Boa noite

Aqui é o pai da Thayanne,

Gostaria de agradecer ao Dr. Lor, AMANF e a todos que cuidaram da minha filha até o fim de sua vida e também pelas mensagens de carinho enviadas pelo falecimento da Thayanne.

Minha filha era portadora de NF1. Acompanhamos desde pequena e nos últimos 2 anos descobrimos o câncer, que de certa forma vem da NF1, mas o que posso afirmar é que a Thayanne sempre se manteve forte, encarando tudo isto com muita alegria e sorrisos no rosto, sempre vendo de outra forma o mundo, mesmo tendo amputado a perna há um ano.

Nossa família também não mediu esforços para tentar salvá-la e sempre deu muito carinho a Thayanne, por isto agradecemos muito a Deus por nos enviar a Thayanne para nosso convívio por 25 anos.

Claro que para nós a dor é imensa, mas com certeza ela está com Deus e não sofrerá mais no plano terrestre.

Obrigado Dr. Lor e a todos, que Deus os abençoe sempre e continuem fortes nas pesquisas para minimizar as dores dos portadores de NF, pois um dia a cura deverá chegar.

Abraços

Reis Gedra

 

Tive o privilégio de acompanhar a Thayanne de Carvalho Gedra nos últimos dez anos, desde os momentos de boa saúde até o agravamento recente de algumas complicações da Neurofibromatose do tipo 1.

Meu privilégio foi conhecer a pessoa Thayanne, uma jovem de bom humor e enorme disposição para viver em todos os momentos no enfrentamento da sua doença.

Antes de ontem, ela não mais resistiu e nos deixou órfãos, a sua família e todas as pessoas que conheceram a alegria que Thayanne jamais deixou de nos oferecer, mesmo quando as coisas deviam estar muito, muito difíceis para ela.

Thayanne faleceu aos 25 anos, em Curitiba, onde sua família amorosa, seu pai Reis Alberto de Carvalho Gedra e sua mãe Gislayne da Silva Santos Gedra, foram de uma dedicação incansável e incomparável, oferecendo a ela todos os recursos terapêuticos que estão disponíveis para tentar salvar a sua vida.

Em nome da AMANF, que tem contado com a participação e o apoio generoso da família em todos estes anos, e da equipe médica do CRNF, que conheceu e acompanhou passo a passo os tratamentos da Thayanne, compartilho a nossa dor e tristeza pela perda da Thayanne.

Que o exemplo de sua disposição para viver nos ajude a continuar nosso trabalho em benefício de tantas outras Thayannes e Marias e Josés, que continuam precisando de nossos cuidados.

Belo Horizonte, 16 de fevereiro de 2024

Dr. Lor

 

Muitas famílias relatam que suas crianças com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) apresentam problemas de sono e perguntam se isto tem a ver com a NF1.

Há vários anos, diferentes equipes de cientistas que estudam as pessoas com NF1 procuram uma resposta segura para esta questão e os resultados em geral indicam que os problemas de sono parecem estar presentes em crianças com NF1, mas apenas naqueles que também apresentam outras alterações de comportamento, como hiperatividade, ansiedade e dificuldades de aprendizado (ver abaixo).

Sabemos que dormir bem é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, emocional e para a saúde em geral. Por isso, esta questão é ainda mais importante para as crianças com NF1, que apresentam diversas dificuldades no seu desenvolvimento neurológico.

Para aumentar o nosso conhecimento sobre esta questão, acaba de ser publicado um estudo sobre problemas do sono em crianças brasileiras com NF1, realizado sobre a coordenação da neurocientista Professora Doutora Katie Almondes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Essa pesquisa contou com os apoios da AMANF e do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF).

Clique aqui para ver o artigo completo (em inglês) e veja um resumo abaixo das principais conclusões.

A principal intenção foi descrever as queixas mais frequentes relacionadas com sono, dificuldades cognitivas e comportamentais em crianças brasileiras com diagnóstico de NF1.

Para isso, foram entrevistadas mães e pais de crianças na faixa etária de 1 a 12 anos, que responderam a um questionário online composto por 24 questões relacionadas a hábitos de sono, padrões de sono e queixas cognitivas e comportamentais. Foram obtidas informações sobre o sono de 41 crianças com NF1 pré-escolares (32%) e escolares (68%).

A maioria das famílias (63%) relatou problemas de sono (resistência para dormir, vários despertares noturnos e períodos curtos de sono) e 66% das crianças dormiam mais tarde e menos de 10 horas por dia.

Quase todas (85%) as crianças utilizavam aparelhos eletrônicos à noite e mais da metade (54%) de utilizava mais de 2 horas diárias de uso de dispositivos eletrônicos com tela.

As principais queixas comportamentais foram o choro fácil, ansiedade e dificuldade de atenção.

Este é o primeiro estudo realizado no Brasil com este enfoque e chama a atenção para um problema que merece nossa atenção em busca de novas pesquisas que experimentem tratamentos possíveis para a maioria das crianças com NF1 e alterações do sono.

Esperamos que a equipe da Dra. Katie Almondes continue entusiasmada com este desafio.

 

Resumo de alguns estudos sobre o sono nas pessoas com NF1

 

O primeiro estudo (no meu conhecimento) sobre sono nas pessoas com NF1 foi realizado sob a coordenação da médica inglesa Dra. Susan Huson em 2005 (ver aqui o artigo completo em inglês).

A equipe investigou o comportamento, incluindo o padrão de sono, de crianças com NF1 por meio de inquérito postal com acompanhamento telefônico de 64 crianças (39 do sexo masculino, idade média de 10 a 7 meses).

Crianças com NF1 apresentaram mais problemas com outras crianças da mesma idade, hiperatividade, sintomas emocionais e transtorno de conduta.

Apenas sonambulismo e terror noturno foram mais frequentes nas crianças com NF1 do que na população geral.

No grupo NF1, quem tinha mais problemas de conduta, hiperatividade ou problemas emocionais também tinha mais chance de apresentar distúrbios frequentes do sono.

A conclusão foi que a NF1 está associada a problemas de sono e comportamentais em uma alta proporção de crianças. Condições psiquiátricas, por exemplo, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, podem ser subdiagnosticadas em larga escala em crianças com NF1, e o uso de ferramentas simples de triagem em ambientes clínicos pode ser benéfico.

 

O segundo estudo que conheço foi coordenado pelo Dr. David Gutmann nos Estados Unidos, em 2013 (ver aqui o artigo completo em inglês), que avaliou 129 crianças com NF1 e 89 irmãs e irmãos não afetados, com idades entre 2 e 17 anos, utilizando um questionário específico sobre sono.

As crianças com NF1 foram mais propensas a ter distúrbios no início e manutenção do sono, excitação, transição sono-vigília e hiperidrose, mas não problemas com respiração anormal do sono ou sonolência excessiva durante o dia.

Ao contrário do estudo anterior, os problemas de sono nas crianças com NF1 não foi relacionado a um transtorno de déficit de atenção coexistente, comprometimento cognitivo ou uso de medicamentos estimulantes.

Coletivamente, esses resultados demonstram que crianças com NF1 são mais propensas a apresentar distúrbios do sono e indicam o uso de intervenções apropriadas para essa população de risco.

 

Em seguida, uma equipe espanhola conduziu um estudo em 2015 (ver aqui artigo completo em inglês) com 95 crianças com NF1 e verificaram que distúrbios do sono não foram mais frequentes do que na população pediátrica geral, embora alguns desses distúrbios sejam mais comuns em casos de NF1 com distúrbios cognitivos ou TDAH.

Em 2023, foi publicado mais um estudo, de Carotenuto e colaboradores na Itália  (ver aqui o artigo completo em inglês), avaliando 50 crianças com diagnóstico de NF1 e 50 crianças saudáveis com desenvolvimento típico. Todas elas foram submetidas à avaliação por polissonografia que mostrou que a macroestrutura do sono difere entre as crianças com NF1 e as crianças com desenvolvimento típico.

Por fim, é importante lembrar que estudos realizados em camundongos geneticamente modificados para a NF1 observaram alterações no padrão do sono destes animais, indicando que alterações estruturais do sistema nervoso (causadas pelas variantes patogênicas no gene NF1) provocam distúrbios do sono.

 

Em conclusão, ainda precisamos conhecer melhor o que acontece com o sono nas crianças com NF1 e, caso comprovados os distúrbios do sono que elas parecem ter, devemos tentar entender seus mecanismos para conseguirmos tratamentos capazes de melhorar sua qualidade de vida.

 

Dr. Lor

 

 

 

A escolha pelos melhores tratamentos para a maioria das doenças deve ser feita de forma compartilhada pela pessoa e/ou sua família e os profissionais de saúde, diante do entendimento do contexto, das necessidades e expectativas de cada pessoa e das melhores informações disponíveis a partir dos estudos científicos realizados com um número suficiente de voluntárias e voluntários sofrendo de problemas semelhantes.

Estes estudos científicos são os consensos médicos, que oferecem as orientações sobre os melhores tratamentos. Sabendo que há menos pessoas com doenças raras, menos especialistas e menos estudos científicos direcionados a estas doenças, os consensos médicos são menos robustos cientificamente nas doenças raras.

É o que acontece com as pessoas que sofrem com a Neurofibromatose do tipo 2, a NF2. Atualmente, e a NF2 passou a se chamar Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (abreviada como NF2-SWN) e faz parte de um grupo de doenças denominadas de Schwannomatoses ver aqui as mudanças recentes).

A NF2-SWN acontece por causa de variantes genéticas patogênicas que ocorrem em cerca de 1 em cada 25 a 33 mil pessoas (variando conforme a população estudada). O número de pessoas diagnosticadas com a NF2-SWN é ainda menor: 1 em cada 60 a 70 mil pessoas.

Para exemplificar esta raridade, nos últimos 20 anos atendemos cerca de 70 pessoas com Schwannomatoses entre mais de duas mil e duzentas famílias cadastradas no Centro de Referência em Neurofibromatoses (CRNF) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Ou seja, apenas 2% da população por nós atendida.

Então, a NF2-SWN é uma doença rara e por isso a maioria dos médicos não está bem informada sobre a sua evolução. Sabemos que 95% da experiência dos neurocirurgiões é com o tratamento dos schwannomas esporádicos, ou seja, aqueles que surgem em torno dos 50 anos e apresentam comportamento diferente daqueles encontrados nas pessoas mais jovens com NF2-SWN. Quem desejar mais informações sobre o tratamento dos schwannomas esporádicos ver um consenso internacional aqui – artigo completo em inglês.

