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Opinião pessoal

 

O colega oncologista Dr. Geraldo Felício enviou-nos gentilmente o mais novo artigo internacional sobre possíveis tratamentos para o chamado Tumor Maligno da Bainha do Nervo Periférico (TMBNP) – (ver aqui o artigo completo em inglês). 

Nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), sabemos que 8 a 13% dos neurofibromas plexiformes (NP) difusos e nodulares se transformam num TMBNP e isto se torna um motivo de grande preocupação por causa da agressividade desse tumor. 

Esta revisão está de acordo com outras informações já fornecidas neste site (ver aqui ) e ela mais uma vez indica que o TMBNP é muito agressivo (se expande rapidamente, invadindo outros tecidos e dando metástases) e, mesmo tratado, é recidivante em cerca de metade dos casos. 

A volta do tumor geralmente provoca a morte da maioria dessas pessoas em 5 anos depois de diagnosticado o TMBNP, apesar da cirurgia, radioterapia e quimioterapia

Portanto, é mais do que urgente a procura de tratamentos mais eficazes para o TMBNP.

É o que diz também o artigo acima, escrito a partir de revisão da literatura por um grupo de médicas e médicos, quase todas e todos comprometidos financeiramente com diferentes laboratórios farmacêuticos (verifique na declaração de conflitos no próprio artigo), o que nos preocupa (ver aqui nossas restrições aos estudos financiados pelos fabricantes dos medicamentos que estão sendo testados). 

O artigo compara diversos medicamentos que estão sendo testados nas pessoas com NF1 e TMBNP, que foram submetidas à cirurgia e os tumores voltaram. Autoras e autores sugerem que o resultado mais favorável (9 pessoas estáveis em 21 tratadas) foi uma combinação de selumetinibe com sirolimus (com o propósito de inibir duas vias metabólicas celulares: mTOR e MEK), mas o estudo final ainda não foi publicado. 

Seria apenas uma coincidência que o medicamento selumetinibe seja justamente aquele fabricado pelo laboratório que tem relações comerciais com a principal autora e outros colaboradores?

 

Sim, caro Dr. Geraldo Felício, é mais do que urgente o estudo de tratamentos mais eficazes para o TMBNP que sejam realizados por entidades públicas sem financiamento da indústria de medicamentos. 

Obrigado pelo artigo.

Dr Lor

 

Nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), frequentemente precisamos esclarecer se um tumor é um neurofibroma ou se este neurofibroma sofreu uma transformação maligna, o que ocorre em cerca de 5 a 10% dos neurofibromas plexiformes e nodulares.

Essa dúvida ocorre quando uma pessoa com NF1 apresenta um tumor, um neurofibroma plexiforme ou um neurofibroma nodular – já existente, que cresceu rapidamente ou mudou de consistência (ficou mais duro e firme) ou começou a doer (dor forte e persistente) ou atrapalhou a função neurológica ou mais de uma destas mudanças ao mesmo tempo.

Nessa situação acima, temos que agir rapidamente para esclarecer se continua sendo um neurofibroma benigno ou se uma parte dele sofreu transformação para Tumor Maligno da Bainha do Nervo Periférico (TMBNP).

Os TMBNP são tumores agressivos que precisam ser retirados cirurgicamente o mais breve possível, pois não respondem bem à quimioterapia e nem à radioterapia.

 

Diante dessa dúvida, quais são nossas condutas?

 Nos últimos meses, discutimos este problema nas reuniões da equipe do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Dra. Juliana de Souza, Dra. Luíza Rodrigues, Dra. Hérika Martins, Dra. Carolina Feitosa, Enfermeira Marina Corgosinho, Dr. Bruno Cota, Dr. Nilton Rezende, Dr. Renato Viana e Dr. Lor).

Resumimos abaixo algumas das nossas conclusões sobre como saber se um tumor é benigno ou maligno.

 

  • Podemos realizar uma Biópsia

A retirada de uma parte do tumor (por agulha ou por cirurgia) e sua análise no laboratório seria o padrão mais confiável para definirmos se houve a transformação maligna, mas a biópsia apresenta alguns problemas nas pessoas com NF1.

A biópsia pode ser útil em outros tipos de câncer, quando todo o tumor é canceroso. Assim, qualquer fragmento colhido pela agulha poderá mostrar o tumor maligno.

 Na NF1 não acontece assim. Nos neurofibromas, a transformação maligna geralmente ocorre em parte do tumor. Então, a biópsia pode colher um fragmento da parte maligna e confirmar o diagnóstico e ajudar a salvar a vida da pessoa.

