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Nos posts anteriores falamos sobre o possível excesso de diagnósticos de transtornos do comportamento, sobre o papel da família e da sociedade nestes transtornos e sobre a incerteza que existe nos manuais de diagnóstico de transtornos mentais.

Hoje concluímos nossa apresentação sugerindo algumas abordagens para as crianças com o TDDH.  Ainda não há um tratamento específico para esse transtorno, mas as sugestões dos Manuais  são:

  • A avaliação psicológica e psicoterapia deve ser a primeira abordagem da criança com suspeita de TDDH;
  • Os pais e mães (e quem mais for responsável por criar a criança) também devem participar de psicoterapia (para aprender a manejar seus próprios impulsos e raiva) e receber treinamento adequado para serem instrutores de suas crianças, e ajudarem no desenvolvimento do autocontrole e de manejos dos gatilhos que desencadeiam as crises;
  • A abordagem da hiperatividade com medicamentos pode ser útil, mas não é sempre eficaz (e nas crianças com NF1 a eficácia desses tratamentos é ainda menos estabelecida cientificamente: ver um estudo aqui e outro aqui).
  • Não há ainda estudos científicos que justifiquem o uso de estimulantes do sistema nervoso (por exemplo, metilfenidato) associados a antipsicóticos (risperidona, por exemplo).

Por fim, mas não por último, todas estas medidas serão pouco eficientes se não transformarmos a estrutura familiar, a escola e a sociedade num mundo com menos competição, menos foco em obediência e mais guiado pela felicidade humana e não pelo lucro e produtividade.

Crianças e adolescentes precisam de liberdade sem medo, de corpos e mentes livres, pelo menos um pouco longe das telas e das redes sociais, com atividades físicas lúdicas e prazerosas. Precisam também de alegria de viver e de esperança num futuro melhor, em um mundo menos desigual, mais justo e inclusivo.

Há muitos movimentos, de grupos da sociedade que estão preocupados com o futuro, que podem nos ajudar a mudar nossas ações hoje, apontando novos caminhos, como o Movimento Desconecta (https://www.movimentodesconecta.com.br/), o Movimento Infância Livre de Consumismo (https://milc.net.br/) e a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável (https://alimentacaosaudavel.org.br/).

E nós, pais e mães dos tempos atuais, precisamos encontrar mais leveza e mais alegria na nossa convivência em família e na educação de nossos filhos e filhas, pois eles crescem rápido demais, especialmente se estivermos muito ocupados trabalhando, alheios ao presente, muito distraídos pelos nossos celulares e muito preocupados com o futuro adulto que um dia eles serão (veja um livro interessante sobre gestão do tempo aqui https://a.co/d/8DvIxR6).

Talvez, nesse novo mundo, que podemos construir com as ações de hoje e de cada dia, serão mais raras as crianças e adolescentes (e talvez os adultos) com TDDH, depressão, TDAH, TOD etc… ?

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

Nos posts anteriores falamos sobre o possível excesso de diagnósticos de transtornos do comportamento, sobre o papel da família e da sociedade nestes transtornos e sobre a incerteza que existe nos manuais de diagnóstico de transtornos mentais.

Com estas perguntas em mente, vamos tentar compreender melhor o Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (TDDH) (ver artigo aqui em inglês), a partir da leitura de uma revisão sobre esse transtorno.

Lembramos que esta é uma revisão do tipo”narrativa” e não “sistemática” (quem desejar saber a diferença, veja aqui  o que isso quer dizer).

É importante ressaltar que, o Manual Americano de Desordens Mentais (DSM) agrupou o (TDDH) junto com os transtornos do humor (dentro do grupo de Transtornos Depressivos) e não com os transtornos do Neurodesenvolvimento (como o TDAH ou TEA) ou os Transtornos de conduta, disruptivos e de controle de impulsos (como o TOD).

O diagnóstico do TDDH pode ser feito a partir dos critérios apresentados na tabela abaixo.

 

Tabela  – Sinais e sintomas para o diagnóstico de Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5 edição, Washington, DC, 2013).

