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Recebi a pergunta abaixo e minha resposta no blog gerou uma discussão interessante com a fonoaudióloga Pollyanna Batista.

Acompanhe nossa conversa.

Precisamos alertar os leitores que Pollyanna e eu estamos falando como especialistas, que é o nível mais fraco de evidência científica, pois não encontramos ainda um estudo que tenha verificado qual é o verdadeiro impacto sobre o desenvolvimento da criança quando a escola sabe ou quando não sabe o diagnóstico da NF1.

 

Pergunta inicial da família

“Gostaríamos de sua opinião de pai sobre a comunicação na escola a respeito do diagnóstico de nossa filha com NF1.

Algumas informações médicas nos foram solicitadas no momento da matrícula que foi realizada no fim de 2020 e naquele momento ainda não tínhamos conhecimento da doença de nossa filha. 

Por conta da pandemia, ele iniciou efetivamente sua vida escolar e não atualizamos aquelas informações junto à escola até agora.

 Nossa justificativa é o receio de que ela receba um tratamento diferenciado, ou menos estímulo, quando o diagnóstico vier ao conhecimento da escola.

 Nosso planejamento é comunicar à escola, caso a gente receba alguma demanda da coordenação, indicando que o comportamento ou desenvolvimento não está dentro do esperado.

 Pelo que pouco que já consegui perceber em contato com a turma dela, em situações de atividade remota, já percebi a dificuldade que ela tem para acompanhar sua turma nas atividades propostas, especialmente no que se refere ao foco e à atenção. Este comportamento já havíamos percebido e a fonoaudióloga também relatou em sua avaliação.

 Entretanto, ainda não entendemos se esta é a condução mais adequada junto à escola e estamos colhendo opiniões e experiências para que possamos tomar esta decisão com maior segurança.

 Assim, gostaríamos de ouvir sua opinião também.

Família HB, de Belo Horizonte.”

 

Resposta inicial do Dr. Lor

Obrigado pela pergunta de vocês.

Primeiro, quero dizer que seu relato nos apresenta uma situação bastante frequente, quando são crianças com NF1 que apresentam a gravidade mínima ou a leve. Ou seja, quando a maioria das pessoas não percebe que a criança apresenta algum problema de saúde.

O e-mail de vocês contém uma conduta com a qual concordo: aguardar a demanda por parte da escola, para que sua filha não seja tratada de forma diferenciada desnecessariamente.

Na minha opinião, enquanto uma criança for capaz de acompanhar suas colegas sem chamar a atenção das professoras, devemos manter seu diagnóstico de portadora de NF1 ainda restrito à família.

Quando a criança com NF1 apresentar necessidades de acompanhamento mais próximo, como apoio para realizar as tarefas escolares, ou precisar de ações para ajudá-la a manter seu comportamento adequado, chegou o momento de expor o diagnóstico.

É importante que este contato com a escola seja feito de forma construtiva, levando para as pessoas que cuidam das crianças as informações que já dispomos sobre dificuldades escolares causadas pela NF1 ( VER AQUI mais informações sobre estas dificuldades).

Em breve teremos aqui no site a nova cartilha sobre como orientar mães e professoras sobre crianças com NF1, que foi editada no Canadá e que será adaptada pela Amanf.

Primeiro comentário da Pollyanna

Eu sou da opinião que se deve contar o diagnóstico da NF1 para a escola.

Os pais que omitem estes dados na escola são os que mais sofrem. Contar é algo libertador e ajuda tanto os pais quanto a criança.

Recebo muito em meu consultório crianças que os pais não revelam o diagnóstico da NF1 na escola, com medo da criança ser tratada de modo diferente. E esse dado é importantíssimo (pode nos esclarecer como?).

As pessoas que acreditam que a criança será rebaixada antes tem mindset fixo. Pais com mindset fixo acreditam que a criança será deixada de lado, receberá menos estímulos e tal. Na minha opinião são as que mais sofrem.

As pessoas que contam para a escola têm um mindset de crescimento (idem). Veem a escola como um espaço de apoio emocional e educacional. Veem que aquela criança poderá ser mais estimulada!

Segundo comentário do Dr. Lor

 

Segundo comentário do Dr. Lor

Cara Pollyana,

parece que estamos de acordo que aquelas crianças que apresentam dificuldades cognitivas evidentes devem ter seu diagnóstico levado ao conhecimento da escola.

