplinar e os demais procedimentos dos casos encaminhados pela atenção básica.

Centros de referência

Conforme o projeto, cada estado deverá estruturar pelo menos um Centro de Referência, que deve, na medida do possível, aproveitar a estrutura já existente em universidades e hospitais universitários.

A proposta determina ainda que os estabelecimentos de saúde habilitados em apenas um serviço de reabilitação passarão a compor a rede de cuidados à pessoa com doença rara. O objetivo é dar assistências aos pacientes sem tratamento disponível no âmbito do SUS. A ideia é que esses centros possam se articular com a rede do SUS, para acompanhamento compartilhado de casos, quando necessário.

Medicamentos órfãos

A política reconhece o direito de acesso dos pacientes diagnosticados com doenças raras aos cuidados adequados, o que inclui a provisão de medicamentos órfãos (aqueles destinados ao diagnóstico, prevenção e tratamento de doença rara).

Pelo texto, a necessidade de utilização desses medicamentos órfãos deverá ser determinada pelos centros de referência do SUS e reavaliada a cada seis meses.
Segundo o projeto, a incorporação do medicamento órfão pelo SUS deverá ser considerada sob o aspecto da relevância clínica, e não sob o aspecto da relação custo-efetividade. 

Comentário da Dra. Luíza de O. Rodrigues:

A relevância clínica de um medicamento vem de sua eficácia em desfechos de interesse à saúde do paciente, comprovada em estudos de qualidade. O simples fato de um medicamento ter sido avaliado em um ensaio clínico não é um atestado de sua relevância clínica. Para tanto, o medicamento tem que demonstrar, de forma clara, benefícios consistentes em desfechos importantes, como qualidade de vida, mortalidade, etc. E, de preferência, de forma comparativa a outro tratamento sabidamente ativo na doença.

No entanto, a própria definição de medicamento órfão implica em medicamento direcionado ao tratamento de doenças raras, sobre as quais é difícil conduzir estudos de boa qualidade metodológica.

Os estudos (científicos) com portadores de doenças raras geralmente incluem poucos participantes e não conseguem comparar outros tratamentos, portanto, nestes estudos a eficácia ou a relevância clínica geralmente não são claramente demonstradas.

Numa sociedade como a nossa, cada vez mais medicalizada,2 os potenciais benefícios de um medicamento costumam ser superestimados e seus riscos subestimados. É cada vez mais difícil aceitarmos, enquanto sociedade, o fato de que em muitos casos, o melhor tratamento (ou seja, aquele que produzirá melhores efeitos em aspectos da saúde de interesse ao paciente) não é um medicamento experimental ou de relevância clínica incerta, mas o melhor cuidado de suporte ou cuidados paliativos.3

A custo-efetividade, por outro lado, é uma análise econômica, que tenta calcular o preço de cada ano de vida ajustado para qualidade (QALY) supostamente ganho com o uso do medicamento. Seu cálculo, no entanto, depende de modelos complexos (como os modelos de Markov4) que, por sua vez, dependem de dados robustos de ensaios clínicos randomizados (os quais raramente estão disponíveis para medicamentos e doenças órfãos), para que possamos estimar o impacto do medicamento no sistema de saúde que o financiará (SUS ou Saúde Suplementar).

Assim, muitas vezes são desenvolvidos remédios muito caros, mas com relevância clínica incerta (ou por terem efeitos demonstrados em poucos pacientes do estudo, ou pelos efeitos serem somente em aspectos indiretos da doença ou por serem muito tóxicos). A custo-efetividade deste remédio certamente será desfavorável (custo muito alto para uma efetividade baixa).

Em países (como o Reino Unido e o Canadá, por exemplo) onde os sistemas públicos de saúde utilizam sistematicamente a análise de custo-efetividade para decisões de incorporação, são definidos os limiares de custo, acima dos quais um tratamento não pode ser incorporado. Para doenças raras e cuidados de fim de vida, o limiar de custo-efetividade costuma ser maior, ou seja, o preço que o sistema de saúde se propõe a pagar por cada QALY ganho é maior. Mas, no Brasil não temos esses limiares definidos. Assim, as análises econômicas em saúde, no Brasil, ainda não têm força regulatória suficiente, o que ameaça gravemente a sustentabilidade do SUS.