  • Surtos frequentes e graves de raiva (verbais ou comportamentais) desproporcionais à provocação.
  • Os surtos são inadequados para a idade da criança.
  • Ocorrem 3 ou mais vezes por semana.
  • O comportamento habitual entre os surtos é continuamente irritado ou raivoso a maior parte do dia, quase todos os dias e são percebidos por outras pessoas.
  • Este problema tem duração maior que 12 meses, sem intervalo..
  • Estes comportamentos estão presentes em dois ou mais destes ambientes: em casa, na escola e com crianças da mesma idade) e são graves, pelo menos em um destes ambientes.
  • O início dos problemas está presente desde antes dos dez anos de idade.
  • O diagnóstico não é feito antes dos 6 e nem depois dos 18 anos.
  • Sintomas de comportamento bipolar típico (mania ou depressão) não duram mais do que um dia.

Observação: para se fazer o diagnóstico de TDDH, a criança não pode apresentar outros diagnósticos já definidos, como depressão grave, distimia, transtorno no espectro do autismo, desordem de estresse pós-traumático, desordem de ansiedade de separação, transtorno bipolar, desordem explosiva intermitente ou transtorno desafiador opositor e os sintomas não são decorrentes de efeitos de uso de drogas ou problemas neurológicos.

 

Lembrar que os sintomas de TDDH podem estar presente em outros problemas, por exemplo: com o diagnóstico de transtorno depressivo maior (TDM), transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno de conduta (TC) e transtorno por uso de substância (TUS). Aliás, o manual informa que é raro o diagnóstico isolado dessa condição.

Quantas crianças têm TDDH?

Como o transtorno só foi descrito recentemente, as informações não são muito precisas. Por exemplo, há relatos de que poderia estar presente em 1 a cada 100 crianças na população em geral, mas poderia acontecer em até 1 em cada 4 crianças atendidas por problemas de comportamento.

O que causa o TDDH nas crianças?

Ainda não sabemos exatamente. Os estudos genéticos ainda não encontraram hereditariedade definida, embora a presença de outras doenças mentais na família poderiam contribuir para o aparecimento do TDDH.

Ainda não foram realizados muitos estudos específicos (incluindo ressonância magnética funcional) em crianças classificadas com o TDDH. Dados preliminares sugerem que há uma resposta excessiva aos estímulos emocionais numa parte do cérebro chamada “amígdala”. Por exemplo, uma expressão facial neutra pode ser interpretada como sendo agressiva pela criança com transtorno de humor importante (ver estudo sobre isso aqui).

 

Amanhã, concluiremos nossa apresentação apresentando sugestões para o tratamento das crianças com o possível TDDH.

 

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

 

Ontem iniciamos nosso debate sobre transtornos de comportamentos nas crianças e discutimos se estamos vivendo um excesso de diagnósticos de problemas de comportamento.

Hoje, continuamos este assunto perguntando: é possível avaliar a saúde mental das crianças sem envolver sua família e sem levar em conta sua história de vida e a sociedade na qual elas vivem?

Como se diz, é preciso uma vila inteira para criar uma criança.

Sabemos que as doenças mentais são resultado de situações genéticas, sociais, econômicas e históricas. Assim, talvez essas “novas doenças” das crianças sejam um dos resultados das formas de viver que temos adotado, com mais competição, individualismo e todas as pessoas sequestradas pelas telas e redes sociais.

Talvez as crianças estejam percebendo e reagindo subconscientemente à insegurança de um mundo a caminho da crise climática (elas vêem as enchentes trágicas!), com aumento das desigualdades sociais, com menor oportunidade de emprego e ameaçado por guerras nucleares. Será que o caminho para entendermos os problemas de comportamento das crianças pode ser outro, que as ajude a compreender melhor a realidade difícil que estamos vivendo?

É possível esperarmos dos consultórios de neuropediatria e neuropsicologia uma abordagem mais fenomenológica, considerando o comportamento da criança dentro do seu contexto afetivo, familiar e social?

Quem sabe esta abordagem será mais útil, tanto para compreender quanto para tratar os sintomas da desorganização emocional e os transtornos do desenvolvimento das crianças?

Abordagens que incluam olhares mais amplos, para outras formas de lidar com as dificuldades das crianças, assumindo para nós mesmos, enquanto sociedade (família, amigos e amigas, médicos e médicas, escola), a responsabilidade de transformar o entorno da criança em um lugar mais generoso, aberto e divertido, ao invés de somente tentarmos encaixá-la no comportamento que se espera dela.

