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Em mais uma continuidade da divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o excelente texto da Dra. Pollyanna Barros Batista, fonoaudióloga que participa do CRNF há mais de uma década, contribuindo com diversos conhecimentos originais sobre os problemas fonaudiológicos na NF1 e nas Schwannomatoses. Agradecemos mais esta colaboração para a ampliação dos nossos conhecimentos.

Dr. Lor

 

 

Pollyanna Barros Batista

Fonoaudióloga

Doutora e Mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto

Especialista em Linguagem pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia

Idealizadora da Plataforma Hey Ear

 

 

 

 

Introdução

 

A Neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma doença genética hereditária, autossômica dominante, que afeta aproximadamente 1 em cada 3.000 indivíduos em todo o mundo. Caracterizada pela presença de múltiplos tumores benignos ao longo dos nervos periféricos, bem como por manchas café-au-lait na pele e outras manifestações cutâneas e ósseas, a NF1 é uma das doenças genéticas mais comuns e variadas em termos de apresentação clínica (FRIEDMAN, 1999; HUSON; HUGHES, 1994).

As manifestações clínicas da NF1 são diversas e podem incluir problemas neurológicos, ortopédicos, oftalmológicos e cardiovasculares. No âmbito da comunicação, indivíduos com NF1 frequentemente apresentam dificuldades de fala e linguagem, dificuldades de aprendizagem, problemas auditivos e déficits cognitivos. Essas alterações podem impactar significativamente a qualidade de vida dos pacientes e suas habilidades de interação social (ROSENFELD et al., 2010; NORTH, 2000).

Dada a complexidade e a variabilidade das manifestações da NF1, a abordagem terapêutica requer uma equipe multidisciplinar, na qual o fonoaudiólogo desempenha um papel crucial. A atuação fonoaudiológica na NF1 envolve a avaliação e o tratamento de alterações de fala, audição, linguagem, voz e deglutição, além do suporte no desenvolvimento de habilidades comunicativas e cognitivas (VIEIRA, 2004; PULSIFER et al., 2007).

 

Alterações da Comunicação na NF1

A NF1 frequentemente está associada a diversas alterações na comunicação, abrangendo dificuldades de fala, linguagem e aprendizado. Essas alterações podem variar amplamente em termos de gravidade e impacto funcional, refletindo a heterogeneidade clínica da doença. Indivíduos com NF1 frequentemente apresentam dificuldades na aquisição e desenvolvimento da linguagem. Estudos indicam que aproximadamente 60% das crianças com NF1 podem apresentar algum tipo de déficit de linguagem (ROWAN et al., 2014). Esses déficits podem se manifestar como atrasos na aquisição da linguagem, dificuldades na compreensão e expressão verbal, vocabulário limitado e problemas na construção de frases complexas (HARRIS et al., 2016).

As dificuldades de linguagem frequentemente se estendem para as habilidades de leitura e escrita, contribuindo para problemas acadêmicos significativos. Estudos sugerem que crianças com NF1 têm maior risco de desenvolver dislexia e outros transtornos de aprendizagem relacionados à leitura (OLSEN et al., 2013). Essas dificuldades podem resultar em uma baixa autoestima, frustração e desmotivação escolar, impactando negativamente o desempenho acadêmico geral (UTTER et al., 2014).

Entre os transtornos específicos de fala, a disartria e a apraxia de fala são relativamente comuns em pacientes com NF1. A disartria, uma desordem motora da fala resultante de lesões no sistema nervoso central ou periférico, pode causar articulação imprecisa, voz monótona e ritmo de fala irregular (HILTON; WOLLAND, 2012). Já a apraxia de fala, uma desordem neurológica que afeta a programação dos movimentos necessários para a produção da fala, pode levar a dificuldades significativas na articulação de sons e na fluência verbal (MORRISON et al., 2013).

Indivíduos com NF1 podem apresentar dificuldades significativas de motricidade orofacial, incluindo problemas na coordenação e controle dos músculos responsáveis pela mastigação, deglutição, fala e expressão facial. Essas dificuldades podem se manifestar como fraqueza muscular, movimentos orais incoordenados e anomalias estruturais, como alterações na mordida e no posicionamento dos dentes, que impactam negativamente a clareza da articulação, a fluência da fala e a eficiência na alimentação. Além disso, a presença de neurofibromas na região orofacial pode exacerbar essas dificuldades, comprometendo ainda mais a função motora e a estética facial, e, consequentemente, a qualidade de vida das pessoas com NF1 (HINKLEY et al., 2012; SILVA et al., 2015).

Indivíduos com NF1 podem apresentar problemas auditivos que agravam as dificuldades comunicativas. A perda auditiva neurossensorial, embora não seja comum, pode ocorrer devido à presença de neurofibromas ao longo do nervo auditivo (NIEMANN et al., 2012). Além disso, déficits no processamento auditivo podem interferir na aquisição e uso eficiente da linguagem (BATISTA et al., 2010; BATISTA et al., 2014; HINKLEY et al., 2012). Crianças e adultos com NF1, devido ao transtorno do processamento auditivo, podem ter dificuldades para entender instruções complexas, seguir conversas e captar nuances de linguagem como metáforas e expressões idiomáticas (BATISTA et al., 2010; BATISTA et al., 2014).

 

Intervenção Fonoaudiológica

A intervenção fonoaudiológica em indivíduos com NF1 é essencial para minimizar as dificuldades associadas à condição. Devido à variabilidade nas manifestações clínicas da NF1, as abordagens terapêuticas devem ser individualizadas, levando em consideração as necessidades específicas de cada paciente. As principais estratégias de intervenção fonoaudiológica, destacando técnicas específicas, são discutidas a seguir.

 

Estratégias de Intervenção para Fala e Voz

 

A terapia de fala e voz para pacientes com NF1 visa melhorar a articulação, fluência, voz e prosódia. As estratégias incluem:

  • Exercícios de articulação: Práticas direcionadas para a produção precisa de sons específicos que são frequentemente articulados incorretamente.
  • Terapia de fluência: Técnicas para melhorar a fluidez da fala, como controle de ritmo e técnicas de suavização.
  • Intervenção vocal: Exercícios para melhorar a qualidade vocal, incluindo controle de volume e tom, e técnicas de relaxamento para reduzir a tensão vocal.
  • Treinamento prosódico: Práticas para melhorar o ritmo, entonação e ênfase da fala, ajudando a tornar a comunicação mais natural e expressiva (HILTON; WOLLAND, 2012).

 

Terapia de Linguagem

A terapia de linguagem para indivíduos com NF1 pode abordar tanto a linguagem receptiva quanto a expressiva. As abordagens incluem:

  • Intervenção para a linguagem receptiva: Técnicas para melhorar a compreensão verbal, como o uso de pistas visuais, simplificação da linguagem e repetição de instruções.
  • Intervenção para a linguagem expressiva: Estratégias para ampliar o vocabulário, melhorar a estrutura frasal e desenvolver habilidades narrativas.
  • Desenvolvimento de habilidades pragmáticas: Intervenções que focam na utilização da linguagem em contextos sociais, incluindo práticas de conversação e treinamento de habilidades sociais (PHILLIPS et al., 2011).

 

Intervenção para o Processamento Auditivo

A intervenção para o Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC) em indivíduos com NF1 envolve várias abordagens:

  • Treinamento auditivo: Exercícios para melhorar as habilidades auditivas (BATISTA, 2016).
  • Uso de tecnologia assistiva: O sistema Roger é uma tecnologia inovadora que auxilia pessoas com TPAC. Utilizando microfones sem fio e receptores, o Roger transmite a voz do falante diretamente para os ouvidos da pessoa com TPAC, minimizando os ruídos de fundo e melhorando a clareza do som. Esta ferramenta é especialmente eficaz em ambientes educacionais, onde o barulho pode dificultar a compreensão auditiva.
  • Estratégias compensatórias: Técnicas para ajudar os pacientes a lidar com as dificuldades auditivas, como ensinar a pedir para que as informações sejam repetidas ou reformuladas (CHERMAK; MUSIEK, 1997).

 

Perspectivas Futuras

Avanços na Pesquisa

A pesquisa sobre NF1 e suas implicações para a comunicação está em constante evolução. Estudos recentes têm explorado as bases genéticas e neurobiológicas das dificuldades de comunicação associadas à NF1, proporcionando insights valiosos que podem orientar o desenvolvimento de intervenções mais eficazes. Além disso, a pesquisa sobre novas tecnologias de avaliação e intervenção, como o uso de ferramentas digitais e plataformas de treinamento auditivo, oferece promissoras perspectivas para a melhoria dos cuidados (HARRIS et al., 2016).

Desenvolvimento de Protocolos Individualizados

A tendência crescente na medicina personalizada também está se refletindo na fonoaudiologia. A utilização de protocolos de avaliação e intervenção individualizados, baseados em uma compreensão detalhada do perfil clínico e das necessidades específicas de cada paciente, promete aumentar a eficácia do tratamento. A integração de dados genéticos, neuropsicológicos e comportamentais pode permitir uma abordagem mais precisa e adaptativa (PHILLIPS et al., 2011).

Tecnologia e Inovação

O uso de tecnologias inovadoras, como aplicativos, dispositivos de comunicação alternativa e plataformas de telefonoaudiologia, oferece novas oportunidades para melhorar a acessibilidade e a eficácia das intervenções fonoaudiológicas. A implementação dessas tecnologias pode facilitar a continuidade do tratamento, especialmente em contextos em que o acesso a serviços presenciais é limitado (CFFa, 2020).

 

Conclusão

Os desafios enfrentados na intervenção fonoaudiológica de indivíduos com NF1 são numerosos e complexos, exigindo uma abordagem multifacetada e colaborativa. No entanto, as perspectivas futuras são promissoras, com avanços contínuos na pesquisa, desenvolvimento de tecnologias inovadoras e uma ênfase crescente na personalização e interdisciplinaridade dos cuidados. A combinação desses elementos tem o potencial de transformar significativamente o manejo fonoaudiológico da NF1, melhorando os resultados para os pacientes e suas famílias.