Assim, são raros os profissionais da saúde familiarizados com a NF2-SWN, o que gera incerteza sobre o melhor tratamento e por isso as pessoas e suas famílias costumam ouvir opiniões divergentes ao consultar médicos diferentes.

Diante disso, nossas sugestões de tratamentos são orientadas pelos consensos médicos internacionais baseados em experiências clínicas maiores do que a nossa. Por exemplo, o grupo de cientistas que publicou o consenso de 2012, no qual nos baseamos, reuniu dados de mais de 500 pessoas com NF2-SWN (ver aqui o texto original em inglês).

 

O principal problema na NF2-SWN

 

Nas pessoas com NF2-SWN surgem tumores nos ramos vestibulares dos nervos vestíbulo cocleares (ver na Figura 1 abaixo a localização destes nervos), chamados schwannomas (daí o nome da doença), que geralmente são bilaterais (85%), crescem lentamente e costumam ser diagnosticados a partir da segunda década de vida.

Figura 1 – Localização esquemática do nervo vestibulococlear nos ossos do crânio e sua relação com o cérebro. O ramo vestibular (em lilás) conduz para o sistema nervoso central os sinais neurais gerados nos neurônios dos canais semicirculares pelas mudanças posturais. O ramo coclear (em vermelho) conduz os sinais neurais gerados nos neurônios da cóclea pelos estímulos sonoros que chegam pela orelha externa ao tímpano e são transmitidos pelos ossículos da orelha média. Observa-se o nervo facial surgindo próximo do nervo vestibulococlear e esta proximidade é muito importante na qualidade de vida das pessoas com NF2-SWN.

 

Os schwannomas vestibulares podem causar perda de audição, zumbido, desequilíbrio, paralisia facial, dor de cabeça e outros problemas neurológicos, inclusive alguns potencialmente fatais.

Nas pessoas com NF2-SWN pode haver schwannomas também em outros pares de nervos cranianos e nas terminações nervosas cutâneas, outros tumores no sistema nervoso chamados meningiomas e ependimomas, além de alterações oculares. Veja em nossa página mais informações sobre o tratamento destes outros problemas.

Em 2020, a Associação de Neuro-Oncologia da Europa criou uma comissão de especialistas que publicou novo consenso sobre a NF2-SWN (ver aqui o artigo completo em inglês). No entanto, nesse consenso, apenas 15,5% dos estudos são especificamente relacionados à NF2-SWN.

O presente texto procura atualizar as orientações que estavam disponíveis em nossa página baseadas no Consenso de 2012, adicionando algumas informações mais recentes deste estudo de 2020.

 

REGRAS FUNDAMENTAIS

 

Há duas regras fundamentais no tratamento das pessoas com NF2-SWN:

Regra 1: não se faz cirurgia, nem quimioterapia e nem radioterapia num schwannoma somente porque ele foi encontrado;

Regra 2: não se faz cirurgia, nem quimioterapia e nem radioterapia num schwannoma antes de saber seus efeitos clínicos (surdez, desequilíbrio, zumbido, paralisia facial, compressão do tronco cerebral, hidrocefalia, por exemplo) e sua taxa de crescimento (ou seja, é preciso repetir a audiometria e a ressonância magnética do encéfalo em seis meses para saber a evolução clínica de cada schwannoma).

 

Por quê?

  • Porque as manifestações clínicas são mais importantes para a qualidade de vida das pessoas do que os resultados de exames.

 

  • Porque muitos dos tumores na NF2-SWN podem nunca crescer o bastante para dar sintomas e nunca precisarem ser removidos.

 

  • Porque nem sempre há relação entre o tamanho de um schwannoma e os sintomas (por exemplo, a audição pode ser pior do lado do tumor menor).

Não se sabe ainda ao certo o mecanismo de perda de audição nas pessoas com schwannomas vestibulares. Um estudo científico mostrou que a presença de um schwannoma vestibular esporádico produz alterações anatômicas na cóclea e redução da audição de forma independente do tamanho do tumor. Talvez o mesmo ocorra na NF2-SWN.

 

  • Porque não sabemos qual será a velocidade de crescimento de cada schwannoma.

Em média, o maior crescimento observado é de 2,9 mm por ano e apenas metade dos schwannomas apresentam crescimento num período de 5 anos, enquanto a outra metade permanece estável.

 

A mesma pessoa pode apresentar crescimento em um dos tumores e nenhum crescimento no outro durante vários anos (ver exemplo abaixo).

 

  • Porque os schwannomas vestibulares não se tornam tumores malignos, ou seja, não dão metástases, não invadem outros tecidos, embora possam comprimir as estruturas ao lado.

No entanto, a exposição à radioterapia ou radio cirurgia  pode ser uma causa de transformação maligna.

 

  • Porque as complicações que ameaçam a vida (compressão de tronco cerebral e hidrocefalia, por exemplo) se desenvolvem geralmente de forma lenta.

A compressão do tronco cerebral, por exemplo, praticamente nunca acontece como primeira manifestação da doença.

No entanto, pode haver surdez progressiva em poucas semanas em casos raros.

 

  • Porque a NF2-SWN ainda não tem cura, mas podemos manter a qualidade de vida das pessoas.

Para a maioria das pessoas, é melhor conviver com uma redução da audição do que com uma paralisia facial, que ocorre em cerca de 30% das cirurgias ou com o zumbido pós-operatório, que ocorre em 40% das pessoas.

 

  • Porque existem estudos em busca de medicamentos para os schwannomas, então temos que ganhar tempo sem intervenções que possam deixar sequelas, até que algum tratamento demonstre ser bastante eficiente.

 

  • Porque a maioria dos tratamentos atuais apresenta sequelas permanentes, então qualquer tratamento somente deve ser feito quando houver garantia de benefício.

Ou seja, o resultado do tratamento (por exemplo, melhorar a audição) deve ser mais provável e relevante para a pessoa com NF2-SWN do que a possível sequela do tratamento (por exemplo, a paralisia facial ou o zumbido).

Habitualmente, a cirurgia não recupera a audição já perdida, pois a maioria das pessoas é operada quando os tumores são maiores e a perda auditiva já está presente.

 

  • Porque as cirurgias atuais dependem muito da experiência das equipes cirúrgicas e a maioria delas conhece melhor os schwannomas esporádicos (95% de sua experiência) do que aos schwannomas que surgem nas pessoas com NF2-SWN.

Em geral, as equipes de neurocirurgia pouco familiarizadas com a NF2-SWN ainda chamam os schwannomas vestibulares de “neurinoma do acústico”.

Todas as técnicas cirúrgicas disponíveis atualmente apresentam alta taxa de recorrência dos schwannomas e todos os medicamentos testados até agora ainda apresentam apenas melhora parcial dos sintomas.

 

Com estas informações em mente, vejamos algumas recomendações para as principais manifestações clínicas dos schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN.

 

AUDIÇÃO

A redução ou perda da audição é geralmente o sintoma inicial e o mais importante para uma pessoa com NF2-SWN.

A capacidade de compreender a fala humana é a principal função da audição e por isso ela é a medida da qualidade de vida nas pessoas com NF2-SWN.

A perda auditiva geralmente ocorre lentamente, muitas vezes apenas de um lado, e cerca de 4 anos depois de diagnosticada a metade das pessoas com a NF2-SWN apresenta dificuldade importante para compreender a fala humana.

A audiometria é o principal exame complementar para a orientação clínica porque fornece uma medida objetiva da audição.

 

Figura 2 – Audiometria de uma pessoa com NF2-SWN. Observa-se perda auditiva em ambas as orelhas, mas maior na orelha direita. Perdas maiores do que 10 decibéis (dB)  em duas ou mais frequências contíguas ou maiores do que 15 decibéis em qualquer frequência única sugerem o diagnóstico de schwannoma vestibular (com sensibilidade de 93% e especificidade menor que 70%).

A partir do resultado da audiometria, podemos classificar as perdas auditivas de acordo com o Quadro 1, uma classificação utilizada internacionalmente.

O Quadro 1 é apenas uma orientação, porque as pessoas toleram de forma diferente sua perda auditiva. Algumas se sentem muito mal no grau 2, enquanto outras suportam relativamente bem o grau 3.

Por isso, a pessoa com NF2-SWN deve escolher o momento em que a sua perda da discriminação da fala se tornou um problema tão importante que precisa ser corrigido, mesmo com os riscos de algumas sequelas.

A capacidade de discriminação da fala deve ser a informação necessária para ajudarmos a pessoa com NF2-SWN a decidir se deseja ou não receber a intervenção cirúrgica ou medicamentosa.

Para isso, devemos indicar as audiometrias seriadas (a cada seis meses, se não houver novos sintomas antes).

A progressão rápida da perda auditiva (de um grau ou mais em seis meses, por exemplo) é um dos critérios que devem ser levados em conta para a decisão ou não de tratar (ver abaixo um exemplo verdadeiro em nossa experiência).

Esta perda auditiva progressiva e relevante para a pessoa com NF2-SWN combinada com o tamanho do tumor é que orientam nossas sugestões terapêuticas.

 

Zumbido

Em algumas pessoas o zumbido pode ser o primeiro sintoma, acompanhado ou não da perda auditiva. Dependendo da progressão da perda, nos primeiros momentos o incômodo pode ser leve, a pessoa não perceber e continuar sentindo o zumbido, achando que uma hora vai passar, sem relacionar com uma possível doença.

É importante que o zumbido não seja banalizado, pois ele pode ser um indicativo de perda auditiva. Há pessoas que não desenvolvem o zumbido, mas noutras ele pode ser o sinal mais importante (11%).

 

TAMANHO DO TUMOR

Sabendo que não existe maneira de conhecer o comportamento futuro de um schwannoma que acaba de ser diagnosticado, o método de escolha para avaliar o tamanho dos schwannomas vestibulares é a ressonância magnética (RNM) seriada a cada 6 ou 12 meses (ou antes, se surgirem novos sintomas neurológicos).

Com o resultado da RNM podemos classificar o tamanho do schwannoma segundo a Figura 2.

Figura 3 – Escala de Koos para schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN. Grau 1 – Tumor pequeno, restrito ao canal auricular interno. Grau 2 – Tumor médio, avançando para dentro do ângulo bulbopontino, mas sem contato com o tronco cerebral. Grau 3 – Tumor grande, ocupando a cisterna bulbopontina, mas sem contato com o tronco cerebral. Grau 4 – Tumor muito grande com deslocamento de nervos e compressão do tronco cerebral. Observa-se a progressiva compressão do nervo facial com o crescimento do schwannoma.

