Trago hoje mais um dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em dezembro de 2024, com o texto do médico e nosso amigo e colaborador de longa data Dr. Nikolas Mata-Machado, professor de pediatria e com grandes contribuições para o tratamento das crianças com NF1 e problemas neurológicos. Muito obrigado, em nome de toda a equipe do CRNF.

Dr. Lor

 

Nikolas Mata-Machado

Médico, PhD Professor Assistente de Pediatria

Chefe da Neurologia Pediátrica – Diretor da Clínica de Neurofibromatose

Universidade de Chicago – Estados Unidos da América

 

As convulsões são uma complicação bem conhecida da neurofibromatose tipo 1 (NF1), com prevalência relatada entre 3,8% e 6,4% da população [1]. No entanto, esta prevalência pode ser superestimada devido a um viés de apuração.

Em pessoas com NF1, as crises convulsivas parciais complexas são as mais comuns, mas também são descritas convulsões generalizadas primárias, espasmos infantis e crises febris. A idade média de início das convulsões é na infância.

Um estudo indicou que até 64% dos pacientes com NF1 apresentavam lesões estruturais no encéfalo que originavam as convulsões [2]. Contudo, as amostras de pacientes estudadas eram relativamente pequenas e focadas em pacientes pediátricos, o que pode ter excluído convulsões em pessoas mais velhas. Para comparação, na população em geral (sem NF1), a prevalência de convulsões nos países da Europa, além dos Estados Unidos, Canadá e Japão, é de 0,68%, com uma incidência de 44 por 100.000 pessoas, apresentando picos de incidência na primeira infância e após os 65 anos [3]. As crises parciais complexas são as mais frequentes.

Em pacientes com NF1, a experiência sugere que as convulsões são bastante comuns e podem ocorrer em todas as idades. Muitas vezes, as convulsões são sutis e passam despercebidas, com eletroencefalogramas (EEG) de rotina normais. Em muitos casos, é necessário monitoramento prolongado de vídeo EEG para capturar anormalidades.

A baixa incidência relatada de convulsões pode ser atribuída à baixa disponibilidade de monitoramento prolongado de EEG. Em pacientes com NF1, 42% das convulsões começam antes dos 5 anos de idade, conforme observado por Korf et al. [4], que relatam uma idade média de início de 8,1 anos. Convulsões em pessoas com NF1 após os 4 anos também foram documentadas, o que contrasta com a queda acentuada nas convulsões após essa idade na população em geral.

A causa exata das convulsões na maioria das pessoas com NF1 é desconhecida, mas tumores e doenças vasculares associados à NF1 podem ser causas em apenas um pequeno número de casos. Pesquisas recentes sugerem que pacientes com atraso no desenvolvimento, autismo, dificuldades comportamentais e problemas emocionais graves têm um risco maior de convulsões [5]. Recomenda-se , então, gravações prolongadas de vídeo EEG para avaliar esses crianças.

Alguns dados indicam que uma pequena porcentagem de pessoas com NF1 possui outros membros da família com convulsões, sugerindo que a tendência para convulsões está relacionada à NF1 e não a uma predisposição genética separada para convulsões [6].

 

Referências

[1] Creange A, Zeller J, Rostaing-Rigattieri S, et al. Neurologic complications of neurofibromatosis type 1 in adulthood. Brain 122:473-481, 1999.

[2] Jennings MT, Bird TD. Genetic influences in epilepsies. Review of the literature with practical implications. Am J Dis Child 135:450-7, 1981.

[3] Hauser AW, Annegers JF, Kurland LT. Incidence of epilepsy and unprovoked seizures in Rochester Minnesota: 1935-1984. Epilepsia 34:453-468, 1993.

[4] Korf BR, Carrazana E, Holmes GL. Patterns of seizures observed in association with neurofibromatosis 1. Epilepsia 34:616-620, 1993.

[5] Creange A, Zeller J, Rostaing-Rigattieri S, et al. Neurologic complications of neurofibromatosis type 1 in adulthood. Brain 122:473-481, 1999

[6] Szudek J, Birch P, Riccardi VM, etal. Associattion of clinical features in neurofibromatosis 1 (NF1). Genet Epidemiol 19:429-39, 2000.

 

 

Apresento hoje mais um dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em dezembro de 2024, com o texto  da psicóloga Katie Moraes de Almondes, que amplia as questões apresentadas recentemente pela sua colega Alessandra Craig Cerello. Nesse artigo Katie nos mostra um caminho importante a ser investigado para melhorarmos a qualidade de vida das pessoas com NF1. Muito obrigado, em nome de toda a equipe do CRNF.

Dr. Lor

 

 

Katie Moraes de Almondes

Professora Associada do Departamento de Psicologia

Programa de Pós-graduação em Psicobiologia

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Coordenadora do Ambulatório do Sono e

Ambulatório de Narcolepsia e Apneia do Sono infantil

Hospital Universitário Onofre Lopes da UFRN)

 

A neurofibromatose tipo I (NF1) é uma doença genética autossômica dominante rara, com prevalência de 1:3.000 nascidos vivos, que acontece devido a mutações heterozigóticas do gene NF1 e, subsequente, haploinsuficiência do produto proteico codificado neurofibromina (Kresak & Walsh, 2016). O diagnóstico geralmente é feito na infância e é estabelecido pela identificação de dois ou mais dos seguintes critérios clínicos: mais de seis manchas café com leite, sardas axilares ou inguinais, dois ou mais neurofibromas cutâneos ou um neurofibroma plexiforme, dois hamartomas de íris (Nódulos de Lisch), gliomas do nervo óptico, displasias esqueléticas e história de parente primário com a doença e painel genético contendo uma variante patogênica no gene NF1 (Souza et al, 2009).

A NF1 pode afetar diversos órgãos e sistemas. O sistema nervoso central (SNC) é, frequentemente, afetado nas crianças com NF1 com impactos que envolvem alterações cognitivas, comportamentais, distúrbios da fala (Cosyns et al, 2010), problemas motores (Vogel, Gutmann & Morris, 2017), enxaqueca, doenças cerebrovasculares, tumores cerebrais, epilepsias, estenose aquedutal e lesões cerebrais de alto sinal na ressonância magnética ponderada em T2 (Santoro et al, 2018).

Outrossim, alguns estudos sugerem que a NF1 também está associada aos distúrbios de sono, mas os resultados clínicos na literatura são escassos e, ao mesmo tempo, controversos. Alguns estudos apontam que há um indicativo de alta prevalência de distúrbios de sono entre crianças e adolescentes com NF1, enquanto outros defendem que a incidência é similar para a população pediátrica em geral (Maraña et al, 2015).

Esses distúrbios, muitas vezes, são queixas de sono relatadas subjetivamente pelos próprios pais, por uma percepção que tende a superestimar ou subestimar, por serem acordados durante a noite e, frequentemente, não se recordarem com exatidão o padrão do sono, pois a percepção da queixa da criança estar influenciada pela queixa dos pais sobre o próprio despertar. Não obstante, as queixas quando relatadas não são diagnosticadas a partir de critérios clínicos, o que leva a mais imprecisão sobre o padrão de sono das crianças e adolescentes com NF1. Isso é corroborado, principalmente, pelos poucos artigos que trazem a conclusão de disturbios de sono baseados em questionários gerais pediátricos (Johnson, Wiggs, Stores, & Huson, 2005; Maraña et al, 2015). Somado a isso, a anamnese pediátrica, na maioria das vezes, não inclui avaliações sobre padrões e hábitos de sono.

É ponto pacífico na literatura que o sono insuficiente e inadequado em crianças está ligado a uma série de resultados adversos para a saúde, como fadiga diurna (Lehmkuhl et al, 2008), atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (Smaldone, Honig, & Byrne, 2007), desempenho cognitivo reduzido (Gruber et al, 2014), sistema imunológico comprometido (Smaldone, Honig, & Byrne, 2007) e obesidade (Fatima, Doi, & Mamun, 2015).

Além disso, problemas persistentes de sono na infância podem reduzir o bem-estar da família e aumentar o risco de desenvolvimento de dificuldades cognitivas e comportamentais na adolescência e na idade adulta, como transtornos de ansiedade, depressão, comportamento agressivo e dificuldades de atenção (Gregory et al, 2008). O diagnóstico e o tratamento dos problemas do sono são essenciais para garantir um desenvolvimento saudável.

Tomando como base as limitações supracitadas e os impactos derivados de uma associação entre NF1 e distúrbios de sono, em 2005, Johnson et al. (2005) (17) investigaram, através de questionários com 64 crianças com NF1, de 3 a 18 anos, os padrões e comportamentos de sono, e concluíram que havia maior prevalência de parassonias NREM relatadas (terrores noturnos e sonambulismo). Licis et al. (2013), (20) também, investigando o sono de 129 crianças com NF1 e 89 irmãos não afetados, com idades entre 2 e 17 anos, através de um questionário, relataram distúrbios no início e manutenção do sono com presença de despertares noturnos.

Diante dos dados escassos e derivados de outros países, em 2023, no Brasil, conduzimos o primeiro estudo que avaliou padrões, hábitos e problemas de sono em crianças com NF1. Através de um estudo transversal com 41 crianças, sendo 28 (68%) crianças na faixa etária de 06 a 12 anos e 13 (32%) na faixa etária de 01 a 05 anos, recrutadas, voluntariamente, através da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatose e grupos de apoio do Centro de Referência em Neurofibromatose, Brasil (Almondes et al, 2023).

Nossos resultados apontaram que as crianças com NF1 apresentavam horários tardios de ir para a cama, despertares noturnos frequentes, dormiam menos de dez horas por noite, e manifestavam resistência em ir para a cama, características de um quadro de insônia comportamental (ICSD-3-TR).

Importante assinalar que os horários tardios de ir para a cama apresentam correlação com maior tempo para adormecer e menor tempo total de sono (Mindell, Meltzer, Carskadon e Chervin, 2009). Acerca da resistência em ir para a cama, Sadeh, Tikotzky e Scher (2010) sugerem que a presença parental no momento de dormir da criança pode favorecer os despertares e dificultar a independência para adormecer. Ademais, a criança pode associar o início do sono com a presença dos pais e só conseguir adormecer na presença destes, tendo dificuldade em dormir sozinha.

Acreditamos que os problemas de sono em crianças com NF1 podem decorrer do comportamento dos pais, como ficar próximos à cama da criança devido aos cuidados rotineiros que desempenham em função da doença, e aumentar a superproteção devido à NF1, desfavorecendo a independência da criança no momento de dormir. Assim, esse comportamento pode reforçar a manutenção e perpetuação da queixa de adormecer apenas na presença de um adulto (Almondes et al, 2023).

Nossa amostra revelou um uso elevado de dispositivos eletrônicos à noite, principalmente televisão e celular. O uso desses dispositivos causa agitação psicológica e fisiológica, associada à resistência para dormir, atraso no horário de dormir e ansiedade. Além disso, a exposição a luzes brilhantes, especialmente a luz azul das telas, pode suprimir a produção de melatonina (Aishworiya et al., 2018; Hale & Guan, 2015).

Esses fatores, somados à probabilidade de as crianças seguirem os horários dos adultos, não terem uma rotina de sono definida e não serem independentes para adormecer, podem contribuir para resistência em ir para a cama, horário de sono tardio e menor duração do sono. Mindell et al. (2009) já apontaram que crianças sem uma rotina de sono consistente ou que seguem a rotina dos adultos tendem a dormir menos.

A partir de 2016, exames polissonográficos têm sido fortemente recomendados e considerados obrigatórios para neurofibromas plexiformes das vias aéreas em indivíduos com NF1 (Plotkin et al, 2016) (19), apesar de não ser uma prática rotineira em nosso país. Dados de Carotenuto et al (2023), seguindo essa diretriz, evidenciaram que a macroestrutura do sono de crianças com NF1 sem comorbidades neurocognitivas apresentaram redução nos parâmetros de duração do sono, da eficiência do sono e do estágio N2. Além disso, o número de despertares por hora, despertar após o início do sono (WASO) e eventos respiratórios como Índice de Apneia e Hipoapneia resultaram maiores nas crianças com NF1 em comparação com crianças saudáveis. Esses dados reforçam os dados encontrados através de medidas subjetivas.