 

Referências

BATISTA, A. C.; SILVA, M. C. B.; SILVA, V. F. R. de O. Processamento auditivo central em indivíduos com neurofibromatose tipo 1. Revista CEFAC, v. 12, n. 3, p. 408-413, 2010.

BATISTA, A. C.; SILVA, M. C. B.; PINTO, C. F. Processamento auditivo central em indivíduos com neurofibromatose tipo 1: implicações fonoaudiológicas. CoDAS, v. 26, n. 3, p. 204-210, 2014.

BATISTA, Pollyanna. Treinamento auditivo acusticamente controlado na neurofibromatose tipo 1. 2016. 113 f. Tese (Doutorado em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUBD-A8WLCA>. Acesso em: 12 jul. 2024.

Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa). Diretrizes de boas práticas em teleaudiologia. Volume 1. Brasília: Conselho Federal de Fonoaudiologia, 2020. Disponível em: <https://www.fonoaudiologia.org.br/wp-content/uploads/2020/09/CFFa_Diretrizes_Boas_Praticas_Em_Telefonoaudiologia_VOL1_2020-1.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2024.

CHERMAK, G. D.; MUSIEK, F. E. Central auditory processing disorders: new perspectives. San Diego: Singular Publishing Group, 1997.

FRIEDMAN, J. M. Neurofibromatosis 1. In: VOGELSTEIN, B.; KINZLER, K. W. The genetic basis of human cancer. New York: McGraw-Hill, 1999. p. 199-214.

HARRIS, A. M.; TOGNERI, A.; WOODCOCK, K. A. Neurofibromatosis type 1: evaluation of cognition and educational attainment. Archives of Disease in Childhood, v. 101, n. 4, p. 404-410, 2016.

HILTON, C. L.; WOLLAND, S. C. Motor abnormalities in neurofibromatosis type 1. Pediatric Neurology, v. 46, n. 1, p. 42-48, 2012.

HINKLEY, L. B. N.; UPDIKE, P.; WARRIOR, L. A. Neurofibromatosis type 1 and auditory processing disorders: a review of the literature. Journal of Communication Disorders, v. 45, n. 6, p. 491-501, 2012.

HUSON, S. M.; HUGHES, R. A. C. The neurofibromatoses: a pathogenetic and clinical overview. London: Chapman & Hall Medical, 1994.

MORRISON, T. R.; LEVITT, P.; POWERS, J. C. The clinical and neurobiological profiles of childhood apraxia of speech and neurofibromatosis type 1: potential overlapping mechanisms. Journal of Communication Disorders, v. 46, n. 1, p. 43-55, 2013.

NIEMANN, S.; HUSHER, A.; TOGNERI, A. Auditory dysfunction in neurofibromatosis type 1. Journal of Neurology, v. 259, n. 5, p. 956-963, 2012.

NORTH, K. N. Neurofibromatosis type 1: review of the first 200 patients in an Australian clinic. Journal of Child Neurology, v. 15, n. 6, p. 216-221, 2000.

OLSEN, M.; MILLER, D.; ZEITLER, P. Reading difficulties in children with neurofibromatosis type 1. Journal of Learning Disabilities, v. 46, n. 2, p. 148-157, 2013.

PHILLIPS, M.; STEWART, D.; TOGNERI, A. Neurofibromatosis type 1 and auditory processing disorders: an investigation into the relationship between cognition and communication. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 53, n. 7, p. 585-590, 2011.

PULSIFER, M. B.; ROBIN, N. H.; SORENSEN, K. C. Neuropsychological functioning and neurofibromatosis type 1: review and recommendations. Child Neuropsychology, v. 13, n. 3, p. 345-362, 2007.

ROSENFELD, J. A.; WEISSMAN, B. M.; RICHARDS, C. S. Neurofibromatosis type 1: diagnostic criteria and associated features. American Journal of Medical Genetics Part A, v. 152, n. 8, p. 1041-1050, 2010.

ROWAN, A. J.; TOGNERI, A.; RICHARDS, H. Neurofibromatosis type 1: educational achievement and cognitive abilities. Journal of Child Neurology, v. 29, n. 1, p. 25-32, 2014.

UTTER, A.; WOODCOCK, K. A.; TOGNERI, A. Neurofibromatosis type 1 and educational achievement: a review of the literature. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 56, n. 6, p. 529-536, 2014.

SILVA, C. M.; SANTOS, C. A.; REZENDE, N. A. Orofacial miofunctional evaluation in individuals with neurofibromatosis type 1. Rev Cefac, v. 17, n. 1, p. 100-109, 2015.

 

 

Atuação Fonoaudiológica na Schwannomatose relacionada ao gene NF2

 

Introdução

 

A Schwannomatose é uma condição rara e hereditária caracterizada pela formação de múltiplos schwannomas em nervos periféricos. Esses tumores, originados das células de Schwann, podem ocorrer de forma isolada ou em grande número, afetando diversas partes do sistema nervoso periférico (SMITH et al., 2020). Menos comum que a neurofibromatose, a Schwannomatose apresenta manifestações clínicas variáveis e uma predisposição genética específica, envolvendo mutações em genes supressores de tumor como SMARCB1 e LZTR1 (JONES; BROWN, 2018). Na prática fonoaudiológica, a compreensão dessas características é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de avaliação e intervenção adequadas, uma vez que os schwannomas podem impactar funções comunicativas e de deglutição.

 

Manifestações Clínicas da Schwannomatose

A Schwannomatose manifesta-se clinicamente por meio de uma ampla gama de sintomas neurológicos e sensoriais. Os pacientes frequentemente apresentam dor crônica localizada, déficits neurológicos focais, como fraqueza muscular e alterações na sensibilidade, além de sintomas autonômicos como sudorese excessiva (GARCIA et al., 2021). Na fonoaudiologia, é essencial avaliar o impacto desses sintomas nas funções orofaciais, incluindo a articulação da fala e a deglutição, uma vez que a dor e os déficits neurológicos podem comprometer significativamente a qualidade de vida e a capacidade comunicativa dos indivíduos afetados (THOMPSON; WHITE, 2017).

 

Protocolos de Avaliação Específicos para Pacientes com Schwannomatose

Para pacientes com Schwannomatose, a avaliação fonoaudiológica deve começar com uma anamnese detalhada, incluindo a história médica e familiar, a descrição dos sintomas neurológicos e sensoriais, e a identificação de queixas relacionadas à fala, voz, linguagem e deglutição. A anamnese é seguida por uma avaliação física que inclui a observação das estruturas orofaciais, a palpação dos músculos envolvidos na deglutição e a inspeção visual da cavidade oral (SILVA; SANTOS, 2020).

Protocolos específicos para Schwannomatose podem incluir a aplicação de escalas de dor e questionários de qualidade de vida, que ajudam a avaliar o impacto dos schwannomas nas funções diárias do paciente. Além disso, é importante realizar uma avaliação funcional das habilidades de comunicação e deglutição, utilizando métodos padronizados e validados para garantir a precisão dos resultados (FERREIRA; LIMA, 2021).

 

Instrumentos e Testes Utilizados na Avaliação de Funções Comunicativas e de Deglutição

Na avaliação das funções comunicativas, diversos instrumentos e testes podem ser utilizados. Para a avaliação da fala, são comuns os testes de articulação e fonologia. Esses testes permitem identificar erros de articulação, processos fonológicos alterados e verificar a inteligibilidade da fala (SANTOS; OLIVEIRA, 2019).

Para a avaliação da voz, pode-se utilizar protocolos que identifiquem alterações na qualidade vocal, como rouquidão, soprosidade e instabilidade vocal. A laringoscopia também pode ser indicada para uma avaliação mais detalhada das pregas vocais (MARTINS; PEREIRA, 2022).

Na avaliação da linguagem, tanto expressiva quanto receptiva, são utilizados testes que avaliam a compreensão e produção de linguagem em diferentes níveis de complexidade (COSTA; PEREIRA, 2022).

Para a avaliação da deglutição, um dos principais instrumentos é a Videofluoroscopia da Deglutição, que permite uma visualização dinâmica do processo de deglutição e ajuda a identificar possíveis disfagias. Outros testes incluem a Avaliação Clínica da Deglutição, que observa sinais clínicos de aspiração e dificuldades de deglutição (MILLER, 2019).

A combinação dessas avaliações, juntamente com uma abordagem individualizada, permite ao fonoaudiólogo desenvolver um plano de intervenção eficaz e direcionado às necessidades específicas dos pacientes com Schwannomatose. A avaliação contínua e o ajuste das estratégias terapêuticas são cruciais para garantir a melhoria na qualidade de vida e na funcionalidade comunicativa desses indivíduos.

 

Intervenção Fonoaudiológica

A intervenção fonoaudiológica em pacientes com Schwannomatose é fundamental para minimizar os impactos dos schwannomas nas funções comunicativas e de deglutição. A abordagem terapêutica deve ser individualizada, considerando a variabilidade dos sintomas e a complexidade da condição.

Estratégias Terapêuticas para os Transtornos de Fala e Linguagem Associados à Schwannomatose

Os transtornos de fala e linguagem em pacientes com Schwannomatose podem variar amplamente, dependendo da localização e extensão dos schwannomas. As estratégias terapêuticas devem ser adaptadas para abordar as necessidades específicas de cada paciente. Para distúrbios de articulação, é importante utilizar exercícios que melhorem a precisão articulatória e a inteligibilidade da fala. Técnicas como o treino motor articulatório e a prática repetitiva de sons e palavras podem ser eficazes (SILVA; SANTOS, 2020).

Para distúrbios de linguagem, tanto expressiva quanto receptiva, a intervenção pode incluir atividades que estimulem a construção de frases, a expansão do vocabulário e a compreensão de instruções verbais. Atividades que envolvem a nomeação de objetos, a descrição de imagens e a narração de histórias são estratégias úteis. Além disso, a utilização de sistemas de comunicação alternativa pode ser indicada para pacientes com dificuldades severas de comunicação verbal (FERREIRA; LIMA, 2021).