 

Esta classificação nos ajuda a compreender algumas situações:

  1. Os tumores de grau 1 a 3 ainda não ameaçam a vida e por isso podem ser analisados com mais tranquilidade do que os schwannomas maiores (Grau 4).
  2. Quanto maior o tumor, maior a dificuldade de preservar a audição e o nervo facial, porque o nervo facial está muito próximo ao nervo vestíbulo coclear.
  3. A localização do tumor é 80% das vezes no ramo vestibular (equilíbrio) e 20% no ramo coclear (audição), apesar da audição estar mais afetada do que o equilíbrio (este dado precisa ser confirmado nas pessoas com NF2-SWN).
  4. As técnicas cirúrgicas variam de acordo com o tamanho do tumor.

 

QUAIS SÃO OS TRATAMENTOS POSSÍVEIS?

 

A ideia principal no tratamento dos problemas causados pela NF2-SWN é que estamos diante de uma doença:

  • Crônica (ainda sem cura cirúrgica ou medicamentosa)
  • Limitante (especialmente pela surdez e sequelas cirúrgicas, tumores medulares)
  • Potencialmente fatal (compressão do tronco, hidrocefalia, cirurgias, convulsões)
  • Hereditária (há chance de 30 a 50% de passar a variante patogênica para um filho ou uma filha)

Assim, precisamos pensar nos cuidados médicos no longo prazo, procurando antecipar as possíveis complicações e limitações.

A associação The Children’s Tumor Foundation publicou uma cartilha (ver aqui – em inglês) com orientações importantes para as pessoas com NF2-SWN, que adaptamos para a população brasileira abaixo.

 

Coordenação clínica

O primeiro passo para o tratamento, depois do diagnóstico confirmado de NF2-SWN (ver aqui), é a escolha de um (a) médica (o) com experiência em neurofibromatoses para coordenar a observação ativa (ver abaixo), as reavaliações, intercorrências, exames e especialistas que podem ser necessários ao longo da vida.

 

Grupos de ajuda

A participação em grupos de pessoas com neurofibromatoses pode ser fonte de informação e conforto psicológico. Participe da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatoses (AMANF – clique aqui) ou de outras associações semelhantes que existem em vários países.

 

Aconselhamento genético

É sempre importante realizar o painel genético para identificar o diagnóstico preciso da Schwannomatose (ver aqui).

Sabendo que a NF2-SWN é hereditária (30 a 50% de chance de transmissão da variante patogênica a descendentes), é fundamental ajudar as pessoas no controle de natalidade e planejamento familiar, incluindo a discussão sobre a fertilização in vitro com seleção de embriões.

O diagnóstico da NF2-SWN numa pessoa que já possui filhas ou filhos traz uma questão delicada sobre se deve ou não ser investigada a transmissão da variante para descendentes e quando seria o momento adequado para fazer esta investigação. Geneticistas estão habilitadas (os) a orientar eticamente estas decisões.

A sugestão do Children´s Tumor Foundation é de que crianças com possibilidade de terem herdado uma variante patogênica da NF2-SWN devem realizar:

  • Avaliação oftalmológica nas primeiras semanas de vida e anual até os dez anos de idade.
  • Ressonância magnética se houver algum problema neurológico e em torno dos 10 aos 14 anos.
  • Painel genético depois dos 18 anos ou quando puder tomar esta decisão.

Por enquanto, o SUS ainda não oferece nem o exame genético e nem a fertilização in vitro, o que tem sido uma pauta entre as lutas de associações de pacientes, como da AMANF.

 

Oftalmologia

A possibilidade de opacificação do cristalino nas pessoas com NF2-SWN (chamada catarata juvenil ou catarata subcapsular posterior) exige que a capacidade visual seja regularmente avaliada por oftalmologista experiente em neurofibromatoses (ver mais informações aqui).

 

Fonoterapia

A terapia fonoaudiológica pode ajudar na convivência com a baixa audição e com o zumbido. Além disso, pode orientar na aquisição da linguagem labial e na linguagem de sinais, que devem ser aprendidas enquanto há audição.

Além disso, a fonoaudiologia pode ajudar na adaptação de atividades da vida diária, como a vida social, uso de telefones e televisão.

 

Apoio psicológico

Os impactos psicológicos da NF2-SWN são profundos e a pessoa acometida assim como sua família geralmente necessitam de apoio especializado para conseguir superar as limitações e levarem uma vida com boa qualidade.

 

Fisioterapia

Fisioterapeutas podem auxiliar na recuperação da paralisia facial e tratamento do desequilíbrio e perda de força que eventualmente venham a ocorrer.

 

Observação ativa

Significa reavaliar periodicamente os sintomas clínicos, em especial a função auditiva e a  visão (risco de catarata) e o tamanho dos schwannomas. Esta parece ser a melhor conduta para a maioria das pessoas com NF2-SWN. A observação ativa pode variar de alguns anos a poucos meses sem qualquer tratamento cirúrgico ou quimioterápico.

Var abaixo o fluxograma da observação ativa e outras condutas, considerando a perda auditiva e o tamanho do schwannoma. Adaptamos o resumo das recomendações do Consenso de 2012 e de 2020 na Figura 3 abaixo.

 

 

Figura 3 – Fluxograma da observação ativa e outras condutas para os schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN. Adaptado dos Consensos de 2012 e 2020. Observação: Nos manuais de cirurgia recomenda-se cirurgia em um dos tumores bilaterais no Grau 1 com a intenção de preservar a audição, mas não conseguimos dados mostrando este desfecho favorável.

 

Ressecção cirúrgica

A cirurgia (ressecção parcial ou total) de um schwannoma deve ser sugerida à pessoa com NF2-SWN e sua família quando:

  • O tumor ameaçar a vida (Grau 4 da classificação de Roos).
  • Houver piora clínica (audição e outros sintomas) desde a última consulta.
  • Seja mais provável a preservação da audição do que sua perda (ver fluxograma acima).
  • Tumores menores do que 1,5 cm são candidatos à primeira cirurgia.
  • A pessoa esteja consciente de que o risco pós-operatório de paralisia facial é de cerca de 30%.
  • A pessoa esteja consciente de que o risco de zumbido pós-operatório é de cerca de 40%.
  • A monitorização contínua do nervo facial seja garantida durante a cirurgia ([1]).
  • A equipe cirúrgica tenha experiência com schwannomas vestibulares em pessoas com NF2-SWN.

 

Radio cirurgia e radioterapia

São ambos tratamentos contraindicados nas pessoas com NF2-SWN por risco de transformação maligna. No entanto, esta técnica tem sido indicada nas pessoas com schwannomas esporádicos (sem NF2-SWN) menores do que 3 cm. As condições e habilitação da equipe cirúrgica podem entrar no cálculo dos riscos e benefícios.

 

Medicamentos

Até o presente momento, apenas o medicamento bevacizumabe tem se mostrado útil em casos selecionados de schwannomas vestibulares em pessoas com NF2-SWN (ver aqui comentário detalhado sobre este medicamento).

 

Aparelhos auditivos

Comuns

Os aparelhos auditivos comuns (usados nas pessoas idosas, por exemplo), que apenas aumentam a intensidade do estímulo sonoro em determinadas frequências, não funcionam adequadamente nas pessoas com NF2-SWN.

Implantes

Quando os tumores ou o resultado das cirurgias resultaram em surdez completa, aparelhos auditivos especiais podem ser implantados na cóclea (se houver nervo coclear funcional) ou no tronco cerebral. Estas possibilidades podem ser compreendidas e discutidas com especialistas a partir desta revisão científica de 2016: “Restauração da audição em pacientes com NF2” (ver aqui artigo completo em inglês).

 

Dúvidas e sugestões

Estas informações podem ser melhoradas com sua ajuda.

Envie-nos suas dúvidas, sugestões e críticas para rodrigues.loc@gmail.com

 

Assinam este texto:

 

Profa. Dra. Juliana Ferreira de Souza

Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – Coordenadora do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG

 

Dra. Luíza Cançado Guerra D’Assumpção

Neurocirurgiã com Mestrado e Doutoranda em Neurocirurgia na Universidade Federal de Minas Gerais

 

Prof. Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Professor Aposentado da UFMG e Diretor Administrativo da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose (AMANF)

 

Belo Horizonte, janeiro de 2024

Agradecemos as leituras e as ótimas sugestões de: Ramon Cosenza, Thalma de Oliveira Rodrigues, Fabíola A.A. Rocha Bastos, Érica Onofre e Aline da Silva Freitas.

[1] Importante ressaltar que a abordagem cirúrgica deve acontecer com monitoramento tanto nos schwannomas nos pares cranianos que possam ser afetados pela cirurgia quanto na coluna, permitindo à equipe decidir a melhor abordagem, se deve remover todo o tumor ou manter parte dele para preservar os nervos ao redor.

 

 

 

 

 

 

 

Nesta semana, foi publicado um estudo mostrando que aumentou em quatro vezes o interesse científico pelos neurofibromas cutâneos  nos últimos 20 anos (ver figura acima e clique aqui para ver o artigo completo em inglês).

Sabemos que o tratamento dos neurofibromas cutâneos nas pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) ainda é cirúrgico e há uma grande expectativa das famílias por algum tratamento mais simples e eficiente.

O grupo de cientistas coordenados pela Dra. Wang realizou uma pesquisa bibliográfica abrangente numa grande base de dados sobre o período 2003-2022, avaliando a publicação ou colaboração de países, instituições, autores e jornais científico. A análise incluiu 927 artigos de 465 periódicos e 1.402 instituições de 67 países. 

O estudo concluiu que a pesquisa científica sobre os neurofibromas cutâneos tem aumentado nos últimos anos e os Estados Unidos lideram esse campo. O médico Pierre Wolkenstein foi o autor principal, enquanto a Universidade de Hamburgo foi a instituição mais produtiva. O American Journal of Medical Genetics Parte A publicou o maior número de artigos.

Os assuntos mais abordados foram a qualidade de vida e a correlação genótipo-fenótipo em pacientes com NF1.

Os inibidores tópicos sob a forma de gel também são interesse crescente dos pesquisadores (clique aqui para ver nosso comentário sobre o gel).

Este interesse crescente da comunidade científica sobre como tratar os neurofibromas cutâneos nos traz grande esperança.

Dra. Juliana Ferreira de Souza – Coordenadora do CRNF HC UFMG

Dr. Lor

 

Algumas pessoas têm perguntado se a equipe médica do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF) tem “conhecimento e expertise” sobre o medicamento selumetinibe (nome comercial Koselugo).

Sim, temos conhecimento sobre os estudos realizados e temos indicado o seu uso em determinadas condições de acordo com os critérios abaixo:

 

QUANDO USAR O SELUMETINIBE? 