Por isso, a relevância clínica, apesar de ser muito importante para o usuário, não pode ser o único parâmetro para as decisões de incorporação e financiamento de medicamentos, pois a custo-efetividade é uma ferramenta importante para decisões que envolvem recursos finitos. Essa é uma preocupação mundial e envolve também os países com sistemas de saúde com mais recursos do que o nosso.5

Do ponto de vista das doenças raras, dado que os recursos são finitos, me parece mais custo-efetivo (ou seja, algo que produzirá efeitos melhores em aspectos de interesse à saúde do paciente – como qualidade de vida e tempo de vida – para um número maior de pessoas com a doença) buscar a garantia de financiamento de uma rede de cuidados multiprofissionais para diagnosticar, tratar e/ou prevenir as manifestações e complicações das doenças (muitas vezes incuráveis) do que buscar a garantia de financiamento de medicamentos caros e de relevância clínica incerta.


Parte 3

A proposta no Senado diz ainda que os medicamentos órfãos destinados ao tratamento de doenças raras terão preferência na análise para concessão de registro sanitário junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e estabelece algumas regras para facilitar o registro.”

Comentário da Dra. Luíza de O. Rodrigues:

Segundo a própria Agência:

“O registro de medicamento é o ato por meio do qual a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza a comercialização deste produto, mediante “avaliação do cumprimento de caráter jurídico-administrativo e técnico-científico relacionada com a eficácia, segurança e qualidade destes produtos”.”

Entendo que o registro tem seus prazos determinados pelo volume de demanda e pela necessidade de análises técnicas das solicitações de registros. Facilitar esses registros pode comprometer a seriedade das análises, que já são bastante flexíveis do ponto de vista da Avaliação de Tecnologias em Saúde, dado que diversos medicamentos são aprovados mesmo tendo sido avaliados somente em estudos de menor qualidade metodológica (do tipo ensaio clínico de fase II).

Já existem normas para solicitar priorização nestas análises.6 No entanto, as análises, reitero, não dizem respeito à custo-efetividade ou às indicações clínicas baseadas em evidências comparativas ou ao impacto do medicamento no sistema de saúde. O registro da ANVISA é o que permite a comercialização do medicamento no país.

Já o papel da CONITEC, segundo a própria CONITEC:

“(…) difere bastante do papel da Anvisa na avaliação das tecnologias. A Anvisa realiza uma avaliação de eficácia e segurança de um medicamento ou produto para a saúde visando à autorização de comercialização no Brasil. No entanto, para que essas tecnologias possam ser utilizadas na rede pública de saúde (SUS), além de receber o registro da Anvisa, elas precisam ser avaliadas e aprovadas pela CONITEC, que considerará a análise da efetividade da tecnologia, comparando-a aos tratamentos já incorporados no SUS. Caso a nova tecnologia demonstre superioridade em relação às tecnologias já ofertadas no SUS, serão avaliados também a magnitude dos benefícios e riscos esperados, o custo de sua incorporação e os impactos orçamentário e logístico que trará ao sistema.”7

Portanto, penso que acelerar a aprovação na Anvisa não tem impacto direto na cobertura obrigatória pelo SUS ou pela Saúde Suplementar. É o CONITEC (para o SUS) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que têm esse papel. Mas, tendo a aprovação da Anvisa para a droga ser comercializada em território nacional, a judicialização se torna possível (ou seja, obtenção do medicamento por via judicial).

No entanto, como já comentamos, o Poder Judiciário não é a instância adequada para se decidir políticas de saúde. Especialmente quando o foco é a melhora dos aspectos de interesse à saúde do paciente, o que raramente é obtido com os medicamentos modernos.

Dr LOR pergunta: em resumo, podemos dizer que este projeto de lei tem como objetivo principal facilitar a venda de medicamentos sem evidência comprovada para pessoas com doenças raras?