Técnicas de Reabilitação para Dificuldades de Deglutição Decorrentes de Schwannomas

As dificuldades de deglutição (disfagia) são comuns em pacientes com Schwannomatose, especialmente quando os schwannomas afetam os nervos cranianos envolvidos no processo de deglutição. A reabilitação da deglutição deve ser direcionada para garantir uma alimentação segura e eficaz, prevenindo complicações como aspiração e desnutrição (SANTOS; OLIVEIRA, 2019).

Uma das técnicas de reabilitação mais utilizadas é a terapia de exercícios orofaríngeos, que visa fortalecer os músculos envolvidos na deglutição. Esses exercícios podem incluir a elevação da língua, o fechamento labial e a mobilização da mandíbula. A prática de manobras específicas também pode ser benéfica para melhorar a coordenação e a eficiência da deglutição (MARTINS; PEREIRA, 2022).

Além dos exercícios, as orientações posturais durante a alimentação são cruciais. Instruções sobre a postura correta da cabeça e do corpo podem ajudar a facilitar a passagem segura dos alimentos pela faringe. Modificações na dieta, como a alteração da consistência dos alimentos e líquidos, também são frequentemente necessárias para adaptar a alimentação às capacidades de deglutição do paciente (COSTA; PEREIRA, 2022).

A intervenção fonoaudiológica contínua e o monitoramento regular do progresso do paciente são essenciais para ajustar as estratégias terapêuticas conforme necessário, garantindo que as intervenções permaneçam eficazes e relevantes para as necessidades em constante evolução dos pacientes com Schwannomatose.

 

Perspectivas Futuras e Pesquisa

A Schwannomatose, apesar de ser uma condição rara, tem sido objeto de crescente interesse na pesquisa médica e fonoaudiológica. Compreender os avanços recentes e identificar áreas promissoras para o desenvolvimento de novos métodos de intervenção é crucial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes afetados por essa condição.

Avanços Recentes na Pesquisa sobre Schwannomatose e suas Implicações para a Prática Fonoaudiológica

Nos últimos anos, houve avanços significativos na compreensão genética e molecular da Schwannomatose. Estudos têm identificado mutações nos genes SMARCB1 e LZTR1 como fatores chave na patogênese da doença, o que tem implicações diretas para o diagnóstico e o tratamento (SMITH et al., 2020). Essas descobertas permitem uma abordagem mais personalizada na avaliação e no manejo dos pacientes, facilitando a identificação precoce de comprometimentos fonoaudiológicos e a implementação de intervenções específicas (JONES; BROWN, 2018).

Além disso, o desenvolvimento de técnicas avançadas de imagem, como a ressonância magnética de alta resolução, tem melhorado a capacidade de detectar e monitorar schwannomas. Para os fonoaudiólogos, isso significa uma maior precisão na avaliação das estruturas orofaciais e dos nervos cranianos envolvidos na fala e na deglutição, permitindo uma intervenção mais direcionada e eficaz (GARCIA et al., 2021).

Áreas Promissoras para Desenvolvimento de Novos Métodos de Intervenção

Uma área promissora para o desenvolvimento de novos métodos de intervenção é a utilização de terapias baseadas na neuroplasticidade. A pesquisa em neuroplasticidade tem demonstrado que o cérebro possui uma capacidade significativa de reorganização e adaptação, mesmo em presença de lesões neurológicas. A neuromodulação pode ser explorada para potencializar a recuperação das funções comunicativas e de deglutição em pacientes com Schwannomatose (THOMPSON; WHITE, 2017).

Outro campo em crescimento é o uso de tecnologias assistivas e de comunicação alternativa. Dispositivos de comunicação e aplicativos de fala podem proporcionar suporte significativo para pacientes com comprometimentos severos da comunicação, oferecendo-lhes ferramentas para se expressarem de maneira eficaz e autônoma (FERREIRA; LIMA, 2021).

A pesquisa em terapias farmacológicas também oferece perspectivas interessantes. Estudos sobre o uso de medicamentos que modulam a atividade neural e reduzem a dor neuropática podem beneficiar pacientes com Schwannomatose, melhorando a capacidade de participação nas terapias fonoaudiológicas e a qualidade de vida geral (SANTOS; OLIVEIRA, 2019).

A colaboração interdisciplinar é essencial para o avanço dessas áreas. A integração de conhecimentos entre geneticistas, neurologistas, radiologistas e fonoaudiólogos pode resultar em abordagens inovadoras e mais eficazes para o manejo da Schwannomatose. A pesquisa contínua e o desenvolvimento de métodos de intervenção baseados em evidências são cruciais para enfrentar os desafios dessa condição complexa e proporcionar melhorias significativas para os pacientes.

 

Referências Bibliográficas

COSTA, D.; PEREIRA, E. A avaliação da linguagem em distúrbios neurológicos. 2. ed. São Paulo: Editora Saúde, 2022.

FERREIRA, C.; LIMA, D. Reabilitação vocal: técnicas e práticas. Rio de Janeiro: Editora Voz, 2021.

GARCIA, A.; SILVA, M.; RODRIGUES, L. Neurologia aplicada à fonoaudiologia. Porto Alegre: Editora Ciências Médicas, 2021.

JONES, P.; BROWN, R. Genética das doenças neurológicas: uma abordagem prática. 3. ed. Nova Iorque: Editora Médica, 2018.

MARTINS, D.; PEREIRA, E. Terapia fonoaudiológica em pacientes neurológicos. Lisboa: Editora Saúde e Educação, 2022.

MILLER, S. Diagnóstico e manejo das neuropatias periféricas. Londres: Editora Neurologia, 2019.

SANTOS, J.; OLIVEIRA, K. Deglutição e disfagia: avaliação e tratamento. Salvador: Editora Nutrição e Saúde, 2019.

SILVA, J.; SANTOS, M. Protocolos de avaliação fonoaudiológica. Curitiba: Editora Fonoaudiologia, 2020.

SMITH, J.; CLARK, A.; LEWIS, R. Tumores do sistema nervoso periférico: clínica e cirurgia. 4. ed. Chicago: Editora Médica, 2020.

THOMPSON, M.; WHITE, L. Dor neuropática: mecanismos e tratamento. 5. ed. Boston: Editora Dor e Saúde, 2017.

 

 

 

Continuo os comentários sobre o último congresso realizado em Bruxelas.

O desejo da nossa equipe do CRNF seria de apresentarmos muitos outros conteúdos sobre o congresso, mas estamos sobrecarregados de trabalho no atendimento aos pacientes e tivemos diversos problemas de saúde em alguns de nossos familiares.

Além disso, estamos trabalhando bastante para realizar a edição comemorativa dos 20 anos do CRNF a ser lançada em novembro de 2024, na nossa festa anual.

Assim, vamos apresentando o que estamos conseguindo realizar.

 

Hoje , faço uma análise de um tema apresentado no congresso e que também saiu publicado na revista científica The New England Journal of Medicine de junho de 2024 (ver aqui artigo completo em inglês) com o título “Brigatinibe na Schwannomatose Relacionada à NF2 com Tumores Progressivos” pelo grupo de cientistas liderados por Jaishri O. Blakeley, do Massachusetts General Hospital.

A Schwannomatose relacionada à NF2 (NF2-SWN, anteriormente chamada de neurofibromatose tipo 2) provoca o crescimento de múltiplos tumores como schwannomas vestibulares, schwannomas não vestibulares, meningiomas e ependimomas. A doença geralmente é progressiva, necessitando de cirurgias repetidas e ainda sem medicamentos aprovados.

Alguns estudos de laboratório mostraram que uma droga chamada brigatinibe agiu como inibidora das tirosina quinases (estimulantes do crescimento celular) num tipo de schwannoma (não vestibular) e no meningioma induzidos por variante genética no gene NF2. Diante disso, a equipe da Dra. Blakeley realizou um estudo com brigatinibe em pacientes com múltiplos tipos de tumores progressivos em pessoas com NF2-SWN.

Neste ensaio, os pacientes com 12 anos de idade ou mais com NF2-SWN e tumores progressivos foram tratados com brigatinibe oral na dose de 180 mg por dia. O resultado principal foi a resposta radiográfica, ou seja, a variação de tamanho na ressonância magnética dos tumores chamados de “alvo”. Outros resultados secundários foram: segurança do medicamento, taxa de resposta em todos os tumores, melhora auditiva e resultados relatados pelo paciente.

Um total de 40 pessoas foram voluntárias (idade mediana de 26 anos) com tumores-alvo progressivos (sendo 10 schwannomas vestibulares, 8 schwannomas não vestibulares, 20 meningiomas e 2 ependimomas) e receberam o tratamento com brigatinibe.

Após 10,4 meses de uso do medicamento, segundo a equipe, a resposta radiográfica foi:

Redução de 10% para os tumores-alvo

Redução de 23% para todos os tumores

Outros resultados encontrados foram:

Meningiomas e schwannomas não vestibulares mostraram mais redução do que os schwannomas vestibulares.

As taxas de crescimento por ano diminuíram para todos os tipos de tumor durante o tratamento.

A melhora auditiva ocorreu em 35% das orelhas escolhidas.

Sugestão de redução da dor durante o tratamento.

Nenhum evento adverso grave (graus 4 e 5) foram relacionado ao tratamento.

 

Em conclusão, segundo os autores, o tratamento com brigatinibe resultou em respostas radiográficas em vários tipos de tumor e benefício clínico em um grupo de pacientes com NF2-SWN.

 

Comentários

Inicialmente, minha impressão é de que 10% de redução dos tumores-alvo e 23% de redução dos tumores em geral é um resultado insatisfatório.

Além disso, é preciso considerar que a perda de audição nem sempre está relacionada com o tamanho do tumor. Portanto, reduzir o tamanho do tumor não significa a melhora dos problemas dos pacientes.

Aliás, na Figura 2 publicada, há pessoas que apresentaram piora da audição numa orelha e estabilidade ou melhora discreta na outra. Ou seja, o medicamento não parece ter interferido nos tumores efetivamente.

Reduzir o tumor parece ser apenas um indicativo de que o medicamento está agindo nos processos celulares que promovem o seu crescimento e isto é um sinal promissor de que o caminho para tratamentos mais efetivos possa ser este.

