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Os neurofibromas plexiformes são uma das complicações da Neurofibromatose do tipo 1 (NF1), eles já estão presentes desde o nascimento (mesmo que somente se tornem mais visíveis nos primeiros anos de vida) e ocorrem em cerca de 40% das pessoas com NF1. Em algumas pessoas eles causam deformidades importantes, especialmente quando estão na face. Além disso, os plexiformes podem não ser operáveis por causa do risco de sangramento, do local onde se encontram e dos resultados insuficientes para a correção da deformidade. Em alguns poucos casos (10 a 15%) os plexiformes, especialmente os grandes e profundos, podem apresentar transformação maligna.

Por isso, a busca por algum tratamento medicamentoso que reduza o tamanho dos neurofibromas plexiformes tem atraído a atenção de muitos cientistas em todo o mundo, como se pode ver pela a relação de estudos em andamento apoiados pela Children’s Tumor Foundation (VER AQUI).

Um dos medicamentos que vem sendo estudados é o Selumetinibe, sobre o qual já comentei aqui no início de 2017, um estudo realizado pela Dra. Eva Dombi e colaboradores, do grupo da Dra. Brigitte C Widemann, de Bethesda, nos Estados Unidos ( VER AQUI ).

Recentemente foram apresentados novos resultados do Selumetinibe em neurofibromas plexiformes pelo mesmo grupo da Dra. Brigitte C Widemann como resumo num evento científico nos Estados Unidos (VER AQUI), reforçando pesquisas anteriores que mostraram um benefício do uso do Selumetinibe para cerca de 70% das crianças com neurofibromas plexiformes em crescimento e inoperáveis. Se desejar ver fotos das crianças tratadas com o Selumetinibe naquele estudo, lembrando que são imagens fortes, entre neste link do Children’s Tumor Foundation:  VER AQUI).

Para orientar os associados da AMANF, discutimos os resultados deste novo estudo no nosso grupo de médicas e médicos do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF). Participaram desta discussão:

Dr. Nilton Alves de Rezende, clínico e professor de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG e Diretor do CRNF;

Dra. Juliana Ferreira de Souza, clínica médica, com doutorado e pós-doutorado em neurofibromatose pela Faculdade de Medicina da UFMG e professora de Medicina da Família no UNIBH;

Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, clínica médica com mestrado em neurofibromatose pela Faculdade de Medicina da UFMG e Avaliadora de Tecnologias em Saúde da UNIMED BH;

Dr. Bruno Cesar Lage Cota, clínico com mestrado e doutorando em neurofibromatose pela Faculdade de Medicina da UFMG e médico do Hospital das Clínicas da UFMG;

Dra. Vanessa Waisberg, oftalmologista com mestrado e doutoranda em neurofibromatose pela Faculdade de Medicina da UFMG;

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (Dr. LOR), Coordenador Clínico do CRNF e presidente da AMANF (2017-2019).

 

Alerta

De início, é preciso lembrar que o Selumetinibe é um medicamento em fase experimental produzido pelos laboratórios farmacêuticos multinacionais Astra-Zeneca e Merck, mas que ainda não está à venda em nenhum país, conforme a Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues conversou diretamente com representantes do Laboratório Astra-Zeneca.

 

Resumo dos resultados apresentados

Em resumo, o novo estudo (chamado de Fase 2) estudou 50 crianças e adolescentes com NF1 (30 meninos e 20 meninas, entre 3,5 e 17,4 anos) com neurofibromas plexiformes inoperáveis com uma ou mais morbidades decorrentes do tumor (havia dor em 28 pessoas, disfunção em 33 pessoas, deformidade em 44 pessoas).

Todas receberam Selumetinibe em ciclos contínuos de 28 dias na dose de 25 mg por metro quadrado de superfície corporal por via oral duas vezes por dia. Todas as crianças e adolescentes eram reavaliados a cada 4 ciclos (cerca de 4 meses). O número médio de ciclos reavaliados foi de 19,5.

A resposta foi considerada positiva quando ocorreu redução do tumor em mais de 20% do seu tamanho original ou redução na morbidade associada (dor, disfunção ou deformidade).