No entanto, a biópsia por agulha pode pegar apenas um fragmento da parte que continua sendo neurofibroma e não revelar o grande perigo que está ao lado.

Portanto, nas pessoas com NF1, não confiamos na biópsia com agulha quando o resultado é negativo (ver mais informações aqui).

 Além disso, para o acompanhamento de neurofibromas ao longo dos anos, biópsias repetidas podem não ser o método mais confortável para as pessoas. Então, precisamos contar com outros métodos que nos ajudem a esclarecer se um neurofibroma sofreu transformação maligna.

 

  • Podemos recorrer aos métodos de diagnóstico por imagens

Em 2022, cientistas chineses (Liu e colaboradores) publicaram uma revisão dos métodos diagnósticos da transformação maligna de neurofibromas, incluindo aqueles disponíveis e outros em estudo, como a Inteligência Artificial (ver aqui o artigo completo, em inglês).

Apesar do número relativamente pequeno de estudos científicos, por causa da NF1 ser uma doença rara, há vantagens e desvantagens de cada método, que serão resumidas a seguir.

Ultrassom

O ultrassom é um método não invasivo e econômico.

Quando um neurofibroma se torna maligno o ultrassom mostra tumores lobulados, com aspecto heterogêneo, com sinais de ampla circulação sanguínea.

No ultrassom de alta resolução, podem ser encontrados sete sinais sugestivos de transformação maligna:

  • Tumores maiores do que 5 cm
  • Crescimento rápido em semanas ou meses
  • Margens irregulares com edema
  • Aspecto heterogêneo
  • Aspecto infiltrativo
  • Vascularização estenótica, oclusiva, trifurcada e arcaica (enquanto nos benignos é hierárquica)
  • Contraste aumentado na periferia e inalterado no centro do tumor

No entanto, pelo fato do ultrassom ser um método que exige a presença do médico para ser realizado, seu acesso é mais difícil do que a ressonância magnética ou a tomografia, que podem ser realizados por pessoas com formação técnica. Além disso, a necessidade de realização de ultrassonografia com contraste para identificar a diferença de distribuição dele entre periferia e centro, torna o acesso ao exame ainda mais difícil.

Ressonância Nuclear Magnética (RNM)

A RNM é o método atualmente preferido para identificar tumores malignos, porque apresenta melhor resolução para tecidos moles, como são os neurofibromas.

Na RNM, nas imagens em T1, os neurofibromas benignos e o TMBNP são difíceis de distinguir, mas alguns achados ajudam a definir a possível malignidade:

  • Sugestivos de TMBNP:
    • Tamanho dos tumores maiores do que 5 cm
    • Imagens em T1 com gadolínio com aumento periférico da intensidade no TMBNP (e central nos neurofibromas)
    • Presença de hemorragia, necrose e aspecto cístico
    • Tumores com margens borradas (“em penugem”) e com edema ao redor
  • Sugestivos de neurofibromas benignos:
    • Massas bem definidas com alta intensidade em T2
    • Presença de área central menos intensa – o “sinal do alvo”

Com estes critérios, alguns estudos sugerem cerca de 65% de sensibilidade e 90% de especificidade para detecção do TMBNP.

A RNM funcional pode aumentar a sensibilidade para 88% e a especificidade para 94% se considerar os índices de difusão.

A RNM em 3 dimensões pode auxiliar na detecção precoce de aumentos volumétricos dos tumores e a arga tumoral aumentada na ressonância de corpo inteiro também pode sugerir a possibilidade de transformação maligna.

Limitações da RNM são:

  • É um método dependente da subjetividade do examinador
  • Há poucos estudos com os neurofibromas “atípicos” (tumores com padrão intermediário entre benigno e maligno)

 

Tomografia computadorizada (TC)

Não dispomos ainda de critérios seguros para distinguir neurofibromas de TMBNP apenas com a TC. Alguns estudos estão associando a TC com aprendizado de máquina (inteligência artificial) e podem no futuro trazer uma contribuição a esta questão.

Novamente, temos que observar que quanto à ressonância magnética e tomografia, uma vez que para alguns dos critérios estabelecidos para a distinção do tumor maligno é necessária a administração de contraste, é necessário que um médico esteja presente.

Positron Emission Tomography (PET)

 O método mais popular combina o PET com a CT (PET/CT), usando o contraste radioativo 18F-FDG.