Estas representam 70% das pessoas com NF1, como você mesma já demonstrou, inclusive quando à desordem do processamento auditivo.

Segundo um estudo (ver aqui: J Child Neurol. 2008 Sep;23(9):1002-10. doi: 10.1177/0883073808316366 ) apenas 10% das crianças com NF1 não apresentam dificuldades cognitivas.

Além disso, entre estes 70 a 90% com dificuldades cognitivas, 10% apresentam grandes problemas de aprendizado, sendo considerados incapazes por atraso mental.

Portanto, nossa dúvida reside sobre aqueles 10 a 30% que apresentam formas mínimas e leves, cujas manifestações da doença não são percebidas pela maioria das pessoas, mesmo professoras e familiares.

Muitas destas pessoas com NF1 neste grupo dos 10 a 30% não irão apresentar dificuldades cognitivas importantes, sendo capazes de terminar o ensino fundamental e médio e muitos concluem cursos de graduação.

Meu receio é de que estas crianças nos 10 a 30% sejam discriminadas precocemente por causa do diagnóstico de uma doença genética, pois sabemos que as doenças genéticas carregam um estigma social importante.

 

Segundo comentário da Pollyanna

Essa pergunta é muito interessante e certamente de grande parte dos pais de crianças com a Neurofibromatose Tipo 1 (NF1)!

O primeiro ponto a se pensar é referente ao papel e a importância da escola na vida da criança. A escola será a segunda maior “morada/casa” da criança. Lá ela receberá conhecimentos acadêmicos e emocionais. Aprenderá sobre questões sociais e ensinará os professores. Sim, cada criança é PROFESSORA dos PROFESSORES! O professor não está pronto e até se aposentar aprenderá muito com as crianças pelas quais passam durante seu percurso de vida!

Então, “quando falar sobre o diagnóstico da NF1 na escola?”.

Pelo meu percurso como fonoaudióloga que atua com crianças com NF1 desde o ano de 2008 oriento: no ato da matrícula ou logo que a família recebe o diagnóstico!

Certamente você pai ou mãe, neste momento está se perguntando: “Mas por que, Pollyanna, comunicar o diagnóstico logo? Por que não aguardar alguns meses até a criança se adaptar a escola, ou aguardar a escola chamar para uma reunião, para então contar a coordenação e aos professores sobre a NF1?”.

Já acompanhei e acompanho muitos pais que trilharam este caminho: iniciaram a jornada escolar da criança e não comunicaram à escola. No primeiro momento, a criança se adapta a escola, mas com o tempo, as dificuldades acadêmicas começam a aparecer. Então a família se vê em uma “saia justa” por não ter comunicado sobre a NF1 no início, e se vê na necessidade de permanecer omitindo essa informação. E como a escola é parte do desenvolvimento da criança, a tríade: FAMÍLIA – ESCOLA – TERAPEUTAS (fonoaudiólogo, psicólogo, terapeutas ocupacionais) fica rompida.

Eu, como fonoaudióloga, estou com muitas famílias nesta situação, e quem perde é a criança, a família e a escola. A criança perde por não receber suporte necessário na escola. Os pais acabam angustiados, sofrendo e se sentindo culpados por não conseguir ajudar mais a criança. E a escola acaba também perdendo por não aprender com aquela criança (lembra que cada criança é “professora” do “professor”?).

Após ler tudo isso acima você pode ainda me perguntar: “Pollyanna, mas aproximadamente 30% das crianças com NF1 podem ter sinais leves ou nem aparentar que tem a NF1! Então, por que expor essa criança a uma possível discriminação de forma precoce na escola?”.

Assim respondo: Comunicar o diagnóstico da NF1 a escola não definirá onde a criança poderá chegar e o que ela poderá alcançar! E não define como ela será tratada pelos professores!

Acredito que nenhum pai ou mãe com uma criança com NF1 pense: “Que será que posso fazer na escola para prejudicar meu filho, minimizar seu esforço, afastá-lo do aprendizado e limitar suas realizações?” Claro que não! Pensam: “Eu faria qualquer coisa, faria tudo, para que meu filho seja bem sucedido!”. Mas muitas das coisas que os pais fazem têm efeito contrário. Seus prestimosos julgamentos, sua ação de não comunicar a escola sobre a NF1, por exemplo, frequentemente dão o recado errado.