O resultado foi positivo (em geral depois de dois meses) em 36 pessoas (72%) e não fez efeito em 12 delas (24%). A redução média do volume do neurofibroma plexiforme foi de 27,7%.

Ao longo do primeiro ano de tratamento, a intensidade da dor diminuiu e a força e a mobilidade aumentaram. Foram necessários 6 meses de tratamento para que os efeitos positivos fossem observados.

Os efeitos colaterais mais frequentes foram gastrointestinais, além de creatinina aumentada sem sintomas, acne e micose nas unhas. Em 12 pessoas a dose do Selumetinibe teve que ser reduzida e 5 deles tiveram que deixar o tratamento.

A conclusão foi de que estes resultados confirmam os resultados anteriores da equipe de cientistas, que continuam a realizar novos testes em outras crianças.

 

Impacto do estudo

Por causa destes resultados, o Selimetinibe foi recomendado como “droga órfã” nos Estados Unidos e em países da Europa, o que torna mais fácil o seu acesso para os pacientes, mesmo que a droga ainda não faça arte das recomendações das agências reguladoras de saúde (como a FDA nos Estados Unidos e a ANVISA no Brasil).  VER AQUI a recomendação

 

Discussão dos resultados pelo grupo do CRNF

 

Dr. LOR – Minha primeira impressão é de que este novo medicamento se constitui num possível tratamento para 70% dos graves casos que temos enfrentado em nosso Centro de Referência, e isto não é pouco. Creio que este estudo será um dos temas muito discutidos no próximo congresso mundial em NF do qual participaremos em novembro próximo.

 

Dra. Juliana – Apesar de todo o entusiasmo que estes resultados trazem para nossa comunidade NF, é preciso ressaltar que o Selumetinibe foi utilizado em crianças sem a possibilidade de tratamento cirúrgico.

Portanto, o medicamento poderá ser indicado para casos especiais e não se trata de um estudo que nos permite comparar os resultados entre a cirurgia e o tratamento medicamentoso.

Outra questão é que o fato das duas agências reguladoras (dos EUA e Europa) terem conferido um status ao Selumetinibe, no tratamento dos plexiformes que, até onde vai o meu entendimento, os aproxima da utilização mais disseminada da droga no tratamento dos plexiformes.

Existe uma chance de que acabemos por ver o efeito dominó da solicitação judicial deste tipo de tratamento por indivíduos e famílias brasileiras com recursos financeiros para acionar a justiça, já que a ANVISA está, ao meu ver, muito distante de até mesmo avaliar este tipo de tratamento para NF, aqui no Brasil.

 

Dra. Luíza – Da minha perspectiva como Avaliadora de Tecnologias em Saúde, vou comentar sobre a qualidade metodológica destes resultados.

  1. É um estudo fase II, sem comparador, nem mesmo placebo. Considerando que é uma doença rara, não é mesmo factível esperar por um ensaio clínico randomizado. Mas ainda assim, é uma limitação metodológica relevante. O estudo foi parcialmente financiado pelo fabricante do selumetinibe, AstraZeneca (disponibilidade do medicamento e fundos para análise farmacocinética).
  2. Este resultado citado não é de uma publicação, é de um resumo apresentado em Congresso; além de não ter sido revisado pelos pares ainda, não tenho acesso aos dados completos dessa análise, o que dificulta a interpretação correta da magnitude do efeito (especialmente em termos absolutos). VER AQUI
  3. O benefício (que foi de 72% deresposta parcial, definida de forma composta, como redução de 20% do tumor OU redução de sintomas) é descrito em um desfecho substituto (taxa de resposta), sem correlação com desfechos de interesse ao paciente, como qualidade de vida ou sobrevida global. O fato de ter reduzido dor em alguns pacientes não significa que melhorou a qualidade de vida, pois a toxicidade pode impactar de forma negativa na qualidade de vida (náusea, vômitos, diarreia, aumento assintomático da creatinina, acne e micoses), cujas frequências (absolutas ou relativas) não estão descritas no abstract. De forma grosseira, consegui extrair de uma tabela da publicação original (VER AQUI) que cerca de 10 (20%) dos pacientes tiveram toxicidade de grau 3 ou 4. Na tabela S4 do apêndice (VER AQUI) da publicação original podem ser conferidos os diversos eventos adversos relatados.
  4. Ainda quanto à toxicidade, o tratamento teve que sofrer redução de dose em 24% dos pacientes e suspensão do tratamento e outros 10%, portanto, a toxicidade é relevante, dado que 1 em 3 pacientes tem que, no mínimo, modificar dose.
  5. O custo do medicamento não está confiavelmente disponível, por não ter aprovação da Anvisa ainda. Dessa maneira, é difícil estimar o custo financeiro do tratamento.

