Comentei em outras oportunidades algumas novidades do Congresso de NF de 2017 sobre o problema da dor nas NF (ver AQUI). Hoje trago mais um estudo sobre dor e NF1 que foi apresentado naquele evento pela Dra. Taryn M. Allen e colaboradores do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos.

Adaptei abaixo o texto do resumo apresentado. Leia mais

Muitas famílias que acessam este blog ainda permanecem com algumas dúvidas sobre as manchas café com leite e outras manchas cutâneas. O e-mail abaixo, enviado por S. de local desconhecido, é um exemplo desta situação e por isso vou tentar responder uma a uma as questões que ela nos trouxe e me autorizou a divulgar neste blog. Leia mais

A Dra. Luciana Baptista Pereira é professora de dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e minha amiga e nossa colaboradora no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG. Ela enviou-me um artigo científico recente e interessante, que vale a pena comentar para atualizarmos nossos conceitos sobre uma forma mais rara de NF1, a chamada forma segmentar, sobre a qual já falei neste blog (ver aqui: https://amanf.org.br/apenas-manchas-cafe-com-leite-de-um-lado-do-corpo-sao-nf/ ).

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Tenho afirmado neste blog que a falta de um método confiável para a medida do crescimento dos neurofibromas cutâneos é uma das dificuldades que existem para o desenvolvimento de medicamentos capazes de impedir o aparecimento e aumento dos neurofibromas cutâneos ou mesmo diminuir seu tamanho.

“Tenho 24 anos e moro em Brasília. Sou portadora da neurofibromatose tipo 1 e faço acompanhamento desde uns 5 anos de idade. A NF1 já vem de carga hereditária da minha família. Em setembro do ano passado descobri que estava grávida, o que me trouxe preocupações pois, tenho um neurofibroma de 16 cm no meu abdômen próximo ao útero. Fiz o acompanhamento com o pré-natal de alto risco e cheguei a solicitar consulta com meu neurologista, mas o hospital se recusou a marcar um retorno para mim só pelo fato de eu estar gestante. Faço uso da medicação cloridrato de duloxetina há mais de um ano e permaneci o uso da mesma na gestação. Com 28 (7 meses) semanas de gestação minha filha faleceu na barriga. Após o óbito dela descobri que ela havia parado de desenvolver com 24 semanas (6 meses) e esse fato me trouxe muitas dúvidas pois não recebi uma explicação em relação ao falecimento dela. Gostaria de saber se o óbito dela e ela ter parado de desenvolver pode estar ligado à NF1? ” T, de Brasília.

Cara T., obrigado pelo seu contato.

Lamento a perda de seu bebê e tentarei ajudar você neste momento repassando-lhe as informações científicas que disponho até o momento sobre problemas na gestação em pessoas com NF1.

Como você já sabe, há uma chance de 50% de que um bebê venha a herdar a mutação no gene NF1 de sua mãe. Se isto de fato aconteceu com seu bebê, então se torna possível que ele tenha tido algum problema de desenvolvimento e falecido por causa da mutação genética que atrapalhou seu crescimento. Sabemos que a proteína neurofibromina é fundamental no desenvolvimento do embrião em diversos momentos e esta proteína está deficiente nos bebês com NF1.

Por outro lado, se um bebê não herdou a mutação no gene NF1, ainda assim ele pode ter problemas de desenvolvimento como qualquer outro bebê sem NF1, como acontece numa percentagem de gestações da população em geral.

Além disso, sabemos que as gestantes com NF1 apresentam mais complicações do que as mulheres sem NF1, como aborto espontâneo e eclâmpsia e a presença de grandes neurofibromas próximos do útero podem exercer alguma compressão atrapalhando o parto.

Finalmente, vamos pensar no uso da duloxetina durante a gestação.

A duloxetina é um medicamento do grupo dos inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS), que é utilizado no tratamento da depressão.