Resposta da Dra. Luiza O Rodrigues:

Não sei se é o objetivo principal, mas, de fato, este projeto de lei, se aprovado dessa maneira, facilitaria a venda de medicamentos (geralmente muito caros e tóxicos) sem eficácia demonstrada, para pessoas com doenças raras que, não raramente, têm poucas opções terapêuticas, fazendo com que estejam mais dispostas a tentar esses tratamentos incertos.

Dessa maneira, isso pode fazer com que outros tratamentos, inclusive não-medicamentosos, com maior comprovação de eficácia em melhorar aspectos de interesse à saúde do paciente, ou menores riscos, não sejam tentados ou sejam abandonados por possibilidades incertas, de alto custo e com efeitos colaterais potencialmente graves.

Referências

1. STF. Pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto custo por via judicial. 2016. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326275 .

2. Brito MA de. Medicalização da vida: ética, saúde pública e indústria farmacêutica. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2554-2556. doi:10.1590/S1413-81232012000900036 .

3. INCA. Cuidados paliativos. 2017. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/cancer/site/tratamento/cuidados_paliativos .

4. Sato RC, Zouain DM. Modelos de Markov aplicados a saúde. Einstein. 2010;8(3 Pt 1):376-379. http://www.scielo.br/pdf/eins/v8n3/pt_1679-4508-eins-8-3-0376.pdf .

5. Sullivan R, Peppercorn J, Sikora K, et al. Delivering affordable cancer care in high-income countries. Lancet Oncol. 2011;12:933-980. doi:10.1016/S1470-2045(11)70141-3 .

6. ANVISA. Priorização de análise de medicamentos. 2017. http://portal.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=2708799&_101_type=content&_101_groupId=3 .

7. CONITEC. Perguntas frequentes. 2017. http://conitec.gov.br/perguntas-frequentes .

8. Wise PH. Cancer drugs, survival, and ethics. BMJ. 2016:i5792. doi:10.1136/bmj.i5792 .

Recebi o convite (ao lado) para o lançamento de uma nova iniciativa de apoio para pessoas com Doenças Raras, a Linha Rara, que segundo os organizadores é a continuação de um trabalho que vem sendo desenvolvido em Portugal.

Penso que todas as iniciativas destinadas a tornarem as doenças raras mais conhecidas pelas pessoas afetadas e pelos profissionais da saúde devem ser apoiadas. Para apoiarmos de forma consciente senti necessidade de conhecer melhor a Linha Rara.

Como sou dedicado às Neurofibromatoses e não estou suficientemente familiarizado com as outras doenças raras, fiz algumas perguntas sobre a Linha Rara para o Rogério Lima Barbosa, fundador da Associação Maria Vitoria de Doenças Raras (AMAVI), que está realizando seu doutorado em sociologia na Universidade de Coimbra justamente sobre este tema.

Rogério gentilmente respondeu e trouxe diversas informações interessantes sobre a Linha Rara, que podem ser úteis ao acolhimento das pessoas com Doenças Raras, incluindo as Neurofibromatoses.



LOR – Você conhece a Linha Rara e o trabalho do grupo de pessoas e apoiadores desta iniciativa? 


Rogério – Primeiramente, quero agradecer por trazer um assunto central nas minhas pesquisas a partir do exemplo deste convite. É preciso destacar que as associações civis atuam de acordo com as ferramentas que encontram e considerando os outros atores interessados no campo das doenças raras, como a indústria farmacêutica, o governo e os cientistas.

As associações de pessoas com doenças raras começam a atuar sem perseguirem qualquer outro objetivo além de se ajudarem uns aos outros, a partir de uma experiência pessoal de compartilhamento de realidades semelhantes. Portanto, parabenizo às pessoas que se aventuram nesse campo.

Sim, conheço o trabalho dessas associações que realizaram o convite da Linha Rara.

A “Raríssimas” é uma instituição com sede em Portugal e possui a filial brasileira ancorada em São Paulo. Se considerarmos a forma de atuação dessa instituição, os veículos de comunicação que utilizam e a própria estrutura das suas páginas na internet percebemos uma forte tendência para o estilo empresarial de trabalho. Este modelo tem como inspiração a Eurordis, a organização europeia mais influente no assunto específico da doença rara. Como esse modelo é muito diferente da grande maioria das associações civis, pesquisadores sociais de Coimbra e de Paris, as denominam como Organizações de Pacientes.