Da minha perspectiva, na ausência de dados absolutos, fica difícil estimar o impacto clínico real desse tratamento. A toxicidade dos inibidores de MEK é sabidamente alta, em todos os contextos em que são utilizados. As respostas parciais, nesses casos graves (inoperáveis), ainda não foram estudadas em longo prazo. Tenho receio do tratamento ser mais vantajoso pra indústria do que para os pacientes.

Entendo que, no contexto em questão, de gravidade e sem possibilidades terapêuticas, ficamos tentados a apostar nas “esperanças”. Mas, os resultados não me são convincentes, até o momento, de benefícios reais em desfechos de interesse ao paciente, que superem os riscos. Por enquanto, me parecem resultados estatisticamente significantes em exames de imagem. Eu gostaria mais de ver resultados sobre qualidade de vida.

Aguardo a publicação completa para rever essas considerações. Quem sabe os dados absolutos demonstrem melhor algum benefício clinicamente significativo?

 

Dr. Bruno – Achei excelentes as análises da Luíza e da Juliana, especialmente quanto à cautela frente à relação risco e custo/benefício e ao possível e temeroso uso indiscriminado da droga por interesse da indústria farmacêutica.

A ausência da descrição pormenorizada da metodologia e dos resultados deixou muitas lacunas. Também considero importante saber se foi utilizada alguma outra medida mais global, referente à qualidade de vida, no pré e pós-tratamento.

Também ainda não existem dados sobre o efeito duradouro na redução dos tumores e da melhora dos sintomas após o término do tratamento. Embora a suspensão do Selumetinibe devido aos efeitos colaterais tenha ocorrido somente em menos de 10% dos pacientes, para 24% deles a dose da droga teve que ser reduzida, como a Luiza mencionou, e isso implicou em redução do seu efeito e retorno do crescimento do tumor – ver no relato da dra. Andrea Gross ( VER AQUI ). Se não houver um controle do crescimento do tumor e dos sintomas a ele atribuídos de forma duradoura após o término do tratamento, e consequente necessidade de reiniciar ou prolongar o uso da droga, o impacto dos efeitos adversos possivelmente será ainda maior.

Outra questão: Posso estar enganado ou até mesmo talvez já existem evidências que tornem isso desnecessário, mas um parâmetro que poderia ser interessante na avaliação do risco e custo/benefício seria a mensuração da atividade metabólica dos tumores antes do tratamento, para uma melhor indicação de quais desses teriam uma melhor resposta ao Selumetinibe. Seriam aqueles com menor atividade, com consequente menor risco de malignização, ou os de maior? Pois se forem os primeiros vejo mais um ponto desfavorável ao seu uso.

Preferi ver as imagens (das crianças tratadas) depois da nossa discussão, pois já previa que a minha opinião poderia ser influenciada por elas. E foi interessante, pois mesmo assim o impacto das imagens foi forte o suficiente para motivar a minha esperança e eu amenizar a minha crítica. Ao final disso, concluo que vejo com algum entusiasmo os resultados, mas ainda com meus dois pés bem justos ao chão.

Dra. Vanessa – Fiz uma revisão sobre os efeitos colaterais oculares dos inibidores MEK, e o Selumetinibe é relativamente seguro quando comparado aos outros quimioterápicos da mesma classe.

Os efeitos colaterais oculares do Selumetinibe relatados foram: visão turva (geralmente transitória), diplopia, edema palpebral, hemorragia subconjuntival, lacrimejamento, separação das camadas externas da retina (geralmente discreta) e descolamento do epitélio pigmentar da retina.