Veja o que as próprias bulas deste tipo de medicamento (ISRS) nos alertam:

Gravidez:

1) Não houve estudos bem-controlados e adequados em mulheres grávidas. Devido ao fato dos estudos de reprodução animal nem sempre predizerem a resposta em humanos, este medicamento deve ser usado em gestantes somente se o benefício potencial justificar o risco para o feto.

2) Trabalho de parto e no parto: O efeito da duloxetina sobre o trabalho de parto e no parto em humanos é desconhecido. Duloxetina deve ser usada durante o trabalho de parto e no parto somente se o benefício justificar o risco potencial para o feto.

3) Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas ou amamentando sem orientação médica ou do cirurgião-dentista.

4) Recém-nascidos expostos a ISRS no final do 3º trimestre desenvolveram complicações, exigindo hospitalização prolongada, suporte respiratório e alimentação via sonda. Tais complicações podem surgir imediatamente após o parto.

5) Portanto, o médico deve considerar cuidadosamente a relação entre riscos e benefícios do tratamento com duloxetina em gestantes no 3º trimestre.

Assim, cara T., há uma possibilidade de que seu bebê tenha sido vítima deste conjunto de situações: a herança da mutação no gene, a sua própria condição como gestante com NF1, o uso de duloxetina durante a gestação ou estas três condições combinadas.

Creio que não saberemos com certeza o que aconteceu de fato, mas sua história é mais um importante aprendizado para todos nós.

Ontem visitei a CAPE, a Casa de Acolhida Padre Eustáquio, fundada em 2013 e que recebe crianças e adolescentes (com seus acompanhantes) que vêm de outras cidades para tratamento médico para vários tipos de cânceres em Belo Horizonte.

Apesar da maioria das pessoas com neurofibromatoses apresentarem tumores benignos (e não malignos, que são os cânceres), três famílias com NF1 já foram acolhidas na CAPE e duas delas relataram sua grande satisfação com o acolhimento recebido.

Por isso, visitei a CAPE, onde fui recebido pela Assistente Social Simone Souza, uma pessoa simpática e excelente profissional que me conduziu pelos diversos setores da instituição, causando-me ótima impressão da casa pelas condições psicológicas, físicas e de conforto oferecidas pela CAPE a até 120 acolhidos.

Simone abriu as portas para as pessoas com NF que necessitarem permanecer em Belo Horizonte para tratamento e que forem encaminhadas a partir de nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses por intermédio do Serviço Social do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Quem desejar conhecer mais sobre a CAPE basta clicar aqui: CLIQUE AQUI

 

Esclarecimento

Recentemente, divulguei o financiamento coletivo de um livro que escrevi e desenhei junto com minha neta Alice, uma narrativa divertida para crianças sobre a interação entre genética e cultura.

Muitas pessoas pensaram que era para doarem dinheiro para o livro.

Na verdade, é uma pré-venda, ou seja, você compra o livro por cartão ou boleto e receberá o livro em sua casa. Caso a nossa meta de financiamento não seja atingida em 45 dias, você receberá seu dinheiro de volta.

Para saber mais sobre o livro das “Gêmeas que ficaram diferentes” CLIQUE AQUI

“Tenho NF1, estou com 26 anos e vou me casar em breve. Existe um meio de garantir que meus filhos biológicos não venham com a doença? “ JR, de Natal, RGN.

 
Caro J, obrigado pela sua pergunta, que é de interesse comum.


Primeiramente, vamos lembrar que a chance de seu filho (ou filha) herdar a sua mutação é de 50% em cada gestação. Ou seja, há uma chance em duas do bebê nascer sem NF1, ou como tirar coroa na moeda jogada para o alto.

Para garantir que uma mutação que causa a NF1 não seja passada adiante numa gestação existem técnicas de reprodução humana assistida, ou seja, métodos desenvolvidos por equipes especializadas. Estes métodos permitem a seleção daqueles embriões que não contém a mutação para NF1 e a sua inseminação artificial. Como isto é feito?