LOR – Como esta iniciativa está funcionando em Portugal?


Rogério – A Linha Rara já existe em Portugal desde 2009, e já ganhou alguns prêmios europeus, como o Mãos Dadas, destinado ao reconhecimento de boas práticas de empreendedorismo social e de liderança na comunidade. Esse prêmio é uma iniciativa da Associação Portuguesa de Criatividade e Inovação.

Como uma forma de verificar o trabalho realizado em Portugal, por esses dias, fiz um contato com a Linha Rara, uma vez que estou em Coimbra. O atendimento não foi diferente do que eu já esperava e pareceu um tanto disperso. A pessoa que me atendeu desconhecia as Neurofibromatoses e, claramente, realizava algumas pesquisas enquanto conversava comigo ao telefone.

A impressão de que o atendente desconhecia o cuidado para a Neurofibromatose foi corroborada pela indicação que as informações sobre a NF seriam encaminhadas para o meu e-mail no prazo de uma semana. Eu desliguei o telefone sem qualquer orientação que me ajudasse no entendimento do diagnóstico ou na busca por tratamento.

Ontem, no dia limite para enviarem as prometidas informações, recebi uma mensagem comunicando que eu devo aguardar mais alguns dias porque o meu pedido “encontra-se em avaliação por parte da nossa Equipa Técnica. ”

Bem, se em Portugal, que é a inspiração brasileira, o serviço deixou a desejar, não consigo pensar que será diferente no Brasil. O nosso país é quase 20 vezes maior que Portugal, ao considerarmos a população, e 92 vezes maior em termos territoriais. Podemos estar à beira de um caso de frustrações bem maiores.

LOR – Qual é o tipo de orientação que eles fornecem?

Rogério – Aqui em Portugal, parece-me que a Linha Rara tem preferência por encaminhar as pessoas à Casa de Marcos, que é o Centro de Referência deles. Veja que é preferência e não uma obrigação. Essa iniciativa possui o apoio do governo português e, além de manter pessoas carentes em suas instalações, busca realizar um atendimento multiprofissional para pacientes e familiares.

Por outro lado, este procedimento tem uma outra face. Também serve como um mecanismo para conhecer, identificar e localizar as que possuem algum diagnóstico de doenças raras. Ao considerarmos a corrida empresarial para a construção dos chamados “biobancos” (informações de pessoas sobre suas condições de saúde e doenças) e o aumento do interesse sobre o campo das mutações genéticas, reunir os dados de pessoas com doenças raras é uma das formas de facilitar a comercialização de medicamentos. 



LOR – Então há uma relação direta entre esta instituição e os laboratórios farmacêuticos?


Rogério – Sim. Em Portugal e outros países da Europa, não há qualquer constrangimento em informar quais são os parceiros comerciais destas associações de pessoas com condições genéticas raras. Na Europa, como na entidade denominada Eurordis, que é a associação mais influente sobre o tema específico das doenças raras, podemos encontrar as informações sobre as parcerias que acontecem tanto com os maiores laboratórios farmacêuticos e grandes empresas privadas quanto com o governo português. O mesmo acontece com a Raríssimas (ver aqui: http://www.rarissimas.pt/pt/conteudo/150/103/parceiros-e-apoios ).

Disponibilizar esta informação é importante porque aumenta a transparência e fomenta o diálogo coletivo.



LOR – E no Brasil, também é assim?


Rogério – Creio que não. Ao visitar o site de muitas associações civis brasileiras de doenças raras não conseguimos ver as parcerias que são firmadas para a angariação de recursos financeiros.

O curioso é que toda pessoa que começa a participar do campo das doenças raras logo descobre que quanto mais próximo da venda de remédios, mais rápida é a busca do diálogo por parte das indústrias Farmacêuticas.