Efeitos colaterais graves associados a outros inibidores MEK (Trametinibe, RO5126766 e PD0325901), como oclusão de veia, uveíte, neuropatia óptica, serosa central e descolamento seroso da retina não foram associados ao uso do Selumetinibe.

Como foi dito nos comentários de Pulido e colaboradores ( VER AQUI), outro fator que pode ter ajudado na baixa taxa de efeitos colaterais oculares foi a dose mais baixa usada nas crianças do estudo.

Vale ressaltar que os pacientes que estejam em tratamento com inibidores MEK incluindo o Selumetinibe devem ter acompanhamento oftalmológico frequente.

 

Dr. LOR e Dr. Nilton – Agradecemos à Juliana, Luíza, Bruno e Vanessa pela discussão esclarecedora sobre este tema tão importante. Vamos levar estas nossas observações para o Congresso Mundial em Neurofibromatoses em Paris em novembro de 2018.


Hoje estou muito feliz com o início de uma parceria proposta pelo Dr. Nikolas Mata-Machado [1] , um médico brasileiro que mora nos Estados Unidos e trabalha como neurologista no NF Clinic at Amita Health – St. Alexius, em Chicago.

O Dr. Nikolas escolherá e adaptará alguns dos temas deste blog para o site da NF Midwest, uma associação de apoio a pessoas com NF nos Estados Unidos e, para iniciar nossa colaboração, ele escolheu o tema sobre o SELUMETINIBE (ver AQUI), publicado anteriormente neste blog em 13 de janeiro de 2017 (ver AQUI)

Estou feliz com esta iniciativa, porque a partir de hoje estas informações podem se tornar úteis a um número maior de pessoas com NF. Creio que não apenas atingiremos mais leitores, mas também esta parceria nos permitirá discutir e aprimorar nossos próprios conhecimentos sobre as NF.

Os temas sobre os quais tenho escrito neste blog têm contado com a leitura regular, críticas, sugestões e comentários dos colegas Nilton Alves de Rezende, Luíza de Oliveira Rodrigues, Juliana Ferreira de Souza e Bruno Cezar Lage Cota, que trabalham ou colaboram com o Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG. Agora, nosso time ganhou mais um colega, o Dr. Nikolas Mata-Machado, outro médico também com experiência em neurofibromatoses.

Agradeço ao Dr. Nikolas pelo convite para esta parceria, e espero que ela fortaleça o nosso compromisso com as pessoas com NF.

[1] Por uma feliz coincidência, o Dr. Nikolas Mata-Machado é mineiro e sobrinho do grande jurista, jornalista, político e professor de Direito da UFMG, o saudoso e brilhante Edgard Godoy da Mata Machado, com quem tive o privilégio de aprender e trabalhar na Editora Vega nos idos da década de setenta (ver AQUI).


Dr. LOR, hoje faço uma pergunta sobre o tema do SELUMETINIBE. Sei que não é possível precisar data. Sabemos que as pesquisas demoram e tem etapas a serem cumpridas. Em medicamento pelo que tenho visto acredito que agora entrará na Fase 2 e depois na Fase 3, para depois ser liberada para produção caso seja aprovado. Quanto tempo deve durar esta Fase 2? E quanto tempo deverá estar disponível caso se mostre eficaz? E depois de quanto tempo liberado nos EUA costuma ser liberado no Brasil? Tem como o senhor fazer uma abordagem sobre este tema? E particularmente, se meu filho tiver a oportunidade de entrar em uma das próximas fases da pesquisa, seria melhor na Fase 2 ou na Fase 3? Ou melhor (esperar) chegar ao comércio? ” FP, de local não identificado.

Caro FP, obrigado pela sua pergunta, que considero muito importante. Para responder, preciso recuperar alguns conhecimentos que já temos discutido neste blog.

Este post ficará um pouco mais longo e por isso dividirei em partes que podem ser lidas aos poucos.