De forma resumida, é o seguinte. O casal interessado procura os centros de reprodução assistida, onde a mulher receberá hormônios que irão estimular o amadurecimento de vários de seus óvulos de uma só vez. No momento certo estes óvulos são recolhidos e colocados em contado com os espermatozoides do parceiro para que haja a fecundação. Geralmente, mais de um óvulo é fecundado e alguns embriões são obtidos, mas ainda não sabemos quais deles têm o diagnóstico de NF1.

Três dias depois de formados os embriões, uma biópsia muito delicada é feita retirando-se apenas uma célula de cada embrião e esta célula é levada para análise do DNA. Aqueles embriões que não apresentarem a mutação para NF1 são transferidos para o útero da mulher, onde darão continuidade à gestação. Assim, temos a garantia de que os bebês concebidos por esta técnica não apresentarão a NF1.

Desde 2002 este método vem sendo aplicado em pessoas com NF1 e NF2, mas nem sempre funciona bem e ainda são relativamente poucos casos realizados na experiência mundial. 


Sua pergunta seguinte provavelmente é querer saber onde poderá realizar este procedimento, chamado de diagnóstico pré-implantacional (DPI).

No momento, no Brasil, o DPI é permitido por lei, embora haja pessoas que não o aprovam por questões éticas, com o receio de que ele venha a ser usado para excluir embriões femininos, por exemplo. Existem clínicas privadas brasileiras que realizam estes procedimentos em parceria com clínicas internacionais, as quais ficam responsáveis pela análise da mutação NF1 (ou NF2) no DNA a partir daquela única célula retirada do embrião. Não conheço nenhum serviço público no Brasil que esteja realizando o DPI para pessoas com neurofibromatoses.

Em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais temos adotado a busca por soluções públicas para os problemas e questões apresentados pelas pessoas com neurofibromatoses, ou seja, defendemos o fortalecimento do Sistema Único de Saúde.

Por isso, temos elaborado propostas na Associação Mineira de Apoio às pessoas com Neurofibromatoses (AMANF) direcionadas ao SUS, no sentido de que este serviço seja oferecido às pessoas com NF. Estamos nesta luta neste momento (2021).

 

 

“Quando uma pessoa, vamos supor, de 60 anos de idade, tem 10 manchas café com leite maiores que 15 mm de diâmetro, sem quaisquer outros problemas de saúde, você chamaria isto de Neurofibromatose do tipo 1, ou só denomina NF1 quando há outros critérios? Minha pergunta veio do fato de alguns médicos não ”chamarem” de NF1 quando tem só as manchas café com leite e, inclusive, como você bem sabe, eles sequer informam aos pais sobre o “palavrão” neurofibromatose tipo 1. Enquanto a pessoa tiver só as manchas (admitindo que sejam 5 ou mais manchas café com leite maiores do que 15 mm), já deveríamos chamar de NF1 (e informar isto aos pais), ou não? ” SR, do Paraná.

Caro S. Muito obrigado pela sua interessante questão.

Comecemos pelo exemplo inicial, aquela pessoa de 60 anos com cerca de 10 manchas café com leite (MCL) maiores do que 15 mm. É importante saber se aquelas manchas estão presentes desde a infância ou se foram adquiridas ao longo da vida, porque as MCL relacionadas com a NF1 são congênitas, ou aparecem nos primeiros meses e tendem a desaparecer ao longo da vida.

Supondo que as MCL estivessem presentes desde a infância, a probabilidade de ser NF1 é de cerca de 95% quando temos 5 ou mais manchas café com leite maiores do que 15 mm.

Para termos certeza de que NÃO se trata mesmo de NF1, teríamos que afastar com segurança TODOS os demais 6 critérios: 2 nódulos de Lisch, glioma óptico, 2 neurofibromas cutâneos ou um plexiforme, displasia da asa menor do esfenoide ou da tíbia ou um parente de primeiro grau com NF1.