Amanhã continuaremos a falar de transtornos do comportamento infantil e abordaremos os “rótulos” que têm sido dados às nossas crianças pela medicina e pela psicologia.

 

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

 

 

 

 

Muitas crianças com NF1 apresentam dificuldades de aprendizado e de comportamento, o que tem merecido nossa atenção, e por isso disponibilizamos uma cartilha sobre este assunto (ver aqui).

Entre os problemas de comportamento, algumas crianças apresentam uma mistura de “mal humor (irritabilidade crônica), desatenção, hiperatividade, surtos de agressividade (verbal ou física) e comportamento desafiador e opositivo, com desobediência e teimosia frequentes”.

Uma destas famílias perguntou-nos se este conjunto de comportamentos seria o Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (TDDH), um diagnóstico incluído nos manuais psiquiátricos internacionais desde 2013.

Se uma criança está apresentando esses sintomas de forma frequente e intensa, prejudicando o seu bem estar e a integração social, é importante uma avaliação clínica e psicológica para orientar a criança, sua família, a escola e demais pessoas envolvidas.

No entanto, antes de avançarmos na descrição deste novo diagnóstico, queremos levantar 3 perguntas importantes, que discutiremos hoje e nos próximos dias.

 

 

A primeira delas é: será que há um excesso de “diagnósticos” de problemas de comportamento em crianças?

Será que estamos diagnosticando em excesso o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno no Espectro do Autismo (TEA), o Transtorno Desafiador Opositor (TOD), entre outros? (ver aqui um texto sobre isso: está em inglês, mas o tradutor automático do seu navegador de internet pode ser usado).

Há crianças, adolescentes e adultos que, de fato, têm comportamentos que prejudicam sua vida em sociedade (na família, com amigos e amigas, na escola, no trabalho etc.), algumas delas com graves problemas psiquiátricos e neurológicos. Estas pessoas precisam ser compreendidas e tratadas adequadamente, inclusive aquelas com NF1.

Mas, pode estar havendo também um excesso desses diagnósticos, que “explicam” as coisas, que acham uma “causa” (ou um responsável) e oferecem a possibilidade de um “tratamento” (especialmente medicamentoso).

É sobre esses excessos que nós nos interrogamos.

Há profissionais da educação que consideram que o sistema educacional onde estão nossas crianças é organizado para preparar pessoas dóceis e obedientes, para serem os futuros trabalhadores, a serviço da manutenção do funcionamento da nossa sociedade como nós a conhecemos, ou seja, para dar continuidade ao modo de produção no sistema capitalista (ver aqui).

Nesse tipo de escola, prefere-se a obediência, a instrução tecnológica e a restrição dos corpos do que a liberdade e a criatividade cultural. Assim, neste sistema de educação, as crianças mais ativas, independentes, autônomas, que precisam aprender também com a inteligência do corpo (como os atletas), podem ser percebidas como desobedientes, desafiadoras e hiperativas (ver aqui).

Se a obediência for o objetivo da educação (e achamos que ela não deveria ser), a desobediência então se torna um problema. Pense bem: quando você diz a uma criança, por exemplo, para ela calçar seus sapatos (para vocês saírem de casa), e ela se recusa, o objetivo real não é que ela te obedeça, e sim que ela calce os sapatos. Mas nós brigamos com a criança porque ela não nos obedece e deixamos de tentar outras maneiras diferentes de se conseguir esse mesmo objetivo.

Será que um pouco do excesso de diagnósticos médicos e psicológicos vem daí? Pois “tratar” algum “transtorno” nestas crianças seria mais “fácil” do que mudarmos o sistema de ensino das nossas sociedades ou a maneira como criamos nossos filhos e filhas?

Amanhã continuaremos este assunto, lembrando o papel da família nos transtornos de comportamento das crianças.

 Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

 

Minha filha AC, de 9 anos, já atendida no CRNF, tem neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Por causa da irritabilidade acentuada e agressividade um neurologista sugeriu risperidona. Ela não apresenta dificuldade em aprender, já sabe ler desde os 6 anos, mas não quer estudar, porque acha tedioso e só quer brincar. Quando tem foco em algo que gosta é impressionante a rapidez com que aprende. Pode me orientar? M.I, de João Pessoa.