Na verdade, cada palavra ou ação de um pai manda uma mensagem ao filho. Diz a criança com NF1 como ela deve pensar a respeito de si mesma. Pode ser uma mensagem que a criança pode receber como: “eu tenho uma característica permanente, não tenho capacidade para aprender e eu preciso de proteção” (crença fixa – mindset fixo) ou “eu sou uma pessoa em desenvolvimento, eu posso aprender e me desenvolver” (crença de crescimento – mindset de crescimento).

A minha experiência acompanhando pessoas com NF1 em seus diversos ciclos de vida revelam que grande parte das crianças com características leves ou imperceptíveis da NF1, que tiveram seus diagnósticos omitidos a escola, tendem a se deslocar para uma crença fixa – mindset fixo, conforme expus acima. Já as pessoas que tiveram seus diagnósticos revelados para a escola, aprenderam a enfrentar os seus desafios de vida de frente, adotando uma postura do mindset de crescimento. São pessoas que se esforçaram, buscam prosseguir e se desenvolver. São as pessoas que mais prosperaram na vida!

Por isso, com base em todo meu histórico de assistência a famílias com NF1 que oriento os pais a comunicarem a escola, em qualquer situação, que a criança tem a NF1. Este ato certamente terá grande efeito para esta criança!

 

Terceiro comentário do Dr Lor

Cara Pollyanna,

como nossos leitores devem estar percebendo, temos uma opinião bem diferente sobre quando levar o diagnóstico de NF1 para a escola: você acha que SEMPRE, enquanto eu acho que somente QUANDO HOUVER SINAIS DE DIFICULDADES COGNITIVAS OU COMPORTAMENTAIS.

Mas ambos temos apenas opiniões de especialistas e isso mostra a necessidade de que seja realizado um estudo científico bem controlado para responder esta nossa dúvida de forma segura.

Obrigado por participar ativamente do nosso blog.

 

Comentário do professor de história FTR(9/9/2021)

Boa tarde, Dr. LOR!
São casos específicos diante da variabilidade da doença.
O fato de eu não ter sido diagnosticado logo na infância, face a manifestação mínima a leve da NF1, deve, a meu ver e experiência, ter trazido resultados positivos para minha trajetória pessoal.
Na infância, brincava e fiz amizades. Sempre obtive bom desempenho na vida escolar. Tinha boa relação e sociabilidade com os colegas de classe. Aprendi a ler,  a escrever e a realizar rudimentos de cálculo aos sete anos de idade.
No ensino médio, em uma escola pública modelo e excelência de ensino daqui da Bahia, lia vorazmente e prazerosamente, mais do que hoje rsrs.
Nos estudos para o vestibular segui esse ritmo de leituras; fui classificado em concurso de redação. E na universidade me destaquei.
Creio que se soubesse do diagnóstico da NF1 precocemente, a conduta da minha família iria mudar, o senso de proteção se potencializaria. Por tabela, surgiria em mim um _mindset_ limitador para determinadas coisas.
Da mesmo forma que iniciei essa minha reflexão sobre sua publicação no site, concluo: são casos específicos diante da variabilidade da NF1 em diferentes indivíduos.
Um abraço.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    

 

Você vai gostar de participar e nos ajudar a conhecer melhor a neurofibromatose do tipo 1 para podermos tratar melhor os problemas de aprendizado e comportamentais.

A pesquisa “Treinamento musical como recurso terapêutico para problemas cognitivos e dificuldades de socialização na Neurofibromatose tipo 1” está com vagas disponíveis para adolescentes com NF1, de 12 a 18 anos, para a próxima turma que iniciará em março.

A técnica das aulas foi desenvolvida por um grupo de pesquisadores e educadores musicais, com enfoque na musicalização em grupo e também com aulas de canto ou instrumento (opções: violão, teclado, flauta doce e percussão).

O objetivo desse projeto é oferecer o aprendizado musical aos adolescentes com NF1, promovendo um ambiente agradável de socialização e avaliar os possíveis efeitos benéficos do treinamento musical sobre as dificuldades de aprendizado e problemas de comportamento.

Desejamos melhorar a sua qualidade de vida.

Quando? As aulas de musicalização ocorrem todas às terças-feiras

Horário: às 17 horas

Onde? No Centro de Referência da Juventude – CRJ, que se situa na rua Guaicurus, 50 – Centro, Belo Horizonte, na Praça da Estação.

 

Venha fazer uma aula experimental e obter maiores informações!

