Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
Continuando a divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o a segunda parte do excelente texto da Dra. Vanessa Waisberg, doutora em oftalmologia, que tem sido uma colaboradora incansável do CRNF, atendendo pessoas com NF1 e Schwannomatose relacionada ao gene NF2, que foi justamente o tema de seu doutorado e prêmio nacional de oftalmologia. Agradecemos muito por mais esta colaboração e publicaremos a segunda parte (Problemas Oftalmológicos nas Schwannomatoses) na próxima semana.
Dr. Lor
Dra. Vanessa Waisberg
Oftalmologista com doutorado em
Medicina Molecular pela UFMG
Introdução
O olho e seus anexos estão frequentemente envolvidos nas Schwannomatoses, entretanto o envolvimento ocular é mais comum na Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (SWN-NF2) antes denominada NF2.
Schwannomatose Relacionada ao gene NF2
Um espectro bem definido de manifestações oculares está associado à SWN-NF2. As anormalidades oculares associadas são catarata, hamartomas retinianos, membranas epirretinianas (MER), estrabismo e meningioma da bainha do nervo óptico, como veremos abaixo.
Em crianças com a forma mais grave da doença, as alterações oftalmológicas como estrabismo, catarata, membrana epirretiniana e hamartoma retiniano geralmente estão presentes antes da apresentação neurológica característica e o reconhecimento de tais alterações pode ajudar a reduzir o atraso no diagnóstico dos pacientes com SWN-NF2.
Catarata Juvenil
A catarata aparece em cerca de 60% a 80% dos pacientes e é o principal critério diagnóstico oftalmológico da doença. Tem aspecto característico, com localização subcapsular posterior e/ou cortical. As cataratas geralmente são identificadas na primeira ou segunda década e progridem lentamente ao longo da vida.
Figura 1 A – Catarata subcapsular posterior em um paciente de 17 anos com SWN-NF2. B – Catarata em um paciente de 50 anos portador de SWN-NF2.
Hamartomas Retinianos
Os hamartomas de retina fazem parte dos critérios diagnósticos da SWN-NF2 desde 2021. Hamartomas de retina são tumores benignos que evoluem lentamente. Geralmente são pequenos, estáveis e não comprometem a visão.
Os hamartomas são identificados no exame de fundo de olho e geralmente aparecem como lesões nodulares e esbranquiçadas, às vezes discretas, e estão associados às formas mais agressivas da doença.
Figura 2. Exemplos de hamartomas de retina em pacientes com SWN-NF2
Membrana Epirretiniana
A membrana epirretiniana (MER) associada a SWN-NF2 tem caraterísticas únicas que a diferencia da MER que ocorrem de forma isolada em pacientes acima de 50 anos. A MER está associada às formas mais graves da NF2 e foi incluída como critério diagnóstico da SWN-NF2 em 2021.
Na SWN-NF2, a MER é espessa e possuiu um aspecto característico em forma de chama de vela que se estende para a cavidade vítrea. Sua localização mais comum é na região central da retina, a mácula, e tende a permanecer estável ao longo da vida, prejudicando pouco a visão, apesar de sua localização central.
Figura 3. Membrana epirretiniana em “chama de vela”.
Estrabismo
O estrabismo geralmente aparece nos primeiros anos de vida e muitas vezes é a primeira manifestação da SWN-NF2. O estrabismo aparece em cerca de 50% dos pacientes e geralmente está associado as formas graves da doença. O estrabismo pode ser restritivo, quando associado a tumores, ou paralítico, quando associado as paralisias do III, IV ou VI nervo craniano. O tratamento da ambliopia e os resultados cirúrgicos nem sempre são satisfatórios.
Meningioma da Bainha do Nervo Óptico
Os meningiomas da bainha do nervo óptico (MBNO) são tumores benignos que podem ser primários do nervo óptico ou serem secundários a um meningioma próximo ao nervo óptico. Na população geral os MBNO representam cerca de 1% de todos os meningiomas. A acuidade visual tipicamente reduz ao longo dos anos.
A maioria dos pacientes com MBNO associado à SWN-NF2 apresentam redução da mobilidade ocular e baixa acuidade visual precocemente. A acuidade visual geralmente fica reduzida no olho afetado e o tratamento na maioria dos casos só está indicado quando ocorre protrusão significativa do globo ocular.
Figura 4. Ilustração evidenciando a diferença do MBNO primário e do meningioma secundário a um meningioma adjacente.
Schwannomatoses não associadas ao geneNF2
O envolvimento ocular nas Schwannomatoses não associadas ao gene NF2 é pouco comum e ocorre pela presença de schwannoma orbitário ou palpebral, sendo os orbitários mais frequentes que os palpebrais.
Nos pacientes que apresentam sintomas como, dor, proptose, diplopia ou redução da acuidade visual, o tratamento é cirúrgico e existe risco de recorrência dos schwannomas orbitários.
As alterações oculares associadas à SWN-NF2, como a catarata juvenil, hamartoma de retina e MER, não são descritas nas outras Schwannomatoses.
Referências:
- Plotkin SR, Messiaen L, Legius E, Pancza P, Avery RA, Blakeley JO, Babovic-Vuksanovic D, Ferner R, Fisher MJ, Friedman JM, Giovannini M, Gutmann DH, Hanemann CO, Kalamarides M, Kehrer-Sawatzki H, Korf BR, Mautner VF, MacCollin M, Papi L, Rauen KA, Riccardi V, Schorry E, Smith MJ, Stemmer-Rachamimov A, Stevenson DA, Ullrich NJ, Viskochil D, Wimmer K, Yohay K; International Consensus Group on Neurofibromatosis Diagnostic Criteria (I-NF-DC); Huson SM, Wolkenstein P, Evans DG. Updated diagnostic criteria and nomenclature for neurofibromatosis type 2 and schwannomatosis: An international consensus recommendation. Genet Med. 2022 Sep;24(9):1967-1977.
- Kaye LD, Rothner AD, Beauchamp GR, Meyers SM, Estes ML. Ocular findings associated with neurofibromatosis type II. 1992: 99 (9): 1424-9.
- Bosch MM, Boltshauser E, Harpes P, Landau K. Ophthalmologic findings and a long-term course in patients with neurofibromatosis type 2. Am J Ophthalmol 2006:141 (6): 1068-1077.