Os achados mais importantes dos TMBNP no PET/CT são:

  • Aumento da captação do contraste (SUV maior que 3,15)
  • Heterogeneidade da captação

Limitações do 18FDG-PET/CT são:

  • Sobreposição de SUV entre neurofibromas atípicos e TMBNP
  • Sensibilidade 100% lesões assintomáticas – especificidade para negativo 100% – especificidade para positivo 46%
  • Custo elevado

Alguns estudos estão sendo realizados com novos marcadores, como 68Ga-PSMA PET/CT e 11-Metionina, mas ainda não temos um consenso sobre seu uso nas pessoas com NF1.

 

Combinação de PET com RNM (PET/RNM)

 Ainda com poucos estudos em NF1 e sem disponibilidade em nosso meio.

Radiogenômica

Trata-se de novos métodos em estudo, que procuram associar os resultados das imagens com análise genética. Alguns dos autores do estudo (Liu e outros) dividiram o gene NF1 em 5 domínios e associaram com dados clínicos e imagens de RNM e encontraram forte correlação com a transformação maligna.

 

Conclusões

Ainda não temos um consenso internacional, mas o indicador mais forte de transformação maligna é o aumento significativo do tamanho de um neurofibroma.

Nosso desafio futuro será encontrar correlações entre imagens e os 6 tipos histológicos de tumores mais comuns na NF1:

  • Neurofibroma
  • Neurofibroma com atipias celulares
  • Neurofibroma celular
  • ANNUBP – neurofibromas atípicos de potencial biológico incerto
  • TMBNP de baixo grau
  • TMBNP de alto grau

Por enquanto, precisamos verificar em nosso meio a viabilidade do ultrassom contrastado e a disponibilidade de ultrassonografistas com expertise nesse tipo de exame, para que possamos considerá-lo na nossa rotina de cuidados. Além disso, no fututo, combinar métodos e avançar nos estudos com inteligência artificial.

 

Belo Horizonte, 13 de julho de 2023

 

 

 

 

 

Nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), frequentemente precisamos esclarecer se um tumor é um neurofibroma ou se este neurofibroma sofreu uma transformação maligna.

Essa dúvida ocorre quando uma pessoa com NF1 apresenta um tumor que cresceu rapidamente ou mudou a consistência (ficou mais duro e firme) ou começou a doer ou atrapalhou a função neurológica naquela região ou duas ou mais destas mudanças ao mesmo tempo.

Diante dessa situação, temos que agir rapidamente para esclarecer se é apenas um neurofibroma (benigno) ou se uma parte de um neurofibroma (geralmente os plexiformes ou nodulares múltiplos) sofreu transformação para Tumor Maligno da Bainha do Nervo Periférico (TMBNP).

Os TMBNP são tumores agressivos que precisam ser retirados cirurgicamente o mais breve possível, pois não respondem bem à quimioterapia e nem à radioterapia.

Por isso, pedimos imediatamente uma ressonância magnética e, se possível, uma tomografia computadorizada com emissão de pósitrons (PET CT).

Se qualquer um desses exames mostrar suspeita de transformação maligna, temos que retirar o tumor imediatamente.

Sem perdermos tempo!

E a biópsia com agulha?

A biópsia por agulha pode ser útil em outros tipos de câncer, quando todo o tumor é canceroso. Assim, qualquer fragmento colhido pela agulha poderá mostrar o tumor maligno.

Na NF1 não acontece assim (veja o desenho acima).

Num neurofibroma, a transformação maligna ocorre em parte do tumor.

Então, a biópsia com agulha pode colher um fragmento da parte maligna e confirmar o diagnóstico e ajudar a salvar a vida da pessoa.

No entanto, a biópsia por agulha pode pegar apenas um fragmento da parte que continua sendo neurofibroma e não revelar o grande perigo que está ao lado.

Por isso, não confiamos na biópsia com agulha quando o resultado é negativo.

Em conclusão, se houver suspeita de transformação maligna, e o tumor puder ser retirado cirurgicamente, devemos fazer isso imediatamente.

Vamos salvar vidas se não perdermos tempo com biópsia por agulha nestes casos.

Dr. Lor

No dia 13 de abril de 2018 aconteceu a defesa da tese de doutorado da Cinthia Vila Nova Santana (foto à esquerda), no Programa de Pós-Graduação em Genética do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Grais.

O título de seu estudo foi “Identificação de marcadores moleculares de transformação maligna dos neurofibromas plexiformes em pacientes com neurofibromatose tipo 1”.

Em outras palavras, Cinthia procurou saber se alguns exames laboratoriais poderiam ajudar os médicos a decidir quando um neurofibroma plexiforme está se transformando em tumor maligno.