 

Considerações Finais:

Ainda temos um longo caminho a percorrer quando se fala de alterações de sono na NF1.

Muitas pesquisas precisam avançar e alavancar avaliações mais acuradas e preconizadas como protocolo recomendável. Na sequência, é importante assegurar manejo terapêutico adequado e eficiente para os distúrbios de sono na população com NF1.

Alcançar quantidades adequadas de sono é importante para o desenvolvimento social, emocional, comportamental e acadêmico das crianças e adolescentes.

Na idade pré-escolar, a duração do sono tem um efeito ainda mais importante, uma vez que está intrinsecamente associada a fatores como crescimento, desenvolvimento cognitivo e comportamental, maturação do sistema nervoso central e manutenção do balanço energético.

Políticas públicas para o público com NF1 precisam ser melhor delineadas, e a pauta de sono merece atenção especial.

Os profissionais de saúde devem ser melhor capacitados nessa área e interface para promover saúde biopsicossocial para esse público.

Referências

  1. Souza, J.F., Toledo, L.L., Ferreira, M.C.M., Rodrigues, L.O.C., Rezende, N.A. (2009) Neurofibromatose Tipo 1: Mais Comum e Grave Do Que Se Imagina. Revista Associação Medica Brasileira, 55(4): 394-9. doi.org/10.1590/S0104-42302009000400012
  2. Pinho, R.S., Fusão, E.F., Paschoal, J.K.S.F., Caran, E.M.M., Minett, T.S.C., Vilanova, L.C.P., et al. (2014). Migraine is frequent in children and adolescents with neurofibromatosis type 1. Pediatrics International, 56:865–7. doi: 10.1111/ped.12375
  3. Maraña Pérez, A.I., Duat, A.R., Soto, V.I., Domínguez, J. C., Puertas, V.M., González, L.S.G. (2015). Prevalence of sleep disorders in patients with neurofibromatosis type 1. Neurologia, 30(9):561-5. doi: 10.1016/j.nrl.2014.04.015.
  4. Licis, A.K., Vallorani, A., Gao, F., Chen, C., Lenox, J., Yamada, K.A., et al. (2013). Prevalence of sleep disturbances in children with Neurofibromatosis type 1. Journal of Child Neurology, 28:1400–5. doi: 10.1177/0883073813500849
  5. American Academy of Sleep Medicine (2023). International Classification of Sleep Disorders, third edition, text revision (ICSD-3-TR). American Academy of Sleep Medicine. ISBN978-0-9657220-9-4.
  6. Lehmkuhl, G., Wiater, A., Mitschke, A., & Fricke-Oerkermann, L. (2008). Sleep Disorders in Children Beginning School: Their Causes and Effects.  Deutsches Ärzteblatt International105(47), 809–814. https://doi.org/10.3238/arztebl.2008.0809
  7. Smaldone, A., Honig, J.C., & Byrne, M.W. (2007). Sleepless in America: Inadequate Sleep and Relationships to Health and Well-being of Our Nation’s Children. Pediatrics,119 Suppl 1, S29‐S37. https://doi.org/1542/peds.2006-2089F.
  8. Gruber, R., Carrey, N., Weiss, S.K., et al. (2014). Position statement on pediatric sleep for psychiatrists. Canadian child and adolescent psychiatry review, 23(3), 174-95.  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4197518/
  9. Fatima, , Doi, S.A.R., & Mamun, A.A. (2015). Longitudinal impact of sleep on overweight and obesity in children and adolescents: a systematic review and bias-adjusted meta-analysis. Obesity Reviews, 16(2), 137–49. https://doi.org/ 10.1111/obr.12245.
  10. Gregory, A.M., Ende, J.V.D., Willis, T.A., Verhulst, F.C. (2008). Parent-Reported Sleep Problems During Development and Self-reported Anxiety/Depression, Attention Problems, and Aggressive Behavior Later in Life. Archives of pediatrics & adolescent medicine, 162(4), 330-5. https://doi.org/ 1001/archpedi.162.4.330.
  11. Almondes, K.M., Medeiros, D., Azevedo, J., Camilo, V., Rafihi-Ferreira, R., & Rodrigues, L.O.C. (2023). Sleep, Behavioral, and Cognitive Complaints in children with Neurofibromatosis Type 1: A public health challenge. International Journal of Psychology and Neuroscience, 9 (3), 67-78. Doi: https://doi.org/10.56769/ijpn09307
  12. Mindell, J.A., Meltzer, L.J., Carskadon, M.A., & Chervin, R.D. (2009). Developmental aspects of sleep hygiene: Findings from the 2004 National Sleep Foundation Sleep in America Sleep Medicine, 10(7), 771–9. https://doi.org/ 10.1016/j.sleep.2008.07.016.
  13. Sadeh, A., Tikotzky, L., & Scher, A. (2010). Parenting and infant sleep. Sleep Medicine Reviews, 14(2), 89–96. https://doi.org/1016/j.smrv.2009.05.003
  14. Aishworiya, R., Kiing, J.S., Chan, Y.H., Tung, S.S., & Law, E. (2018). Screen time exposure and sleep among children with developmental disabilities. Journal of Paediatrics and Child Health, 54(8), 889–94. https://doi.org/1111/jpc.13918.
  15. Hale, L., & Guan, S. (2015). Screen time and sleep among school-aged children and adolescents: A systematic literature review. Sleep Medicine Reviews, 21, 50–8. https://doi.org/1016/j.smrv.2014.07.007.

 

 

 

 

 

Tenho grande satisfação em publicar mais um dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em dezembro de 2024, com o texto  da psicóloga Alessandra Cerello, profissional experiente e uma das cientistas pioneiras no atendimento psicoterápico de pessoas com NF1. Muito obrigado, em nome de toda a equipe do CRNF.

Dr. Lor

 

Alessandra Craig Cerello

Psicóloga e Mestre

pelo Programa de Pós Graduação

em Saúde do Adulto da FM da UFMG

 

 

Nos capítulos já publicados, foi discutido como a NF1 afeta física e cognitivamente, por acometer diversos sistemas do organismo: nervoso, musculoesquelético, cardiovascular e endócrino. Neste capítulo, veremos como essas alterações podem afetar as pessoas com NF1 e seus familiares no que se refere aos aspectos psicoemocionais.

O funcionamento psicológico do ser humano é multideterminado, sendo influenciado por fatores intrínsecos genéticos (biológicos) e fatores extrínsecos ambientais atrelados ao contexto histórico, que são aprendidos socialmente. Nos últimos 30 anos, diversos autores vêm buscando a interface entre a NF1 e aspectos psíquicos 1,2,3,4 e efeitos na qualidade de vida 5,6.

Desde o nascimento, o ser humano é incluído em grupos sociais: a família, inicialmente, posteriormente escola, comunidade, grupo do trabalho e outros. A partir da interação com o outro, as percepções experimentadas pelos sentidos dos objetos do mundo e de si mesmo são nomeadas e, assim, progressivamente diferenciadas e classificadas.

Essas informações vão se somando, e o indivíduo vai absorvendo e ajustando como as características atribuídas a ele se assemelham ou se diferenciam das outras pessoas, para que a construção daquilo que é conhecido por “eu”, por “mim”, por “mim mesmo” seja formada 7.

Por ser um processo construído nas e pelas relações ao longo da vida, essas informações assimiladas não são nem apenas passivas e nem puramente objetivas, mas contém valores e outros aspectos subjetivos dos outros. Segundo Mead (2018), a formação da identidade é um processo de interiorização do julgamento do outro 8.

Como isso, seus derivados – o autoconceito e a autoestima – também adquirem valorização ou desvalorização, seja geral ou específica para algumas habilidades ou pela falta delas a partir das experiências vividas com essas interações.

A avaliação do autoconceito nos domínios geral e habilidades específicas demonstrou pior escore no domínio de habilidades físicas em crianças com NF1 9,10 e competência social, com aumento das chances de problemas sociais e emocionais 9. Para adolescentes, o autoconceito também foi pior em habilidades físicas, matemática e autoestima geral, tanto para os grupos com NF1 apenas e nos grupos com NF1 associada a dificuldades de aprendizagem e TDAH 10.

Pior autoestima nas pessoas com NF1 em relação a pessoas sem NF1 e irmãos sem a doença 11,12 foi descrita e associada a dificuldade de aprendizagem 10. Apesar disso, autoestima elevada em alguns participantes foi observada 12,13, e esteve associada a ter amigos com NF1, frequentar grupos de apoio para pessoas com NF1 e ter recebido orientação genética 12.

A preocupação com as alterações estéticas pode ser intensificada em algumas situações, como na puberdade, período em que as pessoas jovens estão mais preocupadas com seu corpo e quando os neurofibromas cutâneos costumam aumentar e ficar mais visíveis 1,10. Pode também ser diferente de acordo com algumas culturas, como caso descrito por Rozario (2007) de uma mulher indiana em que os impactos sociais da NF1 tiveram efeitos amplificados em suas vivências incluindo na de escolha de parceiros e casamento na vida adulta 14.

As vivências de estigmatização são uma forma de discriminação na qual a falta de aceitação social do indivíduo por uma comunidade ou cultura implica que o outro enxerga a diferença como uma inferiorização 15. A NF1 pode aumentar a chance de que isso ocorra tanto pela questão estética das alterações físicas, como pela redução da funcionalidade no que diz respeito a alterações cognitivas e de linguagem, impactando na autoestima.

Um artigo de Koerling (2020) traz um relato que ilustra outra situação comum a pessoas com NF1: a dificuldades para se ter amigos 16. Após já ter sido examinado por quatro estudantes de medicina em um hospital-escola, David respondeu a uma estudante que identificou que ele poderia ter NF1:

“Ou como eu chamo, Sem Amigos 1” Koerling (2020) (‘or as I call it, No Friends 1’ – pág 2) 16.

Hummelvoll & Antonsen (2013) avaliaram que em geral os adultos consideraram ter amigos e que muitos deles descreveram que a questão das amizades melhorou na vida adulta em relação à infância, incluindo a presença de amigos com NF1 17.

O retraimento social descrito na NF1 2,14,17 ainda não está completamente explicado na literatura. Não se sabe se resulta exclusivamente das vivências de estigmatização e bullying ou se alguma alteração na expressão genética interfere 3, por exemplo, a partir de problemas cognitivos gerais derivados de dificuldade na velocidade do processamento de informações e déficit do controle cognitivo, resultando em pior performance 4.

A influência em aspectos psicoemocionais, de forma geral, não aparentam estar necessariamente associados com a gravidade física da doença 5,6,9,10,11,17,19,20 exceto em quando a gravidade foi relacionada ao funcionamento neurocognitivo 4,18.

Já quando a avaliação da doença é comparada com a visibilidade dos sintomas, os dados são mais concordantes em apontar associações 1,2,6,17,19. Ainda assim, há discordâncias. Enquanto para Caballo et al. (2023) a maior visibilidade dos sintomas foi associada a ansiedade severa 21, outros resultados não associaram os sintomas emocionais à visibilidade do sintoma, mas a dificuldades de aprendizagem 12,18.

Em estudo qualitativo realizado com perguntas semiestruturadas realizado no Centro de Referência em Neurofibromatose-MG (CRNF-MG) no Brasil, alguns entrevistados descreveram o enfrentamento da doença como sendo “normal, natural”, enquanto outros focaram em sentimentos negativos de medo e consequências negativas da doença por limitações e constrangimentos sociais, reforçando que a experiência com NF1 varia de sujeito para sujeito 22.

Sintomas psicológicos classificados como internalizantes (que são aqueles nos quais a reação é voltada da pessoa para ela mesma)  como ansiedade, depressão e retraimento social 5,9,18,19 foram descritos com mais frequência e concordância entre os autores, que sintomas classificados como externalizantes (aqueles em que a reação é direcionada principalmente a uma ação que repercute no ambiente de um indivíduo), como impulsividade e agressividade 18 que foram menos presentes ou presente apenas em idades mais precoces 4.

