Este espaço é destinado a opinião de pessoas com experiência em diversos assuntos relacionados com as neurofibromatoses.
Pessoas com neurofibromatose têm me perguntado se poderiam estar entre os primeiros a tomar a vacina contra a COVID, porque temem que seriam de um grupo de risco e estão com medo de não haver vacina para todo mundo.
Sabemos que muitos países já estão vacinando há várias semanas e os brasileiros ainda estão tendo que disputar as poucas doses que temos.
Conversei sobre isso com o professor Leonardo Maurício Diniz, da Faculdade de Medicina da UFMG e reunimos algumas informações úteis.
Vejam como compreendemos a questão.
Em abril de 2020 o Brasil foi convidado a fazer parte da Covax, a Aliança Mundial de Vacinas, uma reunião de 165 países para garantir a vacina contra a COVID. Pelas normas da Covax, o Brasil poderia encomendar mais de 200 milhões de doses (daria para metade da população brasileira). Pela sua população o país automaticamente estaria entre os 5 primeiros países a receber as vacinas.
Mas em 4 de maio o presidente Jair Bolsonaro se recusou a fazer parte da Covax.
Em 15 de agosto de 2020 o laboratório Pfizer procurou o governo brasileiro para oferecer 70 milhões de doses da vacina. No e-mail enviado pela Pfizer havia a garantia que estes 70 milhões estariam à disposição do Brasil ainda em dezembro de 2020.
Segundo Carlos Murillo, presidente da Pfizer, a empresa nunca obteve uma resposta do governo brasileiro.
Em 20 de outubro de 2020 o Ministro da Saúde general Eduardo Pazuello anunciou a compra de 46 milhões de doses da Coronavac.
Em menos de 24 horas após o anúncio do Ministro da Saúde, o presidente da República, Jair Bolsonaro desautorizou Pazuello e suspendeu compra da vacina CoronaVac.
Algumas pessoas comemoraram os 6 milhões de doses iniciais, mas elas não foram suficientes nem para vacinar metade dos profissionais da saúde na linha de frente.
6 milhões de doses foram suficientes para vacinar menos de 2 em cada 100 pessoas!
Nós poderíamos estar realmente saindo desta pandemia com os 316 milhões de doses que o presidente Bolsonaro se recusou a comprar!
316 milhões de doses seriam suficientes para vacinar 8 em cada dez brasileiros e brasileiras e conter a epidemia!
Com estes 316 milhões de vacinas importadas, o Instituto Butantã e a Fiocruz teriam tempo de sobra para produzir as doses que faltariam para vacinar todos no Brasil (e ainda aquecer a economia com a exportação das doses excedentes).
Ou seja, se ainda não temos ideia de quando seremos vacinados, esta situação é responsabilidade do presidente Bolsonaro.
É isso mesmo: estamos sofrendo as consequências de um crime de responsabilidade por parte do governo Bolsonaro, que deve ser motivo de abertura de um impeachment no Congresso.
Basta de mortes!
Vacina para todos, já!
Dr. Lor
Presidente da Amanf
Muitas pessoas com neurofibromatose têm me perguntado se devem tomar a vacina contra a COVID-19, se são de grupo de risco maior e se devem tomar a vacina antes de outras pessoas.
Respondo que podem e DEVEM TOMAR QUALQUER UMA DAS VACINAS APROVADAS PELA ANVISA
Abaixo, vamos tentar entender o porquê.
Mas, antes, devo lembrar que raramente me perguntavam se as pessoas com neurofibromatose deviam tomar outras vacinas, como, por exemplo, contra sarampo ou gripe.
O que mudou nesta pandemia?
Acho que ficamos mais inseguros por algumas razões.
Por exemplo, talvez a maioria de nós não entenda o que é uma média, ou média móvel, ou taxa de mortalidade e tantos outros termos técnicos que ouvimos na TV e nos jornais.
Talvez muitos de nós não sejamos capazes de saber a diferença entre um vírus e uma bactéria ou um fungo.
Mais complicado ainda é saber a diferença entre um vírus de DNA (da gripe) e um vírus de RNA (da COVID).