 

Devo usar o novo medicamento? Como faço para conseguir o novo medicamento para neurofibromatose? Como devo usar? Quanto custa? 

 

Estas são as perguntas mais frequentes que temos recebido nos últimos meses, desde que o selumetinibe foi aprovado nos Estados Unidos para o tratamento de determinados casos de neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis.

 

Primeiro, você sabe o que é o selumetinibe? 

 

É um medicamento do tipo antineoplásico, que é como um tipo de quimioterapia, da classe dos inibidores de MEK, estudados e usados geralmente para tratar alguns tipos de câncer. 

O selumetinibe é um medicamento de uso por via oral, feito para ser tomado diariamente, que já tem registro no Brasil e bula registrada na Anvisa desde agosto de 2023.

Nós sabemos quanto sofrimento os neurofibromas plexiformes trazem para as pessoas com NF1 e suas famílias.

Por isso, há vários anos, nossa equipe do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais tem estudado profundamente todos os trabalhos científicos que estão sendo publicados sobre o uso do selumetinibe na neurofibromatose tipo 1.

Temos discutido entre nós os resultados encontrados nestes estudos e também com o Dr. Carlos Magno Leprevost, da equipe médica do laboratório fabricante do remédio (AstraZeneca) e com um dos médicos autores da pesquisa que justificou a liberação do medicamento nos Estados Unidos, o Dr. Michael Fisher.

Além disso, participamos do último Congresso Europeu sobre neurofibromatoses agora em dezembro (aqui) e levamos as nossas análises sobre o selumetinibe na forma de dois posters com partes das informações que apresentamos abaixo.

 

RELÓGIO DE CUIDADOS

Nossa resposta para esta importante questão é apresentar publicamente uma série de cuidados que construímos para que cada pessoa (ou sua família) com NF1 possa entender os efeitos esperados do remédio e decidir junto com seu médico ou sua médica e com segurança se deve usar ou não o selumetinibe e durante quanto tempo.

As etapas que cada pessoa ou cada família deve seguir estão explicadas aqui no blog, um passo a cada post (um post por dia), até completarmos os 12 passos.

A partir de amanhã, iremos seguir passo a passo com você para sabermos se você tem tumores semelhantes aos que foram estudados, o que você espera do selumetinibe e o que ele pode oferecer.

Os passos estão resumidos na figura acima, que ilustra o nosso “Relógio de Cuidados“.

 

Passo 1 – Tenho um neurofibroma plexiforme? 

 

Como você sabe que tem um neurofibroma plexiforme?

Geralmente as médicas e os médicos com experiência em neurofibromatoses são capazes de identificar um neurofibroma plexiforme desde os primeiros anos de vida, porque eles são congênitos, quer dizer, se formam desde a vida dentro do útero.

Você pode encontrar neste link mais informações sobre o que são e como aparecem e crescem os neurofibromas plexiformes: https://amanf.org.br/2020/10/como-crescem-os-neurofibromas-plexiformes/

Somente se você tem um neurofibroma plexiforme você deve dar os passos seguintes, pois o selumetinibe está indicado apenas para este tipo de neurofibroma.

Não está indicado para neurofibromas cutâneos, gliomas ou outras manifestações da NF1.

IMPORTANTE

Além de saber se você tem um plexiforme, precisamos avaliar se ele está crescendo ou não e se está produzindo sintomas, como dor ou perda de função.

Nas últimas semanas, meses ou anos, seus neurofibromas plexiformes podem ter estado estáveis quanto ao tamanho e sintomas.

Mas se eles estiverem crescendo rapidamente, endurecendo ou manifestando dor e outros sintomas, pode ser que esteja ocorrendo a transformação maligna do neurofibroma, e então você precisa esclarecer esta questão rapidamente.

 

Então, nosso primeiro passo é afastar a possibilidade de seu plexiforme estar sofrendo transformação maligna.

O selumetinibe não está indicado para neurofibromas com transformação maligna.

Ver aqui mais informações sobre a transformação maligna dos plexiformes: https://amanf.org.br/transformacao-maligna/

 

Além disso, você precisa saber de algumas situações que não permitem você usar selumetinibe, ou seja, se possui algum dos critérios de exclusão abaixo:

  1. Se estiver grávida ou amamentando.

Se você for uma adolescente ou mulher em idade com possibilidade de ficar grávida (ou seja, depois da primeira menstruação), deverá fazer um teste de gravidez e iniciar um método anticoncepcional seguro e eficiente antes de usar o selumetinibe.

    1. Se possuir alguma outra doença clínica importante,como infecções, disfunção cardíaca, pulmonar, hepática ou renal.
    2. Se necessitar de provável cirurgia durante o uso do selumetinibe.
    3. Estiver realizando radioterapia ou quimioterapia.
    4. Não puder realizarexames de imagem para reavaliar o tumor.

 

  • Incapacidade de engolir cápsulas.

Então, se você tem um neurofibroma plexiforme, sintomático e inoperável, e não está sofrendo transformação maligna e você não possui nenhum destes critérios de exclusão citados, vamos dar amanhã o passo seguinte para o uso ou não do selumetinibe.

 

Passo 2 – O que está acontecendo com meu neurofibroma plexiforme? 

É importante você saber que diante de um adulto ou uma criança ou um adolescente com neurofibroma plexiforme, podemos suspeitar que haverá fases de crescimento do tumor, outras de estabilidade e até mesmo fases de redução do tumor, mas não podemos afirmar com certeza o que irá acontecer nos próximos anos.  

Também precisamos saber qual tipo de neurofibroma plexiforme que você possui, porque existem dois tipos, os difusos e os nodulares e eles se comportam de forma diferente de acordo com a idade da pessoa.

Veja aqui mais informações sobre os neurofibromas plexiformes difusos e nodulares: https://amanf.org.br/2020/10/como-crescem-os-neurofibromas-plexiformes/

maioria dos plexiformes apresenta algum crescimento na infância e adolescência, acima do crescimento natural da pessoa, mas os difusos crescem mais rapidamente antes da adolescência e os nodulares depois da adolescência.

Podemos dizer 3 coisas importantes sobre o crescimento dos neurofibromas plexiformes:

  1. Os difusos parecem ter uma biologia diferente dos plexiformes nodulares.
  2. A maioria dos difusos cresce na infância e os nodulares crescem mais tarde.
  3. Muitos plexiformes difusos podem reduzir seu tamanho na vida adulta.

Então, nos últimos meses, o seu plexiforme está crescendo, está do mesmo tamanho ou está diminuindo?

Assim, a sua idade pode ser um fator importante para saber se deve ou não usar o selumetinibe. O estudo que serviu de base para a aprovação nos Estados Unidos foi feito com crianças e adolescentes.

Outra questão importante é se o seu neurofibroma plexiforme está causando ou não problemas para sua vida. O selumetinibe foi aprovado nos Estados Unidos para neurofibromas que estejam causando problemas como deformidade, dor ou perda de função e que não possam ser corrigidos por meio de cirurgia.

Se o seu plexiforme está causando problemas para você, então veja o nosso post de amanhã.

 

Passo 3 – Quais os problemas causados pelo meu neurofibroma plexiforme? 

 

Neste passo, vamos ver os principais problemas e sintomas causados pelos plexiformes que foram tratados com selumetinibe no estudo da Dra. Gross nos Estados Unidos.

Queremos ajudar você a saber o que você pode esperar com o tratamento.

Metade dos plexiformes apresenta uma ou mais das seguintes consequências:

 

  • Deformidades físicas
  • Dor
  • Perda de alguma função

 

A – Se sua queixa principal sobre o plexiforme for a deformidade física, você precisa saber que no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020) (ver aqui) o selumetinibe reduziu o tamanho do tumor de forma duradoura (mais de um ano de uso constante do medicamento) em 1 em cada 2 crianças (ou adolescentes) que usaram o medicamento.

Nenhuma criança apresentou cura, ou seja, o tumor não desapareceu em nenhuma delas.

Esta redução nestas crianças e adolescentes foi entre 30 e 40% do tamanho inicial, quer dizer, se o plexiforme tinha um volume de um litro, por exemplo, o selumetinibe reduziu cerca de 2 copos aproximadamente.

Você precisa então pensar se esta redução de 30% já seria suficiente para melhorar a deformidade causada pelo plexiforme. Se esta redução faria com que você se sentisse mais confortável porque as outras pessoas estariam percebendo menos o seu plexiforme, por exemplo.

Se você acha que a possível redução de 40% do tumor é suficiente para você enfrentar os riscos e custos do medicamento, vá para o passo seguinte (Passo 4).

 

B – Se o problema principal causado pelo plexiforme for a dor, que pode ser muito forte em algumas pessoas, você precisa saber que a redução do tamanho do plexiforme observada com o selumetinibe em metade das crianças e adolescentes não foi relacionada com a melhora da dor.

Nós também temos dúvidas se o estudo da Dra. Gross comparou corretamente a dor nas pessoas que usaram o selumetinibe, pois a dor é um sentimento subjetivo e pode ser afetada pelo simples uso de uma cápsula colorida achando que é um remédio, o que chamamos de efeito placebo.

E a Dra. Gross não comparou o selumetinibe com algum comprimido placebo.

Então, se a dor é sua queixa principal, seria interessante você realizar um tratamento rigoroso para a dor, seguindo a escada analgésica (ver aqui) antes de considerar o uso do selumetinibe

Mas se você já tentou esta escada analgésica e não está funcionando, e tem esperança de que o selumetinibe possa reduzir sua dor, vá para o passo seguinte (Passo 4).

 

C – Por fim, sua queixa principal quanto ao plexiforme pode ser a perda de alguma função. Então vamos ver alguns exemplos das perdas funcionais mais comuns causadas pelos plexiformes.

  1. Se você apresenta perda do movimento de um braço ou uma perna, por exemplo, você precisa saber que estas perdas são causadas precocemente pelo desenvolvimento do plexiforme desde a vida intrauterina e não há evidência de que elas possam ser modificadas pelo uso do selumetinibe.

Talvez seja melhor você investir em outros cuidados para melhorar sua capacidade funcional.

  1. Se você apresenta dificuldade para respirar por obstrução das vias aéreaspor causa do plexiforme, o selumetinibe apresentou redução da compressão da traqueia em alguns casos especiais, permitindo a retirada da traqueostomia, e isto pode ser uma indicação para você experimentar o selumetinibe, então vá para o passo seguinte (Passo 4).
  2. Dificuldade visual por causa de invasão do olho pelo plexiforme, você precisa saber que a presença crônica do plexiforme nas proximidades dos olhos pode realmente obstruir a visão, causar glaucoma (aumento da pressão ocular) ou proptose (deslocamento do globo ocular para fora da órbita). Essas são consequências graves do plexiforme que provavelmente não serão modificadas pelo uso do selumetinibe.