Este post também está disponível em inglês, adaptado pelo Dr. Nikolas Mata-Machado da NF Clinic at Amita Health/St. Alexius, em Chicago, Estados Unidos, no site da associação de apoio às pessoas com NF a Neurofibromatosis Midwest (ver aqui AQUI).

Parte 1 – Diferenças entre os neurofibromas

Para começar, lembro que o estudo com o SELUMETINIBE que nos deu esperança (ver aqui) precisa ser repetido por outro grupo de cientistas independentes da indústria farmacêutica que produz o remédio, para que possamos ter mais segurança de que o medicamento traz mais benefícios do que danos às pessoas.

Além disso, os próximos testes com o medicamento precisam levar em consideração se o SELUMETINIBE funciona da mesma forma para os diferentes tipos de neurofibromas plexiformes, se funciona apenas quando os neurofibromas estão crescendo e se funcionam em qualquer idade das pessoas que apresentam neurofibromas plexiformes.

Isto porque o comportamento dos neurofibromas plexiformes varia muito nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 quanto ao tipo, a taxa de crescimento e a idade das pessoas, como mostrou um estudo muito bem realizado em 2012, na Alemanha, pela equipe do Dr. Victor Mautner (ver artigo completo em inglês AQUI).

Os plexiformes podem ser difusos, ou nodulares, ou mistos e uma mesma pessoa pode apresentar um ou mais de cada um destes tipos. Os diferentes tipos apresentam crescimento e complicações variadas e uma mesma pessoa pode apresentar um plexiforme que está crescendo e outro que permanece do mesmo tamanho (ou até se reduz, veja adiante).

No entanto, no estudo em questão, por meio da ressonância magnética tridimensional de corpo inteiro, a equipe do Dr. Mautner examinou todos os plexiformes em conjunto, sem separar em difusos ou nodulares ou mistos.

Parte 2 – Resultados dos estudos na Alemanha

Segundo o estudo do grupo do Dr. Mautner, cerca da metade das 201 pessoas com NF1 apresentou neurofibromas plexiformes, sendo 40% internos, ou seja, visíveis nos estudos de imagem, e 30% superficiais, ou seja, visíveis no exame clínico.

Os plexiformes geralmente são congênitos, ou seja, já estão presentes no momento do nascimento. No estudo, aquelas pessoas que não possuíam plexiformes no início do estudo, não apresentaram novos tumores. Aquelas outras pessoas que já apresentavam plexiformes, desenvolveram novos tumores ao longo do estudo, numa taxa de 1 novo tumor a cada dois anos.

Este resultado sugere que quem não apresenta um plexiforme até o final da infância, provavelmente nunca desenvolverá este tumor ao longo da vida e esta é uma informação importante para as famílias.

Os pesquisadores também verificaram que os plexiformes podem ser pequenos ou grandes em volume: o tamanho médio encontrado foi de 86 mililitros (ou seja, cerca de quatro colheres de sopa), variando do menor com 5 mililitros ao maior com quase 6 litros.

A taxa de crescimento médio dos plexiformes foi de 3,7% ao ano, e foi influenciada pelo volume do tumor: quanto maior o volume inicial, maior a taxa de crescimento, que variou de -13,4% até + 111% ao ano.

Um achado surpreendente, pelo menos para mim, foi a diminuição de 3,4% do volume do plexiforme por ano em cerca de 35% dos adultos, sem qualquer tipo de medicamento ou cirurgia. Embora os autores tenham levantado a possibilidade de erro de medida, esta redução espontânea (ou erro de medida) precisa ser levada em conta nos estudos que testam medicamentos, como o SELUMETINIBE.

A taxa de crescimento dos plexiformes também variou conforme a idade, sendo maior na infância do que depois dos 18 anos. O mesmo grupo de cientistas já havia observado até 20% de aumento de volume por ano em crianças mais novas (ver AQUI resumo do artigo). Por exemplo, uma criança de 5 anos com um plexiforme com o volume de 200 ml (um copo comum) pode apresentar o tumor com cerca de 240 ml um ano depois.