Talvez boa parte da população se sinta abandonada quando ouve dizer que os médicos ainda não sabem isso ou aquilo, que não sabem como tratar a COVID, que a pesquisa tal mostrou resultado diferente da outra pesquisa científica. Em quem confiar?
Talvez seja difícil compreender que, por mais estudos que sejam feitos, sempre existem incertezas diante de qualquer doença.
Apesar de sabermos o que geralmente acontece no curso de uma certa doença numa população, não sabemos exatamente o que vai acontecer com uma determinada pessoa que apresenta aquela doença, especialmente uma doença nova como a COVID.
Talvez seja penoso para muitos (inclusive para a maioria dos médicos) entender que a medicina deve ser baseada em evidências científicas e não em opinião pessoal do médico.
Mas o que são essas evidências científicas? Como elas são obtidas? A maioria da população não sabe.
Precisamos estudar para saber essas coisas acima, mas a maioria de nós não teve acesso à educação de boa qualidade, nem às universidades, muito menos às faculdades de biologia e medicina.
Sim, há muitas incertezas que nos fazem ficar inseguros.
Mas elas existiam ANTES da pandemia de COVID. O que mudou, então?
O que mudou nesta pandemia foi que muitas pessoas estão sendo muito confundidas por informações falsas sobre a COVID e sobre as vacinas.
São mentiras espalhadas nas redes sociais, inclusive pelo governo federal, pelo presidente Bolsonaro e seus apoiadores.
Eles mentiram sobre a gravidade da pandemia, debochando das vítimas, com o presidente (sem nenhuma empatia pelo sofrimento das pessoas) dizendo que era uma gripezinha, que quem morria eram “maricas”, que ele não é coveiro e com o cinismo com o seu famoso “e daí?”.
Eles mentiram sobre a cloroquina, ivermectina e azitromicina, medicamentos que nunca tiveram qualquer efeito comprovado sobre o vírus.
Eles mentiram sobre as máscaras, dizendo que não protegiam.
Eles mentiram sobre o distanciamento social, dizendo que não era necessário.
O resultado dessas mentiras foram mais de 200 mil mortes (em 11 de janeiro de 2022 já são 610 mil) e talvez mais da metade delas pudesse ter sido evitada se tivéssemos um governo responsável.
É uma tragédia terrível que continuará matando brasileiras e brasileiros por causa das trapalhadas de ministros da saúde incapazes de orientar corretamente e garantir a quantidade de vacina para a população.
Por esse crime de responsabilidade espero que Bolsonaro e seus auxiliares respondam a processos criminais (ver resultados da CPI).
Que a sociedade brasileira tenha coragem de fazer justiça.
Voltemos à neurofibromatose e às vacinas.
Risco maior de COVID?
Já comentei sobre a possibilidade da neurofibromatose colocar as pessoas em grupo de risco maior para COVID em outro post, que você pode rever CLICANDO AQUI
Minha conclusão atual é que ainda não temos informação científica suficiente para afirmar com segurança que as neurofibromatoses aumentem ou diminuam o risco da COVID.
Enquanto isso, parece prudente que todas as pessoas com NF devem ser vacinadas contra a COVID.
Vacinas
As vacinas são uma forma de proteção coletiva e individual.
Quanto mais pessoas são vacinadas, mais rapidamente uma epidemia pode ser controlada.
Uma pessoa vacinada tem menor chance de ser infectada ou de sofrer as formas mais graves da doença ou mesmo morrer.
Por outro lado, as vacinas apresentam pouquíssimos efeitos colaterais (raros casos de dor no local da injeção ou de febre ou de manifestações alérgicas).
Portanto, o balanço entre custo e benefício é claramente a favor da vacina.
Ou seja, vamos vacinar!
A última parte da pergunta é se pessoas com NF devem ser vacinadas antes, junto com outros grupos de risco.
Para isto acontecer, as autoridades sanitárias deveriam estar convencidas cientificamente de que as NF tornam seus portadores um grupo de risco maior.
Como ainda não temos esta informação científica segura, é natural que as autoridades não façam uma escala especial para as pessoas com NF.
No entanto, creio que, se você decidir tentar se vacinar mais cedo, você pode levar aos postos de vacinação o laudo que nós emitimos após todas as consultas em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC-UFMG e apresentá-lo à equipe de saúde.