Outro fator preocupante é que 45% das pessoas voluntárias abandonaram o tratamento por efeitos colaterais.

Uma limitação importante do estudo, admitida pelos próprios autores, é a falta de um grupo de pessoas usando placebo como grupo controle, uma vez que um dos resultados procurados pelas pessoas com NF2-SWN é a melhor compreensão das palavras numa conversa, ou seja, um dado fortemente influenciado por fatores subjetivos.

Finalmente, precisamos lembrar que este é mais um estudo realizado com apoio e financiamento da indústria que produz o próprio medicamento que está sendo testado, com diversos dos autores e autoras com conflito de interesse financeiro, pois recebem pagamentos das indústrias envolvidas. Além disso, foi também financiado pela Children’s Tumor Foundation (número no ClinicalTrials.gov INTUITT-NF2, NCT04374305.)

 

Conclusão

Infelizmente, o brigatinibe não mostrou ser uma droga capaz de melhorar a qualidade de vida da maioria das pessoas com NF2-SWN.

Dr. Lor

 

 

 

 

Nossa equipe médica no CRNF é frequentemente procurada por famílias com suspeita de neurofibromatose.

Na maioria das vezes, são pessoas que apresentam apenas manchas café com leite (com ou sem sardas) e SÃO GERALMENTE CRIANÇAS. Assim, nossa primeira impressão nessa faixa etária é de neurofibromatose do tipo 1 (NF1) ou Síndrome de Legius (gene SPRED1).

Para esclarecer a possível herança genética de manchas café com leite ainda sem outro critério diagnóstico, a resposta clinicamente mais segura para as famílias é investigarmos as duas maiores probabilidades de genes capazes de produzir manchas café com leite em crianças: NF1 e SPRED1.

Nestas circunstâncias, faz pouco sentido pedir a análise do gene NF2 (cujas variantes patogênicas produzem a doença antes chamada de Neurofibromatose do tipo 2 – atualmente denominada de Schwannomatose relacionada ao gene NF2). Porém, o painel genético habitual oferecido nos diversos laboratórios tem sido analisar um painel com os genes NF1, SPRED1 e NF2.

Sabemos que manchas café com leite também podem ocorrer, mais raramente e em menor quantidade, em pessoas com Schwannomatoses relacionadas aos genes NF2, LZTR1 ou SMARCB1 (ver nova nomenclatura para estas doenças aqui).

No entanto, as demais manifestações das Schwannomatoses (tumores etc.) ocorrem geralmente a partir da segunda década de vida, ou seja, em ADULTOS JOVENS e nem todas as pessoas portadoras de variantes patogênicas terão que expressar a doença, ao contrário do que acontece na NF1 e na Síndrome de Legius (SPRED1).

Assim, diante de pessoas jovens e adultas com suspeita de “neurofibromatose”, geralmente a nossa hipótese diagnóstica é de Schwannomatose e, nesse caso, a análise genética mais adequada será um painel com os genes NF2, SMARCB1 e LZTR1.

Portanto, não há benefícios evidentes uma criança ou sua família saber que ela possui alguma variantes patogênicas para Schwannomatoses (apenas por causa da presença isolada de manchas café com leite), uma vez que as outras manifestações da doença, SE vierem a surgir, ocorreriam décadas depois, quando, inclusive, poderemos ter tratamentos mais eficientes para essas doenças, o que ainda não dispomos.

Em conclusão, para esclarecimento diagnóstico, nossa sugestão é que sejam solicitados PAINÉIS diferentes, com os seguintes genes:

Para crianças com suspeita de NF1 ou Légius, solicitar PAINEL NF1-LEGIUS (genes NF1 e SPRED1)

Para pessoas jovens e adultas, sem suspeita de NF1 ou Legius, solicitar PAINEL SCHWANNOMATOSES (genes NF2, LZTR1 e SMARCB1).

Em certas situações MAIS RARAS, especialmente quando os resultados destes testes vierem negativos, precisamos considerar outras possibilidades diagnósticas que seriam as chamadas RASOPATIAS. Falarei sobre estas doenças em breve.

Qualquer dúvida, entrem em contato conosco.

Dr Lor

 

A escolha pelos melhores tratamentos para a maioria das doenças deve ser feita de forma compartilhada pela pessoa e/ou sua família e os profissionais de saúde, diante do entendimento do contexto, das necessidades e expectativas de cada pessoa e das melhores informações disponíveis a partir dos estudos científicos realizados com um número suficiente de voluntárias e voluntários sofrendo de problemas semelhantes.

Estes estudos científicos são os consensos médicos, que oferecem as orientações sobre os melhores tratamentos. Sabendo que há menos pessoas com doenças raras, menos especialistas e menos estudos científicos direcionados a estas doenças, os consensos médicos são menos robustos cientificamente nas doenças raras.

É o que acontece com as pessoas que sofrem com a Neurofibromatose do tipo 2, a NF2. Atualmente, e a NF2 passou a se chamar Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (abreviada como NF2-SWN) e faz parte de um grupo de doenças denominadas de Schwannomatoses ver aqui as mudanças recentes).

A NF2-SWN acontece por causa de variantes genéticas patogênicas que ocorrem em cerca de 1 em cada 25 a 33 mil pessoas (variando conforme a população estudada). O número de pessoas diagnosticadas com a NF2-SWN é ainda menor: 1 em cada 60 a 70 mil pessoas.

Para exemplificar esta raridade, nos últimos 20 anos atendemos cerca de 70 pessoas com Schwannomatoses entre mais de duas mil e duzentas famílias cadastradas no Centro de Referência em Neurofibromatoses (CRNF) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Ou seja, apenas 2% da população por nós atendida.

Então, a NF2-SWN é uma doença rara e por isso a maioria dos médicos não está bem informada sobre a sua evolução. Sabemos que 95% da experiência dos neurocirurgiões é com o tratamento dos schwannomas esporádicos, ou seja, aqueles que surgem em torno dos 50 anos e apresentam comportamento diferente daqueles encontrados nas pessoas mais jovens com NF2-SWN. Quem desejar mais informações sobre o tratamento dos schwannomas esporádicos ver um consenso internacional aqui – artigo completo em inglês.

Assim, são raros os profissionais da saúde familiarizados com a NF2-SWN, o que gera incerteza sobre o melhor tratamento e por isso as pessoas e suas famílias costumam ouvir opiniões divergentes ao consultar médicos diferentes.

Diante disso, nossas sugestões de tratamentos são orientadas pelos consensos médicos internacionais baseados em experiências clínicas maiores do que a nossa. Por exemplo, o grupo de cientistas que publicou o consenso de 2012, no qual nos baseamos, reuniu dados de mais de 500 pessoas com NF2-SWN (ver aqui o texto original em inglês).

 

O principal problema na NF2-SWN

 

Nas pessoas com NF2-SWN surgem tumores nos ramos vestibulares dos nervos vestíbulo cocleares (ver na Figura 1 abaixo a localização destes nervos), chamados schwannomas (daí o nome da doença), que geralmente são bilaterais (85%), crescem lentamente e costumam ser diagnosticados a partir da segunda década de vida.

Figura 1 – Localização esquemática do nervo vestibulococlear nos ossos do crânio e sua relação com o cérebro. O ramo vestibular (em lilás) conduz para o sistema nervoso central os sinais neurais gerados nos neurônios dos canais semicirculares pelas mudanças posturais. O ramo coclear (em vermelho) conduz os sinais neurais gerados nos neurônios da cóclea pelos estímulos sonoros que chegam pela orelha externa ao tímpano e são transmitidos pelos ossículos da orelha média. Observa-se o nervo facial surgindo próximo do nervo vestibulococlear e esta proximidade é muito importante na qualidade de vida das pessoas com NF2-SWN.

 

Os schwannomas vestibulares podem causar perda de audição, zumbido, desequilíbrio, paralisia facial, dor de cabeça e outros problemas neurológicos, inclusive alguns potencialmente fatais.

Nas pessoas com NF2-SWN pode haver schwannomas também em outros pares de nervos cranianos e nas terminações nervosas cutâneas, outros tumores no sistema nervoso chamados meningiomas e ependimomas, além de alterações oculares. Veja em nossa página mais informações sobre o tratamento destes outros problemas.

Em 2020, a Associação de Neuro-Oncologia da Europa criou uma comissão de especialistas que publicou novo consenso sobre a NF2-SWN (ver aqui o artigo completo em inglês). No entanto, nesse consenso, apenas 15,5% dos estudos são especificamente relacionados à NF2-SWN.

O presente texto procura atualizar as orientações que estavam disponíveis em nossa página baseadas no Consenso de 2012, adicionando algumas informações mais recentes deste estudo de 2020.

 

REGRAS FUNDAMENTAIS

 

Há duas regras fundamentais no tratamento das pessoas com NF2-SWN:

Regra 1: não se faz cirurgia, nem quimioterapia e nem radioterapia num schwannoma somente porque ele foi encontrado;

Regra 2: não se faz cirurgia, nem quimioterapia e nem radioterapia num schwannoma antes de saber seus efeitos clínicos (surdez, desequilíbrio, zumbido, paralisia facial, compressão do tronco cerebral, hidrocefalia, por exemplo) e sua taxa de crescimento (ou seja, é preciso repetir a audiometria e a ressonância magnética do encéfalo em seis meses para saber a evolução clínica de cada schwannoma).

 

Por quê?

  • Porque as manifestações clínicas são mais importantes para a qualidade de vida das pessoas do que os resultados de exames.

 

  • Porque muitos dos tumores na NF2-SWN podem nunca crescer o bastante para dar sintomas e nunca precisarem ser removidos.

 

  • Porque nem sempre há relação entre o tamanho de um schwannoma e os sintomas (por exemplo, a audição pode ser pior do lado do tumor menor).

Não se sabe ainda ao certo o mecanismo de perda de audição nas pessoas com schwannomas vestibulares. Um estudo científico mostrou que a presença de um schwannoma vestibular esporádico produz alterações anatômicas na cóclea e redução da audição de forma independente do tamanho do tumor. Talvez o mesmo ocorra na NF2-SWN.