- Feucht M, Griffiths B, Niemüller I, Haase W, Richard G, Mautner VF. Neurofibromatosis 2 leads to higher incidence of strabismological and neuro-ophthalmological disorders. Acta Ophthalmol 2008: 86 (8): 882-886.
- Landau K, Yasargil GM. Ocular fundus in neurofibromatosis type 2. Br J Ophthalmol 1993: 77: 646-649.
- Meyers SM, Gutman FA, Kaye LD, Rothner AD. Retinal changes associated with neurofibromatosis 2. Trans Am Ophthalmol Soc. 1995: 93: 245- 257.
- Feutch M, Kluwe Lan, Mautner V, Richard G. Correlation of nonsense and frameshift mutations with severity of retinal abnormalities in neurofibromatosis 2. Arch Ophthalmol 2008: 126 (10): 1376-1380
- Sisk RA, Berrocal AM, Schefler AC, Dubovy SR, Bauer MS. Epirretinal membranes indicate a severe phenotype of neurofibromatosis type 2. Retina 2010: 30: 51-58.
- Evans, D.G., Mostaccioli, S., Pang, D. et al.ERN GENTURIS clinical practice guidelines for the diagnosis, treatment, management and surveillance of people with schwannomatosis. Eur J Hum Genet 30, 812–817 (2022).
Damos continuidade à divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentando hoje o texto excelente de dois nutricionistas, Dra. Aline e Dr. Márcio, que realizaram seus mestrados e doutorados envolvendo pessoas atendidas em nosso CRNF e contribuíram de forma importante e original internacionalmente para nossos conhecimentos sobre os problemas nutricionais nas pessoas com NF1. Agradecemos a sua colaboração neste tema tão interessante em nossa comunidade.
Dr. Lor
Aline Stangherlin Martins e Marcio Leandro Ribeiro de Souza
Nutricionistas e Doutores
no Programa de Pós Graduação
em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto
da Faculdade de Medicina da UFMG
As características nutricionais na NF1 começaram a ser estudadas recentemente e ainda são pouco conhecidas. Muitos fatores e características relacionadas à nutrição ainda precisam ser investigados nessa doença. A pesquisa de Souza e colaboradores, realizada no Centro de Referência em Neurofibromatoses de Minas Gerais, foi o primeiro estudo publicado que avaliou aspectos da alimentação em indivíduos com NF1, mais precisamente o consumo alimentar e a ingestão de nutrientes em indivíduos com a doença (SOUZA et al., 2015). Segundo os autores, 72% dos pacientes não atingiram suas recomendações de energia, especialmente os homens. Também foi observado uma ingestão inadequada de vitamina D, magnésio, cálcio e vitamina B6, tanto em homens quanto mulheres com a doença, e 100% dos participantes consumiram excesso de sódio. Os pacientes com NF1 não consumiram quantidades adequadas de fibras alimentares, vitamina A e vitamina C e foi observado um consumo excessivo de gordura saturada e lipídios. É importante observar que esse estudo foi apenas descritivo e não houve comparação com indivíduos sem a doença. Os autores discutem que o perfil de ingestão alimentar é ruim na NF1, assim como também é observado na população em geral (SOUZA et al., 2015).
Em uma comparação de ingestão de nutrientes entre indivíduos com NF1 e controles não acometidos pela doença, Souza e colaboradores observaram que o grupo NF1 apresentou um consumo menor de cálcio, ferro e vitamina A e um consumo maior de sódio, ácidos graxos poli-insaturados e ácido linoleico (ômega 6), quando comparado ao consumo do grupo controle. Não houve diferença entre os grupos para o consumo dos demais nutrientes. Nutrientes como cálcio, ferro, vitamina A, sódio e ômega 6 são relacionados normalmente com a saúde óssea, porém nesse estudo não houve correlação entre a ingestão de nutrientes e as características de baixa massa óssea e baixa densidade mineral óssea na NF1, observadas nesse estudo (SOUZA et al., 2020a).
Enquanto os estudos citados anteriormente avaliaram o consumo de nutrientes de forma isolada, Vilela e colaboradores avaliaram o padrão alimentar de adultos brasileiros com NF1. Nesse estudo, os autores observaram que 53,3% dos indivíduos com NF1 apresentaram um padrão alimentar ocidental, caracterizado por um consumo maior de alimentos não saudáveis, como margarina, maionese, sobremesas, frituras, embutidos, bebidas artificiais e alcoólicas. Nesse estudo, os indivíduos com NF1 e padrão alimentar ocidental apresentaram área muscular do braço menor que no grupo com padrão alimentar saudável, indicando que a alimentação ou dieta pode contribuir, mesmo em partes, para o fenótipo muscular comumente observado em indivíduos com NF1 (VILELA et al., 2020).
Enquanto estudos de avaliação da alimentação na NF1 são escassos, a maior parte dos estudos nessa doença apresentam parâmetros antropométricos como índice de massa corporal (IMC), peso, estatura e perímetro cefálico como características do estado nutricional nessa população, porém as prevalências e valores dessas variáveis não apresentam um consenso entre os estudos e, portanto, requerem uma investigação padronizada (SZUDEK; BIRCH; FRIEDMAN, 2000; TROVO-MARQUI et al., 2005; SOUZA et al., 2009; PETRAMALA et al., 2012).
A baixa estatura é mais frequente em indivíduos com NF1 quando comparados com pessoas sem a doença (MARTINS et al., 2016; MARTINS et al., 2018; SOUZA et al., 2019; SOUZA et al., 2020a). Souza e colaboradores encontraram 60% de baixa estatura (percentil menor que 5) e 54% de macrocrania (percentil maior que 95) em seu estudo com 183 pacientes com idades entre 1 e 67 anos comparada com curvas e tabelas para a população não acometida pela doença (SOUZA et al., 2009). Esses valores de baixa estatura e macrocrania diferem um pouco de outras pesquisas na NF1, todas estas realizadas com faixas etárias diferentes. Szudek e seus colaboradores encontraram 13% de baixa estatura e 24% de macrocrania em 569 crianças brancas americanas com NF1, o que resultou na elaboração de curvas de crescimento desses dois parâmetros para essa população (SZUDEK; BIRCH; FRIEDMAN, 2000). Trovó-Marqui e colaboradores também observaram baixa estatura em 40% dos seus pacientes com NF1, considerando valores de percentil menor que 3 e macrocrania em 51% dos indivíduos com a doença (percentil maior que 98) (TROVO-MARQUI et al., 2005). No estudo de Souza e colaboradores (2016), a prevalência de baixa estatura foi de 28,3%.