Em torno dos 25 anos a taxa de aumento dos plexiformes já é bem menor, apenas cerca de 0,5% (meio por cento) ao ano. Ou seja, um adulto com 25 anos com um tumor de 200 ml estaria com um tumor de 201 ml no ano seguinte, ou seja, uma mudança praticamente imperceptível a olho nu.

Parte 3 – Efeitos da cirurgia sobre os plexiformes

Num outro estudo científico publicado no ano seguinte (2013), o mesmo grupo do Dr. Mautner apresentou novas informações sobre o comportamento dos plexiformes após tratamento cirúrgico (ver AQUI).

Estes resultados são fundamentais para compararmos os efeitos da cirurgia com o SELUMETINIBE ou outras drogas.

Os pesquisadores estudaram 52 pessoas com NF1, com a média de idade de 25 anos, que foram submetidas à cirurgia para tratamento de neurofibromas plexiformes por causa de dor (20), ou de deformidade estética (21), ou de déficit neurológico (16) ou por estas causas combinadas.

Os principais resultados da cirurgia foram: resolução completa dos sintomas em 46% das pessoas, resolução parcial em 10% e resultado inalterado em 31% dos casos operados. Os tumores voltaram (ou continuaram) a crescer em 23% das pessoas depois da cirurgia, e a análise mostrou que a cirurgia não interferiu na taxa de crescimento dos plexiformes.

Por outro lado, os efeitos indesejáveis da cirurgia foram complicações agudas, como sangramento, em 10% e dificuldades de cicatrização em 5%. Alguns pacientes (13%) desenvolveram novas queixas depois da cirurgia.

O melhor resultado observado com a cirurgia foi quando os médicos conseguiram remover completamente (a olho nu) os plexiformes e isto aconteceu em 25% dos casos, e estes tumores não voltaram a crescer até o final do acompanhamento (cerca de 3 anos). No entanto, estes tumores que puderam ser completamente ressecados eram os menores e mais superficiais e em pessoas acima dos 18 anos.

Em conclusão, os dois estudos comentados sugerem que as crianças com plexiformes mais volumosos apresentam a maior taxa de crescimento dos tumores e que a cirurgia dos plexiformes apresenta seus piores resultados nos tumores maiores e mais complexos (pescoço e cabeça) justamente nesta população.

Assim, os novos estudos com medicamentos (como o SELUMETINIBE) deveriam focar esta população na qual a cirurgia apresenta seus piores resultados.

Em outras palavras, precisam esclarecer se o medicamento deverá ser usado apenas nas crianças ou também nos adultos. Além disso, deveria ser usado apenas nos tumores que estão crescendo ou em todos eles?

Parte 4 – Então, qual seria a duração das novas fases das pesquisas com o SELUMETINIBE? 

Não sou capaz de responder precisamente sobre este medicamento, o SELUMETINIBE, porque ainda não conheço os detalhes do projeto de pesquisa. No entanto, de um modo geral, se a meta dos novos estudos continuar sendo a de diminuir em pelo menos 20% o tamanho do tumor inicial, será preciso um tempo de estudo suficientemente grande e parecido com o estudo original para este efeito ser observado, que foi de um ano e meio do uso do SELUMETINIBE.

Outro problema na determinação da duração de qualquer estudo com medicamentos é que ele pode ser interrompido quando se percebe que já se tem as respostas antes do prazo marcado, seja para o bem (efeitos positivos sobre a saúde) ou para o mal (efeitos tóxicos ou piora da saúde).

Portanto, de um modo geral, eu imagino que a duração de cada uma destas próximas fases da pesquisa com o SELUMETINIBE será em torno de 2 anos, para que ele seja definido como uma droga adequada ou não para o tratamento dos plexiformes. Isto, no plano das pesquisas científicas. Se o medicamento se mostrar efetivo, deverá ser submetido aos órgãos de vigilância sanitária nos Estados Unidos e no Brasil, o que pode levar mais um tempo que não sou capaz de definir com segurança.

Finalmente, o leitor FP havia perguntado se seu filho teria a oportunidade de entrar em uma das próximas fases da pesquisa ou se seria melhor esperar o medicamento chegar ao comércio.