Afinal, as NF são doenças crônicas, incuráveis e de gravidade variável, que tornam algumas pessoas portadoras de necessidades especiais.
Abraço a todas e todos,
Dr. Lor
Presidente da Amanf
Abaixo um link para a escala de vacinação em Belo Horizonte
Maria Graziela Malevichi é mãe de uma criança com neurofibromatose e a partir de sua experiência familiar teve a ideia de formar uma REDE de informação e compartilhamento para ajudar outras pessoas. Publicamos recentemente sua proposta aqui: https://amanf.org.br/2021/01/uma-grande-ideia/
Recebi nova carta da Graziela, com perguntas importantes e compartilho aqui por achar que são do interesse de outras pessoas.
Caro Dr. Lor, estou tentando enxergar esse projeto da REDE, onde estamos e para onde queremos chegar.
Gostaria de ter um Centro de referência de Neurofibromatose e doenças raras no Brasil. O que acha?
Resposta Dr. Lor
Cara Graziela, obrigado pela sua importante pergunta.
Chamamos de Doença Rara qualquer doença que afete menos de 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos. Esta definição é da Organização Mundial de Saúde.
Vamos lembrar algumas informações sobre as Doenças Raras.
- Existem mais de 7 mil doenças raras nos seres humanos, a maioria delas causadas por problemas genéticos (Brasil e colaboradores, Genes 2019, 10, 978; doi:10.3390/genes10120978)
- Em cada dez doenças raras, menos de uma delas tem tratamento comprovado neste momento (Austin e colaboradores, Clin Transl Sci (2018) 11, 21–27; doi:10.1111/cts.12500)
- As neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose) são apenas 3 entre as milhares de doenças raras.
- Individualmente, as doenças são raras, mas somadas fazem com que o total de pessoas com doenças raras no Brasil seja em torno de 11 milhões de pessoas.
- As pessoas com NF formam um grupo de cerca de 80 mil indivíduos no Brasil, ou seja, um grupo pequeno, formado por menos de 1% das pessoas com doenças raras.
- Portanto, apesar das NF serem mais comuns do que a maioria das outras doenças raras, ainda assim as neurofibromatoses atingem apenas uma pequena parte das pessoas com doenças raras.
Todas as doenças raras possuem duas necessidades em comum:
1) Precisam ser reconhecidas pelos profissionais da saúde como possíveis portadoras de uma doença rara.
Ou seja, os profissionais de saúde devem ser habilitados, treinados para suspeitar de uma doença rara.
2) Diante da suspeita, elas precisam ser encaminhadas a especialistas capazes de confirmar ou afastar o diagnóstico de uma doença rara.
Ou seja, é preciso que algumas médicas e médicos se dediquem a conhecer as doenças raras, especialmente geneticistas, e que sejam profissionais com fácil acesso por parte da população.
A partir do diagnóstico realizado, cada uma das pessoas com doenças raras possui necessidades completamente diferentes entre si em termos de condutas clínicas, tratamentos, suporte e acompanhamento.
Há doenças raras com tratamentos comprovados (menos de uma em cada dez), há outras para as quais há tratamentos paliativos e outras para as quais não há qualquer tratamento específico e a conduta médica deve promover a melhor qualidade de vida possível.
Temos defendido que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, por isso, compreendemos que todas as etapas acima (a suspeita do diagnóstico, a confirmação do diagnóstico e o tratamento) devem ser realizadas dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).
Somente o SUS seria capaz de habilitar todos os profissionais de saúde para suspeitar de uma doença rara. Por exemplo, as unidades básicas de saúde deveriam ter acesso a um sistema informatizado de diagnóstico preliminar que poderia sugerir alguma doença rara a partir de determinados sintomas e sinais fora do comum.
No entanto, como existem mais de 7 mil doenças raras, provavelmente é humanamente impossível que uma médica ou médico seja capaz de diagnosticar todas elas. Assim, parece ser necessária a ajuda de programas de computador com Inteligência Artificial para tornar o diagnóstico de uma doença rara mais preciso e rápido (Brasil e colaboradores, Genes 2019, 10, 978; doi:10.3390/genes10120978).