Na NF1, o IMC também apresenta valores diferentes quando se comparam os estudos. Petramala e colaboradores observaram IMC reduzido em 70 indivíduos com NF1 quando comparados a 40 voluntários sem a doença. As taxas de desnutrição, ou seja, indivíduos com IMC menor que 18,5 kg/m2, não foram descritas no estudo. Esse mesmo estudo mostrou apenas 5% de baixa estatura e 5% de macrocrania nos indivíduos avaliados (PETRAMALA et al., 2012). Rodrigues e colaboradores demonstraram estatura significativamente mais baixa para homens e mulheres com NF1 quando comparados a voluntários sem a doença. Esse mesmo estudo ainda encontrou diferença significativa com relação ao IMC, uma vez que o IMC de mulheres com NF1 foi maior que o IMC de controles saudáveis, contrariando o estudo de Petramala e colaboradores (2012) citado anteriormente, que encontrou IMC reduzido em indivíduos com NF1 comparados ao grupo controle (RODRIGUES et al., 2013).
O estudo de Koga e colaboradores buscou avaliar as características antropométricas (estatura e IMC) de 96 adultos japoneses com NF1 comparados a 288 voluntários não acometidos pela doença. A estatura foi menor na NF1 comparada aos controles. Quando estratificado por idade, as diferenças foram estatisticamente significativas para homens com idade entre 20 e 49 anos e mulheres de 30 a 39 anos. Por sua vez, o IMC dos homens com NF1 foi menor que o grupo controle. Não houve diferença entre as mulheres (KOGA et al., 2014). Essas mesmas características também foram confirmadas em outro estudo que buscava avaliar características metabólicas, nutricionais e musculares em japoneses com NF1 (KOGA; YOSHIDA; IMAFUKU, 2016). É interessante observar que existem divergências de resposta quando se analisa homens ou mulheres com NF1 para IMC e a justificativa para essa diferença precisa ser melhor investigada.
Martins e colaboradores encontraram menor peso e menor estatura em indivíduos com NF1 comparados com o grupo controle. Não houve diferenças no IMC, uma vez que os indivíduos foram pareados por essa variável (MARTINS et al., 2018). Outros estudos também não encontraram diferenças no IMC de indivíduos com NF1 quando comparados com pessoas sem a doença (SOUZA et al., 2019; SOUZA et al., 2020a). O estudo de Souza e colaboradores demonstrou que o baixo peso esteve presente em 10% dos voluntários avaliados e o excesso de peso em 31,7%. O IMC médio dos indivíduos com NF1 (23,86 ± 4,73 kg/m2) nesse estudo foi classificado como normal (eutrófico), da mesma forma que foi demonstrado no estudo de Petramala e colaboradores, com IMC médio de 22,5 ± 4,3 kg/m2, também em voluntários com NF1 (PETRAMALA et al., 2012; SOUZA et al., 2016).
De uma maneira geral, percebe-se que peso e estatura baixos são características clínicas comuns na NF1 com bastante variação nas prevalências entre os estudos, porém uma melhor investigação sobre os compartimentos corporais é necessária. Quanto à composição corporal na NF1, os estudos são ainda mais escassos e com resultados discrepantes. O estudo de Souza e colaboradores é um dos poucos estudos que abordaram especificamente a composição corporal na NF1, embora tenha usado métodos mais simples (dobras cutâneas e equações preditivas) para essa avaliação, e não utilizou um grupo controle, o que limita as conclusões. A área muscular do braço foi considerada baixa em 43,3% dos voluntários desse estudo, achado presente em 51,7% dos homens e 35,5% das mulheres. O percentual de gordura foi classificado como alto em 30% da amostra (SOUZA et al., 2016). Stevenson e colaboradores, em estudo realizado na Universidade de Utah, utilizaram a tomografia computadorizada periférica quantitativa para comparar os ossos e a musculatura esquelética de 40 crianças com NF1 e 380 voluntários não acometidos pela doença, com idades entre 5 e 18 anos. Este estudo demonstrou que crianças portadoras de NF1 apresentam menor área de secção transversal muscular que seus controles, porém sem maiores detalhamentos quanto à fisiopatologia deste achado (STEVENSON et al., 2005).
O método considerado padrão-ouro para avaliação da composição corporal é a absorciometria com raios-X de dupla energia (DXA). Estudos usando DXA para avaliação da massa magra ou composição corporal na NF1 não são encontrados facilmente. A maior parte dos estudos que utilizam a densitometria nessa doença avaliam apenas as características ósseas na doença, sem detalhamento dos compartimentos corporais. Dulai e colaboradores usaram a DXA em 23 crianças com NF1 com idades entre 5 e 17 anos, e o objetivo principal era avaliar a densidade mineral óssea que foi menor nestes voluntários. Os autores citam que a massa magra total ajustada pela altura foi normal, mas com uma diminuição do conteúdo mineral ósseo relativo à massa magra (DULAI et al., 2007). O estudo de Souza e colaboradores (2019) avaliou a composição corporal de adultos com NF1 através do DXA e não observou diferenças para percentual de gordura, massa gorda e massa magra quando comparados com indivíduos sem a doença. Porém a massa magra apendicular ajustada pelo IMC foi menor nos indivíduos com NF1. Esse estudo também demonstrou massa óssea e força muscular reduzidas em indivíduos com NF1, características comumente observadas nessa população (SOUZA et al., 2019).
Esses resultados divergentes entre os estudos reforçam a importância de uma investigação padronizada desses achados e de estudos que busquem entender as diferenças. Estudo em modelo animal encontrou os mesmos resultados e reforçou esses achados antropométricos e metabólicos observados nos indivíduos com NF1 (TRITZ et al., 2021).