Talvez esta pessoa aos 60 anos e sem nenhum dos demais critérios para NF1 seja uma daquelas formas mínimas da NF1, nas quais mal se percebe a doença.

Por outro lado, se nenhum dos demais critérios para NF1 for encontrado num rigoroso exame clínico, as alternativas diagnósticas seriam outras doenças mais raras sobre as quais já comentei neste blog (VER AQUI ).

Quanto a falar ou não com os pais sobre o diagnóstico de NF, concordo com você que devemos manter prudência, delicadeza e escolhermos o momento adequado para falarmos em neurofibromatose para as famílias. Da mesma forma, saber quando falar com a criança sobre a NF requer cuidado e simpatia (VER AQUI).

Tento fazer isto da forma mais suave possível, mas quando temos apenas as MCL tenho preferido dizer que temos 95% de probabilidade de ser NF1 do que não tocar no assunto.

Isto porque algumas possíveis complicações das NF de um modo geral podem ser monitoradas mais adequadamente e tratadas a tempo se a família estiver informada previamente sobre seus sinais e sintomas iniciais. Entre elas as dificuldades de aprendizado, a discriminação social, o crescimento dos tumores, as convulsões, os problemas de comportamento, a transformação maligna e o aconselhamento genético.

Nossa cartilha “As Manchinhas da Mariana” (VER AQUI) tem ajudado a facilitar a compreensão do diagnóstico inicial, que é sempre difícil.

Ainda assim, uma parte das famílias não reage bem e sempre é interessante marcar um retorno para dentro de um mês para mais uma conversa de esclarecimento, passado o susto inicial.

De qualquer forma, saber é sempre melhor do não saber. Agir sem saber é caminhar no escuro. Os conhecimentos científicos são luzes que cada vez mais aumentam nossa capacidade de iluminar o caminho das pessoas com NF.

 

Atualizado em 18/10/2021

“Ontem li uma reportagem que me deixou intrigado, falando da cura das doenças raras em um método chamado de CRISPR. … como curar a doença genética? Mudar todas as células da pessoa? Li alguns artigos. Bem, estou certo em pensar que quando se falam desta cura é a modificação genética, ainda como óvulo? Ou seja, não é possível fazer isso em adultos? Veja o link para a reportagem AQUI “. RLB de Coimbra, Portugal.

Caro R, sua pergunta é muito interessante e foi feita também por outras pessoas que leram este blog. Para responder com segurança sobre esta questão, convidei a doutoranda Cinthia Vila Nova Santana, que submeteu suas respostas ao seu orientador Renan Pedra de Souza, do Programa de Pós-Graduação em Genética do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Veja abaixo o que eles responderam.

Além disso, vejam a reportagem que foi publicada em 2018 Clicar Aqui

Veja também novas informações experimentais de 2021 CLIQUE AQUI

Cinthia e Renan também enviaram referências de artigos e livros sobre cada etapa do seu pensamento e elas estão disponíveis comigo para quem se interessar, basta solicitar por e-mail.

Cinthia – O desenvolvimento da técnica de DNA recombinante em 1970 marcou o início de uma era importante na Biologia. Pela primeira vez, pesquisadores foram capazes de manipular moléculas de DNA (ativando e desativando, ou seja, editando os genes – Figura ilustrativa acima), o que tornou possível o estudo de genes de interesse medicinal e biotecnológico. Desde então, muitos avanços aprimoraram as técnicas de biologia molecular, possibilitando o estudo dos genes não apenas isolados, mas também no organismo como um todo.

Muitas das ferramentas para edição do genoma são baseadas no princípio da complementariedade de bases: a base Adenina é complementar à Timina e a Citosina é complementar à Guanina. Isto possibilitou o desenvolvimento de técnicas para multiplicação de fragmentos de DNA (chamada de reação da polimerase em cadeia, PCR), permitiu o silenciamento de genes (knockout) ou diminuição da expressão gênica (knockin) e também inserção de mutações em um gene, por exemplo.