Cara M.I., obrigado pelo seu relato, que abriu uma oportunidade para falarmos sobre algo muito importante: a autonomia das crianças.

Antes, quero lembrar que muitas crianças com NF1 apresentam TDAH e alguma agressividade. A AMANF acaba de publicar uma cartilha com orientações para mães, pais, educadoras e educadores de crianças com NF1 e problemas de comportamento. Clique aqui para obter a cartilha.

Antes de qualquer medicação, acho que todas as pessoas cuidadoras de sua filha devem tentar seguir a nossa cartilha por algumas semanas ou meses.

Se, ao final, a cartilha não for suficiente para melhorar a qualidade de vida de vocês, então os medicamentos podem ser pensados.

Quando há hiperatividade, o medicamento metilfenidato pode ser uma opção ( prescrita pela neurologia) a ser experimentada com a finalidade de diminuir a impulsividade – ações realizadas de forma impensada e às vezes contra a vontade consciente da pessoa. A impulsividade gera ansiedade que contribui para a irritabilidade e, como consequência, para aumentar a agressividade.

Quando não há hiperatividade, mas apenas desatenção, ainda não estou convencido de que o metilfenidato seja eficiente nas crianças com NF1.

Se houver hiperatividade e mesmo com o uso do metilfenidato ainda persistir a agressividade, pode ser experimentada a risperidona sob a orientação da psiquiatria psiquiatra infantil ou neurologia infantil.

 

Mas vamos pensar numa coisa importante, que você falou: sua filha aprende rapidamente quando quer.

 Acho que ela tem razão.

 Acho que todos nós aprendemos de fato somente aquilo que nos interessa.

E talvez qualquer pessoa fique irritada e agressiva se for obrigada a fazer coisas que não deseja, não é?

Há cerca de 50 anos, fiquei impressionado por um experimento educacional famoso na Inglaterra, chamado Summerhill, que deu origem às escolas democráticas, no qual as crianças podiam escolher quando brincar ou estudar. Mesmo as crianças com problemas comportamentais (a maioria naquele colégio especial) acabavam aprendendo aquilo que precisavam para seguirem suas vidas com autonomia quando adultas.

Clique aqui para conhecer mais sobre as escolas democráticas inspiradas em Summerhill.

Talvez a escola convencional atual seja mesmo muito entediante para crianças com hiperatividade.

Talvez possamos ajudar as crianças a se encontrarem e a realizarem seus desejos e sua formação humana por meio de brincadeiras criativas.

Brincar é o jeito mais alegre e eficiente de aprender sobre tudo: sobre o mundo, sobre as pessoas e sobre os afetos. Sobre como viver.

 

Eu, no lugar da sua filha, gostaria de estar numa escola onde brincar fosse levado muito a sério.

Vamos ouvir o que sua filha quer fazer?

Dr. Lor

 

 

 

A Children’s Tumor Foundation (CTF), a principal organização norte-americana envolvida na divulgação de informações sobre as neurofibromatoses, lançou em setembro de 2017 uma nova cartilha chamada “Como ajudar crianças com dificuldades de aprendizado associadas com a Neurofibromatose do tipo 1”. Leia mais

As alterações comportamentais são uma das complicações da NF1 e ainda não temos um tratamento específico, seguro e eficaz para este problema. Por isso, alguns estudos laboratoriais tentam encontrar um medicamento capaz de melhorar a vida das pessoas com NF1. Um destes estudos [1] foi realizado na Universidade de Radboud na Holanda e foi apresentado pela Dra. Michaela Fenckova no Congresso de 2017, que traduzi e adaptei para este blog.

“A “habituação” é uma capacidade mental de suprimir nossa reação diante de um estímulo que sugere perigo, quando este estímulo se repete sem nos causar danos. A habituação é uma aquisição importante no processo de aprendizado. Ela serve para filtrar informações que não são relevantes e representa uma habilidade necessária para o desenvolvimento de funções cognitivas mais complexas.

Dificuldades de habituação têm sido relatadas em diversas doenças que apresentam problemas cognitivos e comportamentais, incluindo os transtornos no espectro do autismo.

Para determinar as bases genéticas da habituação e sua relevância para estudos em seres humanos, o grupo de pesquisadores estuda a habituação das moscas de banana (Drosophila) com genes alterados para determinadas funções neurais. Os genes alterados estão relacionados com o processo de aprendizado nestes animais e em também seres humanos.