 

Passo 4 – Uma cirurgia poderia corrigir minha queixa principal quanto ao plexiforme? E o remédio?

 

Antes de iniciar o tratamento com selumetinibe você precisa consultar uma cirurgiã ou cirurgião para saber se uma cirurgia poderia resolver sua deformidade, sua dor ou sua perda de função causadas pelo neurofibroma plexiforme.

Você deve saber que somente conseguimos remover completamente os neurofibromas pequenos e superficiais, que geralmente não causam grandes problemas. Os maiores e mais profundos, podem envolver estruturas vitais e assim se tornarem impossíveis de remoção completa.

Se o seu neurofibroma plexiforme não puder ser removido cirurgicamente ou a cirurgia não garantir a solução da sua queixa principal, você pode considerar o uso do selumetinibe.

É preciso lembrar que os resultados possíveis do selumetinibe, de acordo com o estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020), são:

  1. Redução do tamanho do tumor, em cerca de 30 a 40%.
  2. Outros resultados, como redução de dor ou melhora da qualidade de vida, podem ocorrer em uma proporção menor de pessoas,mas não está claro ainda qual o tamanho dessa melhora, quanto tempo ela leva para ocorrer e quanto tempo ela dura.
  3. A redução no tamanho do tumor não se associou, no estudo, a estes outros resultados. Ou seja, reduzir o tumor não necessariamente leva a bons resultados em outras coisas.

Se você não puder realizar a cirurgia e acha que os efeitos possíveis do selumetinibe podem melhorar sua qualidade de vida, siga para o passo seguinte.

 

Passo 5 – Minha qualidade de vida vai melhorar?

 

Qualidade de vida é a soma de diversas coisas: sua capacidade de realizar as tarefas do dia, seu estado psicológico, sua disposição para viver, a ausência de dor ou limitações físicas importantes, a sua autonomia pessoal, além das condições de trabalho, moradia, segurança e perspectiva do futuro.

Ou seja, qualidade de vida envolve diversas avaliações subjetivas sobre nossa vida.

NF1 e os neurofibromas plexiformes podem afetar nossa qualidade de vida de diversas maneiras, como já comentamos acima nas queixas principais (deformidade, dor e perda de função).

A qualidade de vida das crianças e adolescentes com plexiforme foi estudada pela equipe da Dra. Gross e os resultados mostraram que o uso do selumetinibe por cerca de um ano produziu uma pequena variação positiva na qualidade de vida (especialmente na avaliação dos pais), mas não houve dados suficientes para afirmar que isto tenha acontecido de fato.

Eles observaram que as respostas dos voluntários, aos questionários sobre qualidade de vida, mostraram uma melhora entre 6,7 pontos (crianças) e 13 pontos (seus pais) numa escala de 0 a 100 pontos.

Esta melhora com o selumetinibe é bastante próxima aos limites definidos como mínimos (que são de 4 a 6 pontos) pela comunidade científica internacional (ver aqui mais informações sobre esta questão: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3687260/  e aqui https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/14616041/

Além da mudança na qualidade de vida com o selumetinibe estar próxima aos limites mínimos de variação, o estudo não envolveu outro grupo de crianças usando um placebo (mesmo problema para a avaliação da dor, já comentado), fazendo com que os dados não sejam suficientes como prova estatística.

Portanto, você deve considerar que o tratamento com selumetinibe provavelmente não terá um GRANDE efeito sobre sua qualidade de vida.

Mas se você deseja saber mais sobre o que esperar do tratamento com selumetinibe, siga para o próximo passo.

 

Passo 6 – Quais efeitos colaterais posso apresentar com o uso do  selumetinibe?

 

Se você chegou até este passo é porque você provavelmente é uma criança ou adolescente que apresenta um neurofibroma plexiforme, sintomático e inoperável.

Você deve estar sofrendo as complicações do tumor a tal ponto que precisa saber os possíveis efeitos colaterais do selumetinibe, se vale a pena o custo em relação ao benefício.

O trabalho científico da Dra. Gross e colaboradores (NEJM, 2020), que justificou a aprovação do selumetinibe nos Estados Unidos, relatou que 1 em cada 4 crianças teve efeitos colaterais intensos o suficiente para obrigar a redução da dose do medicamento e 1 em cada 10 crianças teve que suspender definitivamente o tratamento por causa de sua toxicidade.

É importante salientar que a redução da dose ou a suspensão do tratamento podem levar à perda da resposta inicial ao remédio e o tumor pode voltar a crescer.

Então, vamos saber o que os inibidores de MEK, como o selumetinibe, podem causar no seu organismo .

Outro trabalho científico (para ver o artigo original em inglês  CLIQUE AQUI ) analisou os efeitos colaterais destes medicamentos e a Dra. Laura Klesse e colaboradores (2020) usaram uma graduação da gravidade dos efeitos colaterais, uma tabela usada para avaliar os tratamentos de pessoas que têm tumores malignos (câncer), ou seja, para doenças potencialmente mortais (o que geralmente não é o caso dos neurofibromas plexiformes).

Os resultados mostraram que o uso do selumetinibe causou os seguintes efeitos colaterais mais comuns (graus 1 a 2):

 

  • Disfunção cardíaca em 4 de cada 10 crianças
  • Diarreia crônica em 1 em cada 2 crianças
  • Fadiga (cansaço) em 1 em cada 2 crianças
  • Náusea ou vômitos em 1 em cada 2 crianças
  • Infecções nas unhas e pele das mãos e pés em 4 em cada 10 crianças
  • Acne (espinhas) em 6 em cada 10 crianças

 

Assim, se você usar o selumetinibe, terá uma chance grande de apresentar uma ou mais de uma destas complicações.

Sabendo que os efeitos colaterais podem acontecer, é preciso que você tenha um sistema de supervisão e comunicação permanente e direto com a equipe médica, para que ela possa reduzir ou corrigir estas possíveis complicações.

No passo seguinte veremos como deve ser feita a supervisão médica.

 

 

Passo 7 – Preciso de supervisão médica para usar o selumetinibe? 

 

Se você chegou até este passo é porque você provavelmente é uma criança ou adolescente (ou os seus familiares) que apresenta um neurofibroma plexiforme, que deve estar sofrendo as complicações do tumor a tal ponto que, depois de informada (o) no post anterior, seria capaz de tolerar os efeitos colaterais do selumetinibe.

Para isso, você precisa ter a garantia de que a equipe médica e alguns exames complementares estarão disponíveis, no tempo necessário, pelo Sistema Único de Saúde (ou autorizados pelo seu convênio durante o seu tratamento), ou você terá recursos financeiros próprios para arcar com estas despesas.

Este sistema de proteção deve funcionar da seguinte forma:

  1. A equipe médica deve realizar em você exames clínicos periódicos (ver post de amanhã).
  2. Alguns exames complementares podem ser necessários (por exemplo, ecocardiograma para avaliar a disfunção cardíaca).
  3. Pode ser preciso utilizar outros medicamentos para tratar as complicações (por exemplo as náuseas, diarreias e vômitos).
  4. A equipe médica pode precisar ajustar a dose do selumetinibe.
  5. Você e a equipe médica podem decidir interromper o tratamento por causa dos efeitos tóxicos.

Se você considera que pode contar com a supervisão médica durante o tratamento e poderia suportar estes efeitos colaterais para tentar resolver sua queixa principal em relação ao seu neurofibroma plexiforme, então vá para o passo seguinte.

 

Passo 8 – Como devem ser as reavaliações periódicas?

 

Se você chegou até aqui e continua achando que vale a pena usar o selumetinibe, precisa planejar algumas medidas que devem ser tomadas a partir do início do tratamento, para saber se está funcionando ou não para atender os objetivos que você definiu como importantes.

Novamente, vamos recorrer ao estudo da Dra. Gross, que mostrou que a redução do volume do tumor aconteceu a partir de cerca de 8 meses de tratamento e o melhor resultado foi obtido em até 16 meses.

Portanto, além das avaliações médicas necessárias caso ocorra algum efeito adverso, é preciso agendar reavaliações periódicas com a equipe médica para saber como está a evolução dos principais sintomas que motivaram o uso do selumetinibe.

Baseados no estudo da pesquisa da Dra. Gross (página 112 do Protocolo de Pesquisa), seriam necessárias reavaliações antes e durante o tratamento da seguinte forma:

  1. Exame médico completo(incluindo dados de peso, estatura, etc.)

Antes de iniciar o tratamento

A seguir semanal, nos dois primeiros meses

Depois a cada dois meses até 19 meses

Depois a cada seis meses

    1. Exame de sangue(repetir a cada mês no primeiro ano e depois a cada seis meses)
      1. Hemograma completo (repetir a cada mês)
      2. Eletrólitos (sódio, potássio, cloreto), CO2, cálcio, fósforo, magnésio, creatinina, uréia, glicemia, ALT, bilirrubina, proteínas totais e fracionadas, CPK)
    2. Exame de urina, incluindo o teste de gravidez (72 horas antes do início do selumetinibe) (repetir a cada mês no primeiro ano e depois a cada seis meses)

 

  • Eletrocardiograma e Ecocardiograma 

 

Antes de iniciar o tratamento

Com 3, 6 e 11 meses

Depois, a cada seis meses

  1. Ressonância magnética tridimensional (a Dra. Gross e equipe informam que apenas a  é capaz de perceber as diferenças no tamanho do tumor com a medicação)

Antes de iniciar o tratamento

Com 8 meses e 16 meses

Depois a cada seis meses

 

  • Exame oftalmológico

 

Antes de iniciar o tratamento

Com 8 meses e 16 meses

Depois a cada seis meses

É preciso lembrar que infelizmente ainda temos muita dificuldade para fazer estes exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Além disso, precisamos considerar a necessidade de sedação e seus riscos em crianças para a realização de alguns destes exames. 

Se você dispõe dos recursos (técnicos, financeiros e institucionais) para realizar estas reavaliações periódicas, vamos em frente.

 

Passo 9 – Critérios para interrupção do selumetinibe.

 

Se você já considerou todas as questões nos passos anteriores e acha que deve usar o selumetinibe, vamos dar o passo seguinte, que é saber quais são os critérios para interrupção do tratamento, baseados naqueles utilizados no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020).