O estudo de Souza e colaboradores demonstrou um gasto energético de repouso (GER) aumentado em indivíduos com NF1 após ajuste por peso ou massa magra ou massa magra apendicular (SOUZA et al., 2019). A hipótese inicial dos autores era que o GER fosse menor em indivíduos com NF1, uma vez que são indivíduos menores em tamanho (menor peso e estatura) e com menor massa muscular, características também demonstradas neste estudo, porém o GER aumentado foi observado na NF1 quando comparados com indivíduos sem a doença. O GER é influenciado por fatores como massa muscular, massa gorda, peso, idade, sexo, níveis de adipocinas como leptina e adiponectina, alterações metabólicas em processos patológicos, como hipo ou hipertireoidismo, entre outros (NIELSEN et al., 2000; JOHNSTONE et al., 2005; HALL et al., 2012; PSOTA; CHEN, 2013). Esse aumento de GER assemelha-se ao estudo de Leoni e colaboradores, realizado com a Síndrome de Costello, também uma Rasopatia, no qual os autores observaram um aumento de GER em indivíduos acometidos pela doença (LEONI et al., 2016). As causas para esse aumento de GER na NF1 precisam ser melhor investigadas e discutidas.
Pensando na assistência ao indivíduo com NF1 pelos profissionais de saúde, o estudo de Souza e colaboradores comparou 8 equações preditivas comumente usadas na prática clínica para estimar o GER com a calorimetria indireta (padrão-ouro) e observou que todas elas subestimam o GER em indivíduos com NF1 (SOUZA et al., 2020b). Em outro estudo, Souza e colaboradores fizeram uma comparação de equações que usam bioimpedância elétrica ou dobras cutâneas para avaliação da composição corporal com o método padrão-ouro DXA e observaram que as equações de bioimpedância elétrica apresentaram melhor adequação e acurácia, embora todas precisem ser usadas com cautela na NF1 (SOUZA et al., 2020c).
Alguns nutrientes são estudados de forma isolada na NF1. Um estudo demonstrou que indivíduos com NF1 apresentaram níveis séricos mais baixos de vitamina B12 quando comparados com indivíduos não acometidos pela doença (AYDIN; BUCAK, 2021). Outro nutriente comumente estudado na NF1 é a vitamina D. Alguns estudos observaram níveis reduzidos de vitamina nessa população e alguns estudos estudam discutem a importância dessa vitamina para o indivíduo com NF1, uma vez que pode atuar na saúde muscular e óssea, comumente afetados nos pacientes com essa doença (LAMERT et al., 2006; TUCKER et al., 2009; RICCARDI et al., 2020). Porém uma meta-análise recente não encontrou diferenças estatísticas nos níveis de vitamina D na NF1 e os autores sugerem que as alterações ósseas na NF1 podem ser resultantes de um mecanismo independente de vitamina D (KASPIRIS et al., 2024). Outro estudo demonstrou que os níveis de oito aminoácidos estavam alterados em indivíduos com NF1. Os autores demonstraram que arginina, glutamina, asparagina, serina e aspartato estavam aumentados nos indivíduos com a doença, enquanto cistina e prolina estavam reduzidos (OZ; KOYUNCU; GONEL, 2022).
Associado as características nutricionais já demonstradas, pesquisadores do CRNF observaram uma menor incidência de pacientes com diabetes Mellitus tipo 2 (DM) nos pacientes atendidos. Esse dado chamou a atenção dos profissionais, uma vez que o DM é uma doença altamente prevalente na população brasileira. Em revisão da literatura, verificou-se que dados apontavam para uma menor ocorrência de DM em pacientes com NF1 (ZAKA-UR-RAB; CHOPRA, 2005; OZHAN; OZGUVEN; ERSOY, 2013; MADUBATA et al., 2015).
Foram encontrados dois estudos apresentando relatos de caso envolvendo indivíduos com NF1, mas ambos relatavam que a associação entre DM1 e NF1 é pouco comum (ZAKA-UR-RAB; CHOPRA 2005; OZHAN; OZGUVEN; ERSOY, 2013). Um estudo desenvolvido a partir da análise de banco de dados, mostrou que pessoas com NF1 apresentaram uma chance significativamente menor de ter DM do que pessoas sem a doença (OR:0,4, IC95%: 0,3 – 0,4). Nesse estudo, foram incluídos pacientes com DM tipo1 e DM tipo 2 (MADUBATA et al., 2015).
Com objetivo de esclarecer sobre a menor frequência de diabetes em pacientes com NF1, Martins e colaboradores avaliaram a glicemia de jejum de 57 pacientes atendidos no CRNF. Os pacientes selecionados com NF1 foram pareados com controles não-NF1 selecionados do Estudo Longitudinal Brasileiro de Adultos Saúde de acordo com sexo, idade (35–74 anos) e índice de massa corporal (IMC) na proporção de 1:3. Em ambos os grupos, foram excluídos indivíduos com DM. O nível mediano de glicemia de jejum no grupo NF1 (86 mg/dl (intervalo, 56-127 mg/dl)) foi inferior ao do grupo de controle não-NF1 (102 mg/dl (intervalo, 85–146 mg/dl)) (P<0,001). A prevalência de glicemia de jejum >100 mg/dl no grupo NF1 (16%) foi menor do que no grupo controle não-NF1 (63%) (P<0,05). A chance de um alto nível de glicemia de jejum foi 89% menor no grupo NF1 (odds ratio, 0,112; IC 95%, 0,067–0,188) (P<0,05). Os autores concluíram que, adultos com NF1 apresentaram menores níveis de glicemia de jejum e menor prevalência de alto nível de glicemia de jejum em comparação com controles não-NF1 (MARTINS et al., 2016).
Diante dos dados que apontavam para menor frequência de DM e menor glicemia de jejum em pacientes com NF1, Martins e colaboradores desenvolveram uma pesquisa com objetivo de comparar a resistência à insulina (RI), que é um preditor para o desenvolvimento de diabetes, e alguns aspectos metabólicos que possuem relação com DM de pacientes com NF1 e indivíduos sem a doença. Foram avaliados 40 pacientes com NF1 pareados por sexo, idade e IMC a 40 controles da comunidade. Amostras de sangue foram coletadas para avaliação bioquímica. Avaliação do modelo de homeostase adiponectina (HOMA-AD), modelo de avaliação de homeostase resistência à insulina (HOMA-IR) e razão adiponectina/leptina (RAL) foram usados para identificar RI. Foram avaliados também os níveis de adipocitocinas leptina, visfatina, resistina e adiponectina. Os pesquisadores observaram que o valor HOMA-AD foi significativamente menor e a RAL significativamente maior no grupo NF1. Os níveis de glicemia de jejum, leptina e visfatina de pacientes com NF1 foram significativamente mais baixos e os níveis de adiponectina foram significativamente mais elevados do que os dos controles. Os autores concluíram que os níveis mais baixos de glicemia de jejum, leptina, visfatina e HOMA-AD, e níveis mais elevados de adiponectina e ALR podem estar relacionados ao aumento da sensibilidade à insulina e menor ocorrência de diabetes mellitus tipo 2 em pacientes com NF1 (MARTINS et al., 2018).