Apesar das tecnologias disponíveis, nem sempre se consegue a recombinação desejada. Além disso, o genoma de eucariotos (como nós, seres humanos) contém milhões de bases de DNA, tornando difícil a sua manipulação.

A fim de superar estes desafios, novas técnicas para edição do DNA são constantemente desenvolvidas e, recentemente, o sistema CRISPR-Cas ganhou merecida atenção. Apesar de descrito em 1987, este sistema foi somente empregado como ferramenta biotecnológica em 2012 e em 2013 já foi eleito um dos destaques do ano pela revista científica Nature.

LOR – Mas o que vem a ser esta nova técnica CRISPR-Cas?

Cinthia – CRISPR é uma sigla em inglês que significa: Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas.

Aparentemente é algo complicado, mas se analisarmos com atenção não é tão difícil quanto parece. Como o próprio nome indica, CRISPR trata de sequências de bases palindrômicas, assim como ARARA, que é uma palavra palindrômica, ou seja, pode ser lida de trás para frente sem mudar o sentido. Elas são curtas e agrupadas e se repetem com espaços regulares entre elas, por exemplo, a cada 20 nucleotídeos há uma repetição (Figura 2).


Figura 2: Representação do sistema CRISPR-Cas. Em azul mais à esquerda estão os genes associados a CRISPR (“cas genes”) e mais à direita, os losangos pretos representam as repetições (“repeat”), enquanto que os quadrados coloridos são os espaçadores regulares (“spacer”). A este conjunto dá-se o nome de locus da CRISPR (Figura adaptada de http://rna.berkeley.edu/crispr.html).

O sistema CRISPR-Cas foi primeiramente descrito em bactérias como um mecanismo de defesa contra vírus.

Esta defesa acontece da seguinte forma: durante uma infecção virótica, o DNA do vírus é liberado dentro da célula bacteriana e é integrado ao sistema CRISPR como um novo espaçador (como se fosse um dos quadrados coloridos da Figura 2) (Figura 3, estágio 1). A sequência CRISPR é então transcrita (isto é, a informação é passada de DNA para RNA) e processada para gerar os CRISPR RNAs (crRNAs), cada um codificando a informação de uma sequência espaçadora específica (Figura 3, estágio 2). Cada crRNA associa-se com uma proteína Cas que usa o crRNA como molde para silenciamento de elementos genéticos externos (Figura 3, estágio 3).

 
Figura 3: Mecanismo de ação do sistema CRISPR-Cas9. Conferir corpo do texto para maiores detalhes. Fonte: http://rna.berkeley.edu/crispr.html

Em resumo, com o uso do CRISPR, a bactéria consegue impedir que o vírus seja bem-sucedido em sua infecção através de modificações do material genético do vírus. 


Se quiser entender um pouco melhor sobre CRISPR-Cas9, veja o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=2pp17E4E-O8.

LOR – Mas como um mecanismo de defesa bacteriano contra vírus pode se tornar uma ferramenta biotecnológica em seres humanos?
Cinthia – A resposta vem em duas partes. Primeiro, o processo de defesa acontece por alteração genética que é controlável, ou seja, teoricamente é possível decidir qual a alteração que será realizada no material genético.

Segundo, embora outras técnicas de mutação regulada (ou dirigida) sejam conhecidas, o sistema CRISPR-Cas9 é consideravelmente mais simples em relação às técnicas anteriores.

LOR – Então, a técnica CRISPR-Cas9 pode ser usada em seres humanos?

