Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
Esta é uma pergunta que recebo de muitas famílias que possuem uma filha ou um filho com NF1.
Para responder com segurança, o primeiro passo é saber se um dos pais tem a NF1.
Situação A – Quando um dos pais tem a NF1
Se um dos pais tem a NF1, então a chance de outra criança nascer com NF1 é de 1 chance em 2 (cara ou coroa, 50%) em cada gestação.
Assim, a resposta à pergunta acima seria: – Sim, você tem 50% de chance de ter outra criança com NF1 em qualquer outra gestação.
Ver esta situação na figura abaixo.
Legenda: Uma das células germinativas (o espermatozoide neste exemplo) possui a variante patogênica no gene NF1 e fecunda o óvulo (que não tem a variante). A criança apresentará as características da doença.
Situação B – Nenhum dos pais tem NF1
Mas se nenhum dos pais tem a NF1, então a chance de outra criança nascer com a NF1 é pequena, igual à da população em geral, ou seja, 1 chance em 3000 (0,03%) em cada gestação.
Se temos certeza de que nem o pai e nem a mãe apresentam critérios evidentes da NF1, mas já tem uma criança com NF1, podemos dizer que a doença desta criança é causada pelo aparecimento de uma variante nova.
Esta variante nova (antigamente chamada de mutação) pode ocorrer nos espermatozoides (80%) ou nos óvulos (20%) e surge por acaso, em pessoas QUE NÃO TEM A NF1, sem que o pai ou a mãe tenham feito qualquer coisa para isto acontecer.
Então, para responder à pergunta acima, precisamos ter certeza de que nem o pai e nem a mãe possuem NF1.
Como ter esta certeza?
Primeiramente, devemos realizar o exame físico presencial dos pais, conduzido por alguém com experiência clínica em neurofibromatoses.
Na maioria das vezes, este exame é capaz de identificar se um dos pais possui um dos sinais sugestivos de NF1, que são considerados critérios diagnósticos ( VER AQUI CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 2021 ).
Se nenhum critério diagnóstico é encontrado neste exame clínico, solicitamos o exame oftalmológico dos pais com pesquisa de Nódulos de Lisch antes da dilatação das pupilas.
Se o exame clínico e o oftalmológico não indicam a NF1, geralmente respondemos à pergunta acima: – Bem, provavelmente o risco de ter uma nova criança com NF1 é muito pequeno, mas não podemos dizer que seria exatamente o mesmo da população em geral por causa de algumas situações raras e outras raríssimas (ver abaixo).
Neste sentido, preciso relatar que em nossa experiência no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, nos últimos 17 anos e com mais de 1800 famílias atendidas, jamais pudemos comprovar um caso de pais sem NF1 no exame clínico (Situação B) que tenham tido outro filho ou filha com NF1.
Situação C – Condições raras
Mesmo que os exames clínico e oftalmológico não encontrem critérios diagnósticos para o diagnóstico de NF1 em um dos pais, pode haver situações raras que geram alguma incerteza.
Por exemplo, se temos alguma dúvida no exame clínico presencial, (por exemplo, um dos pais possui menos de 5 manchas café com leite, ou efélides nas axilas, ou um neurofibroma etc.). Então, é preciso avançar a investigação com a análise do DNA da criança e dos pais.
Se a análise do DNA mostrar uma variante patogênica no gene NF1 do pai ou da mãe, então a resposta à pergunta acima é a mesma da Situação A (acima): – Sim, você tem 50% de chance de ter outra criança com NF1 em qualquer outra gestação.
Por outro lado, mesmo que a análise do gene NF1 venha com resultado negativo para variantes patogênicas no gene NF1 do pai e da mãe, há uma possibilidade rara de que um deles possua uma condição chamada NF1 em MOSAICISMO.
O mosaicismo significa que a pessoa possui a NF1 localizada apenas numa região do corpo [(que pode incluir um testículo (ou ambos) ou um ovário (ou ambos)], sem qualquer sinal da doença em outras partes do corpo.
Geralmente, os casos de mosaicismo apresentam alguns critérios diagnósticos visíveis e podemos suspeitar desta condição durante o exame físico. Às vezes identificamos o mosaicismo em partes do corpo que podem envolver os testículos ou os ovários (Figura abaixo).
Se isto ocorrer, corresponde à situação ilustrada abaixo.
Legenda: NF1 em mosaicismo na região inguinal de um homem que já gerou uma criança com NF1, atingindo um dos testículos. Se o espermatozoide que fecundar o óvulo for de um testículo acometido pela NF1 em mosaicismo, a criança formada apresentará a forma completa da doença.
