Os testes genéticos podem ser úteis na orientação clínica das pessoas com neurofibromatose (ver aqui) e diante do resultado do painel genético indicando o diagnóstico de Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) as pessoas querem saber o que ele significa em termos de gravidade e quais as consequências e complicações que podem ocorrer.

Para conhecer os diferentes níveis de gravidade da NF1 clique aqui  e para lembrar as complicações possíveis clique aqui.

A NF1 é causada por alterações no DNA de uma pessoa, ou seja, no seu código genético.

 

Para quem conhece pouco sobre genética, faço uma rápida explicação sobre o código genético na NF1.

O código genético são sequências de letras (que representam substâncias químicas chamadas bases nitrogenadas A, C, T e G), que formam os genes que estão incluídos no DNA de uma pessoa.

Os genes são instruções para a produção das proteínas necessárias para a vida, por exemplo, a proteína neurofibromina, que é fundamental para o desenvolvimento do cérebro, da pele, dos ossos e músculos.

Imagine que numa criança o código do gene para formar a neurofibromina seriam as duas sequências de letras abaixo (vou trocar as letras A, C, T e G, por letras comuns do nosso alfabeto).

A primeira (em negrito), a criança recebeu de sua mãe (no óvulo) e a segunda recebeu de seu pai (no espermatozoide):

 

A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

 

Para a formação adequada da criança, as duas cópias (as duas frases) precisam estar escritas corretamente.

Agora, imagine que houve um erro de cópia do DNA na formação do espermatozoide e o código paterno veio faltando algumas letras, o que chamamos de variante (antes era chamada de mutação):

 

A NEUROFIBROMINA É UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

UMA PROTEÍNA IMPORTANTE

 

Quando isso acontece, o código materno sozinho precisa produzir neurofibromina correta para o desenvolvimento da criança. Mas essa quantidade de neurofibromina materna geralmente não é suficiente e então surgem as manifestações da NF1 (manchas, dificuldades de aprendizado, tumores etc.).

No exemplo acima, a variante foi a perda de um pedaço do gene (que chamamos de deleção) no material genético paterno (90% das vezes), mas pode ocorrer também no material genético materno (10% das vezes) e, nesse caso, geralmente a NF1 se manifesta de forma mais grave.

Além das deleções, as variantes podem ser de outros tipos, como a troca ou inclusão de uma ou mais letras, que também produzem proteínas defeituosas.

Quando a variante não atrapalha muito a neurofibromina e o funcionamento das células é normal, chamamos de variante benigna. Ou seja, a NF1 não se manifestará.

Quando a variante causa a neurofibromina defeituosa, ela produz sinais e sintomas da NF1, então chamamos de variante patogênica (“pato” quer dizer doença e “gênica” quer dizer que dá origem).

Entre as variantes benignas e patogênicas existem outras com menor certeza de que produzirão a NF1 e são chamadas de “provavelmente benignas (90% de chance)”, ou “de significado incerto (50% de chance)” ou “provavelmente patogênicas (90% de chance de aparecerem manifestações da NF1).

 

Com estes conhecimentos acima, podemos compreender se existe relação entre a alteração genética encontrada no exame e as manifestações da NF1.

 

Sim, em cerca de 10 a 15% das pessoas com NF1 o exame genético pode oferecer informações sobre como a doença pode evoluir (ver aqui o artigo original em inglês sobre isso).

Dentre as 3.197 variantes já conhecidas no gene NF1 (até 2022), apenas 4 tipos de alterações genéticas são variantes que comprovadamente indicam manifestações clínicas mais graves ou menos graves.

Além destas 4, a maioria das demais variantes produz proteínas defeituosas que geram as manifestações clínicas variáveis e imprevisíveis nas pessoas com NF1.

Manifestações clínicas mais graves

  • Deleções completas do gene são as mais conhecidas e causam os casos mais graves (5 a 10% de todas as pessoas com NF1). Para saber mais sobre as manifestações clínicas mais graves das deleções clique aqui (artigo em inglês).
  • Um grupo de variantes nos códons 844-848, que ocorrem em 1,6% das pessoas com NF1 e que mudam o sentido da proteína (misense). Isto causa manifestações clínicas mais graves em 75% das pessoas que possuem estas variantes. Para saber mais clique aqui (artigo em inglês).

Manifestações clínicas menos graves

  • A variante descrita nos laudos como 2970-72delATT – p.Met992del é encontrada em cerca de 0,78% das pessoas com NF1. Elas apresentam apenas manchas café com leite, efélides axilares e metade delas apresenta dificuldades cognitivas, mas não apresentam neurofibromas, nem gliomas e nem transformações malignas (ver aqui mais informações – artigo em inglês). Assim, as manifestações desta variante são muito semelhantes às das pessoas com Síndrome de Legius, então, sempre que pensarmos em Legius podemos considerar a análise genética.
  • Variante descrita no laudo como 5425C>T – p.Arg1809Cys – encontrada em cerca de 1,2% das pessoas com NF1, que produz apenas manchas café com leite, baixa estatura, dificuldades cognitivas e estenose pulmonar, mas sem neurofibromas (Ver aqui e aqui mais informações sobre as manifestações clínicas desta variante – artigos em inglês).

Se não for uma destas 4 variantes acima, por enquanto, todas as demais podem apresentar as diversas manifestações clínicas da NF1, além das manchas café com leite e efélides.

É importante lembrar que, independentemente do tipo de variante, a maioria das pessoas apresenta apenas algumas das manifestações da NF1 e raríssimas pessoas apresentam todas as manifestações da doença (ver aqui).

 Outras variantes com possível relação com as manifestações clínicas, mas ainda não confirmadas:

  • Variante p.Met1149  apenas manchas café com leite (aqui)
  • Variante p.Arg1038Gly apenas manchas café com leite (ver aqui).
  • Variante p.Arg1276 relacionada com neurofibromatose espinhal familial (ver aqui).
  • Pessoas com NF1 e com gliomas ópticos e determinado tipo de variante (ver aqui).
  • Pessoas com NF1 e estenose pulmonar (ver aqui).
  • Algumas variantes talvez relacionadas com dificuldades cognitivas (ver aqui)
  • Variantes p.Arg1276 e p.Lys1423 talvez associadas a características da Síndrome de Noonan com anormalidades cardiovasculares (aqui)
  • Variante p.R1241* associada com alterações cerebrais estruturais (ver aqui)
  • Variante p.Y2285* relacionada com muitos nódulos de Lisch e problemas endocrinológicos (ver aqui)
  • Veja outras estão em estudo (ver aqui), além de uma série de variantes já descritas nas pessoas com NF1 ( clique aqui).

Outras correlações genéticas com a NF1

Um estudo realizado na China recentemente que tentou encontrar relações entre as manifestações clínicas com as variantes conhecidas no gene NF1 (ver aqui – em inglês).

No geral, a equipe de cientistas chegou às mesmas conclusões acima, mas apresentou algumas correlações da clínica com a genética que resumo abaixo e que precisam ser discutidas:

  • Sugerem realizar sempre o painel genético em toda criança menor de 2,5 anos e com manchas café com leite.
  • Suspeitam que a presença de Nódulos de Lisch seja sugestiva de variantes mais patogênicas.
  • Os neurofibromas plexiformes volumosos (mais de 3 litros) são 16 vezes mais comuns nas deleções e a presença de variante patogênica no gene SUZ12 aumenta a chance de transformação maligna.
  • As dificuldades cognitivas parecem relacionadas com a isoforma 1 da neurofibromina expressa em alguns exons específicos.
  • A displasia periapical do cemento dentário ocorre em 35% das mulheres com NF1, mas não em homens.
  • Gliomas ópticos são mais comuns em mulheres.
  • Alterações ósseas graves estão associadas com deleções e com variantes que mudam o sentido da proteína (frameshift).
  • Retomaram a relação entre Vitamina D baixa e neurofibromas cutâneos.
  • Sugerem relação entre transformação maligna e variantes nos códons 844-848 (ver acima).
  • A relação entre câncer e NF1 parece clara no câncer de mama, mas ainda é controversa na leucemia mieloide crônica e precisa ser mais estudada.

 

Agradeço ao geneticista Dr. Salmo Raskin, que me inspirou e orientou nesta revisão

 

Telemedicina para pessoas com neurofibromatoses

Relato da experiência durante a pandemia de COVID (2020 – 2022) [1]

 

 

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (Dr. Lor)

Médico e Diretor Administrativo da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose (AMANF) – Gestão 2022-2026

 

Nos seus primeiros meses, a pandemia de COVID interrompeu o atendimento médico no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF), localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, que vinha ocorrendo desde 2004 [2]. A solução para atender à grande demanda por atendimento foram as consultas por videoconferência, a chamada telemedicina, que passei a realizar alguns dias por semana, e que resultou no atendimento de cerca de 600 famílias, entre novas consultas e retornos.

A análise desta experiência, aparentemente inédita, pelo menos no Brasil, fornece alguns dados sobre a utilidade ou não da telemedicina para as pessoas com neurofibromatoses (ver aqui mais informações sobre as características clínicas deste grupo de doenças genéticas que apresentam em comum manifestações cutâneas e neurológicas).

Para tornar estas informações mais objetivas, revi os prontuários de 130 pessoas (27%) escolhidas de forma aleatória entre 478 novos atendimentos, mantendo o anonimato e privacidade das pessoas atendidas.

Na Parte 1 estão os principais resultados e, para quem desejar mais informações, na Parte 2 estão mais detalhes sobre como as consultas eram realizadas.

 

Parte 1

 

Fatores favoráveis

A principal vantagem das teleconsultas foi oferecer o atendimento médico parcial – sem exame físico – durante a pandemia, contornando as dificuldades impostas pelo isolamento social que foi necessário para conter a propagação da doença e das mortes enquanto não havia vacinas.

Este atendimento permitiu o esclarecimento diagnóstico e orientações para exames e tratamentos para (69%) das pessoas, provisoriamente, até o fim do distanciamento social.

No entanto, em 31% das vezes, as limitações do atendimento virtual (ver adiante) impediram a orientação clínica segura, exigindo um exame médico presencial.

Por meio da telemedicina foi possível atender pessoas residentes em outros estados brasileiros (71%) ou em locais distantes (ver mapa) sem condições econômicas para realizarem a viagem até o CRNF (39% das pessoas relataram renda mensal de zero a menos de 2 salários-mínimos).

Também foram atendidas algumas famílias – principalmente brasileiras emigrantes – em outros países: Argentina, Bulgária, Canadá, Estados Unidos, Hungria, Indonésia, Itália, Japão, Nigéria, Portugal e Rússia.

As consultas foram realizadas sem qualquer custo financeiro por parte das famílias, uma vez que elas foram vinculadas à agenda do CRNF, onde os atendimentos são realizados pelo Sistema Único de Saúde.

Outra característica do atendimento online foi a oportunidade de conhecer brevemente a intimidade das casas das pessoas atendidas, invertendo o padrão habitual, no qual os pacientes comparecem ao consultório. Este tipo de contato permitiu uma compreensão melhor do ambiente familiar, o que me parece ter ajudado na orientação de algumas condutas clínicas.

As teleconsultas permitiram a emissão de laudos técnicos para a maioria das pessoas (95%), os quais eram encaminhados a médicas e médicos locais ou a instituições de saúde ou previdência social. Aparentemente, estes laudos foram úteis para a orientação clínica à distância e obtenção de benefícios legais, incluindo as declarações de necessidades especiais.