O tratamento com o selumetinibe deverá ser interrompido por três grupos de motivos:

  1. A) Antes do início do tratamentocom selumetinibe era um neurofibroma plexiforme que estava crescendo (mais de 20% nos últimos 15 meses) e continuou a crescer durante o tratamento. 

O estudo da Dra. Gross e colaboradores mostrou que a suspensão completa do tratamento estava indicada se houvesse progressão (ou seja, aumento do tumor) nos ciclos 5, 9, 13, 17, 21, 25 e depois a cada 6 meses (cada ciclo de tratamento dura cerca de um mês).

  1. B) Era um neurofibroma plexiforme que não estava crescendo antes de iniciar o selumetinibe, mas não apresentou redução até dois anos de tratamento.
  2. C) Outros critérios para descontinuidade do tratamentopara pacientes com e sem progressão:
  • Administrativos(recusa do paciente, no interesse do paciente segundo seu médico, violação do protocolo, não adesão às normas)
  • Toxicidade(que não seja resolvida por redução da dose em 21 dias, ou apareça após suspensão da droga e nova tentativa)
  • Evidência de progressãodos três neurofibromas plexiformes mais importantes, seja por indicadores clínicos ou pela ressonância magnética em 3D (nos ciclos 6,11 e a cada 6 ciclos).
  • Até duas reduções de dose podem ser consideradasse houver efeitos adversos grau 3 ou mais segundo o NCI Common Terminology Criteria for Adverse Effects abaixo apresentados:
    • Elevação de certas enzimas no plasma (transaminases)
    • Baixa de alguns minerais e eletrólitos no sangue (hipofosfatemia, hipokalemia, hipocalcemia ou hipomagnesemia corrigidas com suplementação)
    • Manchas vermelhas com coceira no corpo (rash cutâneo) controlável com terapia adequada.
    • Elevação de uma enzima chamada creatinofosfoquinase (CPK), mesmo que seja assintomática
    • Toxicidade gastrintestinal (diarreia, náusea, vômitos) controlável
    • Catarata (opacidade do cristalino)
    • Ganho de peso maior 20% avaliado caso a caso, considerando a possibilidade de estar ocorrendo retenção de líquidos (edema).
    • Toxicidade cardíaca (redução da função ventricular)
    • Obstrução urinária
    • Descolamento da retina ou trombose venosa da retina
    • Pneumonite

Se você se sente devidamente informada (o) sobre quando deve parar o tratamento com o selumetinibe, siga adiante no próximo passo.

Passo 10 – Definição da duração do tratamento

 

Este é um passo importante, pois você deve estar se perguntando por quanto tempo deve usar o medicamento selumetinibe, caso ele produza uma redução de 30 a 40% do volume do seu neurofibroma plexiforme ou melhore sua dor ou sua disfunção.

Infelizmente, não sabemos ainda esta resposta, pois no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020) as pessoas com plexiformes que responderam ao selumetinbe continuaram em uso por tempo indeterminado.

Algumas pessoas que estavam observando redução do plexiforme e tiveram que suspender a medicação por algum motivo, apresentaram volta do crescimento do tumor. Assim parece que o medicamento teria que ser usado continuamente para sustentar os efeitos positivos observados.

Por outro lado, ainda não sabemos os efeitos do uso prolongado do selumetinibe sobre alguns aspectos importantes da vida das pessoas:

  1. Qual o impacto do selumetinibe noaprendizado, na função cognitiva, na inteligência?
  2. Qual a chance do selumetinibe produzir alterações no crescimento, no desenvolvimento sexual e na fertilidade?
  3. Qual a chance do selumetinibe propiciar o aparecimento de doenças malignas?

Em conclusão, aguardamos novos estudos científicos para podermos responder estas questões com segurança.

 

Passo 11 –  Quanto custa o tratamento com selumetinibe? 

 

Se você chegou até aqui é porque está considerando seriamente o uso do selumetinibe para tratar seu neurofibroma plexiforme sintomático e inoperável, apesar das incertezas e riscos que foram apresentados nos passos anteriores.

Então você deseja saber o preço, ou seja, o custo financeiro do medicamento.

O preço pela CMED, R$ 92.761,64 para 25mg com 60 comprimidos = 61,84 reais por mg de selumetinibe.

Como definimos anteriormente, a duração do tratamento não seria inferior a 12 meses, a não ser que houvesse algum efeito colateral que obrigasse a suspensão da droga, ou o plexiforme voltasse a crescer mesmo com a medicação, o que aconteceu com cerca de metade daqueles que iniciaram o tratamento no estudo da Dra. Gross.

Assim, teríamos um custo de cerca de 600 mil reais a um milhão e duzentos mil reais por pessoa, por ano de tratamento. Este custo, portanto, provavelmente é muito caro para o benefício limitado que o medicamento traria para a sociedade brasileira como um todo.

Algumas análises mostraram que o selumetinibe não é custo-efetivo (ver aqui análise NICE no Reino Unido e aqui a análise CADTH no Canadá, países com saúde pública como nós), ou seja, do ponto de vista de saúde pública, não seria sustentável recomendar o medicamento. E o selumetinibe só foi aprovado nestes países porque o fabricante concordou em reduzir seu custo (o que não aconteceu aqui no Brasil).

Além disso, há uma série de procedimentos clínicos (ver no passo 8 as reavaliações periódicas) e protocolos que precisam ser seguidos para o acompanhamento dos pacientes durante seu uso, que também envolve custos financeiros. 

Talvez esses custos do próprio medicamento e dos adicionais (relacionados ao protocolo de cuidados necessários e ao manejo dos eventos adversos) sejam insustentáveis para o Sistema Único de Saúde e para os Planos de Saúde.

 

Aqui terminamos nossos passos no Relógio de Cuidados que propomos para as pessoas que consideram a possibilidade de usarem o selumetinibe.

Nós do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais estamos comprometidos com nossos pacientes.

Portanto, se a ANVISA, a CONITEC e o Sistema Único de Saúde aprovarem o uso do selumetinibe para neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis, nós faremos todo o esforço possível para criarmos as condições no Hospital das Clínicas para podermos cumprir este relógio de cuidados com cada pessoa com NF1 que nos procurar.

Belo Horizonte, 24 de dezembro de 2020 – atualizado em 20/1/2024

 

Nota final – Como calculamos o preço do selumetinibe?

Realizamos uma estimativa do custo do selumetinibe a partir de dados de outros países, pois ainda não temos seu preço fixado no Brasil.

  1. Considerando que a dose recomendada do medicamento foi de 25 mg por metro quadrado de superfície corporal duas vezes por dia, em ciclos de 28 dias;
  2. Considerando que a idade mediana das crianças incluídas foi de 10,2 anos; portanto, pode ser estimada uma superfície corporal mediana inicial de 1,171 m2 (meninos), crescendo até o final do estudo para 1,43 m2 e podendo chegar numa pessoa de 20 anos a 1,87 m2;
  3. Considerando que o preço mais baixo (em busca online, em sites dos EUA) foi de cerca de US$ 8.680,00 por caixa com 120 comprimidos de 10 mg = US$ 7,23 dólares por mg;
  4. Considerando que a conversão do dólar para reais seria de 5,4;
  5. Podemos estimar o custo mediano mensal do medicamento (ver tabela abaixo), que pode variar de cerca de 50 mil reais (para uma criança de 10 anos) a cerca de 100 mil reais (para um adulto de 20 anos) por mês.

Ver abaixo planilha com cálculo do custo do selumetinibe em termos médios.

Idade área SC

a partir de peso e altura (DuBois)

dose/m2 dose diária mg dias de uso preço U$/mg valor U$ custo mensal

R$

custo anual

R$

menina 10,2 anos (início) 0,914 25 45,7 28 7,23 5,4 49.969,13 599.629,62
menino 10,2 anos (inicio) 0,932 25 46,6 28 7,23 5,4 50.962,90 611.554,79
menina (13,4 anos) final 1,469 25 73,4 28 7,23 5,4 80.272,51 963.270,15
menino (13,4 anos) final 1,475 25 73,8 28 7,23 5,4 80.638,22 967.658,63
adulto feminino  1,621 25 81,0 28 7,23 5,4 88.576,67 1.062.919,99
adulto masculino 1,875 25 93,7 28 7,23 5,4 102.468,84 1.229.626,12

Qual seria o impacto deste medicamento sobre o Sistema Único de Saúde? 

  1. Considerando que dentre a população brasileira estimada com NF1 (cerca de 80 mil pessoas) haveria um grupo de 10% da população com plexiformes sintomáticos e inoperáveis (ou seja, 8 mil pessoas potencialmente usuárias do selumetinibe);
  2. Considerando que o custo médio mensal seria de cerca de 80 mil reais (entre 50 e 100 mil reais como calculado acima);
  3. Teríamos o custo estimado para o SUS de 640 milhões de reais por mês.
  4. Considerando que o tempo mediano de tratamento para metade dos voluntários que sustentaram o efeito do medicamento foi de 3,2 anos no  estudo da Dra. Gross e col. 2020;
  5. Teríamos o custo total de cerca de 11 bilhões de reais para o tratamento de metade das pessoas com plexiformes sintomáticos e inoperáveis por três anos.

 

 

 

 

O Dr. Bruno Cézar Lage Cota concluiu na última terça feira, diante da banca examinadora do seu doutorado, que apenas seis meses de vivências musicais foram capazes de mudar para melhor algumas dificuldades cognitivas de 17 adolescentes e adultos jovens com Neurofibromatose do tipo 1!

A conclusão de seu estudo, inédito em todo o mundo, é motivo de grande esperança porque:

  • Mostrou que apenas 6 meses de atividades musicais, organizadas como prática musical, foram capazes de alterar o funcionamento do cérebro de adolescentes com NF1– indicando que a doença não impede sua capacidade de aprendizado em geral (plasticidade cerebral).
  • Além disso, quanto mais jovem e com maiores dificuldades cognitivas era a pessoa voluntária, mais evidentes foram os resultados benéficos das atividades musicais.

Estas conclusões (e outras, mais técnicas) mostraram a necessidade desta pesquisa ser continuada e aprofundada com crianças mais novas com NF1, para verificarmos se a exposição ao treinamento musical mais cedo poderia resultar em melhor função cognitiva ao longo da vida.

Este trabalho maravilhoso realizado ao longo de mais de 4 anos, recebeu o nome de “INVESTIGAÇÃO DOS EFEITOS COGNITIVOS DECORRENTES DA PRÁTICA MUSICAL SISTEMÁTICA EM PESSOAS COM NEUROFIBROMATOSE TIPO 1” e em breve sua versão final, com as correções sugeridas pela banca, estará disponível no Bando de Teses da Universidade Federal de Minas Gerais.