Cinthia começou agradecendo seus orientadores, professores Renan Pedra de Souza, Débora Marques de Miranda e Maria Raquel Santos Carvalho. Em seguida, Cinthia agradeceu especialmente as pessoas com NF1 que foram voluntárias em seu estudo, fornecendo amostras de sangue para que ela realizasse a sua pesquisa, depois de atendidas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG.

Participaram da banca examinadora os professores (na foto, da esquerda para a direita) Maria Raquel Santos Carvalho (UFMG), Juliana Ferreira de Souza (do Centro de Referência em Neurofibromatoses e do Centro Universitário UNIBH),  Marcelo Rizzatti Luizon (UFMG),  Wagner Carlos Santos Magalhães (do Instituto Mário Penna) e Renan Pedra de Souza (UFMG).

O resumo dos resultados da tese da Cinthia apresentarei em outro dia, quando ela colocar à disposição de todos na internet a sua tese com as correções sugeridas pela banca. Hoje posso adiantar que ela mostrou que seu estudo foi um passo importante na identificação de alguns sinais genéticos que podem nos ajudar na difícil decisão de intervir ou não num neurofibroma plexiforme.

O que desejo registrar hoje é que eu estava presente na defesa e pude acompanhar as excelentes discussões que se realizaram a partir dos resultados da Cinthia. Sentado na plateia, assistindo e aprendendo muito com todas as intervenções, pude desfrutar de um sentimento de dever cumprido por dois motivos.

Primeiro, pela excelente avaliação crítica que a Professora Dra. Juliana Ferreira de Souza fez sobre o trabalho da Cinthia. Lembrei que Juliana começou sua carreira acadêmica em nosso Centro de Referência estudando as neurofibromatoses no mestrado, doutorado e pós-doutorado. Vendo seu desempenho brilhante, tenho certeza de que, quando eu e Nilton acabarmos de envelhecer, a juventude formada em nosso Centro de Referência (Juliana Ferreira de Souza, Luíza de Oliveira Rodrigues, Bruno Cezar Lage Cota, Vanessa Waisberg, Pollyanna Barros Batista, Aline Stangherlin Martins, Marcio Souza, Danielle Souza Costa, Carla Menezes, Alessandra Cerello e tantas outras pessoas que estagiaram conosco) podem levar nosso ambulatório adiante com grande competência e envolvimento afetivo.

Segundo, porque vi a dedicação da Cinthia com o projeto e seu desejo de continuar estudando as neurofibromatoses no seu regresso para a Universidade Federal da Bahia, dando-me a impressão de que seu contato conosco frutificará em novas pesquisas importantes. Além disso, seus orientadores e os demais professores da banca mostraram grande interesse pelo tema, sinalizando que novos alunos de pós-graduação interessados em problemas das neurofibromatoses podem surgir no campo da genética, dando continuidade a esta linha de pesquisa.

 

 

Enfim, meu sentimento foi de alegria, pois o projeto de atendimento clínico, formação de especialistas e realização de pesquisas científicas nas neurofibromatoses, iniciado pelo Dr. Nilton Alves de Rezende e por mim em 2004, está caminhando bem.

 

 

 

Li no seu blog que a expectativa de vida é menor na NF1. Por quê? MCCRP, Rio de Janeiro.
Cara MC, obrigado pela oportunidade de tentar esclarecer esta questão.
Antes de tudo, é preciso dizer que os estudos sobre a expectativa de vida na NF1 são baseados em atestados de óbitos, os quais podem apresentar distorções.  Por exemplo, menos da metade dos atestados de óbito registra a NF1 como uma doença envolvida na morte de pessoas que sabidamente tinham a doença, e nas quais a causa da morte provavelmente estaria relacionada com a NF1.
Os estudos mais recentes sobre as causas de morte na NF1 têm mostrado que, apesar de alguns anos de redução da expectativa de vida, cerca de 50% das pessoas com NF1 podem viver acima dos 71 anos. Ou seja, poderia haver um pouco mais de óbitos em pessoas com NF1 numa faixa etária mais jovem.
Os 50% que morrem antes dos 71 anos teriam como principais causas de morte os tumores malignos da bainha do nervo periférico (TMBNP), geralmente decorrentes da transformação maligna de um neurofibroma plexiforme volumoso e profundo. 