A nossa resposta à pergunta acima, portanto, seria: – Bem, não sabemos exatamente a chance de você transmitir a NF1 numa nova gestação, mas provavelmente será entre 25 e 50%.
Situação D – Condições raríssimas
Uma outra possibilidade, ainda mais rara, é que a pessoa não apresente sinais de mosaicismo externos (manchas, efélides, neurofibromas, Lisch etc.), mas apresente mosaicismo apenas num dos testículos ou nos ovários, o que poderia produzir células germinativas com a variante patogênica do gene NF1.
Conheço apenas um relato na literatura mundial que comprovou esta situação, portanto é uma condição raríssima (VER AQUI ).
Conclusões
Podemos responder à pergunta acima de 3 formas:
- com probabilidade alta e conhecida de transmissão da doença (50%) quando um dos pais tem a NF1;
- com alerta para o risco maior quando um dos pais apresenta a NF1 na forma em mosaicismo (entre 25 e 50% – se houver envolvimento de testículo ou ovário);
- com probabilidade pequena (talvez um pouco maior que 0,03%), quando nenhum dos pais possui qualquer forma clínica da NF1 – ver estudo epidemiológico realizado na Inglaterra em 1989 CLIQUE AQUI
Em todas as situações acima, em que houver risco ou incerteza da transmissão da NF1, pode ser utilizada a inseminação artificial com seleção de embrião (VER AQUI) para a garantia da gestação de outros filhos sem a doença.
Dr. Lor
Dezembro 2021
A comunidade científica internacional, que estuda as neurofibromatoses, reconheceu que a força muscular está diminuída nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1).
A redução da força muscular na maioria das pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) foi medida pela primeira vez no Centro de Referência em Neurofibromatoses, um ambulatório do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, pela Dra. Juliana Ferreira de Souza e colaboradores (ver aqui Artigo Publicado em 2009 ).
Nos últimos doze anos, outros centros de estudos em neurofibromatoses realizaram novas pesquisas sobre a força muscular nas pessoas com NF1, as quais permitiram a construção progressiva de um consenso científico de que a maioria das pessoas com NF1 apresenta redução da força muscular em níveis suficientes para prejudicar a capacidade de trabalho, a qualidade de vida, ou seja a capacidade funcional das pessoas acometidas.
Recentemente, foi publicada uma revisão cuidadosa dos diversos estudos sobre força na NF1 (ver aqui Artigo em Inglês ) e a conclusão é de que, realmente, a redução da força muscular pode ser considerada mais uma das manifestações da NF1 com repercussão na qualidade de vida dos portadores e que, portanto, justificam a busca por tratamentos para melhorar a capacidade funcional das pessoas com NF1 e redução da força muscular.
A revisão foi coordenada por Amish Chinoy da Universidade Manchester na Inglaterra e as pessoas colaboradoras faziam parte de uma comissão nacional inglesa multidisciplinar formada por pessoas envolvidas com a NF1: neurologistas pediátricas, professor de clínica pediátrica das desordens metabólicas ósseas, endocrinologistas pediátricas, geneticista, enfermeiras, fisioterapeuta pediátrica e terapeuta ocupacional, todas elas ligadas aos serviços de saúde mental das crianças e adolescentes da Inglaterra.
Em resumo, os dados dos estudos clínicos sugerem que a fraqueza muscular é uma manifestação intrínseca à NF1, ou seja, é causada pelas alterações genéticas decorrentes da doença. Esta redução da força parece ser independente dos níveis de Vitamina D e outros fatores. No entanto, são recomendados estudos com maior número de voluntários para que possamos conhecer melhor esta manifestação da NF1, inclusive qual seria a prevalência real do problema.
De qualquer forma, já podemos adotar algumas medidas práticas para melhorar a qualidade de vida das pessoas com NF1.
Recomendações práticas
A partir dos diferentes estudos científicos, a comissão recomendou algumas condutas que podem melhorar a qualidade de vida das pessoas com NF1 e redução da força muscular.
Quadro 1 – Avaliação da força muscular na Neurofibromatose do Tipo 1
Avaliar a história de perda de força |
Pensar em causas alternativas quando:
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Exame físico |
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Exames adicionais possíveis
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Condutas |
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Estudos futuros
Precisamos realizar novos estudos para confirmarmos que os tratamentos direcionados para aumentar a força muscular (exercícios de musculação, isométricos) são eficientes nas pessoas com NF1. Esperamos que profissionais da saúde relacionados a este tema (Fisioterapia e Educação Física) venham a se interessar pelo assunto e nos tragam respostas seguras.