A depressão e a ansiedade são condições presentes na população em geral. O aumento dos transtornos ansiosos e depressivos vem sendo associado a questões contemporâneas, como o estilo de vida atual da sociedade, centrada em alta performance, em padrões estéticos e comportamentais, nos quais há valorização da pessoa multitarefas, extrovertida e comunicativa. Na NF1, a presença de doenças psiquiátricas, como depressão, ansiedade e estresse foi associada a reações subjetivas diante das desfigurações decorrentes das alterações estéticas, vivências de estigmatização e alterações no estilo de vida 19.

Enquanto a ansiedade tem se mostrado como um achado concordante entre os autores, os dados relativos à depressão apresentaram menos concordância 4,9,18,23. Possíveis explicações apresentadas são diferentes delineamentos dos estudos, como faixa etária estudada e critérios para a mensuração dos dados. Por exemplo, há diferenças entre as respostas quando as escalas de avaliação são preenchidas pelos profissionais, pelos familiares, pelos professores ou pela própria pessoa com NF1 18,24,25.

Uma alteração mais branda do humor, a distimia, foi avaliada como diagnóstico psiquiátrico mais comum em avaliação longitudinal de 12 anos 13, que também indicou que vivências de estigmatização podem estar envolvidas. Sinais mais graves de depressão com ocorrências de ideações de autoextermínio (IAE) foram descritas em 16% das crianças com NF1 em comparação com 6% dos irmãos sem a doença 9 e em 45% de entrevistados adultos com NF1 contra 10% dos controles sem NF1 26.

Há ainda muito desconhecimento sobre a NF1, o que dificulta a identificação de sinais e sintomas por familiares e o diagnóstico da NF1 por profissionais 22,27. Essa falta de informações e referências sobre a NF1 para a sociedade leva a uma situação de invisibilidade social da doença apesar da visibilidade dos sintomas físicos e comportamentais 22.

Alguns centros de tratamento têm utilizado mídias sociais como instrumento de  divulgação de informações técnicas e mesmo como meio para favorecer o encontro de pessoas com NF1 e familiares, como a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF). Isso é importante, sobretudo no que se refere à ampliação do acesso a informações e construção de redes de suporte e troca de experiência.

Se por um lado a tecnologia pode aproximar as pessoas e há ganhos válidos com isso (teleconsultas, facilitação do acesso de pessoas com menor mobilidade etc.), algumas pessoas que não se sentem capazes de se utilizar dela podem sentir o efeito contrário, aumentando o sentimento de auto culpabilização e solidão para quem já se sentia à margem. Além disso, a exposição maior pode ser mais um canal para que se experimente bullying, o cyberbullying 21.

Em resumo, apesar das diferenças individuais, em geral o impacto psicológico da NF1 para as pessoas com NF1 é:

  • Avaliado de forma diferente por profissionais, familiares ou a própria pessoa;
  • Menos afetado pela gravidade da doença do que pelas dificuldades de aprendizagem, pela visibilidade dos sintomas os constrangimentos sociais vividos em situações de estigmatização, discriminação e bullyng;
  • Diferente ao longo das etapas da vida (infância, adolescência, vida adulta);
  • Manifestado mais comumente por sintomas psicológicos internalizantes, em destaque para a ansiedade, do que sintomas externalizantes.

Propostas

Diante dos impactos psicossociais da NF1, Johnson et al. (1999) propõe quatro ações 9:

1 – orientar os pais de crianças com NF1 quanto risco aumentado de problemas sociais e afetivos;

2 – avaliar periódica das crianças com NF1 e tratamento dos problemas de linguagem, motores e cognitivos, visando à possível redução de problemas sociais e emocionais;

3 – encaminhar para avaliação psiquiátrica e/ou psicológica padronizada nos casos de problemas sociais e afetivos;

4 – ampliar as possibilidades de intervenção terapêutica pelos centros de tratamento, buscando prevenir e tratar esses problemas.

Tendo em vista que os familiares também estão sob estresse e respondem emocionalmente às questões atreladas à NF1 17,27 faz-se importante um espaço de escuta e acolhimento para eles. Além disso, um suporte familiar adequado favorece que o apoio social para a pessoa com NF1 seja de melhor qualidade, possibilitando efeitos protetores na qualidade de vida das crianças e adolescentes com NF1 5 e mesmo de adultos 23.

A imprevisibilidade do desenvolvimento da doença é um fator que a torna difícil para se compreender e para se enfrentar 1 além de mais ansiogênico 2. Por essa razão, o olhar dos profissionais é fundamental na identificação dos sinais psicoemocionais, para orientação e encaminhamentos adequados. O relato de David 16 relembra de uma ação simples, mas nem sempre bem utilizada. Uma pergunta cotidiana: “como você está se sentindo?” acompanhada por uma abertura sincera pelo profissional a uma escuta atenta da pessoa é indispensável na identificação precoce ou mesmo a tempo de fatores que possam sugerir sofrimento psíquico, incluindo aqueles com maior intensidade. Essas respostas podem incluir as IAE. Nesse caso, o profissional deve estar preparado e conhecer sobre a rede de atendimento psicossocial local para referenciar a pessoa ao cuidado necessário.

Acerca das IAE alguns mitos precisam ser desfeitos, como orienta a Cartilha de Prevenção ao Suicídio do Ministério da Saúde: falar sobre morrer não incentiva um ato de tentativa de autoextermínio, ao contrário, pode auxiliar a apaziguar a pessoa com uma escuta acolhedora e mesmo prevenir o ato 28.

 

Referências

1- Mouridsen SE, Sorensen SA. Psychological aspects of von Recklinghausen neurofibromatosis (NFl). J Med Genet. 1995; 32:921-4.

2- Ablon J. Living with genetic disorder: The impact of Neurofibromatosis 1. Auburn House, Westport, CT.  1999

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28- Brasil. Cartilha de Prevenção ao Suicídio. Sem data. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/consulado-miami/assistencia-a-brasileiros/cartilha-de-prevencao-ao-suicidio

 

 

Recebemos duas perguntas de uma leitora de Curitiba:

No caso do câncer de mama relacionado à neurofibromatose, há responsividade a hormônios (como o estrogênio, por exemplo), como no caso de alguns tipos de cânceres de mama?
Para mulheres com neurofibromatose há alguma contraindicação no uso de alguns tipos de anticoncepcionais devido ao risco aumentado de câncer de mama que essas mulheres já apresentam?”

 

Solicitamos a ajuda da Dra. Luiza de Oliveira Rodrigues e Dra. Débora Balabram que responderam abaixo. Para informações gerais sobre câncer de mama nas pessoas com NF1 clique aqui.

 

São ótimas perguntas.

Sobre os subtipos de câncer de mama na NF1:

Um estudo de 2016, do grupo da Dra. Juha Peltonen (ver aqui, em inglês), resume bem o problema e sugere que, assim como em outras condições genéticas que aumentam risco de câncer de mama (BRCA1/2, Li-Fraumeni (TP53), PTEN etc.), os tumores tendem a ser mais agressivos nas mulheres com NF1, com menor percentual de tumores responsivos ao estrogênio, conforme a leitora nos perguntou. Outro estudo, da Dra. Ann Lee e colaboradores (2018, ver aqui em inglês) confirma estas informações.

 

Sobre os anticoncepcionais:

Embora haja evidências sugerindo um risco modestamente aumentado de câncer de mama com o uso atual ou recente de anticoncepcional oral, esse risco diminui ao longo do tempo após a cessação do uso.

O aumento absoluto do risco é relativamente pequeno, e os benefícios dos anticoncepcionais orais, incluindo eficácia contraceptiva e redução potencial no risco de câncer de ovário, devem ser ponderados em relação a esse risco. Em mulheres sem mutações genéticas, o aumento de risco de câncer foi de mais um caso para casa 7690 mulheres que fizeram uso da medicação por um ano (ver referência 3 abaixo).

Mais pesquisas são necessárias para esclarecer o risco associado a formulações de anticoncepcionais orais mais recentes e em populações específicas, como portadoras da mutação BRCA1/2 (ver referência 1 abaixo).

A literatura médica não aborda especificamente o risco de câncer de mama associado ao uso de anticoncepcionais orais em mulheres com neurofibromatose tipo 1 (NF1). Mas, considerando seu aumento de risco de CA de mama semelhante ao do BRCA2, parece-nos prudente seguir as recomendações para esse grupo.

Além disso, a expressão de receptores de progesterona em neurofibromas foi observada, mas a maioria das mulheres com NF1 que usam anticoncepcionais orais não relataram crescimento significativo de neurofibroma.

Contraceptivos orais, incluindo preparações de estrogênio-progestogênio e progestogênio puro, têm sido usados ​​por mulheres com NF1 sem crescimento significativo de neurofibromas associados na maioria dos casos.

No entanto, houve relatos de crescimento tumoral significativo em uma pequena porcentagem de mulheres usando contraceptivos de depósito contendo altas doses de progesterona sintética [ver referência 2 abaixo]. Isso sugere que, embora os contraceptivos orais possam ser uma opção viável, pode ser necessário cuidado com formulações de depósito.

Dado o aumento do risco de câncer de mama, métodos contraceptivos não hormonais, como dispositivos intrauterinos de cobre (DIUs), podem ser considerados, pois não envolvem exposição hormonal.

Além disso, métodos de barreira ou soluções permanentes, como laqueadura, podem ser alternativas, dependendo dos planos reprodutivos e do perfil de risco do indivíduo.

 

Referências

  1. Oral Contraceptives and Risk of Breast Cancer and Ovarian Cancer in Women With a BRCA1 or BRCA2 Mutation: A Meta-Analysis of Observational Studies. Park J, Huang D, Chang YJ, Lim MC, Myung SK. Carcinogenesis. 2022;43(3):231-242. doi:10.1093/carcin/bgab107
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  3. Contemporary hormonal contraception and the risk of breast cancer. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29211679/

 

 

 

 

 

 

Em mais uma continuidade da divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o excelente texto da Dra. Pollyanna Barros Batista, fonoaudióloga que participa do CRNF há mais de uma década, contribuindo com diversos conhecimentos originais sobre os problemas fonaudiológicos na NF1 e nas Schwannomatoses. Agradecemos mais esta colaboração para a ampliação dos nossos conhecimentos.

Dr. Lor

 

 

Pollyanna Barros Batista

Fonoaudióloga

Doutora e Mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto

Especialista em Linguagem pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia

Idealizadora da Plataforma Hey Ear

 

 

 

 

Introdução

 

A Neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma doença genética hereditária, autossômica dominante, que afeta aproximadamente 1 em cada 3.000 indivíduos em todo o mundo. Caracterizada pela presença de múltiplos tumores benignos ao longo dos nervos periféricos, bem como por manchas café-au-lait na pele e outras manifestações cutâneas e ósseas, a NF1 é uma das doenças genéticas mais comuns e variadas em termos de apresentação clínica (FRIEDMAN, 1999; HUSON; HUGHES, 1994).

As manifestações clínicas da NF1 são diversas e podem incluir problemas neurológicos, ortopédicos, oftalmológicos e cardiovasculares. No âmbito da comunicação, indivíduos com NF1 frequentemente apresentam dificuldades de fala e linguagem, dificuldades de aprendizagem, problemas auditivos e déficits cognitivos. Essas alterações podem impactar significativamente a qualidade de vida dos pacientes e suas habilidades de interação social (ROSENFELD et al., 2010; NORTH, 2000).

Dada a complexidade e a variabilidade das manifestações da NF1, a abordagem terapêutica requer uma equipe multidisciplinar, na qual o fonoaudiólogo desempenha um papel crucial. A atuação fonoaudiológica na NF1 envolve a avaliação e o tratamento de alterações de fala, audição, linguagem, voz e deglutição, além do suporte no desenvolvimento de habilidades comunicativas e cognitivas (VIEIRA, 2004; PULSIFER et al., 2007).