 

  • Porque não sabemos qual será a velocidade de crescimento de cada schwannoma.

Em média, o maior crescimento observado é de 2,9 mm por ano e apenas metade dos schwannomas apresentam crescimento num período de 5 anos, enquanto a outra metade permanece estável.

 

A mesma pessoa pode apresentar crescimento em um dos tumores e nenhum crescimento no outro durante vários anos (ver exemplo abaixo).

 

  • Porque os schwannomas vestibulares não se tornam tumores malignos, ou seja, não dão metástases, não invadem outros tecidos, embora possam comprimir as estruturas ao lado.

No entanto, a exposição à radioterapia ou radio cirurgia  pode ser uma causa de transformação maligna.

 

  • Porque as complicações que ameaçam a vida (compressão de tronco cerebral e hidrocefalia, por exemplo) se desenvolvem geralmente de forma lenta.

A compressão do tronco cerebral, por exemplo, praticamente nunca acontece como primeira manifestação da doença.

No entanto, pode haver surdez progressiva em poucas semanas em casos raros.

 

  • Porque a NF2-SWN ainda não tem cura, mas podemos manter a qualidade de vida das pessoas.

Para a maioria das pessoas, é melhor conviver com uma redução da audição do que com uma paralisia facial, que ocorre em cerca de 30% das cirurgias ou com o zumbido pós-operatório, que ocorre em 40% das pessoas.

 

  • Porque existem estudos em busca de medicamentos para os schwannomas, então temos que ganhar tempo sem intervenções que possam deixar sequelas, até que algum tratamento demonstre ser bastante eficiente.

 

  • Porque a maioria dos tratamentos atuais apresenta sequelas permanentes, então qualquer tratamento somente deve ser feito quando houver garantia de benefício.

Ou seja, o resultado do tratamento (por exemplo, melhorar a audição) deve ser mais provável e relevante para a pessoa com NF2-SWN do que a possível sequela do tratamento (por exemplo, a paralisia facial ou o zumbido).

Habitualmente, a cirurgia não recupera a audição já perdida, pois a maioria das pessoas é operada quando os tumores são maiores e a perda auditiva já está presente.

 

  • Porque as cirurgias atuais dependem muito da experiência das equipes cirúrgicas e a maioria delas conhece melhor os schwannomas esporádicos (95% de sua experiência) do que aos schwannomas que surgem nas pessoas com NF2-SWN.

Em geral, as equipes de neurocirurgia pouco familiarizadas com a NF2-SWN ainda chamam os schwannomas vestibulares de “neurinoma do acústico”.

Todas as técnicas cirúrgicas disponíveis atualmente apresentam alta taxa de recorrência dos schwannomas e todos os medicamentos testados até agora ainda apresentam apenas melhora parcial dos sintomas.

 

Com estas informações em mente, vejamos algumas recomendações para as principais manifestações clínicas dos schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN.

 

AUDIÇÃO

A redução ou perda da audição é geralmente o sintoma inicial e o mais importante para uma pessoa com NF2-SWN.

A capacidade de compreender a fala humana é a principal função da audição e por isso ela é a medida da qualidade de vida nas pessoas com NF2-SWN.

A perda auditiva geralmente ocorre lentamente, muitas vezes apenas de um lado, e cerca de 4 anos depois de diagnosticada a metade das pessoas com a NF2-SWN apresenta dificuldade importante para compreender a fala humana.

A audiometria é o principal exame complementar para a orientação clínica porque fornece uma medida objetiva da audição.

 

Figura 2 – Audiometria de uma pessoa com NF2-SWN. Observa-se perda auditiva em ambas as orelhas, mas maior na orelha direita. Perdas maiores do que 10 decibéis (dB)  em duas ou mais frequências contíguas ou maiores do que 15 decibéis em qualquer frequência única sugerem o diagnóstico de schwannoma vestibular (com sensibilidade de 93% e especificidade menor que 70%).

A partir do resultado da audiometria, podemos classificar as perdas auditivas de acordo com o Quadro 1, uma classificação utilizada internacionalmente.

O Quadro 1 é apenas uma orientação, porque as pessoas toleram de forma diferente sua perda auditiva. Algumas se sentem muito mal no grau 2, enquanto outras suportam relativamente bem o grau 3.

Por isso, a pessoa com NF2-SWN deve escolher o momento em que a sua perda da discriminação da fala se tornou um problema tão importante que precisa ser corrigido, mesmo com os riscos de algumas sequelas.

A capacidade de discriminação da fala deve ser a informação necessária para ajudarmos a pessoa com NF2-SWN a decidir se deseja ou não receber a intervenção cirúrgica ou medicamentosa.

Para isso, devemos indicar as audiometrias seriadas (a cada seis meses, se não houver novos sintomas antes).

A progressão rápida da perda auditiva (de um grau ou mais em seis meses, por exemplo) é um dos critérios que devem ser levados em conta para a decisão ou não de tratar (ver abaixo um exemplo verdadeiro em nossa experiência).

Esta perda auditiva progressiva e relevante para a pessoa com NF2-SWN combinada com o tamanho do tumor é que orientam nossas sugestões terapêuticas.

 

Zumbido

Em algumas pessoas o zumbido pode ser o primeiro sintoma, acompanhado ou não da perda auditiva. Dependendo da progressão da perda, nos primeiros momentos o incômodo pode ser leve, a pessoa não perceber e continuar sentindo o zumbido, achando que uma hora vai passar, sem relacionar com uma possível doença.

É importante que o zumbido não seja banalizado, pois ele pode ser um indicativo de perda auditiva. Há pessoas que não desenvolvem o zumbido, mas noutras ele pode ser o sinal mais importante (11%).

 

TAMANHO DO TUMOR

Sabendo que não existe maneira de conhecer o comportamento futuro de um schwannoma que acaba de ser diagnosticado, o método de escolha para avaliar o tamanho dos schwannomas vestibulares é a ressonância magnética (RNM) seriada a cada 6 ou 12 meses (ou antes, se surgirem novos sintomas neurológicos).

Com o resultado da RNM podemos classificar o tamanho do schwannoma segundo a Figura 2.

Figura 3 – Escala de Koos para schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN. Grau 1 – Tumor pequeno, restrito ao canal auricular interno. Grau 2 – Tumor médio, avançando para dentro do ângulo bulbopontino, mas sem contato com o tronco cerebral. Grau 3 – Tumor grande, ocupando a cisterna bulbopontina, mas sem contato com o tronco cerebral. Grau 4 – Tumor muito grande com deslocamento de nervos e compressão do tronco cerebral. Observa-se a progressiva compressão do nervo facial com o crescimento do schwannoma.

 

Esta classificação nos ajuda a compreender algumas situações:

  1. Os tumores de grau 1 a 3 ainda não ameaçam a vida e por isso podem ser analisados com mais tranquilidade do que os schwannomas maiores (Grau 4).
  2. Quanto maior o tumor, maior a dificuldade de preservar a audição e o nervo facial, porque o nervo facial está muito próximo ao nervo vestíbulo coclear.
  3. A localização do tumor é 80% das vezes no ramo vestibular (equilíbrio) e 20% no ramo coclear (audição), apesar da audição estar mais afetada do que o equilíbrio (este dado precisa ser confirmado nas pessoas com NF2-SWN).
  4. As técnicas cirúrgicas variam de acordo com o tamanho do tumor.

 

QUAIS SÃO OS TRATAMENTOS POSSÍVEIS?

 

A ideia principal no tratamento dos problemas causados pela NF2-SWN é que estamos diante de uma doença:

  • Crônica (ainda sem cura cirúrgica ou medicamentosa)
  • Limitante (especialmente pela surdez e sequelas cirúrgicas, tumores medulares)
  • Potencialmente fatal (compressão do tronco, hidrocefalia, cirurgias, convulsões)
  • Hereditária (há chance de 30 a 50% de passar a variante patogênica para um filho ou uma filha)

Assim, precisamos pensar nos cuidados médicos no longo prazo, procurando antecipar as possíveis complicações e limitações.

A associação The Children’s Tumor Foundation publicou uma cartilha (ver aqui – em inglês) com orientações importantes para as pessoas com NF2-SWN, que adaptamos para a população brasileira abaixo.

 

Coordenação clínica

O primeiro passo para o tratamento, depois do diagnóstico confirmado de NF2-SWN (ver aqui), é a escolha de um (a) médica (o) com experiência em neurofibromatoses para coordenar a observação ativa (ver abaixo), as reavaliações, intercorrências, exames e especialistas que podem ser necessários ao longo da vida.

 

Grupos de ajuda

A participação em grupos de pessoas com neurofibromatoses pode ser fonte de informação e conforto psicológico. Participe da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatoses (AMANF – clique aqui) ou de outras associações semelhantes que existem em vários países.

 

Aconselhamento genético

É sempre importante realizar o painel genético para identificar o diagnóstico preciso da Schwannomatose (ver aqui).

Sabendo que a NF2-SWN é hereditária (30 a 50% de chance de transmissão da variante patogênica a descendentes), é fundamental ajudar as pessoas no controle de natalidade e planejamento familiar, incluindo a discussão sobre a fertilização in vitro com seleção de embriões.

O diagnóstico da NF2-SWN numa pessoa que já possui filhas ou filhos traz uma questão delicada sobre se deve ou não ser investigada a transmissão da variante para descendentes e quando seria o momento adequado para fazer esta investigação. Geneticistas estão habilitadas (os) a orientar eticamente estas decisões.

A sugestão do Children´s Tumor Foundation é de que crianças com possibilidade de terem herdado uma variante patogênica da NF2-SWN devem realizar:

  • Avaliação oftalmológica nas primeiras semanas de vida e anual até os dez anos de idade.
  • Ressonância magnética se houver algum problema neurológico e em torno dos 10 aos 14 anos.
  • Painel genético depois dos 18 anos ou quando puder tomar esta decisão.

Por enquanto, o SUS ainda não oferece nem o exame genético e nem a fertilização in vitro, o que tem sido uma pauta entre as lutas de associações de pacientes, como da AMANF.