No próximo ano, o estudo completo será publicado em revista científica internacional, para aumentar o conhecimento mundial sobre as pessoas com NF1 e estimular novas possibilidades terapêuticas.

Além disso, é com imensa alegria que informamos que este estudo foi financiado por pessoas generosas que tem contribuído com doações para a AMANF, permitindo que possamos continuar produzindo conhecimentos científicos em benefício das pessoas com NF (ver aqui outros estudos financiados pela AMANF).

O imenso trabalho humano envolvido nesta pesquisa foi realizado por um grupo de pessoas reunidas em torno do Dr. Bruno Cota, que criou uma verdadeira e afinadíssima banda musical, especialmente às adolescentes e aos adolescentes voluntários com NF1 e suas famílias, pois sabemos o esforço e dificuldades que vocês tiveram que superar para contribuir para este trabalho.

A todas as pessoas que tornaram possível este trabalho, que é um verdadeiro presente de Natal para nossa comunidade, o Dr. Bruno enviou um agradecimento (ver abaixo).

De minha parte, estou profundamente emocionado e grato às pessoas que se dedicaram a descobrir a resposta para a pergunta que eu me fazia quando levava minha filha Maria Helena, que nasceu com NF1, para as aulas de violino, quando ela era adolescente: será que esta atividade musical poderia melhorar suas dificuldades de aprendizado?

Sim, Bruno, você e sua banda mostraram que sim!

Esperamos que muitas crianças com NF1 em todo o mundo sejam beneficiadas por este novo conhecimento científico, construído com amor e solidariedade.

 

Dr Lor

 

Agradecimento a todas as pessoas que tornaram este trabalho possível

Aos pacientes que foram voluntários na pesquisa, que abriram mão de suas atividades e compromissos pessoais para participarem das atividades da pesquisa, contribuindo para a construção de um bem maior e coletivo para as demais pessoas com NFs;

À diretoria e aos associados da AMANF, que financiou a maior parte dos custos envolvidos nesta pesquisa, incluindo as bolsas de iniciação científica e a compra de instrumentos musicais;

Aos meus pais, minha esposa e meus filhos, pelo amor e paciência comigo, além de toda a ajuda em tudo que puderam, sempre presentes;

Ao meu orientador, o prof. dr. Nilton Alves de Rezende, e à minha co-orientadora, professora Dra. Luciana Macedo de Resende, que além das suas orientações assertivas e pertinentes, proveram as condições necessárias para o desenvolvimento e conclusão desta pesquisa, sempre com um clima respeitoso e mentalmente saudável.

Ao professor Dr. Lor, o nosso grande “mentor”, pelo seu apoio e participação direta em todos os aspectos da pesquisa (técnicos, teóricos, práticos, emocionais e motivacionais);

Ao prof. Dr Vincent Riccardi, que foi um grande incentivador e colaborador para as nossas pesquisas envolvendo a musica na NF1;

Às alunas e aos alunos de iniciação científica, que tanto contribuíram em todas as fases desta pesquisa, tanto na realização dos testes, no levantamento de novas perguntas de pesquisa, na tutoria das aulas de música, na construção da metodologia das práticas musicais e na elaboração dos trabalhos apresentados nos congressos: Ana Leticia Avila, Bruna Francielle Pereira, Gabriela Poluceno Pereira, Julia Lemes, Maila Araujo, Marina Silva Corgosinho, Thais Andreza , Vitória Perlin, Jamile Noele de Andrade, Matheus Coelho Rocha, Ana Nolli Merrighi e Sabrina Martins da Mata.

Agradeço em especial ao Bruno Messias Santos, músico e educador musical, que construiu o plano de atividades musicais adaptado às pessoas com NF1 e aos objetivos desse projeto, e ao Edinaldo Medina, que se voluntariou e deu as aulas de violino e piano. Sem eles, nada teríamos feito!

Ao amigo Rogério Souza-Cruz, pelo seu incentivo e por viabilizar a minha participação e apresentação dos resultados da pesquisa em dois congressos internacionais;

Às professoras Ana Lana e Marilia Nunes, e ao professor João Gabriel Marques da Fonseca que tiveram uma participação fundamental nas fases iniciais dessa pesquisa;

A todos os membros e colaboradores do CRNF, especialmente às Dras Pollyanna Batista, Danielle de Souza e prof. dra Juliana Souza, pelas suas importantes contribuições nos aspectos metodológicos da pesquisa;

Aos professores e professoras membros da banca de qualificação (dra. Sheila Andreoli Ballen; dr. Luiz Guilherme Darrigo Jr; Dr.João Gabriel Marques Fonseca; e Dra Thamara Suzi dos Santos) e da banca de defesa do doutorado (Dra. Lia Rejane Mendes Barcelos; dr. Fausto Aloisio Pimenta; dra. Juliana Ferreira de Souza; a Dra. Sheila Andreoli Balen; e dra Ludimila Labanca)  pelas excelentes discussões e questionamentos levantados, assim como por terem sido compreensivo(a)s frente ao contexto do curto prazo que tiveram para a análise do trabalho;

À Giorgete Viana, secretária da AMANF, cujo apoio foi imprescindível na fase final do doutorado, quando foi necessário a remarcação de vários atendimentos para a elaboração da tese;

À coordenação do PA do HC-UFMG e à coordenação do curso de medicina da UNIFENAS-BH, assim como a tantos colegas médicos e médicas, professoras e professores, que me ajudaram com trocas e mais trocas de plantão, além de substituição em aulas e em aplicações de provas, o que viabilizou a análise dos dados e escrita da tese em tão pouco tempo.

E a todos os meus amigos e amigas, em especial àquelas e àqueles que me incentivaram a seguir adiante, e que compreenderam que a minha ausência nos últimos tempos foi por um motivo nobre, e que em breve eu estaria novamente mais presente.

A música nunca parou. E não vai parar.

 

Bruno Cota, num Feliz Natal!!!

 

 

 

 

Foi divulgado recentemente (13/11/23) pela indústria farmacêutica NFlection Therapeutics que o medicamento que ela produziu na forma de gel, o NFX-179 apresentou resultados positivos numa pesquisa com neurofibromas cutâneos em pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1). 

Hoje foi divulgada uma palestra gravada pela indústria com apoio da Children’s Tumor Foundation, “prometendo” o lançamento comercial do medicamento para 2026 (ver aqui o link).

Talvez seja o medicamento Bimetinibe que já falamos na página da AMANF – ver aqui.

Vamos comentar abaixo o que cada um dos 4 pontos apresentados pela indústria significa para nossa comunidade NF.

Antes, precisamos dizer duas coisas:

  1. Qualquer medicamento que diminuir em algum grau os neurofibromas cutâneos é bem-vindo e se torna uma esperança, que merece ser estudada mais profundamente, para que seja encontrado o ou os medicamentos eficientes para a maioria das pessoas.
  2. Este resultado é um anúncio da indústria, que tem seus interesses financeiros , mas não é ainda a opinião da comunidade científica. Então os resultados do Gel  apresentados em folheto de propaganda precisam ser avaliados por outros cientistas e serem publicados numa revista científica honesta. Mesmo que este sistema de confirmação, como nos alerta a filósofa Isabelle Stenger, apresente fraudes e problemas de confiança – ele é o que dispomos no momento. Ver aqui mais informações sobre a importância de revisão dos resultados por outros cientistas.

Dito isso, o que significam estes resultados da indústria?

 

Ponto 1. Houve redução significativa no tamanho dos neurofibromas 

O objetivo primário de eficácia do estudo foi a resposta individual dos voluntários. 

O GEL foi considerado eficaz quando houve redução de pelo menos 50% no volume de neurofibroma cutâneo em cinco ou mais dos dez tumores tratados, após 6 meses de aplicação diária de Gel NFX-179.

Por exemplo, numa pessoa em que 6 de seus dez neurofibromas escolhidos diminuíram para a metade com o uso do gel, seu resultado foi considerado positivo.

A indústria diz que as respostas foram dependentes da dose da seguinte forma:

Gel com 1,5% do medicamento  – positiva em 44,2% das pessoas testadas 

Gel com 0,5% do medicamento – positiva em 34,8% das pessoas testadas 

Gel sem nenhum medicamento (placebo) – positiva em 24,1% das pessoas testadas 

Usando testes estatísticos, a indústria afirma que o Gel com 1,5% produziu mais respostas positivas do que o gel sem medicamento. Em outras palavras, o placebo (Gel sem nada) também produziu respostas positivas, mas o Gel com 1,5% diminuiu mais ainda. Então, consequentemente o Gel com 0,5% não é diferente do Gel placebo.

Assim, um pouco menos da metade das pessoas testadas mostrou redução em pelo menos 6 dos dez neurofibromas tratados, o que indica que a substância utilizada tem algum efeito sobre os neurofibromas.

No entanto, 1 em cada 4 pessoas também apresentou resposta positiva com o Gel sem nada, mostrando que o efeito real do medicamento deve ser menor do que aquele observado em 44,5% das pessoas com o Gel mais concentrado.

A indústria não divulgou o tamanho médio dos neurofibromas estudados, mas temos  observado que o tamanho médio da maioria deles é em torno de 3 a 5 mm de diâmetro. Como nenhum neurofibroma desapareceu completamente, o que teria sido comemorado no relato da indústria, um neurofibroma médio de 5 mm tratado com o Gel 1,5% passaria a ter cerca de 2 a 3 mm depois de 6 meses de tratamento. 

Diante desse resultado, nossa pergunta é se é possível a gente distinguir a olho nu esta diferença de 2 a 3 mm e se isto impactaria a aparência das pessoas com NF1 e sua qualidade de vida. 

 

Ponto 2. Seria o primeiro estudo a mostrar efeito de um medicamento sobre neurofibromas cutâneos

Sim, este estudo é o primeiro que encontra uma droga capaz de inibir uma via metabólica nas células (chamada via MEK), reduzindo assim o tamanho dos neurofibromas cutâneos. 

Mas já existe outro medicamento semelhante, o selumetinibe, estudado nos neurofibromas plexiformes. Aliás, gostaríamos de saber o que aconteceu com os neurofibromas cutâneos das pessoas que usaram o selumetinib para o plexiforme?

É importante avisar que o estudo com o Gel NFX-179 foi realizado por seis meses em  199 pessoas com NF1 distribuídas em 24 centros de investigação nos Estados Unidos, para saber a segurança e eficácia do medicamento. A própria indústria reconhece, portanto, que ainda não é o estudo definitivo para recomendar a comercialização do medicamento. 