 

Alterações da Comunicação na NF1

A NF1 frequentemente está associada a diversas alterações na comunicação, abrangendo dificuldades de fala, linguagem e aprendizado. Essas alterações podem variar amplamente em termos de gravidade e impacto funcional, refletindo a heterogeneidade clínica da doença. Indivíduos com NF1 frequentemente apresentam dificuldades na aquisição e desenvolvimento da linguagem. Estudos indicam que aproximadamente 60% das crianças com NF1 podem apresentar algum tipo de déficit de linguagem (ROWAN et al., 2014). Esses déficits podem se manifestar como atrasos na aquisição da linguagem, dificuldades na compreensão e expressão verbal, vocabulário limitado e problemas na construção de frases complexas (HARRIS et al., 2016).

As dificuldades de linguagem frequentemente se estendem para as habilidades de leitura e escrita, contribuindo para problemas acadêmicos significativos. Estudos sugerem que crianças com NF1 têm maior risco de desenvolver dislexia e outros transtornos de aprendizagem relacionados à leitura (OLSEN et al., 2013). Essas dificuldades podem resultar em uma baixa autoestima, frustração e desmotivação escolar, impactando negativamente o desempenho acadêmico geral (UTTER et al., 2014).

Entre os transtornos específicos de fala, a disartria e a apraxia de fala são relativamente comuns em pacientes com NF1. A disartria, uma desordem motora da fala resultante de lesões no sistema nervoso central ou periférico, pode causar articulação imprecisa, voz monótona e ritmo de fala irregular (HILTON; WOLLAND, 2012). Já a apraxia de fala, uma desordem neurológica que afeta a programação dos movimentos necessários para a produção da fala, pode levar a dificuldades significativas na articulação de sons e na fluência verbal (MORRISON et al., 2013).

Indivíduos com NF1 podem apresentar dificuldades significativas de motricidade orofacial, incluindo problemas na coordenação e controle dos músculos responsáveis pela mastigação, deglutição, fala e expressão facial. Essas dificuldades podem se manifestar como fraqueza muscular, movimentos orais incoordenados e anomalias estruturais, como alterações na mordida e no posicionamento dos dentes, que impactam negativamente a clareza da articulação, a fluência da fala e a eficiência na alimentação. Além disso, a presença de neurofibromas na região orofacial pode exacerbar essas dificuldades, comprometendo ainda mais a função motora e a estética facial, e, consequentemente, a qualidade de vida das pessoas com NF1 (HINKLEY et al., 2012; SILVA et al., 2015).

Indivíduos com NF1 podem apresentar problemas auditivos que agravam as dificuldades comunicativas. A perda auditiva neurossensorial, embora não seja comum, pode ocorrer devido à presença de neurofibromas ao longo do nervo auditivo (NIEMANN et al., 2012). Além disso, déficits no processamento auditivo podem interferir na aquisição e uso eficiente da linguagem (BATISTA et al., 2010; BATISTA et al., 2014; HINKLEY et al., 2012). Crianças e adultos com NF1, devido ao transtorno do processamento auditivo, podem ter dificuldades para entender instruções complexas, seguir conversas e captar nuances de linguagem como metáforas e expressões idiomáticas (BATISTA et al., 2010; BATISTA et al., 2014).

 

Intervenção Fonoaudiológica

A intervenção fonoaudiológica em indivíduos com NF1 é essencial para minimizar as dificuldades associadas à condição. Devido à variabilidade nas manifestações clínicas da NF1, as abordagens terapêuticas devem ser individualizadas, levando em consideração as necessidades específicas de cada paciente. As principais estratégias de intervenção fonoaudiológica, destacando técnicas específicas, são discutidas a seguir.

 

Estratégias de Intervenção para Fala e Voz

 

A terapia de fala e voz para pacientes com NF1 visa melhorar a articulação, fluência, voz e prosódia. As estratégias incluem:

  • Exercícios de articulação: Práticas direcionadas para a produção precisa de sons específicos que são frequentemente articulados incorretamente.
  • Terapia de fluência: Técnicas para melhorar a fluidez da fala, como controle de ritmo e técnicas de suavização.
  • Intervenção vocal: Exercícios para melhorar a qualidade vocal, incluindo controle de volume e tom, e técnicas de relaxamento para reduzir a tensão vocal.
  • Treinamento prosódico: Práticas para melhorar o ritmo, entonação e ênfase da fala, ajudando a tornar a comunicação mais natural e expressiva (HILTON; WOLLAND, 2012).

 

Terapia de Linguagem

A terapia de linguagem para indivíduos com NF1 pode abordar tanto a linguagem receptiva quanto a expressiva. As abordagens incluem:

  • Intervenção para a linguagem receptiva: Técnicas para melhorar a compreensão verbal, como o uso de pistas visuais, simplificação da linguagem e repetição de instruções.
  • Intervenção para a linguagem expressiva: Estratégias para ampliar o vocabulário, melhorar a estrutura frasal e desenvolver habilidades narrativas.
  • Desenvolvimento de habilidades pragmáticas: Intervenções que focam na utilização da linguagem em contextos sociais, incluindo práticas de conversação e treinamento de habilidades sociais (PHILLIPS et al., 2011).

 

Intervenção para o Processamento Auditivo

A intervenção para o Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC) em indivíduos com NF1 envolve várias abordagens:

  • Treinamento auditivo: Exercícios para melhorar as habilidades auditivas (BATISTA, 2016).
  • Uso de tecnologia assistiva: O sistema Roger é uma tecnologia inovadora que auxilia pessoas com TPAC. Utilizando microfones sem fio e receptores, o Roger transmite a voz do falante diretamente para os ouvidos da pessoa com TPAC, minimizando os ruídos de fundo e melhorando a clareza do som. Esta ferramenta é especialmente eficaz em ambientes educacionais, onde o barulho pode dificultar a compreensão auditiva.
  • Estratégias compensatórias: Técnicas para ajudar os pacientes a lidar com as dificuldades auditivas, como ensinar a pedir para que as informações sejam repetidas ou reformuladas (CHERMAK; MUSIEK, 1997).

 

Perspectivas Futuras

Avanços na Pesquisa

A pesquisa sobre NF1 e suas implicações para a comunicação está em constante evolução. Estudos recentes têm explorado as bases genéticas e neurobiológicas das dificuldades de comunicação associadas à NF1, proporcionando insights valiosos que podem orientar o desenvolvimento de intervenções mais eficazes. Além disso, a pesquisa sobre novas tecnologias de avaliação e intervenção, como o uso de ferramentas digitais e plataformas de treinamento auditivo, oferece promissoras perspectivas para a melhoria dos cuidados (HARRIS et al., 2016).

Desenvolvimento de Protocolos Individualizados

A tendência crescente na medicina personalizada também está se refletindo na fonoaudiologia. A utilização de protocolos de avaliação e intervenção individualizados, baseados em uma compreensão detalhada do perfil clínico e das necessidades específicas de cada paciente, promete aumentar a eficácia do tratamento. A integração de dados genéticos, neuropsicológicos e comportamentais pode permitir uma abordagem mais precisa e adaptativa (PHILLIPS et al., 2011).

Tecnologia e Inovação

O uso de tecnologias inovadoras, como aplicativos, dispositivos de comunicação alternativa e plataformas de telefonoaudiologia, oferece novas oportunidades para melhorar a acessibilidade e a eficácia das intervenções fonoaudiológicas. A implementação dessas tecnologias pode facilitar a continuidade do tratamento, especialmente em contextos em que o acesso a serviços presenciais é limitado (CFFa, 2020).

 

Conclusão

Os desafios enfrentados na intervenção fonoaudiológica de indivíduos com NF1 são numerosos e complexos, exigindo uma abordagem multifacetada e colaborativa. No entanto, as perspectivas futuras são promissoras, com avanços contínuos na pesquisa, desenvolvimento de tecnologias inovadoras e uma ênfase crescente na personalização e interdisciplinaridade dos cuidados. A combinação desses elementos tem o potencial de transformar significativamente o manejo fonoaudiológico da NF1, melhorando os resultados para os pacientes e suas famílias.

 

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Atuação Fonoaudiológica na Schwannomatose relacionada ao gene NF2

 

Introdução

 

A Schwannomatose é uma condição rara e hereditária caracterizada pela formação de múltiplos schwannomas em nervos periféricos. Esses tumores, originados das células de Schwann, podem ocorrer de forma isolada ou em grande número, afetando diversas partes do sistema nervoso periférico (SMITH et al., 2020). Menos comum que a neurofibromatose, a Schwannomatose apresenta manifestações clínicas variáveis e uma predisposição genética específica, envolvendo mutações em genes supressores de tumor como SMARCB1 e LZTR1 (JONES; BROWN, 2018). Na prática fonoaudiológica, a compreensão dessas características é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de avaliação e intervenção adequadas, uma vez que os schwannomas podem impactar funções comunicativas e de deglutição.

 

Manifestações Clínicas da Schwannomatose

A Schwannomatose manifesta-se clinicamente por meio de uma ampla gama de sintomas neurológicos e sensoriais. Os pacientes frequentemente apresentam dor crônica localizada, déficits neurológicos focais, como fraqueza muscular e alterações na sensibilidade, além de sintomas autonômicos como sudorese excessiva (GARCIA et al., 2021). Na fonoaudiologia, é essencial avaliar o impacto desses sintomas nas funções orofaciais, incluindo a articulação da fala e a deglutição, uma vez que a dor e os déficits neurológicos podem comprometer significativamente a qualidade de vida e a capacidade comunicativa dos indivíduos afetados (THOMPSON; WHITE, 2017).

 

Protocolos de Avaliação Específicos para Pacientes com Schwannomatose

Para pacientes com Schwannomatose, a avaliação fonoaudiológica deve começar com uma anamnese detalhada, incluindo a história médica e familiar, a descrição dos sintomas neurológicos e sensoriais, e a identificação de queixas relacionadas à fala, voz, linguagem e deglutição. A anamnese é seguida por uma avaliação física que inclui a observação das estruturas orofaciais, a palpação dos músculos envolvidos na deglutição e a inspeção visual da cavidade oral (SILVA; SANTOS, 2020).

Protocolos específicos para Schwannomatose podem incluir a aplicação de escalas de dor e questionários de qualidade de vida, que ajudam a avaliar o impacto dos schwannomas nas funções diárias do paciente. Além disso, é importante realizar uma avaliação funcional das habilidades de comunicação e deglutição, utilizando métodos padronizados e validados para garantir a precisão dos resultados (FERREIRA; LIMA, 2021).

 

Instrumentos e Testes Utilizados na Avaliação de Funções Comunicativas e de Deglutição

Na avaliação das funções comunicativas, diversos instrumentos e testes podem ser utilizados. Para a avaliação da fala, são comuns os testes de articulação e fonologia. Esses testes permitem identificar erros de articulação, processos fonológicos alterados e verificar a inteligibilidade da fala (SANTOS; OLIVEIRA, 2019).

Para a avaliação da voz, pode-se utilizar protocolos que identifiquem alterações na qualidade vocal, como rouquidão, soprosidade e instabilidade vocal. A laringoscopia também pode ser indicada para uma avaliação mais detalhada das pregas vocais (MARTINS; PEREIRA, 2022).

Na avaliação da linguagem, tanto expressiva quanto receptiva, são utilizados testes que avaliam a compreensão e produção de linguagem em diferentes níveis de complexidade (COSTA; PEREIRA, 2022).

Para a avaliação da deglutição, um dos principais instrumentos é a Videofluoroscopia da Deglutição, que permite uma visualização dinâmica do processo de deglutição e ajuda a identificar possíveis disfagias. Outros testes incluem a Avaliação Clínica da Deglutição, que observa sinais clínicos de aspiração e dificuldades de deglutição (MILLER, 2019).

A combinação dessas avaliações, juntamente com uma abordagem individualizada, permite ao fonoaudiólogo desenvolver um plano de intervenção eficaz e direcionado às necessidades específicas dos pacientes com Schwannomatose. A avaliação contínua e o ajuste das estratégias terapêuticas são cruciais para garantir a melhoria na qualidade de vida e na funcionalidade comunicativa desses indivíduos.