 

Oftalmologia

A possibilidade de opacificação do cristalino nas pessoas com NF2-SWN (chamada catarata juvenil ou catarata subcapsular posterior) exige que a capacidade visual seja regularmente avaliada por oftalmologista experiente em neurofibromatoses (ver mais informações aqui).

 

Fonoterapia

A terapia fonoaudiológica pode ajudar na convivência com a baixa audição e com o zumbido. Além disso, pode orientar na aquisição da linguagem labial e na linguagem de sinais, que devem ser aprendidas enquanto há audição.

Além disso, a fonoaudiologia pode ajudar na adaptação de atividades da vida diária, como a vida social, uso de telefones e televisão.

 

Apoio psicológico

Os impactos psicológicos da NF2-SWN são profundos e a pessoa acometida assim como sua família geralmente necessitam de apoio especializado para conseguir superar as limitações e levarem uma vida com boa qualidade.

 

Fisioterapia

Fisioterapeutas podem auxiliar na recuperação da paralisia facial e tratamento do desequilíbrio e perda de força que eventualmente venham a ocorrer.

 

Observação ativa

Significa reavaliar periodicamente os sintomas clínicos, em especial a função auditiva e a  visão (risco de catarata) e o tamanho dos schwannomas. Esta parece ser a melhor conduta para a maioria das pessoas com NF2-SWN. A observação ativa pode variar de alguns anos a poucos meses sem qualquer tratamento cirúrgico ou quimioterápico.

Var abaixo o fluxograma da observação ativa e outras condutas, considerando a perda auditiva e o tamanho do schwannoma. Adaptamos o resumo das recomendações do Consenso de 2012 e de 2020 na Figura 3 abaixo.

 

 

Figura 3 – Fluxograma da observação ativa e outras condutas para os schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN. Adaptado dos Consensos de 2012 e 2020. Observação: Nos manuais de cirurgia recomenda-se cirurgia em um dos tumores bilaterais no Grau 1 com a intenção de preservar a audição, mas não conseguimos dados mostrando este desfecho favorável.

 

Ressecção cirúrgica

A cirurgia (ressecção parcial ou total) de um schwannoma deve ser sugerida à pessoa com NF2-SWN e sua família quando:

  • O tumor ameaçar a vida (Grau 4 da classificação de Roos).
  • Houver piora clínica (audição e outros sintomas) desde a última consulta.
  • Seja mais provável a preservação da audição do que sua perda (ver fluxograma acima).
  • Tumores menores do que 1,5 cm são candidatos à primeira cirurgia.
  • A pessoa esteja consciente de que o risco pós-operatório de paralisia facial é de cerca de 30%.
  • A pessoa esteja consciente de que o risco de zumbido pós-operatório é de cerca de 40%.
  • A monitorização contínua do nervo facial seja garantida durante a cirurgia ([1]).
  • A equipe cirúrgica tenha experiência com schwannomas vestibulares em pessoas com NF2-SWN.

 

Radio cirurgia e radioterapia

São ambos tratamentos contraindicados nas pessoas com NF2-SWN por risco de transformação maligna. No entanto, esta técnica tem sido indicada nas pessoas com schwannomas esporádicos (sem NF2-SWN) menores do que 3 cm. As condições e habilitação da equipe cirúrgica podem entrar no cálculo dos riscos e benefícios.

 

Medicamentos

Até o presente momento, apenas o medicamento bevacizumabe tem se mostrado útil em casos selecionados de schwannomas vestibulares em pessoas com NF2-SWN (ver aqui comentário detalhado sobre este medicamento).

 

Aparelhos auditivos

Comuns

Os aparelhos auditivos comuns (usados nas pessoas idosas, por exemplo), que apenas aumentam a intensidade do estímulo sonoro em determinadas frequências, não funcionam adequadamente nas pessoas com NF2-SWN.

Implantes

Quando os tumores ou o resultado das cirurgias resultaram em surdez completa, aparelhos auditivos especiais podem ser implantados na cóclea (se houver nervo coclear funcional) ou no tronco cerebral. Estas possibilidades podem ser compreendidas e discutidas com especialistas a partir desta revisão científica de 2016: “Restauração da audição em pacientes com NF2” (ver aqui artigo completo em inglês).

 

Dúvidas e sugestões

Estas informações podem ser melhoradas com sua ajuda.

Envie-nos suas dúvidas, sugestões e críticas para rodrigues.loc@gmail.com

 

Assinam este texto:

 

Profa. Dra. Juliana Ferreira de Souza

Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – Coordenadora do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG

 

Dra. Luíza Cançado Guerra D’Assumpção

Neurocirurgiã com Mestrado e Doutoranda em Neurocirurgia na Universidade Federal de Minas Gerais

 

Prof. Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Professor Aposentado da UFMG e Diretor Administrativo da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose (AMANF)

 

Belo Horizonte, janeiro de 2024

Agradecemos as leituras e as ótimas sugestões de: Ramon Cosenza, Thalma de Oliveira Rodrigues, Fabíola A.A. Rocha Bastos, Érica Onofre e Aline da Silva Freitas.

[1] Importante ressaltar que a abordagem cirúrgica deve acontecer com monitoramento tanto nos schwannomas nos pares cranianos que possam ser afetados pela cirurgia quanto na coluna, permitindo à equipe decidir a melhor abordagem, se deve remover todo o tumor ou manter parte dele para preservar os nervos ao redor.

 

 

 

 

 

 

Uma pessoa com neurofibromatose do tipo 2 (NF2), que foi atendida por nós no CRNF, enviou-nos um estudo científico publicado recentemente (clique aqui para ver o artigo em inglês) (2021), que sugere que o medicamento Losartana (usado habitualmente no tratamento da hipertensão arterial) poderia reduzir a perda de audição causada pelos tumores (schwannomas vestibulares) que surgem na NF2.

Em resumo, as informações do artigo foram:

  • os schwannomas apresentam fibrose no interior do tumor e esta fibrose está relacionada com a baixa da audição;
  • a fibrose reduziria a circulação do sangue, que poderia ser a causa da redução da audição;
  • a losartana poderia reduzir a fibrose, melhorando a audição;
  • usando camundongos com a NF2, observaram que a losartana, de fato, reduziu a fibrose e preveniu a perda auditiva;
  • relataram também um estudo retrospectivo no qual pessoas com schwannomas vestibulares usando losartana (para tratar sua pressão alta) mostraram melhor função auditiva do que os demais sem losartana;
  • então concluíram que o estudo fornece a justificativa e os dados críticos para um ensaio clínico prospectivo de losartan em pacientes com schwannomas vestibulares.

Diante disso, pedimos à Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, médica clínica e especialista em avaliação de novas tecnologias em saúde, que analisasse o estudo científico. Agradecemos a pronta resposta da Dra. Luíza e a publicamos abaixo.

“A pesquisa realizada por Wu e colaboradores é um estudo pré-clínico, com modelo animal, portanto, do ponto de vista da análise crítica em Medicina Baseada em Evidências é uma evidência científica de muito baixa qualidade, no que diz respeito à sua utilidade na tomada de decisão na clínica para seres humanos.

Do ponto de vista metodológico, parece um estudo bem-feito. A plausibilidade biológica, ou seja, a justificativa do estudo pareceu sólida, mas, por não ser exatamente a minha área, posso estar enganada. Os animais foram randomizados (cerca de 8 animais em cada grupo), es examinadores eram cegues quanto à intervenção, os experimentos foram repetidos 3 vezes. Então, parece um bom estudo pré-clínico.

No entanto, não ficou claro qual a dose da losartana seria equivalente para produzir o mesmo efeito em seres humanes e se o seu uso seria sistêmico.

Do ponto de vista de aplicação dos resultados a seres humanes temos as seguintes dúvidas:

  • Qual a dose necessária em humanos para produzir o mesmo efeito?
  • Em pacientes não hipertensos, os efeitos colaterais seriam toleráveis? Qual seria a duração do efeito em humanos, se houver?
  • Seria usada somente como prevenção ou também para retardar perdas já instaladas?
  • A losartana é um medicamento de baixo custo, mas os autores do estudo insinuam que possa ser usada com outro medicamento, o bevacizumabe (anticorpo monoclonal) de alto custo, e que não teve efeito bom no tratamento dos tumores vestibulares na NF2.
  • Como o bevacizumabe causa hipertensão, poderia ser um pretexto para tentar recuperar o uso do bevacizumabe junto com a losartana (é sugerido no estudo que losartana possa ter efeito sinérgico tanto com o bevacizumabe quanto com a radioterapia).
  • No entanto, é bom lembrar que os consensos internacionais não indicam radioterapia nas pessoas com NF2!

Em conclusão, como recomendação possível, diante desse estudo, sugiro que:

  • A losartana seja indicada para pacientes com NF2 que TAMBÉM precisam de anti-hipertensivos por qualquer outra causa – não vejo impedimentos de que a primeira linha de tratamento desses pacientes seja a losartana.
  • Para outros pacientes com NF2, mas sem indicação primária para a losartana, é muito cedo pra indicarmos a losartana para tratar ou prevenir perda auditiva relacionada aos schwannomas vestibulares.

Belo Horizonte, 10 de março de 2023

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

 

Observação: 

O Dr. Jorge Sette, cardiologista, também leu o artigo acima e acrescentou que, na sua impressão, observando o seu uso em certas doenças cardíacas, a Losartana não seria tão eficiente para reduzir a fibrose em seres humanos quanto aparentou ser nos camundongos utilizados na pesquisa.

 

Apresentei esta situação clínica para colegas com experiência em neurofibromatoses e as respostas estão reproduzidas abaixo na ordem em que chegaram.

Levando em conta os aspectos mais importantes na resposta de cada especialista, ao final resumo algumas condutas que procuram respeitar a maioria das respostas enviadas.