De acordo com esta informação da indústria, em média, cada uma das 24 clínicas espalhadas pelos Estados Unidos testou apenas 8 pessoas com NF1 voluntárias e elas tiveram que ser distribuídas de forma aleatória entre os três grupos experimentais (Gel 1,5%, Gel 0,5% e Gel sem medicamento). 

Achamos que este é um número pequeno de voluntários em cada clínica, o que dá margem a certos problemas. Por exemplo, se foram escolhidos por sorteio para receberem o Gel para ninguém saber quem estava usando qual das dosagens e se seus médicos também não sabiam as dosagens de cada paciente (estudo duplo-cegado). 

Além disso, estudos realizados por consórcios (multicêntricos) são considerados de baixa qualidade científica (ver sistema GRADE) pois os critérios diagnósticos e os métodos de medida dos neurofibromas podem variar muito de uma clínica para outra. 

Apesar destas limitações, achamos que estes resultados com o NFX-179 justificam novas pesquisas, com um número maior de pessoas, para termos a segurança de que este primeiro resultado não aconteceu por acaso e que o medicamento deve funcionar bem na maioria das pessoas. Como a própria indústria afirma no Ponto 4, abaixo. 

Sobre a segurança do medicamento, que foi a justificativa para o estudo, os resultados indicam que o Gel foi bem tolerado e as concentrações plasmáticas do medicamento foram menores do que aquelas observadas para inibidores orais de MEK, que costumam apresentar efeitos colaterais.

 

Ponto 3. Outros desfechos secundários 

A indústria também diz que a redução do volume dos neurofibromas “foi altamente correlacionada com melhorias significativas relatadas pelos pacientes em seus neurofibromas cutâneos”. 

Gostaríamos de saber quais foram estas melhorias. 

Menor discriminação social porque 5 de dez neurofibromas ficaram menores? 

Menor timidez social das pessoas com NF1? 

Menor taxa de ansiedade? 

Mais autoestima? 

Como estas variáveis foram avaliadas? 

Aguardamos a publicação dos dados completos para sabermos se estes desfechos secundários foram realmente importantes para as pessoas com NF1. 

 

Ponto 4. Segundo a indústria, “os resultados de eficácia e tolerabilidade apoiam o avanço do programa NFX-179 Gel para o desenvolvimento da Fase 3 em 2024”.

Sim, esperamos que isto aconteça com estudos mais robustos cientificamente.

 

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Dr. Nilton Alves de Rezende

Dr. Bruno Cézar Lage Cota

 

 

Os testes genéticos podem ser úteis na orientação clínica das pessoas com neurofibromatose (ver aqui) e diante do resultado do painel genético indicando o diagnóstico de Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) as pessoas querem saber o que ele significa em termos de gravidade e quais as consequências e complicações que podem ocorrer.

Para conhecer os diferentes níveis de gravidade da NF1 clique aqui  e para lembrar as complicações possíveis clique aqui.

A NF1 é causada por alterações no DNA de uma pessoa, ou seja, no seu código genético.

 

Para quem conhece pouco sobre genética, faço uma rápida explicação sobre o código genético na NF1.

O código genético são sequências de letras (que representam substâncias químicas chamadas bases nitrogenadas A, C, T e G), que formam os genes que estão incluídos no DNA de uma pessoa.

Os genes são instruções para a produção das proteínas necessárias para a vida, por exemplo, a proteína neurofibromina, que é fundamental para o desenvolvimento do cérebro, da pele, dos ossos e músculos.

Imagine que numa criança o código do gene para formar a neurofibromina seriam as duas sequências de letras abaixo (vou trocar as letras A, C, T e G, por letras comuns do nosso alfabeto).

A primeira (em negrito), a criança recebeu de sua mãe (no óvulo) e a segunda recebeu de seu pai (no espermatozoide):

 

A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

 

Para a formação adequada da criança, as duas cópias (as duas frases) precisam estar escritas corretamente.

Agora, imagine que houve um erro de cópia do DNA na formação do espermatozoide e o código paterno veio faltando algumas letras, o que chamamos de variante (antes era chamada de mutação):

 

A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

 

Quando isso acontece, o código materno sozinho precisa produzir neurofibromina correta para o desenvolvimento da criança. Mas essa quantidade de neurofibromina materna geralmente não é suficiente e então surgem as manifestações da NF1 (manchas, dificuldades de aprendizado, tumores etc.).

No exemplo acima, a variante foi a perda de um pedaço do gene (que chamamos de deleção) no material genético paterno (90% das vezes), mas pode ocorrer também no material genético materno (10% das vezes) e, nesse caso, geralmente a NF1 se manifesta de forma mais grave.

Além das deleções, as variantes podem ser de outros tipos, como a troca ou inclusão de uma ou mais letras, que também produzem proteínas defeituosas.

Quando a variante não atrapalha muito a neurofibromina e o funcionamento das células é normal, chamamos de variante benigna. Ou seja, a NF1 não se manifestará.

Quando a variante causa a neurofibromina defeituosa, ela produz sinais e sintomas da NF1, então chamamos de variante patogênica (“pato” quer dizer doença e “gênica” quer dizer que dá origem).

Entre as variantes benignas e patogênicas existem outras com menor certeza de que produzirão a NF1 e são chamadas de “provavelmente benignas (90% de chance)”, ou “de significado incerto (50% de chance)” ou “provavelmente patogênicas (90% de chance de aparecerem manifestações da NF1).

 

Com estes conhecimentos acima, podemos compreender se existe relação entre a alteração genética encontrada no exame e as manifestações da NF1.

 

Sim, em cerca de 10 a 15% das pessoas com NF1 o exame genético pode oferecer informações sobre como a doença pode evoluir (ver aqui o artigo original em inglês sobre isso).

Dentre as 3.197 variantes já conhecidas no gene NF1 (até 2022), apenas 4 tipos de alterações genéticas são variantes que comprovadamente indicam manifestações clínicas mais graves ou menos graves.

Além destas 4, a maioria das demais variantes produz proteínas defeituosas que geram as manifestações clínicas variáveis e imprevisíveis nas pessoas com NF1.

Manifestações clínicas mais graves

  • Deleções completas do gene são as mais conhecidas e causam os casos mais graves (5 a 10% de todas as pessoas com NF1). Para saber mais sobre as manifestações clínicas mais graves das deleções clique aqui (artigo em inglês).
  • Um grupo de variantes nos códons 844-848, que ocorrem em 1,6% das pessoas com NF1 e que mudam o sentido da proteína (misense). Isto causa manifestações clínicas mais graves em 75% das pessoas que possuem estas variantes. Para saber mais clique aqui (artigo em inglês).

Manifestações clínicas menos graves

  • A variante descrita nos laudos como 2970-72delATT – p.Met992del é encontrada em cerca de 0,78% das pessoas com NF1. Elas apresentam apenas manchas café com leite, efélides axilares e metade delas apresenta dificuldades cognitivas, mas não apresentam neurofibromas, nem gliomas e nem transformações malignas (ver aqui mais informações – artigo em inglês). Assim, as manifestações desta variante são muito semelhantes às das pessoas com Síndrome de Legius, então, sempre que pensarmos em Legius podemos considerar a análise genética.
  • Variante descrita no laudo como 5425C>T – p.Arg1809Cys – encontrada em cerca de 1,2% das pessoas com NF1, que produz apenas manchas café com leite, baixa estatura, dificuldades cognitivas e estenose pulmonar, mas sem neurofibromas (Ver aqui e aqui mais informações sobre as manifestações clínicas desta variante – artigos em inglês).

Se não for uma destas 4 variantes acima, por enquanto, todas as demais podem apresentar as diversas manifestações clínicas da NF1, além das manchas café com leite e efélides.

É importante lembrar que, independentemente do tipo de variante, a maioria das pessoas apresenta apenas algumas das manifestações da NF1 e raríssimas pessoas apresentam todas as manifestações da doença (ver aqui).

 Outras variantes com possível relação com as manifestações clínicas, mas ainda não confirmadas:

  • Variante p.Met1149  apenas manchas café com leite (aqui)
  • Variante p.Arg1038Gly apenas manchas café com leite (ver aqui).
  • Variante p.Arg1276 relacionada com neurofibromatose espinhal familial (ver aqui).
  • Pessoas com NF1 e com gliomas ópticos e determinado tipo de variante (ver aqui).
  • Pessoas com NF1 e estenose pulmonar (ver aqui).
  • Algumas variantes talvez relacionadas com dificuldades cognitivas (ver aqui)
  • Variantes p.Arg1276 e p.Lys1423 talvez associadas a características da Síndrome de Noonan com anormalidades cardiovasculares (aqui)
  • Variante p.R1241* associada com alterações cerebrais estruturais (ver aqui)
  • Variante p.Y2285* relacionada com muitos nódulos de Lisch e problemas endocrinológicos (ver aqui)
  • Veja outras estão em estudo (ver aqui), além de uma série de variantes já descritas nas pessoas com NF1 ( clique aqui).

Outras correlações genéticas com a NF1

Um estudo realizado na China recentemente que tentou encontrar relações entre as manifestações clínicas com as variantes conhecidas no gene NF1 (ver aqui – em inglês).

No geral, a equipe de cientistas chegou às mesmas conclusões acima, mas apresentou algumas correlações da clínica com a genética que resumo abaixo e que precisam ser discutidas:

  • Sugerem realizar sempre o painel genético em toda criança menor de 2,5 anos e com manchas café com leite.
  • Suspeitam que a presença de Nódulos de Lisch seja sugestiva de variantes mais patogênicas.
  • Os neurofibromas plexiformes volumosos (mais de 3 litros) são 16 vezes mais comuns nas deleções e a presença de variante patogênica no gene SUZ12 aumenta a chance de transformação maligna.
  • As dificuldades cognitivas parecem relacionadas com a isoforma 1 da neurofibromina expressa em alguns exons específicos.
  • A displasia periapical do cemento dentário ocorre em 35% das mulheres com NF1, mas não em homens.
  • Gliomas ópticos são mais comuns em mulheres.
  • Alterações ósseas graves estão associadas com deleções e com variantes que mudam o sentido da proteína (frameshift).
  • Retomaram a relação entre Vitamina D baixa e neurofibromas cutâneos.
  • Sugerem relação entre transformação maligna e variantes nos códons 844-848 (ver acima).
  • A relação entre câncer e NF1 parece clara no câncer de mama, mas ainda é controversa na leucemia mieloide crônica e precisa ser mais estudada.

 

Agradeço ao geneticista Dr. Salmo Raskin, que me inspirou e orientou nesta revisão