 

Intervenção Fonoaudiológica

A intervenção fonoaudiológica em pacientes com Schwannomatose é fundamental para minimizar os impactos dos schwannomas nas funções comunicativas e de deglutição. A abordagem terapêutica deve ser individualizada, considerando a variabilidade dos sintomas e a complexidade da condição.

Estratégias Terapêuticas para os Transtornos de Fala e Linguagem Associados à Schwannomatose

Os transtornos de fala e linguagem em pacientes com Schwannomatose podem variar amplamente, dependendo da localização e extensão dos schwannomas. As estratégias terapêuticas devem ser adaptadas para abordar as necessidades específicas de cada paciente. Para distúrbios de articulação, é importante utilizar exercícios que melhorem a precisão articulatória e a inteligibilidade da fala. Técnicas como o treino motor articulatório e a prática repetitiva de sons e palavras podem ser eficazes (SILVA; SANTOS, 2020).

Para distúrbios de linguagem, tanto expressiva quanto receptiva, a intervenção pode incluir atividades que estimulem a construção de frases, a expansão do vocabulário e a compreensão de instruções verbais. Atividades que envolvem a nomeação de objetos, a descrição de imagens e a narração de histórias são estratégias úteis. Além disso, a utilização de sistemas de comunicação alternativa pode ser indicada para pacientes com dificuldades severas de comunicação verbal (FERREIRA; LIMA, 2021).

Técnicas de Reabilitação para Dificuldades de Deglutição Decorrentes de Schwannomas

As dificuldades de deglutição (disfagia) são comuns em pacientes com Schwannomatose, especialmente quando os schwannomas afetam os nervos cranianos envolvidos no processo de deglutição. A reabilitação da deglutição deve ser direcionada para garantir uma alimentação segura e eficaz, prevenindo complicações como aspiração e desnutrição (SANTOS; OLIVEIRA, 2019).

Uma das técnicas de reabilitação mais utilizadas é a terapia de exercícios orofaríngeos, que visa fortalecer os músculos envolvidos na deglutição. Esses exercícios podem incluir a elevação da língua, o fechamento labial e a mobilização da mandíbula. A prática de manobras específicas também pode ser benéfica para melhorar a coordenação e a eficiência da deglutição (MARTINS; PEREIRA, 2022).

Além dos exercícios, as orientações posturais durante a alimentação são cruciais. Instruções sobre a postura correta da cabeça e do corpo podem ajudar a facilitar a passagem segura dos alimentos pela faringe. Modificações na dieta, como a alteração da consistência dos alimentos e líquidos, também são frequentemente necessárias para adaptar a alimentação às capacidades de deglutição do paciente (COSTA; PEREIRA, 2022).

A intervenção fonoaudiológica contínua e o monitoramento regular do progresso do paciente são essenciais para ajustar as estratégias terapêuticas conforme necessário, garantindo que as intervenções permaneçam eficazes e relevantes para as necessidades em constante evolução dos pacientes com Schwannomatose.

 

Perspectivas Futuras e Pesquisa

A Schwannomatose, apesar de ser uma condição rara, tem sido objeto de crescente interesse na pesquisa médica e fonoaudiológica. Compreender os avanços recentes e identificar áreas promissoras para o desenvolvimento de novos métodos de intervenção é crucial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes afetados por essa condição.

Avanços Recentes na Pesquisa sobre Schwannomatose e suas Implicações para a Prática Fonoaudiológica

Nos últimos anos, houve avanços significativos na compreensão genética e molecular da Schwannomatose. Estudos têm identificado mutações nos genes SMARCB1 e LZTR1 como fatores chave na patogênese da doença, o que tem implicações diretas para o diagnóstico e o tratamento (SMITH et al., 2020). Essas descobertas permitem uma abordagem mais personalizada na avaliação e no manejo dos pacientes, facilitando a identificação precoce de comprometimentos fonoaudiológicos e a implementação de intervenções específicas (JONES; BROWN, 2018).

Além disso, o desenvolvimento de técnicas avançadas de imagem, como a ressonância magnética de alta resolução, tem melhorado a capacidade de detectar e monitorar schwannomas. Para os fonoaudiólogos, isso significa uma maior precisão na avaliação das estruturas orofaciais e dos nervos cranianos envolvidos na fala e na deglutição, permitindo uma intervenção mais direcionada e eficaz (GARCIA et al., 2021).

Áreas Promissoras para Desenvolvimento de Novos Métodos de Intervenção

Uma área promissora para o desenvolvimento de novos métodos de intervenção é a utilização de terapias baseadas na neuroplasticidade. A pesquisa em neuroplasticidade tem demonstrado que o cérebro possui uma capacidade significativa de reorganização e adaptação, mesmo em presença de lesões neurológicas. A neuromodulação pode ser explorada para potencializar a recuperação das funções comunicativas e de deglutição em pacientes com Schwannomatose (THOMPSON; WHITE, 2017).

Outro campo em crescimento é o uso de tecnologias assistivas e de comunicação alternativa. Dispositivos de comunicação e aplicativos de fala podem proporcionar suporte significativo para pacientes com comprometimentos severos da comunicação, oferecendo-lhes ferramentas para se expressarem de maneira eficaz e autônoma (FERREIRA; LIMA, 2021).

A pesquisa em terapias farmacológicas também oferece perspectivas interessantes. Estudos sobre o uso de medicamentos que modulam a atividade neural e reduzem a dor neuropática podem beneficiar pacientes com Schwannomatose, melhorando a capacidade de participação nas terapias fonoaudiológicas e a qualidade de vida geral (SANTOS; OLIVEIRA, 2019).

A colaboração interdisciplinar é essencial para o avanço dessas áreas. A integração de conhecimentos entre geneticistas, neurologistas, radiologistas e fonoaudiólogos pode resultar em abordagens inovadoras e mais eficazes para o manejo da Schwannomatose. A pesquisa contínua e o desenvolvimento de métodos de intervenção baseados em evidências são cruciais para enfrentar os desafios dessa condição complexa e proporcionar melhorias significativas para os pacientes.

 

Referências Bibliográficas

COSTA, D.; PEREIRA, E. A avaliação da linguagem em distúrbios neurológicos. 2. ed. São Paulo: Editora Saúde, 2022.

FERREIRA, C.; LIMA, D. Reabilitação vocal: técnicas e práticas. Rio de Janeiro: Editora Voz, 2021.

GARCIA, A.; SILVA, M.; RODRIGUES, L. Neurologia aplicada à fonoaudiologia. Porto Alegre: Editora Ciências Médicas, 2021.

JONES, P.; BROWN, R. Genética das doenças neurológicas: uma abordagem prática. 3. ed. Nova Iorque: Editora Médica, 2018.

MARTINS, D.; PEREIRA, E. Terapia fonoaudiológica em pacientes neurológicos. Lisboa: Editora Saúde e Educação, 2022.

MILLER, S. Diagnóstico e manejo das neuropatias periféricas. Londres: Editora Neurologia, 2019.

SANTOS, J.; OLIVEIRA, K. Deglutição e disfagia: avaliação e tratamento. Salvador: Editora Nutrição e Saúde, 2019.

SILVA, J.; SANTOS, M. Protocolos de avaliação fonoaudiológica. Curitiba: Editora Fonoaudiologia, 2020.

SMITH, J.; CLARK, A.; LEWIS, R. Tumores do sistema nervoso periférico: clínica e cirurgia. 4. ed. Chicago: Editora Médica, 2020.

THOMPSON, M.; WHITE, L. Dor neuropática: mecanismos e tratamento. 5. ed. Boston: Editora Dor e Saúde, 2017.

 

 

Continuando a divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o a segunda parte do excelente texto da Dra. Vanessa Waisberg, doutora em oftalmologia, que tem sido uma colaboradora incansável do CRNF, atendendo pessoas com NF1 e Schwannomatose relacionada ao gene NF2, que foi justamente o tema de seu doutorado e prêmio nacional de oftalmologia. Agradecemos muito por mais esta colaboração e publicaremos a segunda parte (Problemas Oftalmológicos nas Schwannomatoses) na próxima semana.

Dr. Lor

 

 

Dra. Vanessa Waisberg

Oftalmologista com doutorado em

Medicina Molecular pela UFMG

 

Introdução

 

O olho e seus anexos estão frequentemente envolvidos nas Schwannomatoses, entretanto o envolvimento ocular é mais comum na Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (SWN-NF2) antes denominada NF2.

Schwannomatose Relacionada ao gene NF2

Um espectro bem definido de manifestações oculares está associado à SWN-NF2. As anormalidades oculares associadas são catarata, hamartomas retinianos, membranas epirretinianas (MER), estrabismo e meningioma da bainha do nervo óptico, como veremos abaixo.

Em crianças com a forma mais grave da doença, as alterações oftalmológicas como estrabismo, catarata, membrana epirretiniana e hamartoma retiniano geralmente estão presentes antes da apresentação neurológica característica e o reconhecimento de tais alterações pode ajudar a reduzir o atraso no diagnóstico dos pacientes com SWN-NF2.

Catarata Juvenil

A catarata aparece em cerca de 60% a 80% dos pacientes e é o principal critério diagnóstico oftalmológico da doença. Tem aspecto característico, com localização subcapsular posterior e/ou cortical. As cataratas geralmente são identificadas na primeira ou segunda década e progridem lentamente ao longo da vida.

 

Figura 1 A –  Catarata subcapsular posterior em um paciente de 17 anos com SWN-NF2. B – Catarata em um paciente de 50 anos portador de SWN-NF2.

 

Hamartomas Retinianos

Os hamartomas de retina fazem parte dos critérios diagnósticos da SWN-NF2 desde 2021.  Hamartomas de retina são tumores benignos que evoluem lentamente. Geralmente são pequenos, estáveis e não comprometem a visão.

Os hamartomas são identificados no exame de fundo de olho e geralmente aparecem como lesões nodulares e esbranquiçadas, às vezes discretas, e estão associados às formas mais agressivas da doença.

Figura 2. Exemplos de hamartomas de retina em pacientes com SWN-NF2

 

 Membrana Epirretiniana

A membrana epirretiniana (MER) associada a SWN-NF2 tem caraterísticas únicas que a diferencia da MER que ocorrem de forma isolada em pacientes acima de 50 anos. A MER está associada às formas mais graves da NF2 e foi incluída como critério diagnóstico da SWN-NF2 em 2021.

Na SWN-NF2, a MER é espessa e possuiu um aspecto característico em forma de chama de vela que se estende para a cavidade vítrea. Sua localização mais comum é na região central da retina, a mácula, e tende a permanecer estável ao longo da vida, prejudicando pouco a visão, apesar de sua localização central.

 

 

Figura 3. Membrana epirretiniana em “chama de vela”.

 

Estrabismo

O estrabismo geralmente aparece nos primeiros anos de vida e muitas vezes é a primeira manifestação da SWN-NF2. O estrabismo aparece em cerca de 50% dos pacientes e geralmente está associado as formas graves da doença. O estrabismo pode ser restritivo, quando associado a tumores, ou paralítico, quando associado as paralisias do III, IV ou VI nervo craniano. O tratamento da ambliopia e os resultados cirúrgicos nem sempre são satisfatórios.

 

Meningioma da Bainha do Nervo Óptico

Os meningiomas da bainha do nervo óptico (MBNO) são tumores benignos que podem ser primários do nervo óptico ou serem secundários a um meningioma próximo ao nervo óptico. Na população geral os MBNO representam cerca de 1% de todos os meningiomas. A acuidade visual tipicamente reduz ao longo dos anos.

A maioria dos pacientes com MBNO associado à SWN-NF2 apresentam redução da mobilidade ocular e baixa acuidade visual precocemente. A acuidade visual geralmente fica reduzida no olho afetado e o tratamento na maioria dos casos só está indicado quando ocorre protrusão significativa do globo ocular.

 

 

Figura 4. Ilustração evidenciando a diferença do MBNO primário e do meningioma secundário a um meningioma adjacente.

 

Schwannomatoses não associadas ao geneNF2

O envolvimento ocular nas Schwannomatoses não associadas ao gene NF2 é pouco comum e ocorre pela presença de schwannoma orbitário ou palpebral, sendo os orbitários mais frequentes que os palpebrais.