Basta entrar em contato com o Dr. Bruno Cota, nos números:

31- 99851-8284 (Vivo – zap)

31- 99194-2235 (Tim)

 

 

Conforme anunciado na última reunião da AMANF (31/3/2018) a equipe médica do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF) decidiu não mais recomendar a Lovastatina para dificuldades cognitivas nas pessoas com Neurofibromatose do tipo 1.

Veja abaixo as justificativas.

O medicamento Lovastatina (uma droga que foi descoberta inicialmente para baixar os níveis de colesterol no sangue) vinha sendo indicada no CRNF para tentarmos melhorar as dificuldades cognitivas em algumas pessoas com neurofibromatose do tipo 1, por causa de alguns resultados de pesquisas realizados na última década (ver as justificativas para o uso da Lovastatina: AQUI).

No entanto, foi realizado um estudo científico multicêntrico, internacional e com placebo (a maior pesquisa científica sobre uso de estatinas em pessoas com NF1 e dificuldades de aprendizado) que concluiu que a Lovastatina não deve ser indicada para pessoas com NF1 com dificuldades cognitivas porque ela não melhorou a atenção nem os déficits cognitivos viso-espaciais (ver o estudo completo em inglês: AQUI ).

Além disso, surgiram mais evidências de que alguns dos efeitos colaterais das estatinas, como a dor muscular e a fadiga, tem sido minimizados pelos laboratórios farmacêuticos (VER AQUI ). É possível que a dor e a fadiga muscular causadas pela Lovastatina venham a aumentar ainda mais o cansaço e indisposição para exercícios das pessoas com NF1, porque em geral elas possuem menor força muscular (VER AQUI) e menor capacidade aeróbica (VER AQUI). Assim o uso da Lovastatina para dificuldades cognitivas poderia piorar a qualidade de vida das pessoas com NF1.

Finalmente, para completar nossos problemas com a Lovastatina, há alguns anos encontrávamos o medicamento em sua forma genérica, depois, somente na forma de manipulação, mas atualmente não estamos encontrando o produto manipulado, pois a Lovastatina não está disponível naquelas farmácias que procuram garantir a qualidade dos medicamentos com controles bioquímicos próprios (informação pessoal).

Em outras palavras, o conjunto de estudos científicos indica que a Lovastatina não funciona objetivamente para as dificuldades cognitivas nas pessoas com NF1, ela pode causar efeitos colaterais que pioram a qualidade de vida e não temos confiança na procedência do medicamento.

Portanto, diante destas informações, não devemos mais recomendar a Lovastatina para dificuldades cognitivas em pessoas com NF1. Por isso, solicitamos a todas as pessoas com NF1 que estão em uso de LOVASTATINA para dificuldades de aprendizado que interrompam o seu uso pelas razões acima apresentadas.

Belo Horizonte, 2 de abril de 2018

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Dr Nilton Alves de Rezende

Dra. Juliana Ferreira de Souza

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues

Dr. Bruno Cezar Lage Cota

 

A Children’s Tumor Foundation (CTF), a principal organização norte-americana envolvida na divulgação de informações sobre as neurofibromatoses, lançou em setembro de 2017 uma nova cartilha chamada “Como ajudar crianças com dificuldades de aprendizado associadas com a Neurofibromatose do tipo 1”. Leia mais

As alterações comportamentais são uma das complicações da NF1 e ainda não temos um tratamento específico, seguro e eficaz para este problema. Por isso, alguns estudos laboratoriais tentam encontrar um medicamento capaz de melhorar a vida das pessoas com NF1. Um destes estudos [1] foi realizado na Universidade de Radboud na Holanda e foi apresentado pela Dra. Michaela Fenckova no Congresso de 2017, que traduzi e adaptei para este blog.

“A “habituação” é uma capacidade mental de suprimir nossa reação diante de um estímulo que sugere perigo, quando este estímulo se repete sem nos causar danos. A habituação é uma aquisição importante no processo de aprendizado. Ela serve para filtrar informações que não são relevantes e representa uma habilidade necessária para o desenvolvimento de funções cognitivas mais complexas.

Dificuldades de habituação têm sido relatadas em diversas doenças que apresentam problemas cognitivos e comportamentais, incluindo os transtornos no espectro do autismo.