Em segundo lugar, a morte poderia ocorrer precocemente como consequência daqueles raros casos de gliomas ópticos que evoluem de forma agressiva. É importante lembrar que estas mortes por glioma óptico ocorrem geralmente antes dos 20 anos.
No entanto, ao contrário do que pensávamos, se descontarmos os TMBNP e os gliomas ópticos agressivos, alguns estudos mostraram que apesar de um pouco mais frequentes (câncer de mama, câncer de estômago e leucemia mieloide) as pessoas com NF1 não apresentam maior chance de morrer destas e de outras formas de câncer do que a população em geral.
Por outro lado, há uma suspeita de que as mortes de pessoas com NF1 em decorrência de doenças cardiovasculares podem ser quatro vezes mais frequentes do que na população em geral, talvez em decorrência de outros problemas vasculares possivelmente diferentes da doença aterosclerótica.
Um estudo bastante confiável publicado em 2011 pelo grupo da Dra. Susan Huson (ver aqui) mostrou que a expectativa média de vida para pessoas com NF1 é de 71,5 anos (mulheres 75,5), ou seja,  cerca de 8 anos a menos do que a população da mesma região (Inglaterra).
Em conjunto, os TMBNP, os gliomas ópticos agressivos e as doenças vasculares seriam responsáveis por esta redução de cerca de 8 anos em relação à população em geral. É com estes dados que trabalhamos no momento.


Ontem comentei sobre o tratamento dos neurofibromas em resposta à pergunta da PNP de Botelhos, MG. 

Hoje vou apresentar o que podemos fazer se ocorrer uma transformação maligna de um neurofibroma plexiforme, pois neste caso estamos diante do chamado “tumor maligno da bainha do nervo periférico”, um nome complicado que resumimos para a sigla TMBNP (antigamente chamado pelos médicos de sarcoma, neurofibrossarcoma e outros nomes).
Vou contar a história de uma pessoa de 27 anos, com NF1, que chamarei de João, e que me procurou há dois anos por causa de dor no ombro e crescimento de um tumor na região esquerda do seu pescoço. Ele e sua dedicada família perceberam que o tumor aumentara de volume em pouco mais de uma semana, ao mesmo tempo que aparecera a dor e a dormência em seu braço esquerdo, além de redução da força em ambas as pernas.
Juntando estes sintomas, a consistência dura de um tumor de mais ou menos 8 centímetros no pescoço e o resultado da ressonância magnética, que mostrava que João tinha diversos neurofibromas pelo corpo, principalmente perto da coluna, concluí que ele apresentava a forma espinhal da NF1, com possível transformação maligna de um dos neurofibromas no pescoço.
Solicitei imediatamente uma tomografia computadorizada com emissão de pósitrons (PET CT), a qual mostrou grande captação de glicose em diversos neurofibromas, o que indica grande atividade metabólica. O tumor doloroso no pescoço do João era justamente aquele com altíssima captação de glicose, indicando sua transformação maligna. Diante disso, solicitei a remoção cirúrgica urgente do tumor, que deveria ser feita com boa margem de segurança e com exame anatomopatológico durante e após a cirurgia.
João retornou para seu estado natal e foi operado onze dias depois e a o estudo anatomopatológico confirmou que se tratava mesmo do TMBNP. Como o cirurgião afirmara que removera completamente o tumor do pescoço e não havia sinais de metástases, não foi iniciada a radioterapia complementar.
No entanto, três meses depois, João voltou a sentir dor no mesmo local e a ressonância magnética mostrou que o TMBNP havia retornado. Por motivos que desconheço, infelizmente, aquele primeiro tumor maligno não havia sido removido totalmente.
À distância acompanhei o tratamento do João: sessões de radioterapia e diferentes quimioterapias com vários medicamentos, mas o TMBNP mostrou-se resistente a todas as tentativas. Na semana passada, João faleceu depois de quase dois anos de luta contra sua doença. Neste período, sua família, especialmente sua mãe dedicada e carinhosa, garantiu a ele o máximo conforto possível.
É com grande tristeza que todos sentimos a perda precoce de uma vida, como a do João. Esta dor é agravada pela dúvida do porquê o tumor não foi completamente retirado na primeira cirurgia.
Conto a história do João porque estou triste, porque ele acabou de falecer e, principalmente, porque ela nos ensina algumas lições.
A experiência científica internacional mostra que o TMBNP geralmente surge na vida adulta a partir de um neurofibroma plexiforme já existente desde o nascimento, mas pode ocorrer sem a presença prévia do plexiforme.
Na NF1, toda dor recente, especialmente espontânea, contínua e forte, acompanhada de crescimento do neurofibroma e mudança na sua consistência, especialmente com a perda de função (como a perda de força do João) tem que ser investigada urgentemente.
O TMBNP deve ser tratado imediatamente com retirada cirúrgica, deixando-se uma boa margem de segurança, pois o sucesso do tratamento depende da remoção completa do tumor.
A radioterapia auxiliar deve ser aplicada sempre que possível, especialmente nos TMBNP maiores e mais complexos, pois ela pode atrasar a volta do tumor, apesar de não modificar o tempo de sobrevivência. 
As quimioterapias, até o momento, não têm mostrado benefícios, a não ser como tratamento paliativo para os casos de metástases.
Portanto, no caso do TMBNP, especialmente com metástases, infelizmente estamos diante de um tumor muito agressivo. Apenas cerca de metade das pessoas tratadas atualmente sobrevivem mais de 5 anos depois do diagnóstico do TMBNP.
Nossa esperança é a remoção cirúrgica total do TMBNP nos casos diagnosticados a tempo, assim como nas diversas pesquisas em andamento em todo o mundo, as quais buscam algum medicamento eficaz para este tipo de tumor, que é a principal causa da redução de cerca de 8 anos na expectativa média de vida nas pessoas com NF1.
Até a próxima segunda.