Outros links que podem interessar, sobre força muscular na NF1:
- Palestra Dr. Lor sobre capacidade funcional na NF1 : https://amanf.org.br/2021/03/evolucao-da-aptidao-fisica-humana-e-sua-reducao-na-neurofibromatose-do-tipo-1/
- Novidades do último congresso mundial sobre NF: https://amanf.org.br/2021/07/novidades-do-ultimo-congresso-sobre-nf/
- Quedas e força muscular na NF1 – https://amanf.org.br/2017/02/tema-290-quedas-e-problemas-na-coluna-nas-pessoas-com-nf1/
- Esportes e socialização nas pessoas com NF1: https://amanf.org.br/2015/09/desenvolvimento-corporal-esportes-socializacao-e-nf1/
- Embora os autores mencionem apenas o calor, tanto o calor quanto o gelo parecem ser eficientes para o controle da dor tardia pós-exercício – ver revisão Malanga e Stark, 2015 – Mechanisms and efficacy of heat and cold therapies for musculoskeletal injury – DOI: 10.1080/00325481.2015.992719
- Os autores sugerem o uso de ibuprofeno (antiinflamatório) para o controle da dor, mas no CRNF temos recomendado preferencialmente a dipirona e o paracetamol (ver artigo comparativo ).
É bastante comum em nosso ambulatório que as famílias que nos procuram já tragam consigo diversos resultados de exames, como testes de laboratório, radiografias, tomografias, ressonâncias magnéticas, exames genéticos e muitos outros.
Precisamos dizer que a maioria dos resultados destes exames apresentam resultados normais e grande parte deles não precisava ser realizada.
Além disso, ao final do nosso atendimento, geralmente as pessoas perguntam quais exames devem realizar de rotina, anualmente ou a cada seis meses.
Por fim, a maioria das famílias se surpreende com a pequena quantidade de exames complementares que são solicitados pelo nosso grupo de médicas e médicos do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Compreendemos que médicas e médicos que não tem grande experiência com as neurofibromatoses, porque é uma doença rara, peçam exames complementares para se sentirem com maior segurança diante de uma doença desconhecida.
Por outro lado, nosso atendimento é centrado no benefício para a pessoa com neurofibromatose e temos criado protocolos de atendimento que procuram reunir informações seguras que nos orientem sobre quando e quais exames complementares devemos pedir em cada situação clínica ( VER AQUI ).
Uma destas fontes seguras de informação é o “Escolhendo com sabedoria”, um site australiano destinado a capacitar médicas e médicos para tomarem decisões apoiadas na Medicina Baseada em Evidências (ver aqui o site: www.choosingwisely.org.au ).
Nesse site, a Dra. Luiza de Oliveira Rodrigues encontrou um pequeno folheto que nos pareceu muito útil e que tomamos a liberdade de adaptar para nossa comunidade brasileira interessada em neurofibromatoses.
Veja a seguir, nossa adaptação em letras azuis.
5 questões que você deve perguntar ao seu médico ou outro profissional de saúde antes de fazer qualquer exame, tratamento ou procedimento técnico.
Sabemos que alguns exames, tratamentos e procedimentos técnicos trazem poucos benefícios para a pessoa doente.
Em alguns casos, eles podem, inclusive causar danos.
Use as 5 questões abaixo para você ter certeza que irá receber o cuidado que está precisando de verdade – nem mais, nem menos.
1 – Eu realmente preciso deste exame, tratamento ou procedimento técnico?
Exames devem ser feitos quando eles podem ajudar os profissionais da saúde a determinar o problema de saúde.
Os tratamentos, como medicamentos ou cirurgias, devem ser realizados quando eles podem ajudar a tratar o seu problema de saúde.
2 – Quais são os riscos?
Existem efeitos colaterais do exame ou do tratamento?
Quais são as chances dos resultados não serem confiáveis ou imprecisos?
Os resultados podem exigir que a pessoa faça outros exames, procedimentos ou tratamentos?
3 – Haveria outras soluções mais simples?
Pergunte ao seu médico se existem opções de tratamento que também poderiam funcionar.
Por exemplo, mudança no estilo de vida, alimentação mais saudável, mais exercícios, podem ser opções seguras e eficientes para diversas doenças.
4 – O que aconteceria se eu não fizesse nada?
Pergunte se sua condição vai piorar – ou melhorar – se você não fizer o exame, o tratamento ou o procedimento.
5 – Quais são os custos?
Os custos podem ser financeiros, emocionais ou em termos de tempo perdido.
Quando é a comunidade que paga pelos exames e tratamentos (como o Sistema Único de Saúde – SUS – no Brasil), o custo é razoável ou haveria alternativas mais baratas?
Bem, aí está um conjunto de perguntas que nós no CRNF fazemos diante de todas as pessoas que atendemos com neurofibromatoses.
Em benefício das pessoas.
Sempre.