Finalmente, as teleconsultas permitiram o aconselhamento genético para 70% das pessoas atendidas, as quais ainda não possuíam informações seguras sobre a hereditariedade das NF.

 

NF1

Na maioria das pessoas (92%) realizamos o diagnóstico de neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e o atendimento online parece ter sido útil para aquelas que apresentavam as formas menos graves da doença, pois suas principais demandas eram esclarecimento diagnóstico (38%), orientações gerais e laudos técnicos.

As pessoas com as formas mais graves da NF1, que apresentavam demandas como dor, problemas neurológicos, suspeita de transformação maligna etc., geralmente não puderam ser avaliadas com segurança por videoconferência e exigiram novos exames clínicos presenciais (31%) para orientação adequada.

 

Schwannomatoses

As pessoas com Schwannomatoses (ligadas ao gene NF2 ou ao gene SMARCB1 ou ao gene LZTR1) corresponderam a 5,6% dos atendimentos.  Ao contrário das pessoas com NF1, todas elas apresentavam problemas complexos que não puderam ser avaliados de forma segura por telemedicina, exigindo novo exame médico presencial ou o acompanhamento da teleconsultas por uma (o) colega médica (o) presente no local durante a videoconferência.

 

Fatores desfavoráveis

 

Sem dúvida, a principal desvantagem da teleconsulta é a impossibilidade do contato pessoal, que deve acontecer no atendimento presencial. O distanciamento físico na internet dificulta o relacionamento humano e o estabelecimento da confiança entre as pessoas, o que é fundamental para a orientação médica segura, especialmente quando envolve decisões delicadas e de risco.

A falta do exame físico (toque, ausculta, palpação, percussão, medidas neurológicas etc.) reduziu a observação clínica a uma inspeção visual por meio da câmera. Esta limitação da consulta online parece-me insuperável nos casos em que há outras manifestações clínicas (tumores, displasias, déficits neurológicos etc.), além das manchas café com leite e efélides.

Os problemas técnicos com o atendimento online limitaram em algum grau cerca de 30% das consultas e impediram totalmente cerca de 10% dos atendimentos. A maioria destes casos aconteceu em famílias de baixa ou nenhuma renda. Além da internet insuficiente e telefones celulares antigos, muitas pessoas não tinham habilitação digital suficiente para manter a conversação inteligível.

Solicitei pedidos de painel para os genes NF (NF1, NF2 e SPRED1) em 27% dos atendimentos, o que indica um aumento em relação à taxa habitual de cerca de 5% nas consultas presenciais no CRNF. Este aumento de exame genético provavelmente decorre da minha insegurança em geral com o atendimento online.

 

Conclusão

Minha experiência de telemedicina, provocada pela pandemia de COVID, mostrou que este tipo de atendimento para pessoas com neurofibromatoses pode ser útil em determinadas situações, mas apresenta limitações importantes.

Diante disso, penso que a teleconsulta para pessoas com NF deva ser realizada apenas quando o atendimento presencial não for possível ou, no máximo, como pré-consulta, enquanto se aguarda um atendimento presencial.

 

 

Parte 2 – Como as consultas eram realizadas

 

Agendamento

A maior parte da procura por consultas (66%) ocorreu após uma visita na página da AMANF ou a partir conhecimento do CRNF (14%). As demais procuras foram por indicações de profissionais da saúde e grupos de WhatsApp.

O contato inicial foi feito a partir de meu e-mail pessoal até que conseguimos um telefone da AMANF  ou WhatsApp (31 99074 3011) e em seguida pelas secretárias da AMANF (Josiane Nery e Giorgete Viana).

Foi criada uma agenda por ordem de chegada e links para videoconferência para as 2 ou 3 consultas por dia, com uma hora de duração na plataforma Google Meeting, em 3 dias da semana, links estes que eram enviados por e-mail para as pessoas interessadas.

A maior parte dos atendimentos que realizei ocorreu nos dois primeiros anos da pandemia, quando não havia ainda a resolução do Conselho Federal de Medicina para telemedicina.

As consultas foram atendidas sem qualquer custo financeiro por parte das famílias, uma vez que elas foram vinculadas ao CRNF, onde os atendimentos são realizados pelo Sistema Único de Saúde.

 

Características das pessoas atendidas

Apresento, a seguir, algumas informações recolhidas dos prontuários de 130 pessoas escolhidas de forma aleatória (27%) dentre 478 novos atendimentos, mantendo o anonimato e privacidade das pessoas atendidas.

História familiar

Nesta amostra, que pode ser representativa dos demais atendimentos por telemedicina que realizei, observa-se que 25% das pessoas atendidas possuía um parente de primeiro grau com NF1.

Sabendo que em metade das famílias a NF1 ocorre como resultado de variantes herdadas, este dado acima sugere que a procura por telemedicina ocorreu mais frequentemente entre famílias com variantes novas do que naquelas nas quais o diagnóstico já era conhecido. Se isto for verdade, este dado parece coerente com a demanda principal da telemedicina por diagnóstico de variantes novas e em pessoas com formas menos graves.

Idade

A idade da população atendida foi de 9 anos (mediana), ou seja, basicamente crianças (56% do sexo feminino), cujas consultas foram agendadas geralmente por suas mães (que, por sua vez, tinham a mediana de idade de 41 anos). O pai destas crianças raramente estava presente à consulta.

Esta ausência paterna (masculina) tem sido observada também nos atendimentos presenciais no CRNF, provavelmente decorrente da estrutura patriarcal de nossa sociedade, que delega o cuidado da saúde da família às mulheres.

Renda

A renda das famílias atendidas foi próxima a 3 salários-mínimos (mediana) e variou de 0 a mais de 40. Cerca de 40% das famílias atendidas possuía renda inferior a 2 salários-mínimos.

Estes dados refletem a desigualdade social em nosso país e indicam que a condição econômica de grande parte das pessoas com NF faz com que elas dependam exclusivamente do SUS para os cuidados com a sua saúde.

Além disso, minha impressão atual é de que a baixa renda atrasa os diagnósticos e impede tratamentos complementares, aumentando a gravidade das manifestações e complicações das doenças.

Raça autodeclarada

A maioria das pessoas atendidas se declarou parda, embora muitas delas não soubessem responder à pergunta “qual é sua raça autodeclarada?” Algumas vezes, percebi desconhecimento e/ou desconforto com este assunto, provocando respostas do tipo: “como assim?” “ah, sei lá!”, “põe aí: moreninha”, “queimada de sol”, “mulata” e outras designações imprecisas.

Esta postura parece-me decorrente do racismo estrutural existente em nosso país, que dificulta a compreensão do significado social de raça e cor da pele.

Escolaridade

A faixa etária mediana (9 anos) das pessoas atendidas indica que a maioria ainda não havia frequentado escolas ou creches ou cursava os primeiros anos do ensino fundamental.

Vacinas

É importante registrar que mesmo estando numa epidemia que resultou em mais de 700 mil mortes no Brasil, apenas 67% das pessoas atendidas se declaram vacinadas contra a COVID – depois que as vacinas estavam disponíveis. As não-vacinadas alegaram desconfiança na “pressa” com que as vacinas foram oferecidas e em outras informações confusas e falsas disseminadas por negacionistas.

 

Motivos para as consultas

Os principais problemas mencionados para a realização das consultas estão apresentados na tabela abaixo e uma mesma pessoa podia apresentar mais de um motivo.

Tabela 1 – Motivos para as consultas

Diagnóstico e informações sobre NF1 38%
Dificuldades cognitivas 56%
Desatenção e hiperatividade 33%
Transtorno no Espectro do Autismo 24%
Tratamento para neurofibromas:
cutâneos e subcutâneos 34%
nodulares 40%
plexiformes (*) 34%
Gliomas 19%
Escolioses 12%

(*) Destes, 2% em busca especificamente do quimioterápico selumetinibe.

 

Esta tabela demonstra que os problemas comportamentais e cognitivos são tão frequentes e importantes quanto os tumores nas pessoas com NF1.

Diante da grande demanda, fica evidente o quanto ainda precisamos de tratamentos efetivos para os diversos problemas causados pelas NF.

 

Perguntas, dúvidas e sugestões para completarmos esta análise serão bem vindas.

Enviar para rodrigues.loc@gmail.com

Grato

Dr. Lor

 

[1] Agradeço as leituras atentas e sugestões dos médicos Bruno CL Cota e Nilton A de Rezende.

[2] O atendimento médico no CRNF foi iniciado em 2004 pelos médicos e professores da UFMG Nilton Alves de Rezende e Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e, a partir de 2018, também pelo médico do HC Bruno Cezar Lage Cota. A partir de 2021, o CRNF passou a ser coordenado pela médica e professora de pediatria da UFMG Juliana Ferreira de Souza.

 

Agradecemos à família que pediu informações sobre um estudo com uma droga chamada trametinibe para os neurofibromas plexiformes, que foi registrado na Suécia em 2019 – e deveria estar apresentando seus resultados em julho de 2023 (ver aqui detalhes do registro do estudo) .

ATENÇÃO – Por favor, leia com atenção o texto abaixo, ANTES DE NOS PEDIR RECEITA para usar este medicamento – como aconteceu com algumas pessoas nas primeiras horas depois que postamos esta informação. 

O trametinibe é uma quimioterapia que age no organismo da mesma forma que o selumetinibe (são inibidores da via metabólica MEK1/2). O selumetinibe, já foi aprovado pela ANVISA, e sobre ele a equipe de médicas e médicos do Centro de Referência em Neurofibromatoses (CRNF) realizou um trabalho de esclarecimento (enviado inclusive para a ANVISA) que pode ser consultado aqui.

Trametinibe

Já existem alguns estudos sobre o uso do trametinibe no tratamento de pessoas com NF1 e neurofibromas plexiformes sintomáticos graves (com risco de vida) e que não podem ser tratados cirurgicamente.

O trametinibe também já foi utilizado em algumas pessoas com NF1 e gliomas sintomáticos graves, ou seja, tumores que estão reduzindo a visão e/ou produzindo puberdade precoce e outros problemas neurológicos.

Alguns casos raros graves de neurofibromas plexiformes podem ser beneficiados por medicamentos como o selumetinibe ou o trametinibe. Por isso, já indicamos para 2 crianças em cerca de 2 mil famílias no CRNF.

No entanto, aguardamos resultados de outros estudos científicos mais amplos sobre a verdadeira eficácia destes medicamentos e ainda não estamos convencides de sua indicação nos gliomas ópticos nas pessoas com NF1.

 

A informação mais objetiva que dispomos sobre o trametinibe, até o presente, é uma metanálise, ou seja, uma revisão de 8 estudos realizada em 2022, envolvendo o total de 92 pessoas com NF1 tratadas com trametinibe (ver aqui o trabalho original em inglês).

Esta revisão mostrou que o trametinibe parece estabilizar o crescimento dos tumores sem diminuir seu volume, e que a segurança do medicamento seria satisfatória, mas a qualidade científica destas pesquisas foi muito baixa ou, no máximo, moderada.

Em conclusão, precisamos de estudos científicos sobre trametinibe realizados com mais cuidados nas pessoas com NF1 para indicarmos o seu uso com segurança.

 

Quer entender por que os estudos com selumetinibe e trametinibe, até agora, são insuficientes?