Me chamo A., tenho 26 anos e a NF1. Herdei de meu pai. Em mim, acredito que seja leve pois não tenho os neurofibromas cutâneos, nem nada no cérebro e coluna e nem sinto dores. Porém quando tinha uns 15 anos apareceu dois carocinhos por dentro da pele, um na região da face direita próximo a pálpebra e outro em cima da orelha direita que rebaixou ela um pouco. O que me causou a ptose palpebral eu já tirei e ficou um excesso de pele e estou me programando para retirar o da orelha ainda este ano. Sobre os plexiformes, a pessoa já nasce com ele? Ele é visto na RM? É possível em uma pessoa já adulta aparecer um? Tenho essa dúvida pois meu pai apresenta tipo um caroço imenso na clavícula direita e eu creio que seja um plexiforme. Ele também tem escoliose severa e muitos neurofibromas pelas costas e pescoço. Mas ele leva uma vida normal, nunca se queixou de dores (não que eu tenha visto) é formado em dois cursos superiores e concursado federal, sempre foi muito inteligente. Eu também não apresentei dificuldade de aprendizado, já estou no meu segundo curso superior. Mas gostaria de saber como o senhor definiria meu caso e o dele. Posso lhe enviar fotos se quiser. Eu faço acompanhamento todo ano e até agora nenhuma alteração. Meu pai nunca fez pelo que sei. Agradeço desde já sua atenção. AKP, de São Luiz do Maranhão. 
Cara A. Você trouxe dois grupos de perguntas importantes: sobre os neurofibromas plexiformes (NP) e sobre a ausência de dificuldades de aprendizado na NF1. Hoje responderei sobre os NP e amanhã sobre o bom desempenho intelectual em pessoas da sua família com NF1.
Os NP estão em terceiro lugar em frequência na preocupação das pessoas com NF1, pois as mais comuns são as dificuldades de aprendizado na infância e os neurofibromas cutâneos na vida adulta. No entanto, os NP talvez sejam a complicação mais grave para a maioria das pessoas com NF1, porque eles podem causar deformidades, especialmente aqueles localizados na face, e se tornarem malignos em cerca de 10 a 30% dos casos, de acordo com diferentes estudos.
Os NP são neurofibromas especiais porque sua origem acontece ainda na gestação da criança e eles podem ou não crescer na infância ou ao longo da vida. Algumas vezes eles já são percebidos ao nascer, mas noutras há apenas uma mancha (café com leite ou amarronzada), geralmente grande ou maior do que as demais, sob a qual a consistência dos tecidos subcutâneos é um pouco diferente.
Um dos locais comuns onde surgem os NP é junto a uma das pálpebras superiores, às vezes apenas causando um excesso de pele, como, provavelmente, parece ser o seu caso. Estes NP são formados no desenvolvimento do nervo trigêmeo  ainda na vida intrauterina e podem causar uma assimetria da posição das pálpebras, chamada de ptose palpebral.
Algumas vezes estes NP palpebrais estão associados a alterações no crescimento dos ossos do crânio, especialmente de um deles, chamado de “asa menor do esfenoide”, osso este que separa a cavidade dos olhos da cavidade onde está o cérebro. Por causa do desenvolvimento imperfeito (chamado de displasia) do osso esfenoide, a pressão dentro do cérebro pode empurrar um pouco o globo ocular para diante, causando o que chamamos de proptose (ver figura acima).
Dependendo do tamanho, os NP podem causar transtornos funcionais das pálpebras e da visão e se constituírem em grande problema estético devido à deformidade provocada por eles. Sua correção ainda é cirúrgica e difícil, com resultados apenas parciais, pois os olhos são a parte do corpo de uma pessoa que mais chama a atenção das demais.
Os NP que surgem em outras partes do corpo podem também causar transtornos estéticos e funcionais, dependendo do seu tamanho e localização.
Um grupo de NP sobre o qual mantemos vigilância estreita é formado pelos NP maiores e mais profundos, os quais apresentam maior risco de transformação maligna. Os sinais de malignização que procuramos detectar são: 1) dor espontânea (especialmente noturna) de difícil tratamento com os analgésicos comuns; 2) crescimento acelerado em semanas ou poucos meses; 3) endurecimento e mudança de consistência à palpação; 4) perda ou diminuição da função neurológica na parte afetada pelo NP, por exemplo, perda da força muscular na perna onde existe um grande NP na região da virilha.
A malignização de um NP ocorre por causas ainda não conhecidas e uma parte do tumor (que antes era benigna) se transforma no chamado Tumor Maligno da Bainha do Nervo Periférico (TMBNP), conhecido pelos médicos anteriormente como sarcoma, neurofibrossarcoma e outros nomes.
Os TMBNP são bastante agressivos e de difícil tratamento, por isso, toda pessoa com NF1 e NP, especialmente os grandes e profundos, deve manter estreita vigilância sobre os seus neurofibromas. Atualmente, recomenda-se retirar todos os plexiformes que forem de fácil remoção cirúrgica.
Para uma orientação mais detalhada para a supervisão dos neurofibromas, sugiro que você imprima nosso artigo científico (Clique aqui para baixar o artigo completo) e leve ao (à) seu (sua) médico (a) na próxima consulta. Nele, o (a) profissional da saúde vai encontrar um quadro que apresenta uma orientação geral para os neurofibromas.
Observamos que apenas os neurofibromas localizados na pele, mais superficiais, chamados de cutâneos não apresentam risco de malignização. Os demais, tanto os subcutâneos, como aqueles que nascem ao longo da medula espinhal (espinhais), quanto os plexiformes devem seguir a orientação proposta pela Sociedade Brasileira de Pesquisa em Neurofibromatoses no artigo mencionado.