Minha impressão é que o mais seguro para qualquer pessoa é receber uma medicação que seja adequada ao seu caso e que seja comprovadamente eficaz e somente depois de ter sido aprovada pelos órgãos reguladores, no nosso caso a ANVISA.

 

Temos um motivo de esperança para começarmos o novo ano: foram publicados ontem no New England Journal of Medicine, uma das mais importantes revistas médicas do mundo, os resultados dos estudos pré-clínico (em camundongos) e de Fase 1 (com 24 crianças e adolescentes entre 3 a 18 anos) obtidos com um novo medicamento chamado SELUMETINIBE no tratamento de neurofibromas plexiformes (ver AQUI o artigo em inglês).

Sabemos que até hoje não dispomos de um tratamento eficiente para os neurofibromas plexiformes que atingem metade das pessoas com NF1 e geralmente são congênitos, ou seja, estão presentes desde o nascimento embora possam se tornar visíveis apenas depois dos primeiros meses ou anos de vida. Os plexiformes geralmente apresentam sua maior taxa de crescimento no começo da infância e depois podem permanecer estáveis.

Os plexiformes variam em tamanho e profundidade, podem ser pequenos ou grandes, alguns não causam sintomas, mas outros podem provocar deformidades, dor e problemas funcionais. Além disso, cerca de 1 em cada 5 deles, especialmente os mais volumosos e profundos, pode se transformar em tumor maligno. Portanto, os plexiformes constituem uma preocupação para as famílias que esperam ansiosamente por uma forma de tratamento além da cirurgia, a qual geralmente não apresenta resultados plenamente satisfatórios.

Por isso, há uma busca intensa entre os especialistas em NF por um tratamento medicamentoso para os plexiformes e foi isso que fez a equipe liderada pela Dra. Brigit Widemann, do Instituto de Pesquisa em Câncer Pediátrico de Bethesda nos Estados Unidos. A equipe iniciou em 2011 um estudo com o medicamento SELUMETINIBE produzido pelo laboratório farmacêutico Astra-Zeneca em camundongos e em crianças e adolescentes com plexiformes e apresentaram seus resultados ontem.

A equipe observou que depois do uso oral do SELUMETINIBE por cerca de um ano e meio, TODOS os plexiformes apresentaram alguma redução com o medicamento, que diminuíram entre 5% até 45% de volume na ressonância magnética, além de apresentarem menos dor, menos disfunção e deformidade. Estes resultados permaneceram estáveis cerca de um ano depois de concluída a fase experimental.

Segundo os pesquisadores, o medicamento foi bem tolerado pelas pessoas (alguns poucos casos de acne, sintomas intestinais, baixa de neutrófilos no hemograma e aumento da creatinofosfoquinase) e apenas uma redução transitória da função cardíaca de um dos voluntários.

Como acontece com toda pesquisa científica, tenho algumas dúvidas sobre o estudo. Primeiro, o tamanho (volume) dos plexiformes estudados variou de 29 ml (ou seja, pouco maior que uma colher de sopa) até 8744 ml (ou seja, um tumor do tamanho de uma criança de seis meses de idade). Será que a causa e o comportamento destes tumores são semelhantes o bastante para tirarmos conclusões parecidas sobre o efeito do medicamento?

 

Segundo, tenho receio de que a participação do laboratório farmacêutico Astra-Zeneca no fornecimento da droga, na análise dos resultados da dosagem sanguínea e na redação e submissão do artigo científico, possa ter influenciado de alguma forma a seleção dos voluntários, a exclusão de outros e a interpretação dos resultados. Sabe-se que os interesses financeiros da indústria farmacêutica fazem com que ela se comporte de forma criminosa muitas vezes.

No entanto, na minha opinião, este é o resultado mais promissor de todos os estudos que conheço que testaram medicamentos no tratamento de neurofibromas plexiformes, o que me traz esperança de que num futuro breve as Fases 2 e 3 da pesquisa com o SELUMETINIBE confirmem estes resultados iniciais e o medicamento possa se constituir numa recomendação de consenso internacional.

Até lá, bom ano novo para todas as famílias que juntas enfrentam as NF.

PS: Agradeço o desenho da Alice, minha neta, que ilustra este post.