Nos pacientes que apresentam sintomas como, dor, proptose, diplopia ou redução da acuidade visual, o tratamento é cirúrgico e existe risco de recorrência dos schwannomas orbitários.

As alterações oculares associadas à SWN-NF2, como a catarata juvenil, hamartoma de retina e MER, não são descritas nas outras Schwannomatoses.

 

Referências:

 

  1. Plotkin SR, Messiaen L, Legius E, Pancza P, Avery RA, Blakeley JO, Babovic-Vuksanovic D, Ferner R, Fisher MJ, Friedman JM, Giovannini M, Gutmann DH, Hanemann CO, Kalamarides M, Kehrer-Sawatzki H, Korf BR, Mautner VF, MacCollin M, Papi L, Rauen KA, Riccardi V, Schorry E, Smith MJ, Stemmer-Rachamimov A, Stevenson DA, Ullrich NJ, Viskochil D, Wimmer K, Yohay K; International Consensus Group on Neurofibromatosis Diagnostic Criteria (I-NF-DC); Huson SM, Wolkenstein P, Evans DG. Updated diagnostic criteria and nomenclature for neurofibromatosis type 2 and schwannomatosis: An international consensus recommendation. Genet Med. 2022 Sep;24(9):1967-1977.
  2. Kaye LDRothner ADBeauchamp GRMeyers SMEstes ML. Ocular findings associated with neurofibromatosis type II. 1992: 99 (9): 1424-9.
  3. Bosch MM, Boltshauser E, Harpes P, Landau K. Ophthalmologic findings and a long-term course in patients with neurofibromatosis type 2. Am J Ophthalmol 2006:141 (6): 1068-1077.
  4. Feucht M, Griffiths B, Niemüller I, Haase W, Richard G, Mautner VF. Neurofibromatosis 2 leads to higher incidence of strabismological and neuro-ophthalmological disorders. Acta Ophthalmol 2008: 86 (8): 882-886.
  5. Landau K, Yasargil GM. Ocular fundus in neurofibromatosis type 2. Br J Ophthalmol 1993: 77: 646-649.
  6. Meyers SM, Gutman FA, Kaye LD, Rothner AD. Retinal changes associated with neurofibromatosis 2. Trans Am Ophthalmol Soc. 1995: 93: 245- 257.
  7. Feutch M, Kluwe Lan, Mautner V, Richard G. Correlation of nonsense and frameshift mutations with severity of retinal abnormalities in neurofibromatosis 2. Arch Ophthalmol 2008: 126 (10): 1376-1380
  8. Sisk RA, Berrocal AM, Schefler AC, Dubovy SR, Bauer MS. Epirretinal membranes indicate a severe phenotype of neurofibromatosis type 2. Retina 2010: 30: 51-58.
  9. Evans, D.G., Mostaccioli, S., Pang, D. et al.ERN GENTURIS clinical practice guidelines for the diagnosis, treatment, management and surveillance of people with schwannomatosis. Eur J Hum Genet 30, 812–817 (2022).

 

 

 

Damos continuidade à divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentando hoje o texto excelente de dois nutricionistas, Dra. Aline e Dr. Márcio, que realizaram seus mestrados e doutorados envolvendo pessoas atendidas em nosso CRNF e contribuíram de forma importante e original internacionalmente para nossos conhecimentos sobre os problemas nutricionais nas pessoas com NF1. Agradecemos a sua colaboração neste tema tão interessante em nossa comunidade.

Dr. Lor

 

 

Aline Stangherlin Martins e Marcio Leandro Ribeiro de Souza

Nutricionistas e Doutores

no Programa de Pós Graduação

em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto

da Faculdade de Medicina da UFMG

As características nutricionais na NF1 começaram a ser estudadas recentemente e ainda são pouco conhecidas. Muitos fatores e características relacionadas à nutrição ainda precisam ser investigados nessa doença. A pesquisa de Souza e colaboradores, realizada no Centro de Referência em Neurofibromatoses de Minas Gerais, foi o primeiro estudo publicado que avaliou aspectos da alimentação em indivíduos com NF1, mais precisamente o consumo alimentar e a ingestão de nutrientes em indivíduos com a doença (SOUZA et al., 2015). Segundo os autores, 72% dos pacientes não atingiram suas recomendações de energia, especialmente os homens. Também foi observado uma ingestão inadequada de vitamina D, magnésio, cálcio e vitamina B6, tanto em homens quanto mulheres com a doença, e 100% dos participantes consumiram excesso de sódio. Os pacientes com NF1 não consumiram quantidades adequadas de fibras alimentares, vitamina A e vitamina C e foi observado um consumo excessivo de gordura saturada e lipídios. É importante observar que esse estudo foi apenas descritivo e não houve comparação com indivíduos sem a doença. Os autores discutem que o perfil de ingestão alimentar é ruim na NF1, assim como também é observado na população em geral (SOUZA et al., 2015).

Em uma comparação de ingestão de nutrientes entre indivíduos com NF1 e controles não acometidos pela doença, Souza e colaboradores observaram que o grupo NF1 apresentou um consumo menor de cálcio, ferro e vitamina A e um consumo maior de sódio, ácidos graxos poli-insaturados e ácido linoleico (ômega 6), quando comparado ao consumo do grupo controle. Não houve diferença entre os grupos para o consumo dos demais nutrientes. Nutrientes como cálcio, ferro, vitamina A, sódio e ômega 6 são relacionados normalmente com a saúde óssea, porém nesse estudo não houve correlação entre a ingestão de nutrientes e as características de baixa massa óssea e baixa densidade mineral óssea na NF1, observadas nesse estudo (SOUZA et al., 2020a).

Enquanto os estudos citados anteriormente avaliaram o consumo de nutrientes de forma isolada, Vilela e colaboradores avaliaram o padrão alimentar de adultos brasileiros com NF1. Nesse estudo, os autores observaram que 53,3% dos indivíduos com NF1 apresentaram um padrão alimentar ocidental, caracterizado por um consumo maior de alimentos não saudáveis, como margarina, maionese, sobremesas, frituras, embutidos, bebidas artificiais e alcoólicas. Nesse estudo, os indivíduos com NF1 e padrão alimentar ocidental apresentaram área muscular do braço menor que no grupo com padrão alimentar saudável, indicando que a alimentação ou dieta pode contribuir, mesmo em partes, para o fenótipo muscular comumente observado em indivíduos com NF1 (VILELA et al., 2020).

Enquanto estudos de avaliação da alimentação na NF1 são escassos, a maior parte dos estudos nessa doença apresentam parâmetros antropométricos como índice de massa corporal (IMC), peso, estatura e perímetro cefálico como características do estado nutricional nessa população, porém as prevalências e valores dessas variáveis não apresentam um consenso entre os estudos e, portanto, requerem uma investigação padronizada (SZUDEK; BIRCH; FRIEDMAN, 2000; TROVO-MARQUI et al., 2005; SOUZA et al., 2009; PETRAMALA et al., 2012).

A baixa estatura é mais frequente em indivíduos com NF1 quando comparados com pessoas sem a doença (MARTINS et al., 2016; MARTINS et al., 2018; SOUZA et al., 2019; SOUZA et al., 2020a). Souza e colaboradores encontraram 60% de baixa estatura (percentil menor que 5) e 54% de macrocrania (percentil maior que 95) em seu estudo com 183 pacientes com idades entre 1 e 67 anos comparada com curvas e tabelas para a população não acometida pela doença (SOUZA et al., 2009). Esses valores de baixa estatura e macrocrania diferem um pouco de outras pesquisas na NF1, todas estas realizadas com faixas etárias diferentes. Szudek e seus colaboradores encontraram 13% de baixa estatura e 24% de macrocrania em 569 crianças brancas americanas com NF1, o que resultou na elaboração de curvas de crescimento desses dois parâmetros para essa população (SZUDEK; BIRCH; FRIEDMAN, 2000). Trovó-Marqui e colaboradores também observaram baixa estatura em 40% dos seus pacientes com NF1, considerando valores de percentil menor que 3 e macrocrania em 51% dos indivíduos com a doença (percentil maior que 98) (TROVO-MARQUI et al., 2005). No estudo de Souza e colaboradores (2016), a prevalência de baixa estatura foi de 28,3%.

Na NF1, o IMC também apresenta valores diferentes quando se comparam os estudos. Petramala e colaboradores observaram IMC reduzido em 70 indivíduos com NF1 quando comparados a 40 voluntários sem a doença. As taxas de desnutrição, ou seja, indivíduos com IMC menor que 18,5 kg/m2, não foram descritas no estudo. Esse mesmo estudo mostrou apenas 5% de baixa estatura e 5% de macrocrania nos indivíduos avaliados (PETRAMALA et al., 2012). Rodrigues e colaboradores demonstraram estatura significativamente mais baixa para homens e mulheres com NF1 quando comparados a voluntários sem a doença. Esse mesmo estudo ainda encontrou diferença significativa com relação ao IMC, uma vez que o IMC de mulheres com NF1 foi maior que o IMC de controles saudáveis, contrariando o estudo de Petramala e colaboradores (2012) citado anteriormente, que encontrou IMC reduzido em indivíduos com NF1 comparados ao grupo controle (RODRIGUES et al., 2013).

O estudo de Koga e colaboradores buscou avaliar as características antropométricas (estatura e IMC) de 96 adultos japoneses com NF1 comparados a 288 voluntários não acometidos pela doença. A estatura foi menor na NF1 comparada aos controles. Quando estratificado por idade, as diferenças foram estatisticamente significativas para homens com idade entre 20 e 49 anos e mulheres de 30 a 39 anos. Por sua vez, o IMC dos homens com NF1 foi menor que o grupo controle. Não houve diferença entre as mulheres (KOGA et al., 2014). Essas mesmas características também foram confirmadas em outro estudo que buscava avaliar características metabólicas, nutricionais e musculares em japoneses com NF1 (KOGA; YOSHIDA; IMAFUKU, 2016). É interessante observar que existem divergências de resposta quando se analisa homens ou mulheres com NF1 para IMC e a justificativa para essa diferença precisa ser melhor investigada.

Martins e colaboradores encontraram menor peso e menor estatura em indivíduos com NF1 comparados com o grupo controle. Não houve diferenças no IMC, uma vez que os indivíduos foram pareados por essa variável (MARTINS et al., 2018). Outros estudos também não encontraram diferenças no IMC de indivíduos com NF1 quando comparados com pessoas sem a doença (SOUZA et al., 2019; SOUZA et al., 2020a). O estudo de Souza e colaboradores demonstrou que o baixo peso esteve presente em 10% dos voluntários avaliados e o excesso de peso em 31,7%. O IMC médio dos indivíduos com NF1 (23,86 ± 4,73 kg/m2) nesse estudo foi classificado como normal (eutrófico), da mesma forma que foi demonstrado no estudo de Petramala e colaboradores, com IMC médio de 22,5 ± 4,3 kg/m2, também em voluntários com NF1 (PETRAMALA et al., 2012; SOUZA et al., 2016).

De uma maneira geral, percebe-se que peso e estatura baixos são características clínicas comuns na NF1 com bastante variação nas prevalências entre os estudos, porém uma melhor investigação sobre os compartimentos corporais é necessária. Quanto à composição corporal na NF1, os estudos são ainda mais escassos e com resultados discrepantes. O estudo de Souza e colaboradores é um dos poucos estudos que abordaram especificamente a composição corporal na NF1, embora tenha usado métodos mais simples (dobras cutâneas e equações preditivas) para essa avaliação, e não utilizou um grupo controle, o que limita as conclusões. A área muscular do braço foi considerada baixa em 43,3% dos voluntários desse estudo, achado presente em 51,7% dos homens e 35,5% das mulheres. O percentual de gordura foi classificado como alto em 30% da amostra (SOUZA et al., 2016). Stevenson e colaboradores, em estudo realizado na Universidade de Utah, utilizaram a tomografia computadorizada periférica quantitativa para comparar os ossos e a musculatura esquelética de 40 crianças com NF1 e 380 voluntários não acometidos pela doença, com idades entre 5 e 18 anos. Este estudo demonstrou que crianças portadoras de NF1 apresentam menor área de secção transversal muscular que seus controles, porém sem maiores detalhamentos quanto à fisiopatologia deste achado (STEVENSON et al., 2005).