Para compreendermos por que algumas pesquisas ainda são pouco conclusivas, vamos comentar o estudo sueco enviado pela família, porque ele é muito parecido com outros estudos realizados com o mesmo objetivo.

Começamos reproduzindo as palavras com as quais este novo estudo é descrito:

“Este estudo, Treatment of NF1-related plexiforme neurofibroma with trametinib; um estudo aberto de braço único com os objetivos de remissão parcial volumétrica e alívio da dor (EudraCT 2018-001846-32, protocolo patrocinador número BUS2018-1, número de referência relacionado da Novartis CTMT212ASE01T) é um ensaio clínico pediátrico que investiga o uso potencial de o medicamento trametinibe (Mekinist®) como tratamento para neurofibromas plexiformes (PN) sintomáticos ou com probabilidade de se tornarem sintomáticos relacionados à NF1 em crianças entre 1 ano e 17 anos e 11 meses de idade.”

Vamos entender o significado destas palavras destacadas em negrito, que geralmente são complicadas para a maioria das pessoas.

 

  • Estudo aberto de braço único

 Isto quer dizer que haverá apenas um grupo de 15 pessoas voluntárias, as quais receberão apenas o medicamento trametinibe, mas não haverá nenhum outro grupo de voluntários recebendo um placebo – num comprimido sem nenhum medicamento -, para que possa ser comparado o efeito da droga com o efeito psicológico, o chamado efeito placebo.

Em outras palavras, as pessoas voluntárias e os médicos saberão que elas estão usando o medicamento trametinibe, ou seja, pode haver uma sugestão psicológica que favoreça a resposta positiva das pessoas sobre um dos objetivos do estudo que é aliviar a dor.

Também não haverá a comparação dos possíveis efeitos do trametinibe com os efeitos de outra droga já usada para a mesma finalidade (o selumetinibe, por exemplo). Assim, não saberemos se nas mesmas condições o trametinibe é melhor, igual ou pior do que o selumetinibe.

Portanto, este estudo aberto de braço único é cientificamente fraco.

 

  • Remissão parcial volumétrica é suficiente?

Isto quer dizer que não se espera que o trametinibe possa eliminar o neurofibroma plexiforme, mas apenas reduzir o seu volume.

A redução de volume considerada satisfatória nestes estudos tem sido igual ou maior do que 20% do volume do tumor antes de iniciar a medicação.

Temos chamado a atenção para o fato de que alguns plexiformes gravíssimos podem de fato ameaçar a vida (comprimindo a traqueia e impedindo a respiração, por exemplo).

Nestes casos, raríssimos (apenas 2 pacientes em cerca de 2 mil famílias atendidas no CRNF), sim, a redução de 20% pode salvar a vida.

No entanto, para a grande maioria das pessoas com NF1 e plexiformes a redução de apenas 20 – 30% do volume do tumor (como aconteceu para metade das pessoas com o selumetinibe) isso pode representar um efeito que não muda a sua qualidade de vida.

Portanto, se o resultado for apenas a redução volumétrica parcial não será um desfecho relevante para a maioria dos pacientes.

 

  • Alívio da dor é real?

O objetivo do estudo indica que querem saber se o trametinibe pode reduzir o volume E aliviar a dor? Ou são objetivos separados? Alguém com plexiforme, mas sem dor, pode participar do estudo?

A avaliação da dor, já comentamos acima, é altamente influenciada pelo estado psicológico da pessoa doente (e de sua família).

Se as pessoas envolvidas com o estudo (laboratório fabricante, médico que receita, família da criança e a própria criança com o plexiforme) estiverem TORCENDO para o trametinibe “dar certo”, é possível que aconteça o que observamos com a redução da dor no estudo do selumetinibe (em média um ponto na escala de dor (de 0 a 10), sem que a gente tenha certeza se foi o trametinibe ou se um placebo faria o mesmo efeito.

 

  • Plexiformes sintomáticos ou potencialmente sintomáticos – o que é isso?

Sabemos que os plexiformes podem ser:

  • Assintomáticos, ou seja, a pessoa não relata qualquer problema relacionado com o neurofibroma.
  • Outros podem apresentar dor ao toque ou com o uso de roupas.
  • Outros podem apresentar dor frequente, espontânea (se for forte e persistente, temos que pensar em transformação maligna).
  • Outros causam deformidades ósseas.
  • Outros causam problemas estéticos.
  • Alguns permanecem estáveis a vida toda, outros crescem sem qualquer razão aparente ou param de crescer, e outros até diminuem de tamanho, também sem razão aparente.

Portanto, diante de uma determinada pessoa com um plexiforme, NENHUM MÉDICO DO MUNDO SABE o que irá acontecer nos próximos meses ou semanas.

Assim, como podemos dizer que um plexiforme é POTENCIALMENTE SINTOMÁTICO? Este conceito não possui uma base científica.

Portanto, neste estudo proposto para o trametinibe não estão bem definidos quais os sintomas que são SEGURAMENTE relacionados ao plexiforme e quais serão usados como critérios para inclusão das pessoas no estudo.

 

  • Outro problema: quais serão os plexiformes estudados?

Sabemos que existem neurofibromas plexiformes nodulares e neurofibromas plexiformes difusos e que eles são estruturalmente diferentes e com evolução e sintomas muito distintos.

Este estudo com o trametinibe não deixa claro quais os tipos que serão estudados.

Este é um problema que já denunciamos no estudo com o selumetinibe e que enfraquece ainda mais os resultados com o trametinibe, financiados por laboratórios que fabricam medicamentos de altíssimo custo e efeitos irrelevantes ou duvidosos para doenças raras.

 

Conclusão

 Precisamos de melhores estudos científicos que tragam resultados relevantes para a maioria das pessoas com neurofibromatose do tipo 1, as quais sofrem com seus neurofibromas plexiformes.

 

 

Dra. Juliana Ferreira de Souza

Dra. Luiza de Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Dr. Nilton Alves de Rezende

Enf. Marina Silva Corgosinho

 

Outubro de 2023

 

Saber QUANDO procurar especialistas é uma das questões importantes no acompanhamento das pessoas com neurofibromatoses.

Na maioria das vezes, a primeira consulta com especialistas em NF1 pode identificar os achados, as manifestações e as complicações da NF1 e classificar a gravidade da doença (ver aqui mais informações sobre isto).

 

NF1 com gravidades mínima e leve

Assim, na maioria dos casos, as pessoas com gravidade mínima ou leve devem levar uma vida normal, sem quaisquer restrições de atividades físicas ou alimentares.

 

As pessoas com gravidade mínima ou leve devem levar consigo um laudo da primeira consulta com especialista em NF1 e podem ser acompanhadas APENAS pela equipe multidisciplinar da Atenção Primária à Saúde (APS), junto ao médico(a) de família e comunidade (MFC) (pessoas de todas as idades), pediatra (crianças e adolescentes) ou clínica médica (pessoas adultas).

 

Especialistas em NF devem emitir laudos para orientar a equipe da APS e os profissionais médicos (MFC, pediatria e clínica médica) sobre os problemas que devem ser acompanhados nas crianças e adolescentes (geralmente dificuldades de aprendizado,  acuidade visual, pressão arterial, alinhamento da coluna e puberdade) ou nos adultos (geralmente pressão arterial, aconselhamento genético, neurofibromas cutâneos).

 

Quando surgir um sintoma novo ou no caso de alguma dúvida é o momento de ouvir a pessoa especializada em NF1.

 

De um modo geral, exceto nas situações de urgência, é claro, sugerimos aos profissionais da APS que ouçam a médica ou médico especialista em NF1, antes de serem indicados novos exames (ressonâncias, biópsias etc.) ou consultas com outros especialistas (cirurgia, neurologia, dermatologia etc.).

 

NF1 com gravidade moderada

Na primeira consulta, especialistas em NF1 podem identificar algumas complicações da NF1 que classificam a gravidade da doença como moderada.

 

Nestes casos, a pessoa com NF1 também deve retornar aos cuidados gerais da equipe multidisciplinar da APS, junto ao médico ou médica de família e comunidade (pessoas de todas as idades), pediatra (crianças e adolescentes) ou clínica médica (pessoas adultas), com o laudo detalhado e com reavaliações periódicas com especialista em NF1.

 

A situação ideal para os casos de gravidade moderada é aquela em que a APS coordena os cuidados gerais em parceria com a pessoa especialista em NF1 e com outras especialidades como a cirurgia, oftalmologia, neurologia etc.

 

Casos graves de NF1

Mais uma vez, acreditamos no papel de coordenação do cuidado do profissional médico da APS (MFC, pediatria ou clínica médica) na condução médica dos principais problemas existentes.

 

É preciso alguém com a visão de conjunto dos diversos e complexos problemas de saúde que acometem as pessoas com NF1 e maior gravidade.

Geralmente, os casos mais graves necessitam de consultas mais frequentes com especialistas em NF1.

Schwannomatoses

As Schwannomatoses (SCH) são mais raras do que a NF1 e geralmente se manifestam a partir da segunda década de vida.

Nas primeiras consultas com especialistas em NF, deve ser confirmado o diagnóstico do tipo de SCH (ver aqui mais informações sobre isto) e laudos devem ser entregues para ajudar a equipe da APS, no acompanhamento dos problemas gerais de saúde e daqueles agravados pelas SCH.

No entanto, as características neurológicas dos problemas clínicos nas SCH (baixa audição, dor, convulsões etc.) exigem a participação mais frequente da neurologia, neurocirurgia, fonoaudiologia, clínica de dor etc., além de especialistas em NF.

Conclusão

Apesar das NF serem doenças genéticas raras, a equipe multidisciplinar da APS, junto aos profissionais médicos da MFC, pediatria e clínica médica, devem coordenar o cuidado das pessoas com NF1 ou SCH e especialistas em NF devem seguir como consultores para o apoio permanente depois das primeiras consultas.

 

Dra. Juliana Ferreira de Souza

(Professora do Departamento de Pediatria, Coordenadora do Centro de Referência em Neurofibromatoses, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais)

 

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Médico, Professor Aposentado da UFMG, Diretor Administrativo da AMANF.

 

 

 

Muitas famílias se preocupam porque suas crianças com NF1 são menores (estatura e peso) do que as suas colegas da mesma idade. De fato, a baixa estatura é mais frequente nas pessoas com NF1 do que na população em geral, como verificamos num estudo realizado no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (clique aqui para ver nosso comentário sobre aquele estudo).

Estes resultados têm sido confirmados por outras pesquisas científicas, como aquela realizada por médicas e médicos da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington em 2013 (clique aqui para ver o artigo completo em inglês).

Em resumo, este estudo demonstrou que a maioria das crianças com NF1 (68 em cada 100 crianças) apresenta estatura abaixo da média da população, mesmo quando não existem outros problemas capazes de modificar o crescimento (problemas ortopédicos, puberdade precoce, alterações endocrinológicas, tumores intracranianos e tratamento com metilfenidato para TDAH).

A conclusão foi de que a baixa estatura se deve ao efeito genético da deficiência de neurofibromina causada pela variante genética no gene NF1 e não por outros problemas, como falta de hormônio do crescimento.

O mecanismo exato do efeito genético ainda não está bem conhecido, mas parecer ser um atraso no desenvolvimento dos ossos e na produção de fatores de crescimento como o fator de crescimento parecido com a insulina do tipo 1 (IGF-1).