Para determinar as bases genéticas da habituação e sua relevância para estudos em seres humanos, o grupo de pesquisadores estuda a habituação das moscas de banana (Drosophila) com genes alterados para determinadas funções neurais. Os genes alterados estão relacionados com o processo de aprendizado nestes animais e em também seres humanos.

Eles encontraram mais de 100 genes relacionados com a dificuldade de habituação da Drosophila que também estão presentes no transtorno no espectro do autismo e suas alterações comportamentais. Além disso, vários destes genes se caracterizam por uma ativação excessiva de um processo bioquímico nas células nervosas (uma via chamada Ras-MAPK) que também acontece nas pessoas com NF1 e outras doenças do grupo denominado de “rasopatias”.

Os pesquisadores verificaram que a dificuldade de habituação na NF1 e nas rasopatias parece estar ligada a esta via superativada num grupo de neurônios chamados “gabaérgicos”. Verificaram também que esta superativação dos neurônios pode ser parcialmente corrigida com um medicamento chamado Lamotrigina, que corrigiu as dificuldades de aprendizado em camundongos geneticamente modificados para NF1. Depois destes resultados animadores com os camundongos a Lamotrigina está sendo estudada em seres humanos (um projeto chamado NF1-EXCEL). 

Ver AQUI mais informações sobre esta pesquisa que está sendo realizada na Holanda (em inglês).

O grupo de pesquisadores concluiu que seu modelo de estudo de habituação em Drosophila está pronto e é altamente eficaz para ser usado no esclarecimento das dificuldades de aprendizado na NF1 e para testar novos medicamentos. Seus resultados até agora sugerem que a dificuldade de habituação seja um dos mecanismos fundamentais nas dificuldades cognitivas e comportamentais na NF1.

Seu projeto seguinte é avaliar a habituação em pessoas com NF1 para poderem transportar os dados dos estudos com a Drosophila para seres humanos. “

Estes estudos apresentam uma nova promessa para um futuro breve o alívio desta complicação tão frequente entre as pessoas com NF1, até porque a Lamotrigina é um medicamento relativamente bem conhecido, uma vez que já é usado no tratamento das convulsões.

[1] Título: Aprendizado da habituação em Drosophila: uma plataforma para identificar drogas que melhoram a cognição e os problemas comportamentais na NF1 e outras rasopatias.

“Meu nome é RS e sou portadora da Nf1, acredito que seja leve, pois só quem sabe que sou portadora são os meus pais, não é algo perceptível. Tenho uma dúvida pertinente, que sempre me vem à tona, principalmente quando paro para pensar no meu futuro profissional. Tenho 20 anos, estou cursando odontologia, estou no segundo semestre, o primeiro foi um sucesso, passei sem nenhum exame ou dependência, porém eu tenho muito medo de que no futuro eu não consiga mais acompanhar, ter um bom desempenho na minha graduação, não tenha uma boa destreza manual (o que é necessário para um bom dentista) e até o momento eu não tenho, mas sempre dizem que com o tempo pega o “jeito”, aliás, tenho medo de que não consiga me formar, a dificuldade de aprendizagem é um dos principais sintomas da neurofibromatose, não sei exatamente o quão grande pode ser minha dificuldade, mas sei que não é algo insignificante. O Dr. acha que posso ser uma boa profissional mesmo sendo portadora da neurofibromatose? O que me deixa desmotivada é não conhecer muitas pessoas que tenham neurofibromatose e que tenham alcançado uma graduação. Pois já vi muitos depoimentos de pessoas que disseram que não conseguiram. Meu sonho é me formar e ser uma boa cirurgiã dentista. ” RS de local não identificado.

Cara R, sua pergunta é muito interessante porque ela nos faz pensar sobre os limites que as doenças podem impor aos sonhos das pessoas.

Primeiro, precisamos esclarecer que até aqui você está conseguindo realizar seu sonho de ser uma cirurgiã dentista, apesar de sentir alguma dificuldade. Mas, pense, quem não tem alguma dificuldade para aprender? Lembre-se que em toda turma de alunos, metade deles está abaixo da média! E você já passou pelo primeiro ano sem problemas.

Observando como escreveu a sua pergunta, vejo que elaborou sua dúvida de forma lógica e bem construída, com redação compatível com uma estudante de um curso universitário. Talvez, tenham sobrado vírgulas e faltados pontos finais, mas isto também é comum entre os universitários.