Em 2020, um estudo realizado por Kallionpää e colaboradores com 1410 pacientes, também observou menores taxas de DM2 em pacientes com NF1, corroborando as pesquisas realizadas no CRNF–MG (KALLIONPAA et al., 2021).
Estudos de intervenção nutricional na NF1 ou mesmo estudos que testaram a utilização de dieta ou nutrientes isolados na observação de características clínicas da doença são escassos. Como exemplo, pode-se citar o ômega 3. Mashour e colaboradores demonstraram in vitro que a utilização de ácidos graxos, principalmente ácido docosaexaenoico (DHA) e ácido araquidônico, pode representar possíveis substâncias reguladoras do desenvolvimento de TMBNP, resultantes da malignização de neurofibromas plexiformes (MASHOUR et al., 2005).
Um fenótipo comumente observado na NF1 é a força muscular reduzida, observado também no estudo de Souza e colaboradores (SOUZA et al., 2019). Segundo Sullivan e colaboradores, em um estudo com modelo animal, a perda da neurofibromina no músculo esquelético resulta em uma miopatia metabólica associada com acúmulo de gordura intramiocelular, aumento de triglicerídeos e aumento da atividade da ácido graxo sintase, e desregulação da função mitocondrial nesses músculos (SULLIVAN et al., 2014). Ainda pensando em prováveis mecanismos para explicar esse fenótipo de força muscular reduzida na NF1, Summers e colaboradores analisaram biópsias musculares de 6 crianças com NF1 e observaram fibrose e infiltração de células mononucleares, além de um considerável acúmulo de lipídio intramiocelular em todas as amostras, que apresentou correlação com redução da expressão da neurofibromina. A partir dessas observações, os autores testaram modelos animais que reproduziram todas as características patológicas observadas nas biópsias musculares humanas. Os animais apresentaram também acúmulo de lipídio intramiocelular que foi fortemente correlacionado com uma fraqueza muscular. Os autores, na sequência, testaram uma dieta enriquecida com ácidos graxos de cadeia média, reduzida em ácidos graxos de cadeia longa (AGCL) e aumentada em carnitina na dose de 300mg/kg/dia nesses modelos animais. Após 8 semanas, no grupo que recebeu AGCM e carnitina, houve um aumento de 45% na força muscular e redução de 71% no acúmulo de lipídio intramiocelular (SUMMERS et al., 2018). Essa associação da L-carnitina com ácidos graxos de cadeia média confirmou esses achados em um estudo clínico de fase 2 com crianças com NF1 e os autores sugerem que mais estudos em humanos testem essa estratégia para recuperação da força muscular (VASILJEVSKI et al., 2020; VASILJEVSKI et al., 2021). E um estudo em modelo animal observou que essa estratégia pode contribuir para melhorar a qualidade e porosidade óssea na NF1, o que precisa ser confirmado em humanos (O’DONOHUE et al., 2024).
Por fim, existem ainda estudos, por exemplo, associando constipação com a NF1, o que requer mais estudos (SRIDHAR et al., 2013; PEDERSEN et al., 2013; EJERSKOV et al., 2017). Outro estudo avaliou a presença de transtornos alimentares, como bulimia e anorexia, em indivíduos com NF1, uma vez que alterações dermatológicas da doença podem contribuir para distorções ou insatisfações com a imagem corporal (CHIAVARINO et al., 2023). Provavelmente no futuro novos achados e associações entre a doença e aspectos nutricionais podem aparecer e mais estudos se fazem necessários.
REFERÊNCIAS
AYDIN, H.; BUCAK, I.H. Neurofibromatosis type 1 and vitamin B12. Journal of the College of Physicians and Surgeons Pakistan, v. 31, n. 3, p. 353-355, 2021.
CHIAVARINO, F. et al. Eating disorders in Young patients with neurofibromatosis type 1. Journal of Paediatrics and Child Health, v. 59, n. 5, p. 723-728, 2023.
DULAI, S. et al. Decreased bone mineral density in neurofibromatosis type 1: results from a pediatric cohort. Journal of Pediatric Orthopedics, v. 27, n. 4, p. 472-475, 2007.
EJERSKOV, C. et al. Constipation in adults with neurofibromatosis type 1. Orphanet Journal of Rare Diseases, v. 12, n. 1, p. 139, 2017.
HALL, K.D. et al. Energy balance and its components: implications for body weight regulation. The American Journal of Clinical Nutrition, v. 95, n. 4, p. 989-994, 2012.
JOHNSTONE, A.M. et al. Factors influencing variation in basal metabolic rate include fat-free mass, fat mass, age, and circulating thyroxine but not sex, circulating leptin, or triiodothyronine. The American Journal of Clinical Nutrition, v. 82, n.5, p. 941-948, 2005.
KALLIONPÄÄ, R.A. et al. Haploinsufficiency of the NF1 gene is associated with protection against diabetes. Journal of Medical Genetics, v. 58, n. 6, p. 378-384, 2021.
KASPIRIS, A. et al. Bone mineral density, vitamin D and osseous metabolism indices in neurofibromatosis type 1: a systematic review and meta-analysis. Bone, v. 180, p. 116992, 2024.
KOGA, M. et al. Anthropometric characteristics and comorbidities in Japanese patients with neurofibromatosis type 1: a single institutional case-control study. The Journal of Dermatology, v. 41, n. 10, p. 885-889, 2014.
KOGA, M.; YOSHIDA, Y; IMAFUKU, S. Nutritional, muscular and metabolic characteristics in patients with neurofibromatosis type 1. The Journal of Dermatology, v. 43, n. 7, p. 799-803, 2016.
LAMMERT, M. et al. Vitamin D deficiency associated with number of neurofibromas in neurofibromatosis 1. Journal of Medical Genetics, v.43, n. 10, p. 810-813, 2006.