 

Além disso, mostraram que as crianças com NF1 são menores do que seus irmãos e irmãs sem a doença e são menores do que a estatura esperada a partir da estatura dos pais. Para calcularmos o efeito médio genético da estatura dos pais sobre a estatura final de suas filhas e filhas, usaram a fórmula:

Estatura esperada (aos 20 anos) = [(estatura do pai + estatura da mãe) dividida por 2] + 6,5 cm (para meninos) ou – 6,5 cm (para meninas.

Exemplo para uma menina: Estatura do pai = 180 cm, estatura da mãe = 170 cm

Estatura esperada da menina = [(180 + 170)/2] – 6,5 = 175 – 6,5 = 168,5 cm

 

Outro resultado que encontraram que encontraram foi que a adolescência não mudou a taxa de crescimento nas crianças com NF1, ou seja, elas continuaram a crescer no percentil dos primeiros anos de vida.

As autoras e autores concluíram que precisamos de mais estudos científicos para descobrirmos tratamentos eficazes para a baixa estatura das crianças com NF1.

 

 

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Kiribati é um pequeno livro que conta emocionante história real de Bárbara Lafetá para descobrir o diagnóstico e o tratamento de uma doença rara que acometeu seu filho de 4 anos.

Mesmo sendo uma produtora artística de uma grande rede de televisão e contando com a amizade de gente famosa, que permitiu o acesso aos mais caros médicos e hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, ela demorou 7 meses para descobrir que centenas de exames complementares talvez tivessem sido evitados pela valorização do exame clínico adequado.

A história de Bárbara é bem conhecida pela maioria das mães de crianças com neurofibromatoses, que percorrem uma via sacra de médicos e exames para ter o diagnóstico de suas crianças e levam, em média:

+ de 3,5 anos para o diagnóstico da Neurofibromatose do Tipo 1

+ de 8 anos para o diagnóstico da NF2

+ de 12 anos para o diagnóstico das Schwannomatoses

Vale a pena ler este relato para compreendermos que às vezes não bastam recursos financeiros para enfrentarmos algumas doenças.

Precisamos de um novo olhar da medicina, que seja mais acolhedor, sobre as doenças raras.

Dr. Lor

 

 

 

Nas pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), frequentemente precisamos esclarecer se um tumor é um neurofibroma ou se este neurofibroma sofreu uma transformação maligna, o que ocorre em cerca de 5 a 10% dos neurofibromas plexiformes e nodulares.

Essa dúvida ocorre quando uma pessoa com NF1 apresenta um tumor, um neurofibroma plexiforme ou um neurofibroma nodular – já existente, que cresceu rapidamente ou mudou de consistência (ficou mais duro e firme) ou começou a doer (dor forte e persistente) ou atrapalhou a função neurológica ou mais de uma destas mudanças ao mesmo tempo.

Nessa situação acima, temos que agir rapidamente para esclarecer se continua sendo um neurofibroma benigno ou se uma parte dele sofreu transformação para Tumor Maligno da Bainha do Nervo Periférico (TMBNP).

Os TMBNP são tumores agressivos que precisam ser retirados cirurgicamente o mais breve possível, pois não respondem bem à quimioterapia e nem à radioterapia.

 

Diante dessa dúvida, quais são nossas condutas?

 Nos últimos meses, discutimos este problema nas reuniões da equipe do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (Dra. Juliana de Souza, Dra. Luíza Rodrigues, Dra. Hérika Martins, Dra. Carolina Feitosa, Enfermeira Marina Corgosinho, Dr. Bruno Cota, Dr. Nilton Rezende, Dr. Renato Viana e Dr. Lor).

Resumimos abaixo algumas das nossas conclusões sobre como saber se um tumor é benigno ou maligno.

 

  • Podemos realizar uma Biópsia

A retirada de uma parte do tumor (por agulha ou por cirurgia) e sua análise no laboratório seria o padrão mais confiável para definirmos se houve a transformação maligna, mas a biópsia apresenta alguns problemas nas pessoas com NF1.

A biópsia pode ser útil em outros tipos de câncer, quando todo o tumor é canceroso. Assim, qualquer fragmento colhido pela agulha poderá mostrar o tumor maligno.

 Na NF1 não acontece assim. Nos neurofibromas, a transformação maligna geralmente ocorre em parte do tumor. Então, a biópsia pode colher um fragmento da parte maligna e confirmar o diagnóstico e ajudar a salvar a vida da pessoa.

No entanto, a biópsia por agulha pode pegar apenas um fragmento da parte que continua sendo neurofibroma e não revelar o grande perigo que está ao lado.

Portanto, nas pessoas com NF1, não confiamos na biópsia com agulha quando o resultado é negativo (ver mais informações aqui).

 Além disso, para o acompanhamento de neurofibromas ao longo dos anos, biópsias repetidas podem não ser o método mais confortável para as pessoas. Então, precisamos contar com outros métodos que nos ajudem a esclarecer se um neurofibroma sofreu transformação maligna.

 

  • Podemos recorrer aos métodos de diagnóstico por imagens

Em 2022, cientistas chineses (Liu e colaboradores) publicaram uma revisão dos métodos diagnósticos da transformação maligna de neurofibromas, incluindo aqueles disponíveis e outros em estudo, como a Inteligência Artificial (ver aqui o artigo completo, em inglês).

Apesar do número relativamente pequeno de estudos científicos, por causa da NF1 ser uma doença rara, há vantagens e desvantagens de cada método, que serão resumidas a seguir.

Ultrassom

O ultrassom é um método não invasivo e econômico.

Quando um neurofibroma se torna maligno o ultrassom mostra tumores lobulados, com aspecto heterogêneo, com sinais de ampla circulação sanguínea.

No ultrassom de alta resolução, podem ser encontrados sete sinais sugestivos de transformação maligna:

  • Tumores maiores do que 5 cm
  • Crescimento rápido em semanas ou meses
  • Margens irregulares com edema
  • Aspecto heterogêneo
  • Aspecto infiltrativo
  • Vascularização estenótica, oclusiva, trifurcada e arcaica (enquanto nos benignos é hierárquica)
  • Contraste aumentado na periferia e inalterado no centro do tumor

No entanto, pelo fato do ultrassom ser um método que exige a presença do médico para ser realizado, seu acesso é mais difícil do que a ressonância magnética ou a tomografia, que podem ser realizados por pessoas com formação técnica. Além disso, a necessidade de realização de ultrassonografia com contraste para identificar a diferença de distribuição dele entre periferia e centro, torna o acesso ao exame ainda mais difícil.

Ressonância Nuclear Magnética (RNM)

A RNM é o método atualmente preferido para identificar tumores malignos, porque apresenta melhor resolução para tecidos moles, como são os neurofibromas.

Na RNM, nas imagens em T1, os neurofibromas benignos e o TMBNP são difíceis de distinguir, mas alguns achados ajudam a definir a possível malignidade:

  • Sugestivos de TMBNP:
    • Tamanho dos tumores maiores do que 5 cm
    • Imagens em T1 com gadolínio com aumento periférico da intensidade no TMBNP (e central nos neurofibromas)
    • Presença de hemorragia, necrose e aspecto cístico
    • Tumores com margens borradas (“em penugem”) e com edema ao redor
  • Sugestivos de neurofibromas benignos:
    • Massas bem definidas com alta intensidade em T2
    • Presença de área central menos intensa – o “sinal do alvo”

Com estes critérios, alguns estudos sugerem cerca de 65% de sensibilidade e 90% de especificidade para detecção do TMBNP.

A RNM funcional pode aumentar a sensibilidade para 88% e a especificidade para 94% se considerar os índices de difusão.

A RNM em 3 dimensões pode auxiliar na detecção precoce de aumentos volumétricos dos tumores e a arga tumoral aumentada na ressonância de corpo inteiro também pode sugerir a possibilidade de transformação maligna.

Limitações da RNM são:

  • É um método dependente da subjetividade do examinador
  • Há poucos estudos com os neurofibromas “atípicos” (tumores com padrão intermediário entre benigno e maligno)

 

Tomografia computadorizada (TC)

Não dispomos ainda de critérios seguros para distinguir neurofibromas de TMBNP apenas com a TC. Alguns estudos estão associando a TC com aprendizado de máquina (inteligência artificial) e podem no futuro trazer uma contribuição a esta questão.

Novamente, temos que observar que quanto à ressonância magnética e tomografia, uma vez que para alguns dos critérios estabelecidos para a distinção do tumor maligno é necessária a administração de contraste, é necessário que um médico esteja presente.

Positron Emission Tomography (PET)

 O método mais popular combina o PET com a CT (PET/CT), usando o contraste radioativo 18F-FDG.

Os achados mais importantes dos TMBNP no PET/CT são:

  • Aumento da captação do contraste (SUV maior que 3,15)
  • Heterogeneidade da captação

Limitações do 18FDG-PET/CT são:

  • Sobreposição de SUV entre neurofibromas atípicos e TMBNP
  • Sensibilidade 100% lesões assintomáticas – especificidade para negativo 100% – especificidade para positivo 46%
  • Custo elevado

Alguns estudos estão sendo realizados com novos marcadores, como 68Ga-PSMA PET/CT e 11-Metionina, mas ainda não temos um consenso sobre seu uso nas pessoas com NF1.

 

Combinação de PET com RNM (PET/RNM)

 Ainda com poucos estudos em NF1 e sem disponibilidade em nosso meio.

Radiogenômica

Trata-se de novos métodos em estudo, que procuram associar os resultados das imagens com análise genética. Alguns dos autores do estudo (Liu e outros) dividiram o gene NF1 em 5 domínios e associaram com dados clínicos e imagens de RNM e encontraram forte correlação com a transformação maligna.

 

Conclusões

Ainda não temos um consenso internacional, mas o indicador mais forte de transformação maligna é o aumento significativo do tamanho de um neurofibroma.

Nosso desafio futuro será encontrar correlações entre imagens e os 6 tipos histológicos de tumores mais comuns na NF1:

  • Neurofibroma
  • Neurofibroma com atipias celulares
  • Neurofibroma celular
  • ANNUBP – neurofibromas atípicos de potencial biológico incerto
  • TMBNP de baixo grau
  • TMBNP de alto grau

Por enquanto, precisamos verificar em nosso meio a viabilidade do ultrassom contrastado e a disponibilidade de ultrassonografistas com expertise nesse tipo de exame, para que possamos considerá-lo na nossa rotina de cuidados. Além disso, no fututo, combinar métodos e avançar nos estudos com inteligência artificial.

 

Belo Horizonte, 13 de julho de 2023

 

 

 

 

 

Ilustração: Dr Lor

 

Cientistas franceses estão estudando uma nova substância (cujo nome é binimetinibe) que pode vir a ser um tratamento para os neurofibromas cutâneos.

Eles publicaram recentemente (ver aqui) os resultados de sua pesquisa que é o primeiro passo sabermos se ele funcionará ou não. Eles criaram um camundongo geneticamente modificado que apresenta neurofibromas cutâneos e utilizaram o binimetinibe como uma pomada na pele dos camundongos. Os cientistas observaram que a nova droga inibiu o crescimento de novos neurofibromas cutâneos, mas não reduziu o tamanho dos neurofibromas existentes com o crescimento estabilizado.