Assim, a relação entre essas organizações de pacientes e o mercado é quase que uma coisa natural. Por isso, ao vermos sites, como o do Instituto, e as ações como a do convite da Linha Rara, a pergunta que surge é: com quais recursos financeiros eles conseguem essa estrutura ou para fazer tantas atividades?

Diferente do que acontece na Europa, no Brasil não conseguimos ver as parcerias institucionais das organizações de pacientes com o mercado. Isso é facilmente constatado ao visitarmos os sites de organizações como a do Instituto e acessarmos o link que indica as parcerias. A indicação de parcerias com o mercado é nula ou muito pouca. No entanto, vemos uma série de logomarcas de representantes de associações civis e, algumas vezes, a logomarca de alguma secretaria de saúde.

E essa divulgação não é desprovida de interesses. Por exemplo, o uso das logomarcas de associações pretende demonstrar legitimidade da organização. Fica confuso e as informações não batem, porque ao mesmo tempo que algumas organizações brasileiras buscam apresentar uma suposta riqueza, elas não possuem a mesma preocupação para divulgarem o como conseguem suportar os seus gastos. Para uma associação, que tem a finalidade de representar a sociedade civil, parece-me um problema importante.

Em nosso caso, se voltarmos ao exemplo do Instituto que realiza o convite para o evento da Linha Rara, ao visitarmos o seu site não encontramos qualquer indicação do apoio financeiro que recebem (ver aqui: http://www.vidasraras.org.br/site/vidas ) Esse é um exemplo que pode ser encontrado em diversas outras associações.

A visão do Brasil como um mercado atraente para a indústria farmacêutica, foi muito bem demonstrado na apresentação do representante da Multinational Partnership LLC, realizada no II Congresso Ibero-americano de Doenças Raras, em Brasília, no ano passado, em que ele afirmou: a América Latina é o lugar para as doenças órfãs!

Em uma notícia no site da Febrafar (Federação Brasileira das Redes Associativas e Independentes de Farmácias), vemos que o mercado das drogas para doenças raras é um mercado disputado pelas indústrias. Portanto, o discurso de que a indústria não possui interesse no campo das doenças raras é antigo e não corresponde à realidade.

Outro ponto que observamos é a limitação da pluralidade das organizações como a da Linha Rara. Num universo onde existem mais de cinco mil doenças raras, no link destinado a Síndromes Raras, não há indicação para muitas outras condições genéticas como, por exemplo, as Neurofibromatoses, as quais são as doenças monogenéticas mais comuns entre os seres humanos.

LOR – Então, qual seria o objetivo final da Linha Rara?



Rogério – Dentro deste cenário o qual o Brasil é apenas coadjuvante nas decisões, mas é o “alvo” da comercialização, ou seja, as atenções são para a venda de medicamento. Vivemos os planos realizados no início da década, quando a indústria farmacêutica começou a divulgar o seu interesse no campo das doenças raras, com as projeções de venda para o período entre 2012 e 2018 superiores e em o dobro das projeções previstas para os medicamentos prescritos, excluindo os genéricos.


LOR – Qual é a perspectiva futura?


Rogério – Hoje, observamos que a entrada desta associação internacional em um cenário brasileiro pode desestabilizar o fortalecimento das diversas associações de doenças raras que lutam por uma saúde pública abrangente e eficiente, inviabilizando a criação de uma rede de cuidado e de informação para o paciente.

Como as organizações civis (ao estilo da Eurordis ou da Raríssimas) agem em busca do lucro, são fundamentalmente diferentes da maioria das associações de pacientes. Enquanto estas últimas baseiam-se na promoção de atividades associativas em benefício das pessoas que dizem representar, aquelas focam em atividades que podem apoiar as pessoas que dizem representar, mas que devem gerar lucro para a sua estrutura e as pessoas que a formam. Portanto, para não replicarmos a cisão entre as associações, o que aconteceu na Europa, é preciso fortalecer os laços associativos no Brasil.

Isso quer dizer que precisamos encontrar o fortalecimento entre as associações e a divulgação de ações que já existem como, por exemplo, o 0800 do Instituto Canguru.