O método considerado padrão-ouro para avaliação da composição corporal é a absorciometria com raios-X de dupla energia (DXA). Estudos usando DXA para avaliação da massa magra ou composição corporal na NF1 não são encontrados facilmente. A maior parte dos estudos que utilizam a densitometria nessa doença avaliam apenas as características ósseas na doença, sem detalhamento dos compartimentos corporais. Dulai e colaboradores usaram a DXA em 23 crianças com NF1 com idades entre 5 e 17 anos, e o objetivo principal era avaliar a densidade mineral óssea que foi menor nestes voluntários. Os autores citam que a massa magra total ajustada pela altura foi normal, mas com uma diminuição do conteúdo mineral ósseo relativo à massa magra (DULAI et al., 2007). O estudo de Souza e colaboradores (2019) avaliou a composição corporal de adultos com NF1 através do DXA e não observou diferenças para percentual de gordura, massa gorda e massa magra quando comparados com indivíduos sem a doença. Porém a massa magra apendicular ajustada pelo IMC foi menor nos indivíduos com NF1. Esse estudo também demonstrou massa óssea e força muscular reduzidas em indivíduos com NF1, características comumente observadas nessa população (SOUZA et al., 2019).

Esses resultados divergentes entre os estudos reforçam a importância de uma investigação padronizada desses achados e de estudos que busquem entender as diferenças. Estudo em modelo animal encontrou os mesmos resultados e reforçou esses achados antropométricos e metabólicos observados nos indivíduos com NF1 (TRITZ et al., 2021).

O estudo de Souza e colaboradores demonstrou um gasto energético de repouso (GER) aumentado em indivíduos com NF1 após ajuste por peso ou massa magra ou massa magra apendicular (SOUZA et al., 2019). A hipótese inicial dos autores era que o GER fosse menor em indivíduos com NF1, uma vez que são indivíduos menores em tamanho (menor peso e estatura) e com menor massa muscular, características também demonstradas neste estudo, porém o GER aumentado foi observado na NF1 quando comparados com indivíduos sem a doença. O GER é influenciado por fatores como massa muscular, massa gorda, peso, idade, sexo, níveis de adipocinas como leptina e adiponectina, alterações metabólicas em processos patológicos, como hipo ou hipertireoidismo, entre outros (NIELSEN et al., 2000; JOHNSTONE et al., 2005; HALL et al., 2012; PSOTA; CHEN, 2013). Esse aumento de GER assemelha-se ao estudo de Leoni e colaboradores, realizado com a Síndrome de Costello, também uma Rasopatia, no qual os autores observaram um aumento de GER em indivíduos acometidos pela doença (LEONI et al., 2016). As causas para esse aumento de GER na NF1 precisam ser melhor investigadas e discutidas.

Pensando na assistência ao indivíduo com NF1 pelos profissionais de saúde, o estudo de Souza e colaboradores comparou 8 equações preditivas comumente usadas na prática clínica para estimar o GER com a calorimetria indireta (padrão-ouro) e observou que todas elas subestimam o GER em indivíduos com NF1 (SOUZA et al., 2020b). Em outro estudo, Souza e colaboradores fizeram uma comparação de equações que usam bioimpedância elétrica ou dobras cutâneas para avaliação da composição corporal com o método padrão-ouro DXA e observaram que as equações de bioimpedância elétrica apresentaram melhor adequação e acurácia, embora todas precisem ser usadas com cautela na NF1 (SOUZA et al., 2020c).

Alguns nutrientes são estudados de forma isolada na NF1. Um estudo demonstrou que indivíduos com NF1 apresentaram níveis séricos mais baixos de vitamina B12 quando comparados com indivíduos não acometidos pela doença (AYDIN; BUCAK, 2021). Outro nutriente comumente estudado na NF1 é a vitamina D. Alguns estudos observaram níveis reduzidos de vitamina nessa população e alguns estudos estudam discutem a importância dessa vitamina para o indivíduo com NF1, uma vez que pode atuar na saúde muscular e óssea, comumente afetados nos pacientes com essa doença (LAMERT et al., 2006; TUCKER et al., 2009; RICCARDI et al., 2020). Porém uma meta-análise recente não encontrou diferenças estatísticas nos níveis de vitamina D na NF1 e os autores sugerem que as alterações ósseas na NF1 podem ser resultantes de um mecanismo independente de vitamina D (KASPIRIS et al., 2024). Outro estudo demonstrou que os níveis de oito aminoácidos estavam alterados em indivíduos com NF1. Os autores demonstraram que arginina, glutamina, asparagina, serina e aspartato estavam aumentados nos indivíduos com a doença, enquanto cistina e prolina estavam reduzidos (OZ; KOYUNCU; GONEL, 2022).

Associado as características nutricionais já demonstradas, pesquisadores do CRNF observaram uma menor incidência de pacientes com diabetes Mellitus tipo 2 (DM) nos pacientes atendidos. Esse dado chamou a atenção dos profissionais, uma vez que o DM é uma doença altamente prevalente na população brasileira. Em revisão da literatura, verificou-se que dados apontavam para uma menor ocorrência de DM em pacientes com NF1 (ZAKA-UR-RAB; CHOPRA, 2005; OZHAN; OZGUVEN; ERSOY, 2013; MADUBATA et al., 2015).

Foram encontrados dois estudos apresentando relatos de caso envolvendo indivíduos com NF1, mas ambos relatavam que a associação entre DM1 e NF1 é pouco comum (ZAKA-UR-RAB; CHOPRA 2005; OZHAN; OZGUVEN; ERSOY, 2013). Um estudo desenvolvido a partir da análise de banco de dados, mostrou que pessoas com NF1 apresentaram uma chance significativamente menor de ter DM do que pessoas sem a doença (OR:0,4, IC95%: 0,3 – 0,4). Nesse estudo, foram incluídos pacientes com DM tipo1 e DM tipo 2 (MADUBATA et al., 2015).

Com objetivo de esclarecer sobre a menor frequência de diabetes em pacientes com NF1, Martins e colaboradores avaliaram a glicemia de jejum de 57 pacientes atendidos no CRNF. Os pacientes selecionados com NF1 foram pareados com controles não-NF1 selecionados do Estudo Longitudinal Brasileiro de Adultos Saúde de acordo com sexo, idade (35–74 anos) e índice de massa corporal  (IMC) na proporção de 1:3. Em ambos os grupos, foram excluídos indivíduos com DM. O nível mediano de glicemia de jejum no grupo NF1 (86 mg/dl (intervalo, 56-127 mg/dl)) foi inferior ao do grupo de controle não-NF1 (102 mg/dl (intervalo, 85–146 mg/dl)) (P<0,001). A prevalência de glicemia de jejum >100 mg/dl no grupo NF1 (16%) foi menor do que no grupo controle não-NF1 (63%) (P<0,05). A chance de um alto nível de glicemia de jejum foi 89% menor no grupo NF1 (odds ratio, 0,112; IC 95%, 0,067–0,188) (P<0,05). Os autores concluíram que, adultos com NF1 apresentaram menores níveis de glicemia de jejum e menor prevalência de alto nível de glicemia de jejum em comparação com controles não-NF1 (MARTINS et al., 2016).

Diante dos dados que apontavam para menor frequência de DM e menor glicemia de jejum em pacientes com NF1, Martins e colaboradores desenvolveram uma pesquisa com objetivo de comparar a resistência à insulina (RI), que é um preditor para o desenvolvimento de diabetes, e alguns aspectos metabólicos que possuem relação com DM de pacientes com NF1 e indivíduos sem a doença. Foram avaliados 40 pacientes com NF1 pareados por sexo, idade e IMC a 40 controles da comunidade. Amostras de sangue foram coletadas para avaliação bioquímica. Avaliação do modelo de homeostase adiponectina (HOMA-AD), modelo de avaliação de homeostase resistência à insulina (HOMA-IR) e razão adiponectina/leptina (RAL) foram usados ​​para identificar RI. Foram avaliados também os níveis de adipocitocinas leptina, visfatina, resistina e adiponectina. Os pesquisadores observaram que o valor HOMA-AD foi significativamente menor e a RAL significativamente maior no grupo NF1. Os níveis de glicemia de jejum, leptina e visfatina de pacientes com NF1 foram significativamente mais baixos e os níveis de adiponectina foram significativamente mais elevados do que os dos controles. Os autores concluíram que os níveis mais baixos de glicemia de jejum, leptina, visfatina e HOMA-AD, e níveis mais elevados de adiponectina e ALR podem estar relacionados ao aumento da sensibilidade à insulina e menor ocorrência de diabetes mellitus tipo 2 em pacientes com NF1 (MARTINS et al., 2018).

Em 2020, um estudo realizado por Kallionpää e colaboradores com 1410 pacientes, também observou menores taxas de DM2 em pacientes com NF1, corroborando as pesquisas realizadas no CRNF–MG (KALLIONPAA et al., 2021).

Estudos de intervenção nutricional na NF1 ou mesmo estudos que testaram a utilização de dieta ou nutrientes isolados na observação de características clínicas da doença são escassos. Como exemplo, pode-se citar o ômega 3. Mashour e colaboradores demonstraram in vitro que a utilização de ácidos graxos, principalmente ácido docosaexaenoico (DHA) e ácido araquidônico, pode representar possíveis substâncias reguladoras do desenvolvimento de TMBNP, resultantes da malignização de neurofibromas plexiformes (MASHOUR et al., 2005).

Um fenótipo comumente observado na NF1 é a força muscular reduzida, observado também no estudo de Souza e colaboradores (SOUZA et al., 2019). Segundo Sullivan e colaboradores, em um estudo com modelo animal, a perda da neurofibromina no músculo esquelético resulta em uma miopatia metabólica associada com acúmulo de gordura intramiocelular, aumento de triglicerídeos e aumento da atividade da ácido graxo sintase, e desregulação da função mitocondrial nesses músculos (SULLIVAN et al., 2014). Ainda pensando em prováveis mecanismos para explicar esse fenótipo de força muscular reduzida na NF1, Summers e colaboradores analisaram biópsias musculares de 6 crianças com NF1 e observaram fibrose e infiltração de células mononucleares, além de um considerável acúmulo de lipídio intramiocelular em todas as amostras, que apresentou correlação com redução da expressão da neurofibromina. A partir dessas observações, os autores testaram modelos animais que reproduziram todas as características patológicas observadas nas biópsias musculares humanas. Os animais apresentaram também acúmulo de lipídio intramiocelular que foi fortemente correlacionado com uma fraqueza muscular. Os autores, na sequência, testaram uma dieta enriquecida com ácidos graxos de cadeia média, reduzida em ácidos graxos de cadeia longa (AGCL) e aumentada em carnitina na dose de 300mg/kg/dia nesses modelos animais. Após 8 semanas, no grupo que recebeu AGCM e carnitina, houve um aumento de 45% na força muscular e redução de 71% no acúmulo de lipídio intramiocelular (SUMMERS et al., 2018). Essa associação da L-carnitina com ácidos graxos de cadeia média confirmou esses achados em um estudo clínico de fase 2 com crianças com NF1 e os autores sugerem que mais estudos em humanos testem essa estratégia para recuperação da força muscular (VASILJEVSKI et al., 2020; VASILJEVSKI et al., 2021). E um estudo em modelo animal observou que essa estratégia pode contribuir para melhorar a qualidade e porosidade óssea na NF1, o que precisa ser confirmado em humanos (O’DONOHUE et al., 2024).

Por fim, existem ainda estudos, por exemplo, associando constipação com a NF1, o que requer mais estudos (SRIDHAR et al., 2013; PEDERSEN et al., 2013; EJERSKOV et al., 2017). Outro estudo avaliou a presença de transtornos alimentares, como bulimia e anorexia, em indivíduos com NF1, uma vez que alterações dermatológicas da doença podem contribuir para distorções ou insatisfações com a imagem corporal (CHIAVARINO et al., 2023). Provavelmente no futuro novos achados e associações entre a doença e aspectos nutricionais podem aparecer e mais estudos se fazem necessários.