As pesquisas seguintes precisam testar a segurança do uso do medicamento em seres humanos e se eles funcionam de forma eficiente.

Estamos torcendo para que este futuro se realize com este ou com outros medicamentos.

Veja abaixo o que eles publicaram (tradução livre minha).

Dr Lor

 

Título

A administração tópica de binimetinibe (inibidor de MEK) previne o desenvolvimento de neurofibromas cutâneos em camundongos mutantes com neurofibromatose tipo 1

Autores

F Coulpier , L Oubrou, L Fertitta , J-M Gregoire, A Bocquet , A-M , P Wolkenstein , K J Radomska ,  P Topilko

Instituições científicas

Instituto Mondor de Pesquisa Biomédica, Departamento de Dermatologia, Centro de Referência em Neurofibromatoses, Hospital Henri-Mondor, Pierre Fabre Dermatology, França.

Endereço eletrônico: katarzyna.radomska@inserm.fr

Resumo

Os neurofibromas cutâneos (nfc) são uma característica das pessoas com a doença genética neurofibromatose tipo 1 (NF1). Esses tumores benignos da bainha nervosa, que podem chegar a milhares, desenvolvem-se a partir da puberdade, podem causar dor e são considerados pelos pacientes como a principal carga da doença.

A causa dos nfc são variantes patogênicas que surgem por acaso – ou são herdadas – no gene NF1, um gene coordena diversas atividades nas células por meio da proteína neurofibromina.

Quando a proteína está insuficiente, a célula fica com dificuldade para controlar o crescimento das células de Schwann, que são consideradas a origem dos neurofibromas. Os mecanismos que regem o desenvolvimento dos neurofibromas ainda são pouco compreendidos e faltam tratamentos eficazes.

Uma das dificuldades para encontrarmos uma medicação eficiente é a falta de modelos animais apropriados. Para resolver isso, projetamos um camundongo geneticamente modificado que desenvolve neurofibromas cutâneos.

Usando esse modelo, descobrimos que o desenvolvimento neurofibromas cutâneos passa por três estágios sucessivos: iniciação, progressão e estabilização.

Descobrimos também que o trauma cutâneo acelerou o desenvolvimento de neurofibromas nos camundongos.

Por fim, usamos estes camundongos modificados para explorar a eficácia do inibidor de MEK chamado binimetinibe na cura desses tumores.

Verificamos que, enquanto o binimetinibe administrado topicamente tem um efeito seletivo e menor sobre os neurofibromas maduros (estabilizados), a mesma droga impediu o seu desenvolvimento por longos períodos.

Declaração de conflito de interesses

Declaração de Interesse Concorrente Os autores declararam não haver conflito de interesses

 

 

 

Para as pessoas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1) é difícil aceitar que a medicina científica ainda não pode dizer exatamente como a sua doença irá evoluir ou quais serão as complicações.

Elas geralmente nos perguntam se não poderíamos fazer um exame de DNA, uma biópsia ou uma ressonância magnética para saber o que pode acontecer.

Cada pessoa com NF1 apresenta manifestações clínicas tão diferentes das demais que fica difícil reunir várias pessoas (com os mesmos problemas) para formar grupos semelhantes, para que possam ser estudados cientificamente e sabermos como prever as complicações.

Já escrevemos sobre esta questão (ver aqui), mas vamos esclarecer por que precisamos cuidar de forma individual das pessoas com NF1, porque cada uma delas se encontra num determinado ponto do Espectro de Manifestações da Neurofibromatose do tipo 1.

 

O problema começa no diagnóstico

Uma pessoa precisa apresentar pelo menos dois dos sete critérios diagnósticos (ver aqui) para dizermos com segurança que ela tem NF1.  Assim, uma criança, por exemplo, pode apresentar dois, três, quatro, cinco, seis ou todos os sete critérios diagnósticos. Alguém pode ter as manchas café com leite e glioma óptico, outro pode apresentar um neurofibroma plexiforme e variante patogênica no gene NF1. Outra, manchas café com leite e neurofibromas cutâneos, e assim por diante.

Somente considerando os 7 critérios diagnósticos, temos mais de 100 combinações possíveis de situações que indicam o diagnóstico de NF1. Mesmo levando em conta que manchas café com leite (MCL), efélides e neurofibromas cutâneos (nfc) estão presentes em mais de 90% das pessoas adultas com NF1, ainda assim teremos dezenas de possibilidades diferentes de situações diagnósticas.

Se também levarmos em conta a gravidade das manifestações, que variam de mínima, leve, moderada ou grave (ver aqui), descobrimos que cada pessoa com NF1 pode ter uma das 100 possibilidades de diagnósticos combinadas com 4 níveis de gravidade. Ou seja, estamos diante da possibilidade de centenas de situações clínicas diferentes.

Para quem tem dificuldade com a matemática, a situação já está ficando complicada, não é?

Mas resumindo, a NF1 se manifesta em centenas de formas clínicas diferentes e cada uma delas pode ter uma evolução própria.

 

O exame de DNA não pode esclarecer como será a evolução da NF1?

Muitas pessoas esperam que o exame do painel genético para o gene NF1 possa trazer respostas sobre a evolução da doença.

De fato, em cerca de 1 em cada 10 resultados do exame genético encontramos a perda de metade do material genético (chamada de deleção – ver aqui). Sabemos que as pessoas com deleção apresentam mais complicações, então tomamos alguns cuidados adicionais no seu acompanhamento.

No entanto, 9 em cada 10 resultados do exame genético em pessoas com NF1 vão apresentar o que chamamos de variante patogênica, quer dizer que foi encontrada uma mudança no código genético capaz de atrapalhar a produção da proteína neurofibromina e causar a doença.

Acontece que existem mais de 3 mil variantes patogênicas já identificadas! Assim, só foi possível estabelecer alguma relação entre a variante encontrada e certas manifestações clínicas em poucas das variantes patogênicas (ver aqui e no final do texto quais são essas poucas variantes conhecidas) [i].

Além disso, para complicar um pouco mais, o resultado do exame genético pode vir assim:

  • Variante benigna (sem manifestações clínicas)
  • Variante provavelmente benigna (provavelmente sem manifestações clínicas)
  • Variante de significado incerto (quer dizer que não sabemos se pode ou não causar manifestações clínicas)
  • Variante provavelmente patogênica (provavelmente haverá manifestações clínicas)
  • Variante patogênica (certamente encontraremos manifestações clínicas).

Em outras palavras, podemos ter desde um resultado mostrando uma variante benigna, por exemplo uma das variantes que causam uma ou duas manchas café com leite, que ocorrem em certas famílias sem produzir doença (ver aqui), até outra variante entre as milhares de patogênicas que causam duas ou mais das manifestações da NF1.

Portanto, na maioria das vezes, o exame do DNA nos ajuda a saber se os dados clínicos são decorrentes ou não da presença de uma variante genética, mas o painel genético não é capaz de prever a evolução da doença numa determinada pessoa com NF1.

Isto acontece porque o gene NF1 faz parte de milhares de outros genes que constituem o genoma de uma pessoa, que é praticamente único em todo o universo. Assim, a variante genética do gene NF1 vai interagir com os demais genes, resultando numa expressão clínica diferente e única para cada genoma.

Até mesmo os gêmeos idênticos (univitelinos), – que obrigatoriamente possuem a mesma variante do gene NF1 e compartilham entre si o restante dos demais genes do genoma, apresentam formas clínicas diferentes da NF1, por causa dos chamados efeitos “epigenéticos”, ou seja, alterações no funcionamento dos genes depois da fecundação. Por exemplo, um dos irmãos gêmeos pode apresentar um neurofibroma plexiforme e o outro não.

Resumindo, a análise do DNA pode nos ajudar a compreender o estado clínico de uma pessoa com NF1, mas não é capaz de prever sua evolução.

 

Uma biópsia poderia esclarecer?

Outro recurso que pode ser utilizado para orientar o cuidado das pessoas com NF1 são as biópsias em determinadas situações. Recolhemos um fragmento de um tecido e o analisamos para saber se é um tumor, qual o tipo deste tumor e se ele é benigno ou maligno.

Os neurofibromas e tumores acontecem quando a pessoa com NF1 – que já possui uma variante patogênica – sofre outra “mutação” no gene NF1, o que causa uma nova variante patogênica numa determinada célula, geralmente no sistema nervoso central ou nos nervos e na pele.

Se antes desta nova variante patogênica surgir a metade funcionante do gene NF1 conseguia manter o crescimento desta célula regulado pela proteína neurofibromina, agora, a célula fica totalmente deficiente de neurofibromina e o crescimento celular dispara, formando aglomerados de células, ou seja, os neurofibromas.

Estes neurofibromas podem ser cutâneos, subcutâneos, nodulares ou plexiformes. Cada um deles tem um comportamento próprio. Os plexiformes surgem na vida intrauterina, os subcutâneos e nodulares aparecem na infância e os cutâneos crescem a partir da segunda década de vida. Portanto, acrescentamos mais diversidade no espectro das manifestações clínicas da NF1.

A situação mais comum em que solicitamos as biópsias é quando estamos diante de um tumor em crescimento rápido, por exemplo, um neurofibroma plexiforme, que também apresenta dor forte e mudança no seu formato ou consistência. Esta é uma situação importante para a metade das pessoas com NF1 que apresentam neurofibromas plexiformes, pois cerca de 10% destes tumores se transformam em tumores malignos agressivos.

Acontece que as biópsias nos neurofibromas plexiformes podem não fornecer uma resposta segura para esta dúvida tão importante (ver aqui). Além disso, a biópsia de um plexiforme pode mostrar um tumor benigno, ou um tumor chamado “atípico” ou um tumor maligno. No caso dos resultados benigno ou maligno, sabemos o que fazer, mas no caso do resultado mostrar um tumor atípico não sabemos o que acontecerá com ele, se evoluirá para transformação maligna ou não.

Em resumo, as biópsias podem ser usadas em certas situações e podem ser úteis, mas raramente indicam a evolução futura da NF1.

 

E os exames de imagem?

Para esclarecer certas situações clínicas, solicitamos exames de imagem, que podem ser radiografias, ultrassom, ressonâncias magnéticas e a tomografia com emissão de pósitrons (PET CT).

Geralmente estes exames são muito úteis para comprovar a existência ou não de determinado problema, por exemplo, um tumor no nervo óptico. No entanto, na NF1 estes exames não são capazes de indicar como aquele tumor irá se comportar.

Além disso, mesmo quando suspeitamos de um tumor maligno, os resultados podem não ser definitivos, ou seja, encontramos sinais que precisam ser interpretados com cautela.

Por exemplo, o PET CT pode mostrar que o tumor está pouco ativo (benigno) ou muito ativo metabolicamente (maligno). Mas pode também apresentar resultados intermediários, sugestivos de serem tumores “atípicos”. Mais uma vez, não podemos prever com segurança a evolução deste tumor.

Resumindo, mesmo quando lançamos mão de estudos anatômicos (biópsias e imagens), podemos ainda encontrar um espectro de situações clínicas – que é particular para cada pessoa com NF1, – o que exige nossa atenção individualizada.  

 

O espectro do comportamento das pessoas com NF1

Para finalizar, a maioria das pessoas com NF1 pode apresentar alterações no seu comportamento psicológico, cognitivo e motor, que variam em características e gravidade.