Por outro lado, você tem razão quanto aos depoimentos que tem encontrado, nos quais a maior parte das pessoas não consegue terminar um curso superior. Mas devemos pensar que a NF1 se distribui de forma semelhante entre todas as classes sociais e então a chance de entrar (e concluir) uma universidade deve ser parecida entre as pessoas com NF1 e o que acontece nas classes sociais. Ou seja, a maioria das pessoas (com ou sem NF1) apresenta condições sociais que não são suficientes para entrar (e concluir) cursos universitários.

Portanto, sua dúvida nos remete mais ao futuro, sobre aquilo que pode… ou não… acontecer, do que dificuldades reais no presente. Em outras palavras, você me parece estar sofrendo por antecipação e, quem sabe, com um pouco insegurança e pena de si mesma, imaginando-se menos capaz do que você é realmente.

Sofrer por antecipação não nos ajuda a enfrentar a NF1. Estabelecer calmamente os limites de cada problema real podem nos ajudar a construir soluções passo a passo, dia a dia, procurando ser feliz com as conquistas possíveis.


Até a próxima semana.

Sabemos que a neurofibromatose do tipo 1 (NF1) é uma doença genética que produz dificuldades de aprendizagem na maioria das pessoas, mas de forma diferente entre elas: algumas vezes graves deficiências, outras vezes dificuldades pouco percebidas.

Por que estas variações clínicas acontecem?

Primeiro, existem milhares de mutações diferentes do gene NF1 que poderiam afetar a forma como a doença se manifesta clinicamente. Por exemplo, as deleções completas do gene NF1 geralmente estão associadas às formas mais graves de problemas cognitivos e comportamentais. No entanto, a mesma mutação encontrada numa família com NF1 apresenta capacidades intelectuais muito diferentes entre seus membros. Por exemplo, acompanhamos alguns pares de gêmeos univitelinos (com a mesma mutação do gene NF1, portanto) com diferentes dificuldades de aprendizagem entre os dois.

Outra possibilidade para explicar as diferenças de aprendizagem em pessoas com NF1 seriam os chamados efeitos epigenéticos, ou seja, efeitos externos que afetam a expressão dos genes durante o desenvolvimento embrionário e ao longo da vida. Por exemplo, as diferenças no ambiente intrauterino ou no ambiente educacional poderiam afetar a expressão do gene NF1, favorecendo perfis clínicos com maior ou menor dificuldade de aprendizagem.

Além disso, outra explicação provável para as diferenças de dificuldades cognitivas entre as pessoas com NF1 deve ser a presença no seu genoma de variações noutros genes que afetam o desenvolvimento mental. Ou seja, irmãos com o mesmo gene NF1 herdado de um dos pais podem apresentar perfis intelectuais e comportamentais diferentes porque os demais genes que constituem seu genoma apresentam variações decorrentes da recombinação genética no momento da formação dos espermatozoides e dos óvulos.

Foi justamente para estudar esta possibilidade dos efeitos de outros genes sobre as dificuldades de aprendizagem na NF1 que a Dra. Danielle Souza Costa conduziu seu estudo de doutorado em Medicina Molecular na Faculdade de Medicina sob a orientação da Professora Débora Marques de Miranda, o qual foi realizado com 19 crianças e adolescentes e 31 adultos, todos voluntários e voluntárias com NF1 atendidos no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nas pessoas com NF1 a Dra. Danielle mediu a memória de trabalho, que consiste na capacidade de manutenção e atualização de informações, o que é uma função muito importante na capacidade executiva, ou seja, a habilidade para planejar e executar atividades mentais, o que é fundamental no desempenho escolar, por exemplo. Além disso, a Dra. Danielle mediu o quociente de inteligência (QI), o nível socioeconômico das pessoas com NF1 e colheu amostras de sangue para medir as variações noutro gene (COMT), que regula a formação de um neurotransmissor cerebral chamado dopamina, que é essencial para as funções cognitivas.

Os resultados mostraram que as pessoas com mutação no gene NF1 associada a uma das variações no gene COMT (chamada de Met/Met) apresentaram desempenho melhor do que as demais no item memória verbal de trabalho, mas não houve influência significativa sobre as demais funções cognitivas. Ou seja, maior disponibilidade de dopamina resultou em menor dificuldade de aprendizagem, o que reforça a proposta do uso do medicamento metilfenidato em algumas pessoas com NF1.