Eles encontraram mais de 100 genes relacionados com a dificuldade de habituação da Drosophila que também estão presentes no transtorno no espectro do autismo e suas alterações comportamentais. Além disso, vários destes genes se caracterizam por uma ativação excessiva de um processo bioquímico nas células nervosas (uma via chamada Ras-MAPK) que também acontece nas pessoas com NF1 e outras doenças do grupo denominado de “rasopatias”.

Os pesquisadores verificaram que a dificuldade de habituação na NF1 e nas rasopatias parece estar ligada a esta via superativada num grupo de neurônios chamados “gabaérgicos”. Verificaram também que esta superativação dos neurônios pode ser parcialmente corrigida com um medicamento chamado Lamotrigina, que corrigiu as dificuldades de aprendizado em camundongos geneticamente modificados para NF1. Depois destes resultados animadores com os camundongos a Lamotrigina está sendo estudada em seres humanos (um projeto chamado NF1-EXCEL). 

Ver AQUI mais informações sobre esta pesquisa que está sendo realizada na Holanda (em inglês).

O grupo de pesquisadores concluiu que seu modelo de estudo de habituação em Drosophila está pronto e é altamente eficaz para ser usado no esclarecimento das dificuldades de aprendizado na NF1 e para testar novos medicamentos. Seus resultados até agora sugerem que a dificuldade de habituação seja um dos mecanismos fundamentais nas dificuldades cognitivas e comportamentais na NF1.

Seu projeto seguinte é avaliar a habituação em pessoas com NF1 para poderem transportar os dados dos estudos com a Drosophila para seres humanos. “

Estes estudos apresentam uma nova promessa para um futuro breve o alívio desta complicação tão frequente entre as pessoas com NF1, até porque a Lamotrigina é um medicamento relativamente bem conhecido, uma vez que já é usado no tratamento das convulsões.

[1] Título: Aprendizado da habituação em Drosophila: uma plataforma para identificar drogas que melhoram a cognição e os problemas comportamentais na NF1 e outras rasopatias.


Nos últimos dias, a partir do relato de RK, de Santa Catarina, sobre alguns comportamentos do seu filho, tenho falado sobre o que acredito que deveria ser o papel da educação (oferecida pela família e pela escola): criar oportunidade para o desenvolvimento do potencial de cada pessoa usufruir uma vida feliz.

Comentei que a criatividade é ferramenta fundamental para enfrentarmos as novidades de cada dia, já que nada podemos afirmar com certeza sobre como será o amanhã. Vimos que o desenvolvimento da criatividade da criança necessita de liberdade de escolha, de atenção e presença, de estímulo da curiosidade e da autonomia e de acolhimento afetivo. Mas o mundo em que vivemos permite este ambiente adequado ao desenvolvimento da criatividade?

Mesmo sem a NF1, a maioria das crianças vem sendo condicionada numa vida de restrições progressivas, mesmo aquelas que dispõem de recursos financeiros. Estão progressivamente confinadas em ambientes fechados, limitadas à distração permanente pelos meios eletrônicos e impedidas de explorar o mundo criativamente por causa da estrutura urbana violenta e insegura em que vivemos.

Entre os resultados deste modo de vida inadequado, encontramos o aumento das alterações de comportamento, como os chamados transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e do preocupante uso de medicamentos psiquiátricos em crianças, como nos mostra o pediatra Daniel Becker (VER AQUI uma de suas excelentes palestras).

Numa cartilha produzida pela Sociedade Mineira de Pediatria (encampada e divulgada também pela Sociedade Brasileira de Pediatria) resumimos as grandes dificuldades que todas as crianças enfrentam para viverem uma vida saudável e sem obesidade (ver a cartilha AQUI ).

Então, se para as crianças sem NF1 já está difícil viver com criatividade, liberdade, atenção, estímulo e acolhimento, podemos imaginar que o problema específico do desenvolvimento neurológico modificado pela NF1 talvez dificulte ainda mais a socialização das crianças acometidas pela doença.

Acreditamos (o Dr. Vincent Riccardi e nós do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais) que a principal alteração comportamental das pessoas com NF1 seja uma redução, em maior ou menor grau, da sua capacidade de perceber indicadores sociais e ambientais. Ou seja, a NF1 provocaria uma dificuldade na percepção global sobre todos os eventos que estão acontecendo ao redor (ver um post anterior em que entrei em detalhes sobre esta questão AQUI ).