LEONI, C. et al. Understanding growth failure in Costello Syndrome: increased resting energy expenditure. The Journal of Pediatrics, v. 170, p. 322-24, 2016.
MADUBATA, C.C. et al. Neurofibromatosis type 1 and chronic neurological conditions in the United States: an administrative claims analysis. Genetics in Medicine, v. 17, n. 1, p. 36-42, 2015.
MARTINS A.S. et al. Lower fasting blood glucose in neurofibromatosis type 1. Endocrine Connections, v. 5, p. 28-33, 2016.
MARTINS A.S. et al. Increased insulin sensitivity in individuals with neurofibromatosis type 1. Archives of Endocrinology and Metabolism, v.62, n. 1, p. 41-46, 2018.
MASHOUR, G.A. et al. Differential modulation of malignant peripheral nerve sheath tumor growth by omega-3 and omega-6 fatty acids. Oncogene, v. 24, p. 2367-2374, 2005.
NIELSEN, S. et al. Body composition and resting energy expenditure in humans: role of fat, fat-free mass and extracelular fluid. International Journal of Obesity and Related Metabolic Disorders, v. 24, n. 9, p. 1153-1157, 2000.
O’DONOHUE, A.K. et al. Dietary intervention rescues a bone porosity phenotype in a murine model of neurofibromatosis type 1 (NF1). PLos One, v. 19, n. 6, p. e0304778, 2024.
OZ, O.; KOYUNCU, I.; GONEL, A. A pilot study for investigation of plasma amino acid profile in neurofibromatosis type 1 patients. Combinatory Chemistry & High Throughput Screening, v. 25, n. 1, p. 114-122, 2022.
OZHAN, B.; OZGUVEN, A. A.; ERSOY, B. Neurofibromatosis type 1 and diabetes mellitus: an unusual association. Case Reports in Endocrinology, v. 2013, p. 689107, 2013.
PEDERSEN, C.E. et al. Constipation in children with neurofibromatosis type 1. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, v. 56, n. 2, p. 229-232, 2013.
PETRAMALA, L. et al. Bone mineral metabolism in patients with neurofibromatosis type 1. Archives of Dermatological Research, v. 304, n. 4, p. 325-331, 2012.
PSOTA, T.; CHEN, K.Y. Measuring energy expenditure in clinical populations: rewards and challenges. European Journal of Clinical Nutrition, v. 67, n. 5, p. 436-442, 2013.
RICCARDI, C. et al. Understanding the biological activities of vitamin D in type 1 neurofibromatosis: new insights into disease pathogenesis and therapeutic design. Cancers (Basel), v. 12, n. 10, p. 2965, 2020.
RODRIGUES, L.O. et al. Non-invasive endothelial function assessment in patients with neurofibromatosis type 1: a cross-sectional study. BMC Cardiovascular Disorders, v. 13, p. 18, 2013.
SOUZA, J.F. et al. Neurofibromatose tipo 1: mais comum e grave do que se imagina. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 55, n. 4, p. 394-399, 2009.
SOUZA, M.L.R. et al. Body composition in adults with neurofibromatosis type 1. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 62, n. 9, p. 831-836, 2016.
SOUZA, M.L.R et al. Nutrient intake in neurofibromatosis type 1: a cross-sectional study. Nutrition, v. 31, n. 6, p. 858-862, 2015.
SOUZA, M.L.R. et al. Increased resting metabolism in neurofibromatosys type 1. Clinical Nutrition ESPEN, v. 32, p. 44-49, 2019.
SOUZA, M.L.R. et al. Reduced bone mineral content and density in neurofibromatosis type 1 and its association with nutrient intake. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 66, n. 5, p.666-672, 2020a.
SOUZA, M.L.R. et al. Resting energy expenditure in neurofibromatosis type 1 : indirect calorimetry versus predictive equations. Journal of Human & Clinical Genetics, v. 2, n. 1, p. 9-14, 2020b.
SOUZA, M.L.R. et al. Assessment of adiposity in neurofibromatosis type 1 : comparison between dual energy X-ray absorptiometry and conventional methods. Journal of Human & Clinical Genetics, v. 2, n. 1, p. 15-22, 2020c.
SRIDHAR, H. et al. Chronic Constipation Caused by Neurofibromatous Proliferation in A Case of Von Recklinghausen’s Disease – A Case Report. Journal of Clinical and Diagnostic Research, v. 7, n. 9, p. 2001-2003, 2013.
STEVENSON, D.A. et al. Case control study of the muscular compartments and osseous strength in neurofibromatosistype1 using peripheral quantitative computed tomography. Journal of Musculoskeletal & Neuronal Interactions, v. 5, n. 2, p. 145-149, 2005.
SULLIVAN, K. et al. NF1 is a critical regulator of muscle development and metabolism. Human Molecular Genetics, v. 23, n. 5, p. 1250-1259, 2014.
SUMMERS, M.A. et al. Dietary intervention rescues myopathy associated with neurofibromatosis type 1. Human Molecular Genetics, v. 27, n. 4, p. 577-588, 2018.
SZUDEK, J.; BIRCH, P.; FRIEDMAN, J.M. Growth in North American white children with neurofibromatosis 1 (NF1). Journal of Medical Genetics, v. 37, n. 12, p. 333-338, 2000.
TRITZ, R. et al. Nf1 heterozygous mice recapitulate the anthropometric and metabolic features of human neurofibromatosis type 1. Translational Research, v. 228, p. 52-63, 2021.
TROVÓ-MARQUI, A.B. et al. High frequencies of plexiform neurofibromas, mental retardation, learning difficulties, and scoliosis in Brazilian patients with neurofibromatosis type 1. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, v. 38, n. 9, p. 144-147, 2005.
TUCKER, T. et al. Bone health and fracture rate in individuals with neurofibromatosis 1 (NF1). Journal of Medical Genetics, v. 46, n. 4, p.259-265, 2009.
VASILJEVSKI, E.R. et al. Evaluating modified diets and dietary supplement therapies for reducing muscle lipid accumulation and improving muscle function in neurofibromatosis type 1 (NF1). PLoS One, v. 15, n. 8, p. e0237097, 2020.