Uma vez suspeitada a doença rara, mais uma vez, somente o SUS seria capaz de criar uma rede de especialistas para oferecer o diagnóstico e os possíveis tratamentos para as pessoas com doenças raras.
Quais os especialistas seriam necessários?
Sabendo que cerca de 8 em cada 10 doenças raras são de origem genética, e as outras duas de origem imunológica, os especialistas para o diagnóstico deveriam ser geneticistas e imunologistas. No entanto, mesmo com a participação de geneticistas e imunologistas, é possível que somente a inteligência artificial seria capaz de oferecer diagnóstico rápido e seguro para as mais de 7 mil doenças raras.
Além disso, apesar de apenas cerca de 500 doenças raras apresentarem algum tratamento comprovado, as condutas mais adequadas para cada uma delas podem demandar diversas outras especialidades, o que talvez exija a participação da inteligência artificial cada vez mais no futuro.
Quantas médicas e médicos formariam esta rede?
Apesar de serem alguns milhões de pessoas com doenças raras, ainda assim elas são doenças raras, então, não é possível haver especialistas disponíveis em todas as cidades.
Por exemplo, vamos considerar a neurofibromatose do tipo 1 (NF1), que acontece em 1 em cada 3 mil pessoas. Numa cidade como Belo Horizonte, com 3 milhões de pessoas, devem viver cerca de mil pessoas com NF1. Quantos médicos especialistas são necessários para atender clinicamente a esta população?
Imagine que uma médica especialista possa atender, de forma ideal, cerca de 6 consultas (com uma hora de duração) por dia. Ela atenderia 24 consultas numa semana, o que daria cerca de 100 num mês e um total aproximado de mil consultas em dez meses. Portanto, poderia ver TODAS as pessoas com NF1 de Belo Horizonte pelo menos uma vez num ano.
Este cálculo acima está de acordo com nossa experiência no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Temos atendido (Dr. Bruno Cota, Dr. Nilton Rezende e eu) cerca de 16 consultas por semana (incluindo retornos), o que resulta num total de 600 consultas por ano.
Além disso, mesmo atendendo pessoas de outras cidades e estados, nossa agenda demora, no máximo, um mês para a marcação de consulta. Portanto, nem todas as mil pessoas com NF1 residentes em Belo Horizonte têm demandado uma consulta por ano em nosso Centro.
É preciso lembrar que atendemos apenas pessoas com NF, porque não somos geneticistas nem imunologistas, mas clínicos. Portanto, desde 2014, já manifestamos nossa total adesão e disponibilidade para fazermos parte de um centro de referência em doenças raras, o que ainda não aconteceu no nosso Hospital das Clínicas.
O mesmo raciocínio pode ser feito para outras doenças raras, como a Epidermólise Bolhosa, por exemplo, uma doença que causa bolhas na pele e nas membranas mucosas, que afeta 1 em cada 50 mil pessoas. Em todo o Brasil deve haver 4 mil pessoas com epidermólise bolhosa e bastariam 4 especialistas nesta doença, em todo o Brasil, para atender a todas elas uma vez por ano.
O que quero dizer é que não faz sentido haver especialistas em epidermólise bolhosa ou neurofibromatose em cada município ou região com 50 mil pessoas, pois ele cuidaria apenas de uma pessoa com epidermólise bolhosa ou cerca de 15 pessoas com neurofibromatose.
Portanto, não há por que fazermos centros de especialistas em cada uma das doenças raras em todas as capitais dos estados e muito menos em cada cidade. O que precisamos é de alguns poucos centros de referência com especialistas em determinadas doenças, os quais, em conjunto, possam orientar TODAS as doenças raras.
Assim, considerando o tamanho da população e a diversidade clínica entre as doenças raras, creio que uma solução para o diagnóstico seria a criação de uma rede digital de especialistas no SUS, que permitisse uma consulta inicial por videoconferência a partir da suspeita de uma doença rara na unidade básica de saúde. Daí em diante, os especialistas podem indicar os tratamentos disponíveis para cada caso.
Portanto, cara Graziela, como percebe, estou de acordo com sua ideia básica de uma rede nacional de doenças raras na qual estejam incluídas as neurofibromatoses.
Mas compreendo que esta rede deve fazer parte do SUS.
Vamos conversando.
Abraço
Dr Lor