Temos desde aquelas que não apresentam dificuldades escolares nem comportamentais atá outras com suspeita de transtorno no espectro do autismo.

Sabemos que uma em cada dez pessoas com NF1 apresenta limitações cognitivas e comportamentais tão graves que ela se torna incapaz de levar uma vida autônoma.

Sete entre dez apresentam dificuldades de aprendizado ou de fala ou de comportamento em graus variáveis.

Apenas duas entre dez não apresentam dificuldades de aprendizado ou de comportamento.

Estas alterações do aspecto neurológico e psicológico não tem relação com as demais complicações da NF1. Por exemplo, uma criança pode ter apenas manchas café com leite e Nódulos de Lisch e apresentar comportamento semelhante às crianças diagnosticadas com transtorno no espectro do autismo. Outra pode ter centenas de neurofibromas em praticamente todos os nervos do seu corpo e levar uma vida sem problemas de comportamento ou aprendizado.

Resumindo, assim como acontece com os critérios diagnósticos, as variantes patogênicas e os resultados de exames, a diversidade de manifestações neurológicas e psicológicas nas pessoas com NF1 é imensa, o que torna cada pessoa acometida praticamente um caso especial numa doença que já é considerada rara.

 

Conclusões

Apesar de todas as formas clínicas de NF1 serem causadas por um problema genético bem conhecido, – uma variação genética patogênica no gene NF1, – a diversidade de sinais, sintomas e complicações da doença é tão grande que nos leva a pensar que a NF1 se desenvolve num amplo espectro de manifestações clínicas, mais do que como uma doença única.

Reconhecer a existência do espectro de manifestações clínicas da NF1 pode nos ajudar a conduzir os cuidados clínicos de forma individualizada e atenta à características singulares de cada pessoa acometida pela doença.

Além disso, considerando a complexidade dos desafios resumidos acima, imaginamos que a tecnologia da informação recente – utilizando a inteligência artificial – possa vir em nosso socorro, alimentando os programas de aprendizado de máquina com nossos dados atuais em busca de padrões de história natural da NF1 que possam ser úteis nos cuidados clínicos.

Esta são hipóteses que precisam ser discutidas e testadas de forma empírica para verificar se podemos obter desfechos melhores para a qualidade de vida das pessoas com NF1.

 

Este texto foi elaborado pelo médico Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e recebeu críticas, sugestões e aprovação pela equipe médica do CRNF HC UFMG: Nilton Alves de Rezende, Juliana Ferreira de Souza, Bruno César Lage Cota e Luíza de Oliveira Rodrigues. Agradecemos à Ana de Oliveira Rodrigues pela ajuda matemática.

Maio 2023

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Notas

[i] https://www.mdpi.com/2073-4425/13/7/1130 – Em resumo, as variantes já conhecidas são:

1) Deleções e variantes p.Arg440*, p.Tyr489Cys e p.Arg1947: risco maior de complicações

2) Variantes presentes na região terminal 5′ do gene: risco menor de complicações neoplásicas;

3) P.Met922del e p.Arg1809: sem neurofibromas;

4) Leu844, Cys845, Ala846, Leu847 e Gly848: risco maior de plexiformes superficiais maiores e   neurofibromas espinhais sintomáticos.

 

Tratamento da dor nas pessoas com NF

 Informações atualizadas pelos médicos Renato Viana e Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues para orientação do tratamento da dor em pessoas com Neurofibromatoses (NF).

Estas orientações estão apresentadas em duas partes:

  1. Pessoas com NF e suas famílias
  2. Proffissionais da saúde

Em ambas as partes, sempre que você clicar nas letras em vermelho você poderá obter mais informações sobre o assunto e/ou referências científicas.

 

Parte A – Para pessoas com NF e suas famílias

As pessoas com qualquer uma das doenças genéticas conhecidas anteriormente como neurofibromatoses (NF) podem sentir dor, às vezes por longos períodos (ver aqui os novos nomes para as NF a partir de 2022).

 

Mais da metade das pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) se queixa de algum tipo de dor.

Pessoas com Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (SRNF2) (antes chamada de NF2) algumas vezes sentem dor.

Pessoas com Schwannomatoses relacionadas aos genes SMRCB1 e LZTR1 (antes chamadas apenas de Schwannomatose) apresentam dor como a principal complicação da doença.

Para tratarmos corretamente as dores destas pessoas, precisamos compreender o que é a dor e como nosso cérebro percebe o que é doloroso.

 

O que é a dor?

Segundo a última convenção internacional, a dor é uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão verdadeira ou potencial dos tecidos.

Ou seja, a dor é uma sensação ruim e carregada de emoção que é percebida por uma pessoa como se uma certa parte do seu corpo tenha sido, esteja sendo ou possa vir a ser machucada.

A dor é uma percepção individual, ou seja, somente quem a sente pode dizer sobre sua intensidade e como ela afeta a sua qualidade de vida. Ninguém é capaz de medir a dor e o sofrimento da outra pessoa, nem mesmo profissionais de saúde.

Para saber mais sobre este aspecto pessoal e intransferível da dor, veja o depoimento da associada da AMANF, engenheira e professora Ana de Oliveira Rodrigues em seu post: “Mas isso não dói” (clique no título).

Além de ser individual, a dor pode ser aguda, ou seja, de início recente, ou crônica, quando a sua duração ultrapassa mais de 3 meses.

A dor pode ter uma causa simples e evidente, por exemplo, um trauma, ou ter causas complexas e de difícil diagnóstico.

Quando a dor surge por causa da lesão de um órgão, de um tecido ou parte do corpo, ela é chamada de nociceptiva (essa palavra quer dizer percepção da lesão).

Quando a dor surge por causa de alterações no funcionamento do próprio sistema nervoso, ela é chamada de neuropática (a palavra quer dizer originada de um problema neurológico).

Às vezes, a dor pode ser mista, quer dizer, causada tanto por lesões nos tecidos quanto por mal funcionamento do sistema nervoso. Ver abaixo os tipos de dor definidas internacionalmente.

É preciso conhecer a dor para que possa ser tratada de forma eficiente. Por isso, é fundamental profissionais da saúde utilizarem um sistema de diagnóstico e avaliação da intensidade da dor, que possa expressar o sentimento da pessoa que sofre com ela.

Adiante mostraremos os questionários e métodos científicos que podem ser usados para esta finalidade.

Antes, vamos rever brevemente como nós percebemos a dor

 

 

A Figura 1 ilustra como a dor é percebida. Imagine que um alfinete furou a pele e atingiu o ramo de um nervo especializado em perceber a dor (neurônio do nível 1).

O sinal elétrico provocado pelo alfinete percorre a fibra nervosa (como se fosse um fio) até a medula, onde estimula outro neurônio sensitivo (neurônio do nível 2).

O neurônio da medula repassa novo sinal para outros neurônios (do nível 3), com cópias desse estímulo para outras estruturas do cérebro (neurônios do nível 4), onde a pessoa toma consciência da picada do alfinete e localiza exatamente onde ela aconteceu.

 

Em cada uma dessas etapas, do neurônio 1 ao neurônio 4, diversos fatores podem modificar a transmissão da dor até o cérebro e a mesma picada de alfinete pode ser percebida de formas diferentes, dependendo das condições em que estão as comunicações entre os diversos níveis.

Por exemplo, o estado emocional pode aumentar (na ansiedade, por exemplo) ou diminuir (na meditação, por exemplo) a percepção da dor.

Os medicamentos anestésicos e analgésicos funcionam interrompendo ou dificultando a passagem do estímulo desde a picada do alfinete até a consciência da pessoa e modulando os neurônios inibidores e excitadores.

Esta variação da percepção da dor acontece porque existem outros neurônios e substâncias que modulam (inibem ou excitam) os neurônios envolvidos em cada etapa da transmissão da dor da periferia até o cérebro.

Quem desejar mais detalhes destas etapas, ver outra Figura e sua explicação no final deste texto.

 

Quais os tipos de dor?

Existem  quatro tipos de dor:

  • Provocadas por uma lesão ou pelo risco de lesão em tecidos corporais, por exemplo, um corte inflamado ou infeccionado na pele.
  • Provocada por uma lesão ou disfunção do próprio sistema nervoso. (Esse tipo é a dor Neuropática, que nos interessa mais).
  • Provocada por alterações no processamento da dor no próprio cérebro, mas sem lesão verdadeira nos tecidos.
  • Provocada por combinações de lesões nos tecidos e alterações no sistema nervoso.

As pessoas com neurofibromatoses podem apresentar qualquer um dos tipos de dor e o seu tratamento é semelhante ao das pessoas sem NF. No entanto, considerando que muitas pessoas com NF apresentam dor crônica e dor neuropática, vamos nos aprofundar neste tipo de dor.

 

A dor neuropática é uma doença?

Sim, a dor neuropática é considerada uma doença em si. A dor neuropática é causada por lesões ou alterações na função dos próprios nervos e do sistema nervoso central.

A dor neuropática pode ser percebida como dor, queimação, picada, choque, beliscão, calor e frio em ondas que vêm e vão, às vezes relacionadas com fatores ambientais, emocionais e físicos.

Outras vezes, a dor neuropática pode surgir sem qualquer estímulo evidente ou até mesmo num membro que já foi amputado, como a chamada dor fantasma.

 

O primeiro passo para tratar, é quantificar a dor

Geralmente utilizamos uma escala visual, uma régua marcada de 1 a dez, sendo 0 nenhuma dor e 10 a maior dor que a pessoa já sentiu. Pedimos para a pessoa apontar na escala qual a intensidade da dor que ela está sentindo ou sentiu.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

 

A nota deve ser registrada em cada reavaliação.

 

O segundo passo é definir se a dor é do tipo neuropática.

Um questionário bastante simples pode ser usado, basta responder sim ou não.

Cada resposta positiva representa 1 ponto. Some os pontos.

Sensação de dor:

  • Em queimação
  • Frio doloroso
  • Como choque elétrico

Sintomas na mesma área da dor:

  • Adormecimento
  • Formigamento
  • Alfinetadas
  • Coceira

Exame físico:

  • Menor sensibilidade ao toque?
  • Menor sensibilidade à ponta de agulha?
  • Dor provocada ou aumentada pelo atrito?

Resultado da soma: maior do que 3 pontos sugere dor neuropática

 

O terceiro passo é procurar uma causa para a dor neuropática.