 Primeiramente gostaria de agradecer ao trabalho de vocês. Tenho 20 anos, e foi diagnosticada com neurofibromatose, porém a minha família e eu não temos condições financeiras de pagar um tratamento, além de não ter conhecimento de onde me tratar na minha cidade

Gostaria de saber se é possível que possa realizar o meu tratamento em outras partes do Brasil? Se possível como posso fazer isso? Quais as chances de ter câncer? Tenho 4 caroços nos bicos do seio isso me preocupa muito! Qual a expectativa de vida de um portador de neurofibromatose? É possível morrer de neurofibromatose? Desculpa tantas perguntas, é que tenho muitas dúvidas e não sei a quem procurar. Abraços, ES, de Vitória da Conquista, Bahia.


Resposta

Cara E. Obrigado pelas suas perguntas, todas elas muito importantes.

Comecemos por onde você pode receber atenção especializada. Como tenho insistido, infelizmente, devido ao fato das neurofibromatoses serem doenças raras (apenas cerca de 80 mil brasileiros em 200 milhões de habitantes), ainda não dispomos de centros de referência suficientes para atendimento público. Veja na página ao lado alguns endereços e contatos no Brasil atualmente.
Por causa do pequeno número de centros especializados em neurofibromatoses, temos sugerido que as pessoas que vivem em cidades sem estes recursos, como você, que procurem os serviços de saúde de sua cidade e se mobilizem para que as autoridades cumpram a portaria do Ministério da Saúde, garantindo o pleno atendimento das pessoas com doenças raras.  Veja na página ao lado as leis já existentes sobre isto.
Além disso, as pessoas sem recursos locais especializados podem pedir à médica ou ao médico responsável, como no seu caso, que me envie um relatório para que possamos conversar sobre algumas sugestões que eu teria a fazer ao (à) colega.
A outra pergunta que você nos traz é sobre a expectativa de vida nas neurofibromatoses. Comecemos pela NF1.
O que é expectativa de vida? Ela quer dizer que, por exemplo, se a expectativa de vida para as brasileiras é que elas venham a viver 80 anos, metade de todas as mulheres chegariam a esta idade e a outra metade faleceria antes dos 80. Ou seja, é uma previsão sobre a idade em que a metade das pessoas consideradas ainda estaria viva.
Ainda não podemos afirmar com certeza se existe uma mesma expectativa de vida para todas as pessoas com NF1, porque aquelas que já nascem com algumas formas mais graves da doença talvez pesem nas estatísticas, reduzindo a média da expectativa de vida de todos os demais. Assim, considerando esta dúvida, alguns estudos apontavam uma redução geral de cerca de 15 anos na expectativa de vida para as pessoas que têm NF1.