O trabalho da Danielle Souza Costa acaba de ser publicado (5 de julho de 2016) na revista científica especializada Fronteiras na Neurociência Humana (para ver o artigo completo  CLIQUE AQUI), e foi revisado por Dong-Hoon Lee, da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, e por Dawei Li, da Universidade de Duke, ambas nos Estados Unidos.

São resultados iniciais, inéditos na comunidade científica que estuda a NF1, e que precisam ser confirmados para se tornarem mais uma ferramenta útil no cuidado das pessoas com NF1.

Parabéns à equipe que realizou o estudo, em especial para Dra. Danielle Souza Costa e sua orientadora Dra. Débora Marques de Miranda, e muito obrigado a todos os voluntários e voluntárias que se dispuseram a ajudar neste estudo.

Amanhã continuo o relato da Dra. Juliana Ferreira de Souza sobre o congresso sobre NF deste anos nos Estados Unidos.

Minha filha fica no mundo dela completamente distraída com suas brincadeiras. Na escola não presta muita atenção e tem muita preguiça para fazer os para casas. Como posso ajudar? ” SV, de Nepomuceno, MG.

Cara S, obrigado pela pergunta, que deve ser uma preocupação de muitos pais de crianças com ou sem NF, mas provavelmente mais frequente entre as crianças com NF1.

Tenho comentado com os pais de crianças com dificuldade de aprendizado, por causa da NF1, que elas precisam contar com o acolhimento de sua família e muitas vezes uso a expressão “precisamos ter paciência” com elas. No entanto, nesta semana, vi um vídeo muito bom que me ajudou a compreender melhor o que eu gostaria de dizer: é preciso estarmos disponíveis para a criança.

O filme é “O começo da vida”, dirigido por Estela Renner e contou com apoio da UNICEF, reúne vários depoimentos de mães e pais (desde a modelo Gisele Bündchen a uma mãe de doze filhos e dependente de drogas vivendo numa favela brasileira), de educadores, cientistas e ativistas políticos que lutam por um mundo melhor para todos (ver o site do movimento AQUI).

O filme nos mostra como o ambiente humano propiciado às crianças nos seus primeiros anos de vida é essencial para o seu desenvolvimento afetivo, cognitivo e intelectual, ou seja, a sua inserção social. Quem desejar ver o vídeo completo basta clicar AQUI.

Entre as diversas informações importantes que o vídeo nos traz, uma delas é que toda criança precisa do “seu tempo” para absorver o mundo ao seu redor, elaborando e descobrindo por si mesma como as coisas funcionam. Ou seja, as crianças são verdadeiros cientistas em tempo integral: descobrindo, descobrindo. E fazem isto por meio das brincadeiras. Ou seja, brincar é a coisa mais importante para as crianças.

Se isto é verdade para as crianças sem NF1, creio que as dificuldades no desenvolvimento neurológico que são comuns nas pessoas com NF1 fazem com que a sua necessidade deste tempo próprio para aprender e descobrir seja ainda maior. Era isso que eu chamava de “ter paciência”. Agora quero mudar minhas palavras para: precisamos acompanhar o fluxo natural dos desejos da criança, seu ritmo de descoberta e deixar a sua curiosidade nos levar. Para isto precisamos estar disponíveis para a criança.

É claro que isto só é possível para quem tem tempo para estar disponível, ou seja, para quem tem condições econômicas suficientes. Na estrutura social em que vivemos, a imensa maioria das pessoas precisa trabalhar grande parte do seu dia, assim como permanecer horas no trânsito e, ao chegar em casa cansada, resta pouca energia para se dedicar a brincar com a criança. Além disso, enquanto os pais trabalham, com quem a criança passa a maior parte do seu tempo tão precioso na sua formação humana?

Não há soluções fáceis para estes problemas, mas o vídeo nos ajuda a ver onde devemos concentrar nossos esforços, qual a direção de nosso movimento coletivo se desejamos criar um mundo melhor para as novas gerações.

Vejam o vídeo e convidem suas crianças para assistirem juntos.

Hoje continuo a conversar sobre algumas ideias de como imagino que podemos conviver com crianças com comportamentos diferentes causados pela NF1. 

Ontem falei sobre a ideia de que a única ferramenta que dispomos para enfrentar o futuro é a criatividade. Isto me parece verdade desde o nível da genética, onde as mutações novas podem ser a solução diante das mudanças do ambiente, até o nível das complexas relações sociais que nós, seres humanos desenvolvemos, onde comportamentos diferentes podem ser a saída para dificuldades nos relacionamentos. Isto me parece verdade para crianças com e sem NF1.