Assim, se para uma criança sem NF1 a sociedade urbana e competitiva atual já dificulta a sua socialização, podemos antecipar que o desenvolvimento social da criança com NF1 deverá ser pior. Mesmo que as crianças com NF1 não possuam quaisquer deformidades visíveis, o que poderia segregá-las como “diferentes”, as dificuldades cognitivas que são muito comuns na NF1 por si já atrapalham a integração social das crianças afetadas pela neurofibromatose do tipo 1. Por exemplo, as alterações da voz e da fala, os movimentos corporais mais lentos, a desordem do processamento auditivo, a timidez e o medo aumentam a distância dos colegas de idade, o que acaba por gerar discriminação social, a qual, num círculo vicioso, agrava o isolamento e as dificuldades cognitivas da criança.

Certamente, não é uma tarefa fácil criar novas condições sociais para que as crianças, com ou sem NF1, desenvolvam seu potencial humano de felicidade, vivendo em liberdade, aumentando sua criatividade, sendo devidamente estimuladas e acolhidas pelas famílias, pela escola e pela sociedade. Mudar nossas ideias atuais de educação, significa mudarmos a sociedade que desejamos no futuro.

No entanto, podemos, de imediato, especialmente para as crianças com NF1, recusar a ditadura da competição como método, recusar a divisão das pessoas em “normais” e “doentes”, recusar a medicalização da vida e a distração eletrônica como controle da insatisfação social, recusar o modo fast-food na educação e na alimentação e recusar o ideal de sucesso econômico individual como o único objetivo da vida.

Em seu lugar, podemos tentar promover a cooperação como método, a inclusão das diferenças pessoais como norma, a mudança dos hábitos de vida no lugar dos medicamentos, do fast-food e da educação castradora da criatividade, e transformarmos a felicidade de todos no único objetivo da vida.

Podemos começar hoje, RK, com seu filho com NF1, aceitando seus comportamentos aparentemente diferentes da média como manifestação de desejos legítimos e confiando que ele será capaz de, no seu devido tempo, com sua criatividade, inventar a própria felicidade, aquela que for possível no mundo em que vivemos.

Hoje continuo a conversar sobre algumas ideias de como imagino que podemos conviver com crianças com comportamentos diferentes causados pela NF1. 

Ontem falei sobre a ideia de que a única ferramenta que dispomos para enfrentar o futuro é a criatividade. Isto me parece verdade desde o nível da genética, onde as mutações novas podem ser a solução diante das mudanças do ambiente, até o nível das complexas relações sociais que nós, seres humanos desenvolvemos, onde comportamentos diferentes podem ser a saída para dificuldades nos relacionamentos. Isto me parece verdade para crianças com e sem NF1.

Para mim, o desenvolvimento da criatividade depende de quatro condições importantes: primeiro, liberdade para ousar, para experimentar, para errar, para fazer diferente, para não fazer agora e fazer quando quiser, para fazer e desmanchar, para fazer pela metade e parar, para fazer e esconder, para fazer copiando, para fazer inventando.

Liberdade, enfim, para a criança fazer o que deseja dentro dos limites de sua segurança física, limites, os quais, aliás, ela descobre muito rapidamente se for permitido a ela descobri-los aos poucos.

Segundo, precisamos prestar atenção ao que a criança está fazendo, mesmo que não estejamos participando diretamente. Quando a criança nos chama para brincar, ela não espera que sejamos a parte ativa e racional na brincadeira, mas que sigamos a sua trilha da imaginação, por mais absurda que possa parecer para o olhar adulto. Muitas vezes a criança quer apenas que estejamos ali, ao seu lado, olhando para ela enquanto ela brinca (e não vale checar o celular, porque ela percebe que você não está mais COM ela). 


Terceiro, podemos estimular a criatividade se permitirmos que nossa própria curiosidade brote durante a brincadeira e, embalados na fantasia inicial da criança, deixarmos a nossa própria imaginação sugerir novas alternativas na brincadeira, sem medo de parecermos tolos e infantis. O que a criança deseja é exatamente que sejamos infantis como ela, especialmente porque para ela não existe diferença entre brincar e viver.