VASILJEVSKI, E.R. et al. L-carnitine supplementation for muscle weakness and fatigue in children with neurofibromatosis type 1: a phase 2a clinical trial. American Journal of Medical Genetics Part A, v. 185, n. 10, p. 2976-2985, 2021.
VILELA, D.L.S. et al. Dietary patterns of Brazilian adults with neurofibromatosis type 1. Revista Chilena de Nutrición, v. 47, n. 5, p. 772-781, 2020.
ZAKA-UR-RAB, Z.; CHOPRA, K. Diabetes mellitus in neurofibromatosis I: an unusual presentation. Indian Pediatrics, v. 42, n. 2, p. 185-186, 2005.
Em mais uma continuidade da divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o texto completo e didático da Dra. Vanessa Waisberg, doutora em oftalmologia, que tem sido uma colaboradora incansável do CRNF, atendendo pessoas com NF1 e Schwannomatose relacionada ao gene NF2, que foi justamente o tema de seu doutorado e prêmio nacional de oftalmologia. Agradecemos muito por mais esta colaboração e publicaremos a segunda parte (Problemas Oftalmológicos nas Schwannomatoses) na próxima semana.
Dr. Lor
Dra. Vanessa Waisberg
Oftalmologista com doutorado em
Medicina Molecular pela UFMG
Introdução
O olho e seus anexos estão frequentemente envolvidos nos pacientes com Neurofibromatose tipo 1 (NF1). Algumas dessas manifestações oculares, como os nódulos de Lisch, os gliomas de vias ópticas, os neurofibromas plexiformes e os nódulos de coroide são característicos da doença e fazem parte dos critérios diagnósticos da NF1 .
Enquanto os nódulos de Lisch não oferecem risco a saúde ocular, os gliomas ópticos e os neurofibromas palpebrais precisam de acompanhamento e podem eventualmente comprometer a visão dos pacientes.
Outros achados oculares podem ser encontrados em portadores de NF1, mas não são considerados critérios diagnósticos.
Nódulos de Lisch
Os nódulos de Lisch foram descritos pela primeira vez em 1937 pelo oftalmologista austríaco Karl Lisch. Eles são as manifestações oculares mais comuns e mais bem conhecidas da NF1.
O nódulos de Lisch (Figura 1) são pequenas lesões elevadas, bem delimitadas, de coloração que varia entre o amarelo e o marrom, que podem ser discretas ou evidentes e aparecem na superfície da íris de cerca de 95% dos pacientes adultos com NF1. Histologicamente, os nódulos de Lisch são hamartomas, tumores de crescimento lento e benigno. O número e o tamanho dos nódulos de Lisch aumentam com a idade. Eles são incomuns antes dos dois anos de idade e aos dez anos de idade é possível identificar essas lesões em cerca de 70% dos pacientes.
Figura 1 – Variações dos nódulos de Lisch
Neurofibromas plexiformes orbitários e periorbitários.
A maioria dos neurofibromas (ver capítulo sobre neurofibromas) orbitários e periorbitários (NFO) se desenvolve ao longo das ramificações do nervo trigêmeo. Os neurofibromas isolados de pálpebra superior podem assumir a forma de S e geralmente causam leve ptose sem obstruir o eixo visual. Os neurofibromas localizados na pálpebra e região periorbitária podem causar ptose e levar a ambliopia por privação ou ambliopia refracional. Ambliopia é a redução da acuidade visual causada por interação binocular anormal durante o período de desenvolvimento visual. Os neurofibromas orbitários com ou sem envolvimento palpebral invadem a órbita lateral e raramente podem invadir estruturas intracranianas.
A incidência dos NFO em crianças com NF1 é menor que 10%. Apesar dos NFO serem congênitos, eles podem não ser evidentes logo após o nascimento. A maioria é identificada nos primeiros anos de vida. Toda criança com assimetria periorbitária ou proptose unilateral deve ser avaliada para descartar NFO. Não existe indicação de biopsia para confirmar o diagnóstico de NFO nas crianças que já possuem o diagnóstico de NF1.Toda criança diagnosticada com NFO independente do diagnóstico de NF1 deve realizar ressonância magnética (RM) do encéfalo e da órbita para confirmar o diagnóstico de NFO e definir sua extensão. A necessidade de nova RM depende da progressão clínica.
Figura 2 – Diferentes apresentações do neurofibroma palpebral
Manejo oftalmológico
Recomenda-se que crianças com NFO realizem exame oftalmológico a cada seis meses durante os primeiros oito anos de vida, que é o período de desenvolvimento visual e é também o período que os NFO geralmente apresentam as maiores taxas de crescimento.
Os principais problemas oftalmológicos relacionados aos NFO são ambliopia, estrabismo, glaucoma e neuropatia óptica compressiva.
O manejo do estrabismo nas crianças com NFO é complexo. O oftalmologista deve priorizar o tratamento não cirúrgico da ambliopia, incluindo a correção dos erros refracionais e tratamento oclusivo. O tratamento cirúrgico do estrabismo deve ser considerado nos primeiros anos de vida quando a gravidade do estrabismo prejudica o tratamento da ambliopia. Uma abordagem conservadora inicial permite que o tratamento cirúrgico seja realizado quando o crescimento do NFO tenha diminuído e o processo geral do quadro esteja mais estável.
Indicações de tratamento
Após o diagnóstico, os NFO devem ser acompanhados através de exame oftalmológico periódico e RM. Tumores estáveis podem ser acompanhados clinicamente. Nem todos os tumores irão progredir ou causar sintomas significativos. Quando se observar piora clínica está indicado realizar RM.
Até recentemente o tratamento cirúrgico era o principal tratamento disponível para os NFO sintomático. Quando o tumor pode ser ressecado completamente a cirurgia geralmente é o tratamento de escolha. Infelizmente a cirurgia é desafiadora em muitos casos de NFO e os resultados cirúrgicos geralmente não são satisfatórios a longo prazo devido à característica infiltrava do tumor e sua tendência a recorrer.
Nos últimos anos, o tratamento com quimioterápico oral se tornou uma opção de tratamento para pessoas com NF1 maiores que 2 anos com neurofibromas plexiformes inoperáveis Alguns pacientes apresentam regressão parcial do tumor com o tratamento.