Cinthia – Esta hipótese está em teste. Resultados experimentais ainda preliminares indicam que grupos de poucas células podem responder a esta metodologia de maneira satisfatória, mas ainda não se sabe qual é o efeito do CRISPR em um ser humano. Várias das metodologias anteriores capazes de gerar alterações no código genético de maneira regulada mostraram-se funcionais em grupos de poucas células, mas sem efeitos no ser humano.

Até abril de 2016 já foram publicados cerca de 1.200 artigos científicos citando o sistema CRISPR-Cas9, segundo o site de pesquisas biomédicas PubMed (disponível no endereço eletrônico http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed).

Diversos estudos já utilizaram esta técnica para edição do DNA em linhagens celulares, plantas (trigo, arroz, tabaco), fungos, Drosophila, peixes (zebrafish), camundongos, sapos e até mesmo macacos, nas mais diversas aplicações: agricultura (aumentar resistência a pragas nas lavouras de trigo), reprodução de modelos de câncer em camundongos para estudos de vias biológicas e de efeitos de medicamentos, identificação de genes essenciais para viabilidade celular especialmente em câncer, alteração de mutações responsáveis por doenças genéticas em modelos experimentais.

No entanto, estudos em seres humanos são praticamente inexistentes e o principal foco dos estudos neste momento é entender melhor como certas características são determinadas.

LOR – E em relação às neurofibromatoses? Existe algum trabalho publicado?

Cinthia – Em pesquisa feita no site do PubMed com os termos “CRISPR neurofibromatosis” (em inglês), apenas dois estudos são exibidos: Shalem e colaboradores (2014) e Beauchamp e colaboradores (2015). Os dois trabalhos utilizam a técnica CRISPR para regular os genes NF1 e NF2, somente em modelos experimentais, novamente com o objetivo de compreender melhor o desenvolvimento da neurofibromatose.

LOR – A técnica CRISPR-Cas9 poderia ser usada para alterar as mutações nos genes das neurofibromatoses? Caso afirmativo, qual seria o tempo de expectativa?

Cinthia – O primeiro problema desta questão é conceitual. O que representaria alterar o código genético de um paciente com neurofibromatose, assumindo que isto fosse possível? Seria possível recuperar a produção de neurofibromina?

No seu blog, você já abordou a dificuldade em se fazer um medicamento para reposição da neurofibromina (ver aqui). As mesmas dificuldades são pertinentes neste caso do CRISPR. Como você explicou, a neurofibromina é uma proteína necessária especialmente durante o desenvolvimento do bebê dentro do útero. Logo, não se espera que a alteração do código genético em pacientes fosse capaz de reverter uma série de sintomas associados à inexistência de neurofibromina ainda em estágios iniciais de desenvolvimento.

Bom, mas e se considerarmos então uma intervenção do código genético ainda durante a vida intrauterina? Essa questão nos leva a outra linha de raciocínio. Em cerca de metade dos casos de NF1 a mutação é nova, o que significa dizer que nenhum dos pais possuía em seu código genético aquela alteração e muito provavelmente não ficarão sabendo de sua existência antes do nascimento. Para os casais em que se conhece um histórico familiar da doença uma possibilidade seria o aconselhamento genético para que todas as opções sejam consideradas.

LOR – Mas então, neste momento, a técnica CRISPR-Cas9 não poderia ter utilidade para pacientes com neurofibromatoses?

Cinthia – Esta técnica é realmente uma revolução no campo da ciência e já é referida como uma possível “cirurgia do genoma”, mas ainda há muito que se descobrir quanto ao seu funcionamento.

Primeiro há de se entender como seria o resultado desta técnica em um indivíduo sem neurofibromatose para depois estudá-la como um tratamento. Grupos de pesquisadores também estão atrás de respostas para várias das perguntas feitas neste texto.

A ciência avança rapidamente, as técnicas estão aprimorando a cada dia e nós, pesquisadores das neurofibromatoses, investigaremos todos as técnicas que tenham um potencial, mesmo que mínimo, de melhorar a vida dos pacientes com neurofibromatoses.