 

Atenção para a decisão compartilhada

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues (Especialista em Medicina Baseada em Evidências)

A Dra. Luíza lembra a necessidade de adotarmos “a abordagem da Decisão Compartilhada, na qual a opção de investigação genética sempre deve ser discutida. Ela deve ser exposta, com seus prós e contras, para a pessoa e sua família decidirem. Segundo ela, talvez não venhamos a encontrar evidências suficientes para respaldar apenas uma abordagem (aprofundar a investigação) ou outra (acompanhamento clínico apenas) de forma definitiva. Pois o balanço de risco/benefício parece bastante equilibrado. Assim, cabe a nós (equipe médica) somente expor as opções, tentando ajudar a pessoa e sua família a perceberem qual é o seu próprio desejo e/ou necessidade.

Como exemplo, alguns artigos discutem essa questão de uma perspectiva ética. Em um deles, sobre realizar ou não teste genético para diagnosticar uma doença (não NF) que só traria sintomas mais tarde e pra qual só há tratamento quando se manifesta (bastante análogo à situação aqui), observou-se que quando perguntadas, cerca de 1/3 das pessoas queria fazer um teste para sabe o diagnóstico; 1/3 não queria saber; e 1/3 cogitaria fazer o teste. Ou seja, um resultado no qual uma recomendação única não é possível.

Portanto, é fundamental a escuta dos desejos da família e da criança e a exploração dos cenários em relação ao teste e seus resultados”.

 

Algumas medidas podem ser definidas

 Dr. Vincent Riccardi (médico na Califórnia e pioneiro no atendimento das NF)

Dr. Nilton Alves de Rezende (professor da UFMG e fundador do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – CRNF)

Dr. Riccardi afirma que todas as crianças com menos de 5 manchas café com leite e sem outros critérios para NF1 devem realizar exame oftalmológico para afastar Nódulos de Lisch, alterações da coroide, membranas epirretinianas e opacidades do cristalino.

Ele também recomenda a análise do painel genético para os genes NF1, NF2 e SPRED1, pois o primeiro passo é “identificar uma variante patogênica causal, que nos permite tentar auxiliar as famílias a diferenciar o que são achados da doença, suas manifestações e suas eventuais complicações. Porque as informações que já dispomos nos tornam aptos a reduzir o fardo do diagnóstico para as famílias”.

Dr. Nilton tem uma visão semelhante e concorda com a indicação dos exames oftalmológico e genético, reforçando a necessidade da tomografia de coerência óptica em torno dos 5 anos.

 

Cuidado com o peso da informação médica

Dr. Bruno Cezar Cota Lage (responsável pelo atendimento no CRNF e doutorando na FM da UFMG)

O Dr. Bruno respondeu que concorda com a Dra. Luíza, embora lembre que há uma tendência dos pais para optarem pelo teste genético.

“Em muitas dessas situações, após eu explicar os prós e contras, a família me pergunta o que eu faria na situação vivida por eles. É uma pergunta difícil de responder, pois tenho que contextualizar o fato de eu ser especialista na doença, como um peso na balança a favor de realizar a investigação genética. Por maior que seja a minha empatia e a compreensão de todo o contexto, não sei se conseguimos a dimensão exata dos sentimentos dos pais. Ao final, nessas ocasiões tenho a sensação um pouco frustrante de que a minha fala final, por mais cuidadosa que seja, interfere diretamente na decisão tomada pelos pais, quando optam por fazer o exame genético.”

 

A especificidade de cada caso

Dra. Rayana Elias Maia (geneticista, com doutorado em NF)

A Dra. Rayana concorda que é realmente uma tarefa difícil escolhermos uma conduta única, pois é fundamental avaliar caso a caso. Ela lembra que “o tipo, tamanho e distribuição das manchas no corpo vão orientar melhor a conduta. Diante de manchas café ao leite “típicas” sem outro critério para NF1 e nenhuma outra alteração clínica (dismorfias, malformação, baixa estatura/peso ou atraso do desenvolvimento neuropsicomotor) ela tem orientado para que se mantenha uma observação de sinais e sintomas de alerta, programando alguma reavaliação se for uma criança muito pequena.

 Tanto na Neurofibromatose do tipo 2 quanto na Schwannomatose (SCW) as manifestações são mais tardias e sem tratamento específico de forma geral. Além disso, na criança sem outros sintomas, considerando que também existe a chance de a investigação vir normal ou com variantes de significado incerto, deve-se discutir com a família a possibilidade de seguimento clínico”. 

 Dra. Rayana concluiu que, “apesar da angústia para “desvendarmos” o significado das manchas, encontrar variantes duvidosas também gera ansiedade. Além disso, é angustiante chegar a um diagnóstico em uma idade em que não há benefício clínico e que pode acarretar impacto psicológico nos menores portadores e suas famílias diante da incerteza do prognóstico”. 

 

A partir das respostas acima, vejamos a seguir algumas condutas possíveis para crianças com menos de 5 manchas café com leite e sem outros critérios diagnósticos.

 

1 – Quando as manchas são mais “típicas

O formato mais comum de manchas café com leite nas pessoas com NF1 são manchas ovaladas, de limites precisos e tonalidade homogênea, geralmente de 10 a 30 mm de diâmetro e algumas podem ter as bordas um pouco irregulares.

  1. Quando menos de 5 manchas desse tipo estão presentes também em um dos pais (ou ambos, ou irmãos), mas sem quaisquer outros critérios para NF, podemos considerar como diagnóstico provável a mancha café com leite familial (2, 3) (um polimorfismo no gene NF1). Neste caso, sugerimos vida normal.
  2. No entanto, quando a criança é o primeiro caso na família, precisamos considerar a possibilidade de ser: NF1 em mosaicismo ou Síndrome de Legius em mosaicismo ou NF2 ou Schwannomatose (SCW), pois todas estas situações, EMBORA MUITO MAIS RARAS, podem apresentar manchas café com leite em pequeno número.
  • Manchas agrupadas – Se as manchas estão agrupadas em apenas alguma parte do corpo, há uma possibilidade de ser qualquer uma das doenças acima na sua forma em mosaicismo. A foto abaixo foi feita em uma criança com suspeita de NF1 ou Legius em mosaicismo – notar que ela apresenta manchas café com leite e efélides em apenas um segmento do corpo: a parte direita do tórax).

 

 

  • Manchas espalhadas pelo corpo – Se não há indícios de mosaicismo, há a possibilidade de ser NF do tipo 2 ou Schwannomatose (SCW).

Em todas as situações acima, é preciso considerar na Decisão Compartilhada se devemos dar continuidade à investigação genética ou mantermos apenas a observação clínica por uns anos, monitorando outros sinais ou sintomas.

Devemos lembrar aos pais que NF1 em mosaicismo, Legius em mosaicismo, NF2 e SCW, são doenças ainda incuráveis. Se pedirmos a análise do painel genético e o resultado vier negativo, todos ficaríamos tranquilos. Mas se o resultado for positivo para NF1, Legius, NF2 ou SCW, ele adicionaria um sofrimento antecipado à família, que passaria muitos anos à espera das possíveis e variáveis manifestações destas doenças.

Assim, é preciso discutir com a família se haveria alguma vantagem para a criança em saberem algum destes diagnósticos com tanta antecedência.

 

2 – Quando as manchas são “atípicas”

Denominamos de manchas café com leite atípicas aquelas que são irregulares, de limites imprecisos e tonalidade variável, muitas delas maiores do que 3 cm.

Estas manchas podem estar ou não associadas a outros sintomas, especialmente neurológicos e musculoesqueléticos.

Quando se distribuem em grandes áreas formando mosaicismos, devemos considerar a possibilidade de ser mosaicismo pigmentar, uma condição congênita de variação na expressão do genoma das células da pele durante a fase embrionária, que podem ser benignas ou estarem associadas a outras doenças genéticas.

Em 2018, uma revisão extensa sobre mosaicismo pigmentar mostrou que uma parte das pessoas (cerca de 30%) apresenta outras alterações clínicas de gravidade variável, indicando a necessidade de complementação diagnóstica.

Assim, devemos discutir na Decisão Compartilhada a indicação de consulta com geneticista para investigar as doenças possíveis sugeridas pelo artigo de revisão.

 

Finalmente, não devemos esquecer que as manchas café com leite podem estar presentes em outras condições clínicas, como:

  • Mancha café com leite isolada (10% da população)
  • Síndrome de deficiência de reparo do DNA
  • Síndrome de Noonan
  • Piebaldismo
  • Síndrome de Bloom
  • Anemia de Fanconi

Para saber o diagnóstico diferencial destas doenças, VER NOSSO ARTIGO – EM INGLÊS – 2014.

 

Conclusão

A presença de menos de 5 manchas café com leite numa criança sem outros sinais ou sintomas geralmente significa um bom prognóstico, mas a conduta a ser seguida constitui um desafio clínico para a equipe médica e uma decisão difícil para as famílias.

 

Dr Lor

Abril de 2022

 

Referências

  1. Revisão sobre mosaicismo pigmentar – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5839061/pdf/13023_2018_Article_778.pdf
  2. Manchas café com leite familiares Arnsmeier SL, Riccardi VM, Paller AS. Familial multiple cafe au lait spots. Arch Dermatol 130(11):1425-6, 1994.
  3. Manchas café com leite familiares https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1051784/

 

 

Amigas e amigos da AMANF

 

Estamos preparando nossa reunião anual no ia 19/12 às 16 horas.

Uma pessoa com neurofibromatose do tipo 2 (NF2) e deficiente auditiva manifestou o desejo de participar de nossa reunião, mas ela precisa de intérprete de libras para compreender e participar daquilo que estivermos conversando.

Alguém conhece alguém que possa nos ajudar neste sentido?

Abraços,

Dr Lor

Nova revisão (ver aqui o artigo completo em inglês) sobre os resultados de 19 pessoas com NF2 que usaram o medicamento bevacizumabe para redução dos tumores (schwannomas vestibulares) mostrou que o bevacizumabe parece:

  1. diminuir a velocidade de crescimento dos tumores com tendência a preservar a audição
  2. a maioria das pessoas interrompe o tratamento por causa da toxicidade
  3. alguns pacientes apresentam retorno do crescimento dos tumores depois de interromper o medicamento.