Nota: Uma revisão da equipe de Manchester, em 2011, mostrou que esta redução da expectativa de vida atualmente já foi reduzida para 8 anos, como resultado das novas abordagens de cuidados gerais.

Assim, as pessoas que nasceram com NF1 teriam sua expectativa de vida reduzida em cerca de 8 anos, ou seja, voltando ao nosso exemplo das mulheres brasileiras, metade delas viveria até os 73 anos e a outra metade faleceria antes. É preciso lembrar que esta informação se refere apenas a populações e não tem valor nenhum para uma determinada pessoa em particular.
O que pode reduzir a expectativa de vida na NF1? A principal causa das mortes precoces na NF1 são as transformações de grandes neurofibromas plexiformes em tumores malignos da bainha do nervo periférico. Outras formas de câncer também estão um pouco aumentadas na NF1, como o câncer de mama nas mulheres, a leucemia mieloide crônica e um tipo de tumor sólido do estômago. Por isto, os controles anuais e exames preventivos devem ser realizados regularmente.
Quanto à neurofibromatose do tipo 2, há informações de que a expectativa de vida seja de 62 anos, mas estes dados são um pouco antigos (mais de dez anos) e é possível que os tratamentos atuais estejam melhorando esta expectativa. Como a schwannomatose é ainda mais rara (uma pessoa em cada 40 mil), não disponho de dados sobre a expectativa de vida para as pessoas acometidas por ela.
De qualquer forma, nenhum de nós, com ou sem as neurofibromatoses, sabe exatamente quanto tempo nos resta de vida e por isso é importante tentarmos viver plenamente todos os dias. Talvez possamos até mudar o termo de expectativa de vida para ESPERANÇA DE VIDA.  
“Minha sobrinha tinha 37 anos portadora da NF já nasceu com manchas café com leite no corpo. Faleceu no dia 09/03/2014. Foi internada e os médicos acharam um tumor de 20X16 cm pressionando o pulmão e rim. Ela sempre estava fazendo raio-x e outros exames: apareceu de repente, em uma semana ela morreu. Os médicos afirmam que foi da NF. Será que este tumor pode crescer tão rápido? Ela deixou um filho de 12 anos ele não tem nenhuma mancha. Será que ele corre risco de ter a NF também?” LBV
Cara LBV, obrigado pelas suas perguntas, pois elas ajudarão outras pessoas a entenderem melhor as neurofibromatoses.
Se a sua sobrinha tinha mais de 5 manchas café com leite pelo corpo, é provável que ela fosse portadora da Neurofibromatose do Tipo 1 (NF1).
Na NF1 existem vários tipos de tumores, entre eles os neurofibromas.
Entre os neurofibromas, os chamados plexiformes geralmente são congênitos, ou seja, já estão presentes no corpo da pessoa quando ainda ela está no útero de sua mãe. Alguns plexiformes são profundos, dentro do tórax ou do abdome. Cerca de metade das pessoas com NF1 possuem pelo menos um neurofibroma plexiforme.
Durante a vida, os plexiformes podem crescer ou não. Geralmente, a partir da vida adulta há um risco dos plexiformes se transformarem em tumores malignos (chamados de tumores malignos da bainha do nervo periférico, que, para facilitar, vamos chamar de TMBNP). Cerca de 10 a 15% dos plexiformes podem se transformar em TMBNP, por isso, devemos fazer o controle anual e observar os plexiformes com muita atenção.
Se acontecer a transformação de plexiforme para TMBNP, este tumor é muito agressivo e pode ter se desenvolvido em poucos meses em sua sobrinha, sem ter sido percebido. Quando foi visto pelos médicos, já estava na sua fase final. Ou o seu crescimento acelerado pode ter comprimido alguma artéria renal e causado problemas vasculares que levaram, infelizmente, sua sobrinha a falecer.
Sua última dúvida também é importante: será que o filho de sua sobrinha herdou a NF1? Sabemos que metade dos filhos de pessoas com NF1 podem herdar a doença de um de seus pais. No entanto, a falta de manchas nele sugere que ele não tenha herdado, mas, para termos certeza, seria bom que ele fosse examinado por um médico (a) com experiência em neurofibromatoses.