Exemplos de causas da dor neuropática:

  • Lesão crônica envolvendo o nervo (inflamação, compressão, corte e cicatrização) produz substâncias inflamatórias que estimulam as terminações nervosas e fazem com que elas enviem estímulos exagerados ao cérebro. Por isso, os antinflamatórios, o gelo e alguns analgésicos atuam neste ponto, reduzindo o processo inflamatório e aliviando a dor.
  • Compressão mecânica, por exemplo, um neurofibroma comprimindo o nervo, causando irritação ou mesmo amputando o nervo. Por isso, a remoção cirúrgica de neurofibromas compressivos pode aliviar algumas formas de dor neuropática.
  • Destruição ou o corte do nervo podem causar cicatrização anormal, que produz uma espécie de tumor na ponta do nervo cortado, que chamamos de neuroma. Esse enovelado irregular e disfuncional de fibras nervosas pode produzir estímulos excessivos, que são percebidos como dor fantasma, como acontece nas amputações.
  • Dor não tratada por muito tempo pode alterar a expressão genética de proteínas que controlam a dor (como a neurofibromina, inclusive) aumentando a sensibilidade dolorosa da pessoa. Por isso, sinais de compressão nervosa devem ser tratados com rapidez. Uma dor não tratada hoje pode ser uma dor aumentada amanhã.
  • Problemas na medula espinhal podem alterar a sensibilidade dolorosa. A noradrenalina é importante nesse processo e por isso observamos aumento da sensibilidade dolorosa durante situações de estresse.
  • Modificações no sistema nervoso central podem aumentar a sensibilidade dolorosa.
  • Fatores emocionais e pelo estado de humor afetam a sensibilidade à dor.
  • Experiência, história de vida e cultura afetam a percepção da dor. A memória, o conhecimento e o aprendizado da dor participam da regulação de como percebemos a dor e o medo que ela nos causa. Também sabemos que a depressão e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor. Por isso, antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a controlar a dor, inclusive nas neurofibromatoses.
  • As características genéticas afetam a percepção da dor. Boa parte (40%) da sensibilidade à dor pode ser atribuída a fatores genéticos. Neste sentido, parece que as pessoas com NF1 têm a sensibilidade dolorosa aumentada de um modo geral.
  • Outras causas – é possível haver outros mecanismos de dor nas neurofibromatoses que desconhecemos por enquanto.

 

Em resumo, dores de diferentes intensidades e causas podem estar agindo ao mesmo tempo numa pessoa com neurofibromatose e por isso o tratamento da dor crônica e da dor neuropática geralmente é complexo e multidisciplinar.

 

Tratamentos para dor crônica (ESPECIALMENTE NEUROPÁTICA)

 

O primeiro passo para o tratamento adequado é diagnosticar e quantificar a dor e medir seu impacto na qualidade de vida, por meio de questionários estruturados e escalas para medir a dor e a realização de exame físico clínico por profissional experiente. Exames complementares podem ser necessários.

Está claro que o tratamento ideal será tentar remover a causa da dor.

Enquanto a causa está sendo removida (ou quando não é possível sua remoção) devemos usar outros procedimentos.

Em nosso Centro de Referência em NF do HC UFMG costumávamos recomendar a chamada escada analgésica, baseada em orientação da Organização Mundial da Saúde, que foi reavaliada em 2010.

A partir de agora, nossos profissionais da saúde utilizarão uma adaptação dos procedimentos indicados pela extensa revisão realizada por Bates e colaboradores, 2019.

Depois de diagnosticada e quantificada a dor, podem ser utilizados os passos apresentados adiante.

É muito importante saber que o tratamento da dor neuropática é quase sempre MULTIDISCIPLINAR, envolvendo profissionais da saúde que orientem para a reabilitação física, apoio psicológico, higiene do sono, exercícios físicos regulares e outras ações complementares.

Em conclusão, diante da dor, especialmente dor crônica, é fundamental procurar profissionais da saúde para a orientação adequada.

 

 

Parte B – Para profissionais da saúde

 

Lembre-se que ao clicar nas letras em vermelho você poderá obter mais informações sobre o assunto e/ou referências científicas.

As pessoas com qualquer uma das doenças três genéticas conhecidas anteriormente como neurofibromatoses (NF) podem sentir dor, às vezes por longos períodos (ver aqui os novos nomes para as NF a partir de 2022).

Mais da metade das pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) se queixa de algum tipo de dor.

Pessoas com Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (SRNF2) (antes chamada de NF2) algumas vezes sentem dor.

Pessoas com Schwannomatoses relacionadas aos genes SMRCB1 e LZTR1 (antes chamadas apenas de Schwannomatose) apresentam dor como a principal complicação da doença.

Para tratarmos corretamente as dores destas pessoas, precisamos compreender o que é a dor e como nosso cérebro percebe o que é doloroso.

 

O que é a dor?

Segundo a última convenção internacional, a dor é uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão verdadeira ou potencial dos tecidos.

Ou seja, a dor é uma sensação ruim e carregada de emoção que é percebida por uma pessoa como se uma certa parte do seu corpo tenha sido, esteja sendo ou possa vir a ser machucada.

A dor é uma percepção individual, ou seja, somente quem a sente pode dizer sobre sua intensidade e como ela afeta a sua qualidade de vida. Ninguém é capaz de medir a dor e o sofrimento da outra pessoa, nem mesmo profissionais de saúde.

Para saber mais sobre este aspecto pessoal e intransferível da dor, veja o depoimento da associada da AMANF, engenheira e professora Ana de Oliveira Rodrigues em seu post: “Mas isso não dói” (clique no título).

Além de ser individual, a dor pode ser aguda, ou seja, de início recente, ou crônica, quando a sua duração ultrapassa mais de 3 meses.

A dor pode ter uma causa simples e evidente, por exemplo, um trauma, ou ter causas complexas e de difícil diagnóstico.

Quando a dor surge por causa da lesão de um órgão, de um tecido ou parte do corpo, ela é chamada de nociceptiva (essa palavra quer dizer percepção da lesão).

Quando a dor surge por causa de alterações no funcionamento do próprio sistema nervoso, ela é chamada de neuropática (a palavra quer dizer originada de um problema neurológico).

Às vezes, a dor pode ser mista, quer dizer, causada tanto por lesões nos tecidos quanto por mal funcionamento do sistema nervoso. Ver abaixo os tipos de dor definidas internacionalmente.

É preciso conhecer a dor para que possa ser tratada de forma eficiente. Por isso, é fundamental profissionais da saúde utilizarem um sistema de diagnóstico e avaliação da intensidade da dor, que possa expressar o sentimento da pessoa que sofre com ela.

Adiante mostraremos os questionários e métodos científicos que podem ser usados para esta finalidade.

 

Breve revisão de como nós percebemos a dor

 

 

Na Figura 2 estão representados diversos fatores que influenciam a transmissão da dor, os pontos X, Y, Z, M, B e G que nos ajudarão a compreender os diferentes tipos de dor.

Começando de baixo para cima, no (ponto X na Figura 2) temos, por exemplo, uma lesão em torno do nervo (inflamação, compressão, corte e cicatrização) que produz substâncias inflamatórias que estimulam as terminações nervosas e fazem com que elas enviem estímulos exagerados ao cérebro.  Por isso, os antinflamatórios, o gelo e alguns analgésicos atuam neste ponto, reduzindo o processo inflamatório e aliviando a dor.

 Outras vezes a lesão é causada pela compressão mecânica, por exemplo, um neurofibroma comprimindo o nervo (ponto Y na Figura 2), causando irritação ou mesmo amputando o nervo, o que é percebido como estímulo doloroso. Por isso, a remoção cirúrgica de neurofibromas compressivos pode aliviar algumas formas de dor neuropática.

Outras vezes, a destruição ou o corte do nervo (no ponto Y) podem causar cicatrização anormal, que produz uma espécie de tumor na ponta do nervo cortado, que chamamos de neuroma. Esse enovelado irregular e disfuncional de fibras nervosas pode produzir estímulos excessivos, que são percebidos como dor fantasma, como acontece nas amputações.

No ponto Z da Figura 2, a persistência da dor não tratada pode alterar a expressão genética de proteínas que controlam a dor (como a neurofibromina, inclusive), produzindo mais receptores de glutamato e NMDA, por exemplo, e aumentando a sensibilidade dolorosa da pessoa.

Por isso, sinais de compressão nervosa devem ser tratados com rapidez. Ou seja, um pequeno estímulo que não provocaria dor, pode se transformar em dor forte por causa da sensibilidade aumentada, causada pela dor crônica não tratada. Por isso, não devemos deixar sem tratamento uma pessoa com dor. Uma dor não tratada hoje pode ser uma dor aumentada amanhã.

No ponto M da Figura 2 estão as conexões na medula espinhal entre os nervos que trazem o estímulo doloroso da periferia do corpo e os nervos que conduzem estes estímulos até os centros superiores no cérebro.

Na dor neuropática, neste ponto M pode haver menor inibição da sensibilidade dolorosa, ou seja, o filtro realizado pelos neurônios na medula estariam menos ativos, permitindo a passagem da dor com mais facilidade para os centros superiores, ou seja, sinalizando uma dor amplificada. A noradrenalina é uma das substâncias moduladoras e por isso observamos aumento da sensibilidade dolorosa durante situações de estresse.

Alguns analgésicos e a cortisona também podem agir nesse ponto M, reduzindo a dor, como, por exemplo, nos chamados bloqueios com cortisona injetada ao redor da medula.

No ponto B da Figura 2, novos filtros (modulações) dos estímulos podem ocorrer, aumentando ou diminuindo a sensibilidade dolorosa. Neste ponto, algumas drogas chamadas neurolépticas e os anticonvulsivantes podem ajudar a reduzir a passagem dos estímulos dolorosos, diminuindo a dor que chega à consciência.

No ponto T da Figura 2 a dor também é aumentada ou diminuída por fatores emocionais e pelo estado de humor. Por exemplo, uma mesma lesão física pode parecer muito mais dolorosa à noite, quando nosso estado de humor aumenta as percepções da fadiga, do cansaço e dos perigos, porque somos seres diurnos, selecionados para viver durante o dia e repousar à noite.

No cérebro existem diversas regiões onde armazenamos informações sobre tudo aquilo que acontece conosco. Então, a memória, o conhecimento e o aprendizado da dor participam da regulação de como percebemos a dor e o medo que ela nos causa.

A dor crônica pode modificar estas estruturas por meio da plasticidade cerebral. Por isso, a psicoterapia, o acompanhamento psicológico, técnicas de meditação e controle cognitivo podem auxiliar o controle da dor neuropática nas neurofibromatoses.

Também sabemos que a depressão e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor. Por isso, antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a controlar a dor, inclusive nas neurofibromatoses.

Para completar, o ponto G na Figura 2 indica a expressão genética – em todo o sistema nervoso – da herança maior ou menor sensibilidade para a dor. Parte (40%) da suscetibilidade à dor pode ser atribuída a fatores genéticos. Neste sentido, parece que a ausência da neurofibromina nas pessoas com NF1 aumenta a sensibilidade dolorosa de um modo geral.

É preciso lembrar que pode haver outros mecanismos de dor nas neurofibromatoses que desconhecemos por enquanto. Por exemplo, na NF1 não sabemos exatamente por que os neurofibromas cutâneos raramente são dolorosos, enquanto plexiformes e nodulares muitas vezes o são. Além disso, os schwannomas raramente são dolorosos na NF2, mas são muito dolorosos na Schwannomatose. E todos estes tumores se originam da mesma célula de Schwann, na bainha dos nervos periféricos!

Finalmente, sabemos que vários dos mecanismos neste esquema da Figura 2 podem estar atuando ao mesmo tempo numa pessoa com neurofibromatose e por isso o tratamento da dor neuropática geralmente é complexo e multidisciplinar.

 

Quais os tipos de dor?

Existem  quatro tipos de dor:

  • Provocadas por uma lesão ou pelo risco de lesão em tecidos corporais, por exemplo, um corte inflamado ou infeccionado na pele. Esse tipo de dor é chamado por profissionais da saúde de dor Nociceptiva.
  • Provocada por uma lesão ou disfunção do próprio sistema nervoso, por exemplo, a alteração dos nervos nos pés das pessoas com diabetes. Esse tipo de dor é a dor Neuropática.
  • Provocada por alterações no processamento da dor no próprio cérebro, mas sem lesão verdadeira nos tecidos onde a dor é sentida, por exemplo, na fibromialgia. Esse tipo de dor é a dor Nociplástica.
  • Provocada por combinações de lesões nos tecidos e alterações no sistema nervoso. É chamada de dor Mista.