Minha neta Rosa, de 3 anos, gosta de brincar que eu sou o marido e ela é a marida. Por que eu deveria corrigi-la com as palavras esposa ou mulher, se ela não percebe ainda a diferença? Não começaria nesta minha “lição” uma reafirmação das diferenças (especialmente de direitos) entre homens e mulheres, que ela, certamente, já está descobrindo cotidianamente que, infelizmente, existem? Se deixarmos que ela, pela sua própria maneira (perguntando), vá compreendendo, na medida de sua capacidade, a existência do machismo dominante, quem sabe suas conclusões futuras venham a trazer uma maneira nova de enfrentarmos a desigualdade social entre homens e mulheres?

O acolhimento, acredito, é aceitar a criança como ela é, sem julgamentos morais ou éticos, sem lições de moral, como se da nossa palavra dependesse o caráter futuro daquela pessoa. A complexidade da personalidade de uma pessoa depende de fatores muito complexos, que vão desde as características genéticas, à situação familiar, aos exemplos da comunidade, às oportunidades sociais e econômicas e a todo um espírito de época, numa mistura orgânica para a qual não existe receita pronta.

Ignorando esta complexidade, nossa tendência é corrigir moralmente a fantasia da criança, sem tentar entender os significados das palavras para ela. Uma vez, a Ana, minha filha mais velha, na época com 3 anos, perguntou-me sobre um bichinho caído no chão. Respondi que era um besourinho morto. Thalma, sua mãe que estava por perto, querendo evitar o assunto “morte”, disse: Não, filhinha, ele está dormindo! Ana olhou para mim e indagou: Ele está dormindo? Constrangido, concordei sem convicção. Ana completou: Então, vamos matar ele?

O que sabemos nós sobre o significado para uma criança de 3 anos de “estar morto”? Qual seria o tamanho daquele besourinho em sua mente? Qual a diferença entre morrer e dormir? Qual é o sentimento desencadeado pelo poder de matar um pequeno animal terrivelmente ameaçador? Por que podemos matar o mosquito ou a galinha para comer e o besourinho, não?

Então, liberdade, atenção, estímulo e acolhimento são para mim os fundamentos da criatividade, a ferramenta essencial para uma pessoa conseguir a carteira de habilitação para o futuro.

E como fica a criatividade nas crianças com NF1? Como devemos nos comportar quando uma criança se apega a determinados comportamentos que fogem ao padrão geral considerado “normal”? Amanhã volto a falar sobre como imagino que podemos tentar ver o mundo com os olhos das crianças.

A propósito, hoje usei para ilustrar este post um desenho que meu neto de 3 anos, o Antônio, me deu de presente. Você viu os olhos brilhantes do peixe? E as escamas verdes com as nadadeiras fazendo Tziiiz? E o rabo cinza se mexendo? E a água azul da praia de Recife?

Pois ele viu.

Meu filho com NF1 tem 1 ano e 6 meses e apresenta alguns comportamentos e por isso o neuropediatra recomendou uma ressonância magnética da cabeça (que vai precisar de sedação) e um exame do olho. Estou esperando o SUS chamar para a realização dos exames. Segundo o mesmo médico, meu filho apresenta boa cognição no geral. Os sintomas que ele apresenta (abaixo) justificam o risco da anestesia para fazer a ressonância? RK, de Santa Catarina.

Ficou sentado na cama com 1 ano e 4 meses quando começou a fazer fisioterapia e começou a engatinhar de bunda com 1 ano e 5 meses; não engatinha de quatro, só em lugares macios como colhão/colchonete…

Não gosta de os brinquedos só de garrafas tampas de garrafas e coisas pequeninas como grãos e sementes;

Atira todos os objetos ao chão (quando está sentado em lugares altos ou no colo);

Não fala nem uma palavra, não aponta para objetos;

É muito temeroso, tem medo de ruídos fortes, como máquina de cortar grama… quando está no chão gosta de ficar junto ao pai ou mãe (nunca sozinho no quarto, por exemplo);

É observador e tem a visão e audição aguçadas (tapa os olhos com a mão ao se expor ao sol);

É extremamente sentimental e carente de afeto, quer colo O DIA TODO;

Não é muito curioso por abrir gavetas ou descobrir o desconhecido dentro de casa;

Não sabe segurar os talheres, não come com a própria mão e nunca segurou a mamadeira;

Nunca frequentou a creche ou teve contato prolongado com crianças, mas interage melhor com crianças maiores que ele – de 3 a 5 anos;

Quando confrontado ou agredido por outra criança, deseja sair do locar imediatamente, caso contrário, estará com febre pouco tempo depois;

Gosta muito de água e de brincar com coisas roliças.