Utilizei esse canal quando minha família recebeu o diagnóstico de Neurofibromatose, em 2010, e fui muito bem acolhido. Eles fazem um excelente trabalho e estivemos em várias atividades em conjunto. 



LOR – Mas é possível mudar esta situação desfavorável para a maioria das doenças raras?


Rogério – É claro que sim. O primeiro passo é conhecermos a nós mesmos. Além de todo o cenário internacional que persegue o nosso país para a venda de drogas órfãs, precisamos enxergar que esse interesse somente existe por causa de nossas virtudes. E, a principal delas, é a garantia da saúde como um direito, que é o nosso Sistema Único de Saúde, o SUS.

Hoje, o SUS garante não somente o atendimento de qualidade das pessoas com alguma condição genética, que, não raro, acontece nos hospitais escolas, como também é o SUS que fornece os recursos para uma assistência de saúde suplementar, assim como é por causa do SUS que há o processo judicial para conseguir as medicações.

Portanto, como um sistema, é o SUS que fornece todos os mecanismos para o atendimento da pessoa, de maneira integral.

Assim, defender o SUS e a integralidade do cuidado a que propõe é o mesmo que cuidar das pessoas e enxergar toda a complexidade que envolve o cuidado. Ao contrário, se continuarmos a replicar o discurso europeu e a alinhar as condições genéticas às doenças e aos medicamentos órfãos, mutilamos a nossa principal virtude e nos apequenamos.

É preciso pensarmos no cuidado na perspectiva do SUS para passarmos a cuidar da saúde e da pessoa. Porque realizar o cuidado apenas pelo remédio e o comércio, é uma preocupação do mercado em instrumentalizar a família como representantes desvalorizar o nosso bem mais precioso, a própria vida.


Recebi algumas perguntas sobre a portaria do Ministério da Saúde (dezembro de 2016) que habilita um hospital de Brasília como Centro de Referência em Doenças Raras, incluindo na sua competência as doenças de origem genética e não genéticas.

Primeiramente, devo esclarecer que sou professor aposentado na Universidade Federal de Minas Gerais e presto serviço ao Sistema Único de Saúde como médico voluntário no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas. Nesta condição, não conheço a estrutura do SUS de forma suficiente para emitir opinião técnica sobre a designação de um determinado hospital como centro de referência em doenças raras.

Da mesma forma, não tenho conhecimento científico e médico suficiente sobre as mais de cinco mil doenças raras, o que também me impede de emitir opinião técnica sobre as doenças raras de forma específica.

Assim, reservo-me à prudência de opinar exclusivamente sobre as neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose), que fazem parte das doenças raras, é verdade, mas com as quais tenho envolvimento pessoal, técnico e científico há alguns anos.

Neste sentido, minha impressão é de que a primeira linha de atuação em benefício das pessoas com doenças raras talvez seja lutarmos por uma grande mudança no pensamento médico a respeito delas.

Até agora, por gerações e gerações de estudantes de medicina, temos sido formados com o pensamento de que devemos aprender a cuidar das doenças mais comuns. Dizem que um professor em minha faculdade ensinava: “O que é comum, é comuníssimo; o que é raro, é raríssimo”. Há, nesta postura, uma crítica aos médicos que se dedicam a estudar as “raropatias”.

Este tipo de pensamento pode estar nos induzindo a não incluirmos as doenças raras no rol de doenças possíveis diante de uma pessoa que nos procura por atendimento médico.

Ao contrário, se formos ensinados que entre cada 100 pessoas que atendemos 3 delas podem apresentar alguma doença rara, nossa postura será completamente diferente: ao invés de ampliarmos as variantes das manifestações das doenças comuns, deixando passar desapercebida uma doença rara qualquer, pensaremos mais na possibilidade de estarmos diante de algo que não conhecemos bem e que precisamos enviar para outros colegas com mais possibilidades de esclarecimento. Ou seja, sentiremos mais a necessidade de encaminhamento a um Centro de Referência.