Para mim, o desenvolvimento da criatividade depende de quatro condições importantes: primeiro, liberdade para ousar, para experimentar, para errar, para fazer diferente, para não fazer agora e fazer quando quiser, para fazer e desmanchar, para fazer pela metade e parar, para fazer e esconder, para fazer copiando, para fazer inventando.

Liberdade, enfim, para a criança fazer o que deseja dentro dos limites de sua segurança física, limites, os quais, aliás, ela descobre muito rapidamente se for permitido a ela descobri-los aos poucos.

Segundo, precisamos prestar atenção ao que a criança está fazendo, mesmo que não estejamos participando diretamente. Quando a criança nos chama para brincar, ela não espera que sejamos a parte ativa e racional na brincadeira, mas que sigamos a sua trilha da imaginação, por mais absurda que possa parecer para o olhar adulto. Muitas vezes a criança quer apenas que estejamos ali, ao seu lado, olhando para ela enquanto ela brinca (e não vale checar o celular, porque ela percebe que você não está mais COM ela). 


Terceiro, podemos estimular a criatividade se permitirmos que nossa própria curiosidade brote durante a brincadeira e, embalados na fantasia inicial da criança, deixarmos a nossa própria imaginação sugerir novas alternativas na brincadeira, sem medo de parecermos tolos e infantis. O que a criança deseja é exatamente que sejamos infantis como ela, especialmente porque para ela não existe diferença entre brincar e viver.

Minha neta Rosa, de 3 anos, gosta de brincar que eu sou o marido e ela é a marida. Por que eu deveria corrigi-la com as palavras esposa ou mulher, se ela não percebe ainda a diferença? Não começaria nesta minha “lição” uma reafirmação das diferenças (especialmente de direitos) entre homens e mulheres, que ela, certamente, já está descobrindo cotidianamente que, infelizmente, existem? Se deixarmos que ela, pela sua própria maneira (perguntando), vá compreendendo, na medida de sua capacidade, a existência do machismo dominante, quem sabe suas conclusões futuras venham a trazer uma maneira nova de enfrentarmos a desigualdade social entre homens e mulheres?

O acolhimento, acredito, é aceitar a criança como ela é, sem julgamentos morais ou éticos, sem lições de moral, como se da nossa palavra dependesse o caráter futuro daquela pessoa. A complexidade da personalidade de uma pessoa depende de fatores muito complexos, que vão desde as características genéticas, à situação familiar, aos exemplos da comunidade, às oportunidades sociais e econômicas e a todo um espírito de época, numa mistura orgânica para a qual não existe receita pronta.

Ignorando esta complexidade, nossa tendência é corrigir moralmente a fantasia da criança, sem tentar entender os significados das palavras para ela. Uma vez, a Ana, minha filha mais velha, na época com 3 anos, perguntou-me sobre um bichinho caído no chão. Respondi que era um besourinho morto. Thalma, sua mãe que estava por perto, querendo evitar o assunto “morte”, disse: Não, filhinha, ele está dormindo! Ana olhou para mim e indagou: Ele está dormindo? Constrangido, concordei sem convicção. Ana completou: Então, vamos matar ele?

O que sabemos nós sobre o significado para uma criança de 3 anos de “estar morto”? Qual seria o tamanho daquele besourinho em sua mente? Qual a diferença entre morrer e dormir? Qual é o sentimento desencadeado pelo poder de matar um pequeno animal terrivelmente ameaçador? Por que podemos matar o mosquito ou a galinha para comer e o besourinho, não?

Então, liberdade, atenção, estímulo e acolhimento são para mim os fundamentos da criatividade, a ferramenta essencial para uma pessoa conseguir a carteira de habilitação para o futuro.

E como fica a criatividade nas crianças com NF1? Como devemos nos comportar quando uma criança se apega a determinados comportamentos que fogem ao padrão geral considerado “normal”? Amanhã volto a falar sobre como imagino que podemos tentar ver o mundo com os olhos das crianças.

A propósito, hoje usei para ilustrar este post um desenho que meu neto de 3 anos, o Antônio, me deu de presente. Você viu os olhos brilhantes do peixe? E as escamas verdes com as nadadeiras fazendo Tziiiz? E o rabo cinza se mexendo? E a água azul da praia de Recife?

Pois ele viu.