Cara R, obrigado pela sua descrição minuciosa daquilo que você relatou como “sintomas neurológicos” em seu filho com NF1. Tomei a liberdade de reproduzir todos, porque isto poderá ser útil a outras famílias.

Primeiramente, devo lembrar que em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais não solicitamos ressonâncias magnéticas “de rotina” ou SEM sintomas a serem esclarecidos. Há crianças com NF1 que acompanho há mais de dez anos para as quais nunca houve a necessidade de pedir uma ressonância magnética.

Além disso, na NF1 a ressonância magnética do encéfalo não costuma mostrar qualquer alteração que explique problemas de aprendizado ou comportamento: há pessoas com grandes alterações nas imagens, mas sem problemas cognitivos e, ao contrário, graves problemas mentais em nenhuma alteração visível na ressonância magnética comum. Por favor, comente isto com o médico de seu filho (se ele quiser, peça a ele para ver este ARTIGO clicando aqui ).


Você me enviou a lista de alterações de comportamento observadas em seu filho, que, claro, têm origem no estágio de desenvolvimento neurológico, e que muitas delas são comuns nas crianças com NF1.

Não sou especialista em desenvolvimento cognitivo de crianças, mas tentarei aproveitar suas informações para aumentarmos nosso conhecimento sobre a NF1 de um modo geral. Aliás, se leitoras ou leitores mais capacitados em psicopedagogia desejarem completar ou corrigir minhas observações, por favor, ajudem-nos.

Revendo os comportamentos de seu filho de 1 ano e 6 meses, um olhar clínico mais flexível poderá considerar que ele está dentro da margem de tolerância em torno do desenvolvimento médio das crianças sem NF1. O que provavelmente deve ter sido a impressão do neuropediatra que afirmou que seu filho possui boa cognição no geral.

Com um olhar um pouco mais rigoroso e sabendo que as crianças com NF1 tendem a prolongar alguns destes atrasos cognitivos ao longo do seu desenvolvimento, minha tendência é considerar que há, sim, sinais de problemas cognitivos relacionados com a NF1, até porque sabemos que 100% das pessoas com NF1 apresentam algum grau de déficit cognitivo e a média da capacidade intelectual das pessoas com NF1 está um pouco abaixo da população em geral.

Alguns dos comportamentos do seu filho apontam na direção do espectro do autismo (ausência de fala, retraimento social, medo generalizado e de ruídos, envolvimento com objetos pequenos e água), enquanto outros contrariam as características autistas (desejo de contato, colo e proximidade com os pais, sentimentalidade). 


Por isso, por causa de comportamentos semelhantes ao do seu filho, 1 em cada 3 crianças com NF1 são consideradas autistas nos testes especializados, outro terço fica no limite do diagnóstico e o restante das crianças não apresenta traços autistas. Mas, é importante frisar, a NF1 não causa o verdadeiro autismo (ver livro interessante sobre isto AQUI ). O que acontece é apenas uma superposição de alguns sintomas que as duas doenças têm em comum (ver post anterior sobre isto AQUI ).

Portanto, creio que seu menino apresenta comportamentos comuns às demais crianças com NF1 (ver post anterior AQUI), e não espero que a ressonância magnética do encéfalo venha a trazer qualquer esclarecimento neste sentido. 


Nem mesmo o exame oftalmológico comum, que foi solicitado, costuma ser confiável nesta idade, a não ser que seu filho pudesse realizar um exame complementar relativamente simples (porém não disponível ainda para todos pelo SUS), chamado de Tomografia de Coerência Óptica. Ele pode ser feito por oftalmologistas especializados e traz boas informações sobre a visão nas crianças pequenas com NF1.

Finalmente, você deve estar perguntando: e o que podemos fazer com estes comportamentos de seu filho que estão um pouco abaixo da média? Na próxima semana voltaremos a este assunto. Até lá.