Imagino que estes centros de referência devam receber profissionais capacitados em doenças raras e serem equipados como mais uma das especialidades médicas, como são a ginecologia, a pediatria, etc., sem com isso contradizer a própria estrutura democrática do SUS.

Em outras palavras, penso que os centros de referência devem prestar atendimento médico sem privilégios, ou seja, respeitar a equidade, que é dar a cada um de acordo com sua necessidade, mas dentro dos limites impostos pela igualdade de tratamento para todos.

Neste sentido, precisamos defender e melhorar o SUS para todas as pessoas e, com isto, melhorar o SUS também para aqueles que possuem doenças raras.

“Pessoas com Neurofibromatose estão falando de uma técnica realizada nos consultórios de dermatologia chamada eletrocauterização com laser. Essa técnica seria utilizada para remover neurofibromas cutâneos. Gostaria que o senhor pudesse explicar se é eficiente e segura vale a pena ser feita nos casos de muitos neurofibromas. Não sei ao certo se os hospitais públicos/ SUS fazem esse tipo de procedimento, mas se for eficaz e valer a pena creio que poderá aliviar alguns transtornos estéticos da doença. Mas é possível que novos neurofibromas apareçam na mesma área? ” VF, de local não identificado.


Cara VF, obrigado pela sua pergunta.

Já tive a oportunidade de comentar esta questão por duas vezes neste blog. Veja AQUI e AQUI . No entanto, diante de novas perguntas sobre o tema, como a sua, achei importante tentar completar as informações.


Primeiramente, devo esclarecer que na minha opinião, qualquer que seja a técnica adotada, novos neurofibromas podem surgir na área da pele onde um outro neurofibroma foi retirado.

Para saber mais sobre as técnicas cirúrgicas para retirada de neurofibromas cutâneos, conversei pessoalmente com o cirurgião plástico Henrique Gomes de Barros, professor na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Em seguida enviei a ele um artigo traduzido pelo Dr. Mauro Geller sobre esta técnica cirúrgica (e que pode ser acessado AQUI em português). 


No dia seguinte, continuamos nossa conversa por e-mail e reproduzo abaixo os esclarecimentos do Dr. Henrique Gomes de Barros:

LOR – O equipamento citado no artigo traduzido pelo Dr. Geller é o mesmo que você disse existir há vários anos no Hospital Borges da Costa, da Faculdade de Medicina da UFMG, onde as pessoas são operadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS)?

Dr. Henrique – O equipamento utilizado no artigo é sim semelhante (em termos de eficácia) ao que usamos no Borges. Em relação à agulha citada, não a considero essencial, tendo em vista que ela só mudaria, e de maneira discreta, a maneira da aplicação da corrente elétrica nos neurofibromas cutâneos. O resultado seria exatamente o mesmo. Mas nunca tive a oportunidade de trabalhar com ela.

LOR – No artigo traduzido pelo Dr. Geller afirma-se que a utilização do eletrocautério necessita de anestesia geral, mas tive a impressão que o senhor me informou que a anestesia geral não é necessária. Entendi corretamente?

Dr. Henrique – A técnica anestésica utilizada no artigo foi sim com a anestesia geral. Talvez este tenha sido o principal fator que permitiu a retirada de grande número de neurofibromas num mesmo ato cirúrgico. No Hospital Borges da Costa, de nossa Faculdade, só podemos utilizar anestesia local, então o número de neurofibromas retirados de cada vez é bem menor.

LOR – Caso alguém necessite desta técnica, como devemos proceder no encaminhamento?

Dr. Henrique – Pelo fato da técnica cirúrgica proposta no artigo traduzido pelo Dr. Geller retirar grande número de neurofibromas de uma só vez, ela deve ser realizada sob anestesia geral, então ela só seria possível no Hospital das Clínicas. No Hospital Borges da Costa, por não contarmos com anestesistas, nem com aparelhos de anestesia geral ou setores de recuperação pós-anestésica, isso se tornaria inviável. Contudo, se for extremamente necessária a ressecção de uma só vez de grande número de neurofibromas, o encaminhamento para a cirurgia ambulatorial pode ser feito com o formulário padrão do HC, para ser agendada a consulta.
Pelo que entendi, então, a equipe da cirurgia ambulatorial é que faria o encaminhamento para o Hospital das Clínicas, quando houver necessidade de anestesia geral.