Profissionais da saúde também usam alguns outros termos técnicos para falarem da dor. Por exemplo, quando a sensibilidade está exagerada aos estímulos dolorosos, chamamos de hiperalgesia. Quando um estímulo não doloroso, o toque das mãos, por exemplo, é percebido como dor, chamamos de alodinia. Quando a dor é percebida em região diferente do local onde está ocorrendo a lesão, por exemplo, a dor do infarto agudo do miocárdio sendo percebida no braço, chamamos de dor referida.

As pessoas com neurofibromatoses podem apresentar qualquer um dos tipos de dor acima descritos e o seu tratamento é semelhante ao das pessoas sem NF. No entanto, considerando que muitas pessoas com NF apresentam dor crônica e dor neuropática, vamos nos aprofundar neste tipo de dor.

 

A dor neuropática é uma doença?

Sim, a dor neuropática é considerada uma doença em si. A dor neuropática é causada por lesões ou alterações na função dos próprios nervos e do sistema nervoso central.

A dor neuropática pode ser percebida como dor, queimação, picada, choque, beliscão, calor e frio em ondas que vêm e vão, às vezes relacionadas com fatores ambientais, emocionais e físicos.

Outras vezes, a dor neuropática pode surgir sem qualquer estímulo evidente ou até mesmo num membro que já foi amputado, como a chamada dor fantasma.

 

O primeiro passo para tratar, é quantificar a dor

Geralmente utilizamos uma escala visual, uma régua marcada de 1 a dez, sendo 0 nenhuma dor e 10 a maior dor que a pessoa já sentiu. Pedimos para a pessoa apontar na escala qual a intensidade da dor que ela está sentindo ou sentiu.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

 

A nota deve ser registrada em cada reavaliação.

 

O segundo passo é definir se a dor é do tipo neuropática.

Um questionário bastante simples (chamado de DN4 – Douleur Neuropathique Quatre) pode ser utilizado (abaixo) e ele possui sensibilidade razoável (72%) e alta especificidade (97%).

Pode ser necessário esclarecer com cuidado os sintomas para as pessoas com a dor.

Basta responder sim ou não.

Cada resposta positiva representa 1 ponto. Some os pontos.

Sensação de dor:

  • Em queimação
  • Frio doloroso
  • Como choque elétrico

Sintomas na mesma área da dor:

  • Adormecimento
  • Formigamento
  • Alfinetadas
  • Coceira

Exame físico:

  • Menor sensibilidade ao toque?
  • Menor sensibilidade à ponta de agulha?
  • Dor provocada ou aumentada pelo atrito?

Resultado da soma: maior do que 3 pontos sugere dor neuropática

 

O terceiro passo é procurar uma causa para a dor neuropática.

Exemplos de causas da dor neuropática:

  • Lesão crônica envolvendo o nervo (inflamação, compressão, corte e cicatrização) produz substâncias inflamatórias que estimulam as terminações nervosas e fazem com que elas enviem estímulos exagerados ao cérebro. Por isso, os antinflamatórios, o gelo e alguns analgésicos atuam neste ponto, reduzindo o processo inflamatório e aliviando a dor.
  • Compressão mecânica, por exemplo, um neurofibroma comprimindo o nervo, causando irritação ou mesmo amputando o nervo. Por isso, a remoção cirúrgica de neurofibromas compressivos pode aliviar algumas formas de dor neuropática.
  • Destruição ou o corte do nervo podem causar cicatrização anormal, que produz uma espécie de tumor na ponta do nervo cortado, que chamamos de neuroma. Esse enovelado irregular e disfuncional de fibras nervosas pode produzir estímulos excessivos, que são percebidos como dor fantasma, como acontece nas amputações.
  • Dor não tratada por muito tempo pode alterar a expressão genética de proteínas que controlam a dor (como a neurofibromina, inclusive) aumentando a sensibilidade dolorosa da pessoa. Por isso, sinais de compressão nervosa devem ser tratados com rapidez. Uma dor não tratada hoje pode ser uma dor aumentada amanhã.
  • Problemas na medula espinhal podem alterar a sensibilidade dolorosa. A noradrenalina é importante nesse processo e por isso observamos aumento da sensibilidade dolorosa durante situações de estresse. Alguns analgésicos e a cortisona também podem ser úteis, reduzindo a dor, como, por exemplo, nos chamados bloqueios com cortisona injetada ao redor da medula.
  • Modificações no sistema nervoso central podem aumentar a sensibilidade dolorosa, por isso algumas drogas chamadas neurolépticas e os anticonvulsivantes podem ajudar a reduzir a passagem dos estímulos dolorosos, diminuindo a dor que chega à consciência.
  • Fatores emocionais e pelo estado de humor afetam a sensibilidade à dor. Por exemplo, uma mesma lesão pode parecer muito mais dolorosa à noite, quando nosso estado de humor aumenta as percepções da fadiga, do cansaço e dos perigos, porque somos seres diurnos, selecionados para viver durante o dia e repousar à noite.
  • Experiência, história de vida e cultura afetam a percepção da dor. A memória, o conhecimento e o aprendizado da dor participam da regulação de como percebemos a dor e o medo que ela nos causa.

A dor crônica pode modificar estas estruturas por meio da plasticidade cerebral.

Por isso, a psicoterapia, o acompanhamento psicológico, técnicas de meditação e controle cognitivo podem auxiliar o controle da dor neuropática nas neurofibromatoses.

Também sabemos que a depressão e a ansiedade podem aumentar a sensação de dor. Por isso, antidepressivos e ansiolíticos podem ajudar a controlar a dor, inclusive nas neurofibromatoses.

  • As características genéticas afetam a percepção da dor. Boa parte (40%) da sensibilidade à dor pode ser atribuída a fatores genéticos. Neste sentido, parece que a ausência da neurofibromina nas pessoas com NF1 aumenta a sensibilidade dolorosa de um modo geral.
  • Outras causas – é possível haver outros mecanismos de dor nas neurofibromatoses que desconhecemos por enquanto. Por exemplo, na NF1 não sabemos exatamente por que os neurofibromas cutâneos raramente são dolorosos, enquanto plexiformes e nodulares muitas vezes o são. Além disso, os schwannomas raramente são dolorosos na NF2, mas são muito dolorosos na Schwannomatose. E todos estes tumores se originam da mesma célula de Schwann, na bainha dos nervos periféricos!

 

Em resumo, dores de diferentes intensidades e causas podem estar agindo ao mesmo tempo numa pessoa com neurofibromatose e por isso o tratamento da dor crônica e da dor neuropática geralmente é complexo e multidisciplinar.

 

Tratamentos para dor crônica (ESPECIALMENTE NEUROPÁTICA)

 

Está claro que o primeiro tratamento sempre será tentar remover a causa da dor.

Enquanto a causa está sendo removida (ou quando não é possível sua remoção) devemos usar outros procedimentos.

Costumávamos recomendar nesta página a chamada escada analgésica, baseada em orientação da Organização Mundial da Saúde, que foi reavaliada em 2010.

A partir de agora, utilizaremos uma adaptação dos procedimentos indicados pela extensa revisão realizada por Bates e colaboradores, 2019.

O primeiro passo para o tratamento adequado é diagnosticar e quantificar a dor e medir seu impacto na qualidade de vida, por meio de questionários estruturados e escalas para medir a dor e a realização de exame físico clínico por profissional experiente. Exames complementares podem ser necessários.

Depois de diagnosticada e quantificada a dor, podem ser utilizados os passos apresentados adiante.

É muito importante saber que o tratamento da dor neuropática é quase sempre MULTIDISCIPLINAR, envolvendo profissionais da saúde que orientem para a reabilitação física, apoio psicológico, higiene do sono, exercícios físicos regulares e outras ações complementares.

Legenda:

Antidepressivos tricíclicos (exemplos: Amitriptilina e Nortriptilina)

IRSN: inibidores da recaptação da serotonina e noradrenalina (exemplos: Duloxetina e Venlafaxina)

GABA: gabapentinoides (exemplos Pregabalina e Gabapentina)

Tópicos (exemplos: Lidocaína e Capsaicina)

Reservados aos especialistas no tratamento da dor

ISRS: inibidores seletivos da recaptação da serotonina (por exemplo, Citalopram, Escitalopram. Fluoxetina, Fluvoxamina, Paroxetina, Sertralina)

Anticonvulsivantes (por exemplo: Lamotrigina, Carbamazepina, Topiramato, Valproato)

ARNMDA: antagonistas dos receptores NMDA (por exemplo,  Cetamina (ou ketamina), Tramadol e Metadona )

Intervenções, incluindo neuromodulação, opioides e drogas de liberação direta.

 

Observações

AntinflamatóriosNão há evidência científica de uso de antinflamatórios (não esteroides) na dor neuropática.

Canabidiol – O uso de medicamentos derivados da cannabis tem sido recomendado algumas vezes em nosso CRNF para a dor crônica, mas alguns estudos recentes (ver aqui e aqui) indicam que precisamos de mais pesquisas científicas bem controladas para afirmarmos que estes medicamentos são eficientes.

Tratamentos adjuvantes

Outros tratamentos são oferecidos, inclusive em clínicas de dor, e podem ajudar no controle da dor neuropática e da dor fantasma.

Veja abaixo alguns tratamentos propostos e sua eficiência no tratamento da dor crônica (clique nos textos em azul para abrir as referências científicas).

Atividades físicas – quando realizadas de modo regular e em intensidade adequada possuem efeito benéfico moderado, embora ainda seja baixa a qualidade das evidências científicas.

Meditação – baixa evidência sobre a dor diretamente, mas podem melhorar a depressão e a qualidade de vida.

Estimulação elétrica transcutânea (TENS) – possui evidência moderada para efeitos locais.

Terapia com espelho e realidade virtual – sem evidências científicas.

Biofeedback  – efetivo para determinadas condições dolorosas.

Eletroconvulsoterapia – baixa qualidade das evidências científicas.

Acupuntura  – parece ter um efeito placebo, ou seja, a pessoa ficaria sugestionada a sentir menos dor.

Massagem – apesar de muita expectativa sobre seus efeitos, ainda não temos evidências científicas de que as massagens afetem a dor neuropática.

Estimulação cerebral profunda – poucos estudos

Estimulação da medula espinhal – estudos insuficientes

 

Tratamentos cirúrgicos específicos para a dor crônica

Há dor crônica que pode ser curada com a cirurgia, por exemplo, por exemplo, o tumor glomus. Há maior frequência de tumor glomus em pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 , que é um tumor geralmente benigno que surge nos corpos glomus, e pode ser removido na maioria das vezes por cirurgia (ou ser usada a ketamina quando a cirurgia é impossível).

Nas demais formas de dor crônica, sempre que a cirurgia puder remover a causa da dor, ela será prioritária. Outras vezes, técnicas cirúrgicas podem, ser usadas quando medicamentos e terapias adjuvantes falharam.

Mais informações sobre os tratamentos para a dor crônica podem ser obtidas com profissionais da saúde especialistas no tratamento da dor crônica.

 

 

Belo Horizonte, 4 de abril de 2023