Esta revisão traz resultados semelhantes aos apresentados aqui em 2016  CLIQUE AQUI e coerentes com as recomendações do congresso em Paris em novembro de 2018 CLIQUE AQUI

Portanto, nossa impressão é de que devemos usar o bevacizumabe em casos bem selecionados, por exemplo, nos quais a cirurgia não possa ser feita ou há grande crescimento dos tumores (schwannomas vestibulares).

Dr Lor – novembro 2023

Acaba de ser publicado (15/5/19) numa das melhores revistas científicas internacionais de oftalmologia o trabalho realizado pela Dra. Vanessa Waisberg e colaboradores no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Dra. Vanessa Waisberg e seus colaboradores descreveram três novas mutações que atingem o gene NF2 no cromossomo 22, as quais levam à manifestação clínica da neurofibromatose do tipo 2 (tumores no nervo vestibular, catarata juvenil, tumores cerebrais e outras complicações).

No artigo científico também são descritas as alterações oculares observadas no exame oftalmológico e na tomografia de coerência óptica das pessoas com NF2 que foram voluntárias na pesquisa. Além disso, análises das alterações moleculares (bioquímicas e genéticas) foram descritas.

Os resultados apresentados aumentam o conhecimento internacional sobre a neurofibromatose do tipo 2 e devem beneficiar o diagnóstico e orientar o tratamento de pessoas com NF2 em todo o mundo. A cada novo conhecimento construído, damos mais um passo em direção à cura futura da doença.

O artigo (em inglês) tem o título: “Alterações oculares, achados moleculares e três novas mutações patológicas numa série de pacientes com NF2”. Os autores são Vanessa Waisberg, Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, Márcio Bittar Nehemy, Luciana Bastos-Rodrigues e Débora Marques de Miranda. A revista científica é a Graefe’s Archive for Clinical and Experimental Ophthalmology (endereço eletrônico https://doi.org/10.1007/s00417-019-04348-5 ).

O estudo foi feito como parte do doutorado da Dra. Vanessa Waisberg e só foi possível ser realizado por causa da estrutura PÚBLICA da Universidade Federal de Minas Gerais e com os recursos financeiros PÚBLICOS fornecidos pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento da Pesquisa e Tecnologia) no ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatose do Hospital das Clínicas (PÚBLICO) dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) (PÚBLICO).

Quem disse que nossas universidades públicas não produzem conhecimento?

Se  desejar ver o artigo completo em inglês clique aqui https://rdcu.be/bCncE

Dra. Vanessa Waisberg recebendo o Prêmio Varilux pelo seu trabalho científico.

A médica e oftalmologista Vanessa Waisberg apresentou sua tese de doutorado, e foi aprovada por unanimidade, no dia 1 de fevereiro de 2019, no Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

O título de seu estudo foi: “Alterações genéticas e oftalmológicas na neurofibromatose do tipo 2” e a banca examinadora foi formada por seis professores com doutorado em oftalmologia, genética, clínica médica e medicina molecular. Foram eles, a orientadora Débora Marques de Miranda (orientadora), Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (co-orientador), Márcio Bittar Nehemy (co-orientador), Daniel Vitor de Vasconcelos Santos, Galton Carvalho Vasconcelos, Juliana Garcia Carneiro, Antônio Marcos Alvim Soares Junior e teve como suplente Marco Aurélio Romano.

A Dra. Vanessa Waisberg mostrou que o exame oftalmológico especializado utilizando a tomografia de coerência óptica permitiu a identificação de sinais específicos nos olhos das pessoas com NF2. Estes sinais foram correlacionados com as alterações genéticas encontradas no exame do DNA e esta associação permitiu uma melhor definição do diagnóstico e orientação do prognóstico da doença em cada pessoa examinada. Além disso, o estudo apresentou três novas mutações patológicas do gene NF2 que ainda não haviam sido descritas.

Parte dos resultados já foram comentados neste site da AMANF (VER AQUI) e publicados numa das melhores revistas mundiais de Oftalmologia (artigo em inglês VER AQUI ). Além disso, foram apresentados e citados no Congresso Mundial sobre Neurofibromatoses realizado em Paris em novembro de 2018 e receberam o principal prêmio para trabalhos científicos em Oftalmologia, o Prêmio Varilux (reportagem do Jornal Brasileiro de Oftalmologia: VER AQUI). O restante dos resultados deve ser publicado em breve.

Durante a defesa da sua pesquisa, os resultados da Dra. Vanessa Waisberg foram comentados por todos os membros da banca, que elogiaram o seu trabalho e fizeram sugestões e críticas importantes que serão incorporadas ao texto final a ser impresso para o banco de teses de doutorado da UFMG.

É importante lembrar que a Dra. Vanessa realizou a defesa de sua tese com clareza, boa disposição e bom humor, considerando que ela está esperando seu segundo filho para os próximos dias. Desejamos toda a felicidade para ela e sua família e estamos esperando seu retorno ao trabalho após a merecida licença maternidade.

Para finalizar, durante a banca, li a carta abaixo.

 

Empatia, Ética e Emoção

Sinto-me honrado por participar deste grupo de cientistas que avaliam o estudo da Dra. Vanessa Waisberg sobre alterações oculares e genéticas em pessoas com Neurofibromatose do tipo 2 (NF2).

Enquanto ela desenvolvia sua pesquisa nestes últimos anos, como co-orientador do seu doutorado, pude observar sua grande capacidade profissional como médica e oftalmologista e suas exemplares qualidades pessoais.

Uma banca de doutorado tem por meta avaliar diversas habilidades da doutoranda, muito além das virtudes científicas da pesquisa realizada. A originalidade, a adequação dos métodos, a confiabilidade dos resultados, a pertinência da discussão e o impacto do conhecimento gerado devem ser objeto de apreciação da banca. No entanto, este papel da análise do estudo realizado durante o doutorado muitas vezes vem sendo realizado pelas revistas científicas, permitindo que a banca possa se dedicar à avaliação das outras qualidades da doutoranda.

Devo, então, examinar alguns critérios que indicam a plena capacidade da Dra. Vanessa Waisberg para receber o título de Doutora, o qual significa que ela estará habilitada para realizar pesquisas científicas de forma autônoma assim como ensinar ciência. É esta capacitação da Dra. Vanessa Waisberg que desejo comentar.

Observei o compromisso da Dra. Vanessa Waisberg com a busca pela verdade científica enquanto reuníamos pessoas voluntárias acometidas pela NF2, as quais foram submetidas a avaliações clínicas, oftalmológicas e genéticas que resultaram em novas informações relevantes e inéditas para o cuidado médico com portadores de NF2 e suas famílias. 

Informações cientificamente obtidas são fundamentais numa época em vivemos, na qual a verdade vem sendo relativizada, numa onda anti-civilizatória patrocinada por líderes populistas em várias partes do mundo. Enfrentamos hoje uma cultura demagógica na qual as versões pessoais e subjetivas, construídas pelas paixões políticas, alcançam o mesmo valor que a opinião construída por especialistas a partir de fatos e pesquisas.

Informações científicas verdadeiras deveriam constituir a maior riqueza contemporânea, pois são a única alternativa para que a humanidade resolver suas questões de sobrevivência num planeta ameaçado pelo aquecimento global e pela desigualdade econômica.

Foi em busca de informação científica que a Dra. Vanessa Waisberg utilizou tecnologia de ponta na oftalmologia e na genética para estudar as pessoas com NF2. Sua contribuição passa a integrar a enorme quantidade de dados científicos que são disponibilizados mundialmente a cada dia.

Informações em grande escala, os chamados big data, permitem a construção de sistemas de inteligência artificial, um recurso tecnológico em expansão, que pode ajudar a medicina a enfrentar as doenças, em especial aquelas mais de cinco mil doenças raras, entre elas a NF2.

A inteligência artificial já permite à medicina aumentar sua precisão nos diagnósticos e a descoberta de novos tratamentos. Alguns sistemas de inteligência artificial já superam seres humanos no diagnóstico e algoritmos para tratamento de muitas doenças.

No entanto, apesar do enorme potencial da inteligência artificial, como aprendi com o cientista da computação Juliano Viana, ela não pode, pelo menos por enquanto, superar o ser humano em três campos: da empatia, da ética e da emoção. São justamente estes três aspectos que desejo relembrar do convívio no trabalho com a da Dra. Vanessa Waisberg.

Primeiro, mesmo sabendo que a NF2 é uma doença rara, Dra. Vanessa Waisberg demonstrou empatia para com a questão científica de grande importância para as pessoas e suas famílias com a doença, que é saber se podemos melhorar nossa capacidade diagnóstica e prognóstica da NF2. Ela abraçou a pergunta com entusiasmo e se dedicou a inúmeras horas de estudo numa revisão extensa da literatura. Seu esforço resultou num método de pesquisa que respondeu afirmativamente, sim, podemos aumentar a segurança do diagnóstico e orientar melhor o tratamento e o prognóstico.

Na condução de sua pesquisa, a Dra. Vanessa Waisberg se pautou pela ética, refletindo cuidadosamente a cada passo sobre as consequências de seus atos como médica e cientista. Se estamos diante do resultado de um exame genético de uma pessoa, quantos desdobramentos de nossa informação sobre sua vida podemos prever? Posso testemunhar que a Dra. Vanessa agiu com todo o cuidado necessário numa pesquisa envolvendo informações genéticas.

Finalmente, acompanhei a emoção da Dra. Vanessa Waisberg diante das pessoas com NF2, tanto na coleta dos dados quanto na entrega dos resultados, quando irradiava discretamente sua felicidade com os resultados com melhor prognóstico e visivelmente se comovia solidária com os casos mais graves. Sua solidariedade traduziu-se também no compromisso ético de dar continuidade ao pronto acompanhamento oftalmológico gratuito para as pessoas com NF2 que se voluntariaram para a sua pesquisa.

Portanto, em conclusão, é com enorme alegria que reconheço na Dra. Vanessa Waisberg todas as qualidades necessárias, acadêmicas, científicas, éticas e humanitárias, para seu título de Doutora.

Parabéns e longa vida dedicada à construção da Ciência.

LOR

Fevereiro de 2019