Agradeço ao Dr. Henrique e espero que suas respostas sejam úteis a todos que acessam este blog.

“Doutor, o senhor viu o programa Fantástico na Rede Globo neste último domingo, falando sobre como conseguir medicamentos para as doenças raras? ” SMJ, de Belém do Pará.

Caro S, sim, pude ver o programa e creio que ele trouxe algumas questões importantes.

Inicialmente, devo repetir que até o presente momento não há nenhum medicamento que funcione de forma comprovada cientificamente para o tratamento das manifestações e complicações de todas as neurofibromatoses. Nenhum.

Quando surgem estudos científicos que comprovem a eficiência de um determinado tratamento para uma certa doença, estas informações são enviadas à comissão técnica da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA) que é encarregada de autorizar o uso de medicamentos no Brasil. 

Caso a ANVISA aprove o medicamento a sua decisão poderá servir de base para os medicamentos que serão oferecidos à população pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Portanto, o SUS, em outras palavras, o estado brasileiro, não pode oferecer com os recursos públicos, que são recolhidos por meio de impostos dos trabalhadores, qualquer medicamento que não tenha sido aprovado pela ANVISA, ou seja, medicamentos sem comprovação científica do seu resultado.

Eu estou plenamente de acordo com esta norma, que protege as pessoas contra os medicamentos ineficazes, contra os interesses financeiros dos laboratórios e cuida com responsabilidade do dinheiro público.

É claro que, como em toda as normas, precisamos pensar nas possibilidades de exceção.

Há uns meses, por exemplo, discutimos em nosso Centro de Referência a possibilidade de usarmos uma droga chamada imatinibe num caso especial para uma pessoa com NF1 e múltiplos neurofibromas internos, que vem sofrendo de dor intensa e crônica há vários anos, apesar de estar usando o máximo de toda a medicação analgésica que dispomos, recomendados pela Clínica de Dor do Hospital das Clínicas.

O imatinibe é um medicamento aprovado pela ANVISA e pelo SUS para ser utilizado no tratamento de alguns tipos de câncer, mas não há evidências científicas suficientes de que ele funcione nas pessoas com NF1 para reduzir os neurofibromas ou os seus sintomas (ver AQUI um comentário mais detalhado sobre o imatinibe).

Assim, numa clara exceção à regra, na falta de qualquer outro recurso diante do sofrimento da jovem, mesmo sem muita esperança de que o imatinibe venha a funcionar para aliviar a dor da pessoa com NF1 em questão, e considerando que o tratamento já está aprovado pela ANVISA e SUS e seu custo não seria uma fortuna, opinamos favoravelmente junto à equipe da oncologia que estava orientando a família para argumentar na justiça a liberação do imatinibe pelo SUS exclusivamente para aquela pessoa. Ainda não sei o resultado do processo, mas fica evidente que aqui se trata de uma situação muito especial.

Sei que existe um movimento humanitário entre pessoas de outras doenças ainda sem cura para “terem o direito de tentar” medicamentos que ainda não foram aprovados pela ANVISA e pelo SUS. Não tenho experiência pessoal ou profissional nestas outras doenças além das NF, portanto minha opinião deve ser tomada com cautela. Lamento que os prazos sejam curtos para quem está vivendo a situação de uma doença sem tratamento comprovado cientificamente, mas mesmo para estas pessoas talvez seja mais seguro esperarem pelas conclusões científicas.

Enquanto isso, devemos lutar por mais recursos financeiros públicos para a ANVISA e para o SUS, para que sejam mais ágeis e eficientes em suas funções.

Em conclusão, vamos aguardar o que o Supremo Tribunal Federal decidirá sobre a “judicialização de medicamentos” no SUS, mas apoio a norma atual do SUS de fornecer apenas medicamentos aprovados pela ANVISA. É uma boa regra para a imensa maioria das pessoas. E quem entende uma boa regra precisa saber lidar com as suas exceções.