Muitos fatores influenciam a indicação do tratamento, como o tamanho do tumor, a localização, a taxa de crescimento, a idade do paciente, o risco de complicações irreversíveis e a gravidade dos sintomas. Alguns casos podem ser observados, outros podem ter indicação de cirurgia, tratamento quimioterápico, ou uma combinação dos dois.
Gliomas de Vias Ópticas
Gliomas de vias ópticas (GO) ocorrem em 5% a 25% das crianças com NF1. Eles podem aparecer em qualquer parte da via óptica e acometer um ou os dois nervos ópticos, o quiasma, as estruturas retro quiasmáticas como o hipotálamo e as radiações ópticas. Tipicamente, apresentam pouca tendência ao crescimento e muitas crianças permanecem assintomáticas. Raramente esses tumores podem ser agressivos. O motivo do comportamento agressivo de alguns GO ainda é desconhecido.
Nos gliomas assintomáticos a conduta é acompanhamento oftalmológico. Quando se observar redução na acuidade visual que não possa ser atribuída a outras causas, como erro refracional, ambliopia ou outros problemas anatômicos do olho, está indicado realizar ressonância magnética.
As principais indicações para realizar o tratamento do GO são piora clinica e aumento progressivo do GO. A piora clínica pode ser piora da acuidade visual, piora da proptose, sintomas neurológicos, perda da visão de cores ou disfunção endócrina. A primeira linha de tratamento é a quimioterapia. Radioterapia e cirurgia raramente são indicados.
Figura 3 – Localização e imagens de glioma das vias ópticas
Alterações de Coroide
As alterações da coroide, que é a camada vascular da parede ocular, foram incluídas recentemente como critério diagnóstico devido a sua alta especificidade e sensibilidade para NF1, mas não oferecem risco para a visão.
As alterações de coroide da NF1 não são detectadas através do exame tradicional de fundo de olho. Elas são identificadas com o exame de tomografia de coerência óptica (OCT), que produz imagens da retina e da coroide com a luz infra vermelha. As alterações de coroide aparecem como nódulos hiper refletivos e podem ser numerosos ou raros.
Outros Achados Oftalmológicos
– Glaucoma: o glaucoma na NF1 ocorre em cerca de 1% dos pacientes. Geralmente é unilateral e na maioria das vezes está associado a um neurofibroma palpebral ou periorbitário e ao ectrópio uveal, que é uma alteração congênita da íris. Nos glaucomas que ocorrem precocemente o tratamento geralmente é cirúrgico, semelhante ao tratamento do glaucoma congênito. Nos casos mais tardios o tratamento com colírios pode ser tentado. A acuidade visual fica comprometida no olho afetado na maioria dos casos.
– Alterações da retina: o comprometimento da retina na NF1 é raro, mas tumores como hamartomas astrocíticos, hamartomas retinianos, hemangiomas capilares e tumores vasoproliferativos já foram descritos.
– Erros refracionais: a prevalência de miopia leve a moderada (-0,50 a -6,0 dioptrias) é um pouco maior que na população geral. A prevalência da alta miopia, astigmatismo e hipermetropia é semelhante à da população geral.
Referências:
- Kinori M, Hodgson N, Zeid JL. Ophthalmic manifestations in neurofibromatosis type 1. Surv Ophthalmol. 2018 Jul-Aug;63(4):518-533.
- Abdolrahimzadeh B, Piraino DC, Albanese G, Cruciani F, Rahimi S. Neurofibromatosis: an update of ophthalmic characteristics and applications of optical coherence tomography. Clin Ophthalmol. 2016 May 13;10:851-60.
- Akinci A, Acaroglu G, Guven A, Degerliyurt A. Refractive errors in neurofibromatosis type 1 and type 2. Br J Ophthalmol. 2007 Jun;91(6):746-8. doi: 10.1136/bjo.2006.109082.
- Legius E, Messiaen L, Wolkenstein P, Pancza P, Avery RA, Berman Y, Blakeley J, Babovic-Vuksanovic D, Cunha KS, Ferner R, Fisher MJ, Friedman JM, Gutmann DH, Kehrer-Sawatzki H, Korf BR, Mautner VF, Peltonen S, Rauen KA, Riccardi V, Schorry E, Stemmer-Rachamimov A, Stevenson DA, Tadini G, Ullrich NJ, Viskochil D, Wimmer K, Yohay K; International Consensus Group on Neurofibromatosis Diagnostic Criteria (I-NF-DC); Huson SM, Evans DG, Plotkin SR. Revised diagnostic criteria for neurofibromatosis type 1 and Legius syndrome: an international consensus recommendation. Genet Med. 2021 Aug;23(8):1506-1513.
- Thavikulwat AT, Edward DP, AlDarrab A, Vajaranant TS. Pathophysiology and management of glaucoma associated with phakomatoses. J Neurosci Res. 2019 Jan;97(1):57-69.
- Armstrong AE, Belzberg AJ, Crawford JR, Hirbe AC, Wang ZJ. Treatment decisions and the use of MEK inhibitors for children with neurofibromatosis type 1-related plexiform neurofibromas. BMC Cancer. 2023 Jun 16;23(1):553.
- Avery RA, Katowitz JA, Fisher MJ, Heidary G, Dombi E, Packer RJ, Widemann BC; OPPN Working Group. Orbital/Periorbital Plexiform Neurofibromas in Children with Neurofibromatosis Type 1: Multidisciplinary Recommendations for Care. Ophthalmology. 2017 Jan;124(1):123-132.
- Ragge NK, Falk RE, Cohen WE, Murphree AL. Images of Lisch nodules across the spectrum. Eye (Lond). 1993;7 ( Pt 1):95-101.
- Lohkamp LN, Parkin P, Puran A, Bartels UK, Bouffet E, Tabori U, Rutka JT. Optic Pathway Glioma in Children with Neurofibromatosis Type 1: A Multidisciplinary Entity, Posing Dilemmas in Diagnosis and Management Multidisciplinary Management of Optic Pathway Glioma in Children with Neurofibromatosis Type 1. Front Surg. 2022 May 3;9:886697.
- Sellmer L, Farschtschi S, Marangoni M, Heran MKS, Birch P, Wenzel R, Mautner VF, Friedman JM. Serial MRIs provide novel insight into natural history of optic pathway gliomas in patients with neurofibromatosis 1. Orphanet J Rare Dis. 2018 Apr 23;13(1):62.