 

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Em mais uma continuidade da divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o texto completo e didático da Dra. Vanessa Waisberg, doutora em oftalmologia, que tem sido uma colaboradora incansável do CRNF, atendendo pessoas com NF1 e Schwannomatose relacionada ao gene NF2, que foi justamente o tema de seu doutorado e prêmio nacional de oftalmologia. Agradecemos muito por mais esta colaboração e publicaremos a segunda parte (Problemas Oftalmológicos nas Schwannomatoses) na próxima semana.

Dr. Lor

 

 

Dra. Vanessa Waisberg

Oftalmologista com doutorado em

Medicina Molecular pela UFMG

Introdução

 

O olho e seus anexos estão frequentemente envolvidos nos pacientes com Neurofibromatose tipo 1 (NF1). Algumas dessas manifestações oculares, como os nódulos de Lisch, os gliomas de vias ópticas, os neurofibromas plexiformes e os nódulos de coroide são característicos da doença e fazem parte dos critérios diagnósticos da NF1 .

Enquanto os nódulos de Lisch não oferecem risco a saúde ocular, os gliomas ópticos e os neurofibromas palpebrais precisam de acompanhamento e podem eventualmente comprometer a visão dos pacientes.

Outros achados oculares podem ser encontrados em portadores de NF1, mas não são considerados critérios diagnósticos.

 

Nódulos de Lisch

Os nódulos de Lisch foram descritos pela primeira vez em 1937 pelo oftalmologista austríaco Karl Lisch. Eles são as manifestações oculares mais comuns e mais bem conhecidas da NF1.

O nódulos de Lisch (Figura 1)  são pequenas lesões elevadas, bem delimitadas, de coloração que varia entre o amarelo e o marrom, que podem ser discretas ou evidentes e aparecem na superfície da íris de cerca de 95% dos pacientes adultos com NF1. Histologicamente, os nódulos de Lisch são hamartomas, tumores de crescimento lento e benigno. O número e o tamanho dos nódulos de Lisch aumentam com a idade. Eles são incomuns antes dos dois anos de idade e aos dez anos de idade é possível identificar essas lesões em cerca de 70% dos pacientes.

 

Figura 1 – Variações dos nódulos de Lisch

 

Neurofibromas plexiformes orbitários e periorbitários.

A maioria dos neurofibromas (ver capítulo sobre neurofibromas) orbitários e periorbitários (NFO) se desenvolve ao longo das ramificações do nervo trigêmeo. Os neurofibromas isolados de pálpebra superior podem assumir a forma de S e geralmente causam leve ptose sem obstruir o eixo visual. Os neurofibromas localizados na pálpebra e região periorbitária podem causar ptose e levar a ambliopia por privação ou ambliopia refracional. Ambliopia é a redução da acuidade visual causada por interação binocular anormal durante o período de desenvolvimento visual. Os neurofibromas orbitários com ou sem envolvimento palpebral invadem a órbita lateral e raramente podem invadir estruturas intracranianas.

A incidência dos NFO em crianças com NF1 é menor que 10%. Apesar dos NFO serem congênitos, eles podem não ser evidentes logo após o nascimento. A maioria é identificada nos primeiros anos de vida. Toda criança com assimetria periorbitária ou proptose unilateral deve ser avaliada para descartar NFO. Não existe indicação de biopsia para confirmar o diagnóstico de NFO nas crianças que já possuem o diagnóstico de NF1.Toda criança diagnosticada com NFO independente do diagnóstico de NF1 deve realizar ressonância  magnética (RM) do encéfalo e da órbita para confirmar o diagnóstico de NFO e definir sua extensão. A necessidade de nova RM depende da progressão clínica.

 

Figura 2 – Diferentes apresentações do neurofibroma palpebral

 

Manejo oftalmológico

Recomenda-se que crianças com NFO realizem exame oftalmológico a cada seis meses durante os primeiros oito anos de vida, que é o período de desenvolvimento visual e é também o período que os NFO geralmente apresentam as maiores taxas de crescimento.

Os principais problemas oftalmológicos relacionados aos NFO são ambliopia, estrabismo, glaucoma e neuropatia óptica compressiva.

O manejo do estrabismo nas crianças com NFO é complexo. O oftalmologista deve priorizar o tratamento não cirúrgico da ambliopia, incluindo a correção dos erros refracionais e tratamento oclusivo. O tratamento cirúrgico do estrabismo deve ser considerado nos primeiros anos de vida quando a gravidade do estrabismo prejudica o tratamento da ambliopia. Uma abordagem conservadora inicial permite que o tratamento cirúrgico seja realizado quando o crescimento do NFO tenha diminuído e o processo geral do quadro esteja mais estável.

Indicações de tratamento

Após o diagnóstico, os NFO devem ser  acompanhados através de exame oftalmológico periódico e RM. Tumores estáveis podem ser acompanhados clinicamente. Nem todos os tumores irão progredir ou causar sintomas significativos. Quando se observar piora clínica está indicado realizar RM.

Até recentemente o tratamento cirúrgico era o principal tratamento disponível para  os NFO sintomático. Quando o tumor pode ser ressecado completamente a cirurgia geralmente é o tratamento de escolha. Infelizmente a cirurgia é desafiadora em muitos casos de NFO e  os resultados cirúrgicos geralmente não são satisfatórios a longo prazo devido à característica infiltrava do tumor e sua tendência a recorrer.

Nos últimos anos, o tratamento com quimioterápico oral se tornou uma opção de tratamento para pessoas com NF1 maiores que 2 anos com neurofibromas plexiformes inoperáveis  Alguns pacientes apresentam regressão parcial do tumor com o tratamento.

Muitos fatores influenciam a indicação do tratamento, como o tamanho do tumor, a localização, a taxa de crescimento, a idade do paciente, o risco de complicações irreversíveis e a gravidade dos sintomas. Alguns casos podem ser observados, outros podem ter indicação de cirurgia, tratamento  quimioterápico,  ou uma combinação dos dois.

 

Gliomas de Vias Ópticas

Gliomas de vias ópticas (GO) ocorrem em 5% a 25% das crianças com NF1. Eles podem aparecer em qualquer parte da via óptica e acometer um ou os dois nervos ópticos, o quiasma, as estruturas retro quiasmáticas como o hipotálamo e as radiações ópticas. Tipicamente, apresentam pouca tendência ao crescimento e muitas crianças permanecem assintomáticas. Raramente esses tumores podem ser agressivos. O motivo do comportamento agressivo de alguns GO ainda é desconhecido.

Nos gliomas assintomáticos a conduta é acompanhamento oftalmológico. Quando se observar redução na acuidade visual que não possa ser atribuída a outras causas, como erro refracional, ambliopia ou outros problemas anatômicos do olho, está indicado realizar ressonância magnética.

As principais indicações para realizar o tratamento do GO são piora clinica e aumento progressivo do GO. A piora clínica pode ser piora da acuidade visual, piora da proptose, sintomas neurológicos, perda da visão de cores ou disfunção endócrina.  A primeira linha de tratamento é a quimioterapia. Radioterapia e cirurgia raramente são indicados.

Figura 3 – Localização e imagens de glioma das vias ópticas

 

Alterações de Coroide

 As alterações da coroide, que é a camada vascular da parede ocular,  foram incluídas recentemente como critério diagnóstico devido a sua alta especificidade e sensibilidade para NF1, mas não oferecem risco para a visão.

As alterações de coroide da NF1 não são detectadas através do exame tradicional de fundo de olho.  Elas são identificadas com o exame de tomografia de coerência óptica (OCT), que produz imagens da retina e da coroide com a luz infra vermelha. As alterações de coroide aparecem como nódulos hiper refletivos e podem ser numerosos ou raros.

Outros Achados Oftalmológicos

– Glaucoma: o glaucoma na NF1 ocorre em cerca de 1% dos pacientes. Geralmente é unilateral e na maioria das vezes está associado a um neurofibroma palpebral ou periorbitário e ao ectrópio uveal, que é uma alteração congênita da íris. Nos glaucomas que ocorrem precocemente o tratamento geralmente é cirúrgico, semelhante ao tratamento do glaucoma congênito.  Nos casos mais tardios o tratamento com colírios pode ser tentado. A acuidade visual fica comprometida no olho afetado na maioria dos casos.

– Alterações da retina: o comprometimento da retina na NF1 é raro, mas tumores como hamartomas astrocíticos, hamartomas retinianos, hemangiomas capilares e tumores vasoproliferativos já foram descritos.

– Erros refracionais: a prevalência de miopia leve a moderada (-0,50 a -6,0 dioptrias) é um pouco maior que na população geral.  A prevalência da alta miopia, astigmatismo e hipermetropia é semelhante à da população geral.

 

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Dando continuidade à divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o texto esclarecedor da Dra. Cinthia Vila Nova Santana, doutora em genética , que vem colaborando com nossos conhecimentos sobre as pessoas com NF1. Muito obrigado por mais esta colaboração, que é uma necessidade dos profissionais de saúde que trabalham com doenças genéticas.

Dr. Lor

 

 

Cinthia Vila Nova Santana

Biomédica, Doutora em Genética

Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública

Fundação ProAR

 

O desenvolvimento da engenharia genética na década de 1970 marcou o início de uma era importante na medicina. Pela primeira vez, pesquisadores foram capazes de manipular moléculas de DNA através de técnicas como a clonagem e reação em cadeia da polimerase (PCR), o que tornou possível o estudo de genes de interesse medicinal e biotecnológico. Desde então, muitos avanços aprimoraram as técnicas de biologia molecular, possibilitando o estudo dos genes não apenas isolados, mas também no organismo como um todo.

O primeiro relato de terapia gênica se deu em 1990, em uma paciente com uma deficiência imunológica grave provocada por uma condição genética rara (Anderson, 1990). Essa técnica envolvia a inserção de cópias funcionais do gene responsável pela produção de uma enzima ausente ou defeituosa. Embora esse tratamento tenha mostrado resultados promissores, também revelou desafios significativos, como a possibilidade de reações adversas, eficácia limitada e, até mesmo, risco de morte.

Anos mais tarde, as pesquisadoras Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier anunciaram, em 2012, uma nova técnica de edição de genomas (CRISPR) que iria revolucionar o campo da terapia gênica. Essa descoberta conferiu, em 2020, o prêmio Nobel em Química para essas duas pesquisadoras (The Nobel Foundation, 2020). A nova metodologia reacendeu a esperança de cura para doenças genéticas, como as neurofibromatoses, que são provocadas por erros em um local específico no nosso DNA. Nesse capítulo, vamos entender um pouco mais sobre terapia gênica e como o método pode influenciar no tratamento da Neurofibromatose do tipo 1 (NF1).

 

Tratamentos genéticos e suas possibilidades na NF1

Antes de falarmos sobre tratamentos genéticos (ou terapia gênica), vamos compreender alguns conceitos. O nosso DNA contém genes onde estão armazenadas as instruções para a fabricação de proteínas. É como se os genes fossem o manual de instruções para a montagem de peças ─ as proteínas ─ e essas peças fazem o trabalho necessário para garantir o bom funcionamento do nosso corpo. Quando alguma instrução está defeituosa, temos proteínas que não funcionam corretamente, ou até mesmo que não são nem produzidas, e isso pode acarretar doenças genéticas como, por exemplo, a fibrose cística, anemia falciforme, beta talassemia, e as neurofibromatoses. Os tratamentos genéticos, por sua vez, têm como objetivo corrigir esses erros no DNA (também chamados de mutações), a fim de tratar uma doença (Anguela & High, 2019).

A NF1 é uma doença genética, resultante da mutação no gene que produz a proteína neurofibromina, presente em vários tipos celulares (especialmente em neurônios e nervos periféricos) e tem como função controlar o crescimento das células. Nas pessoas com NF1, essa proteína está ausente ou defeituosa, o que gera uma proliferação e um crescimento celular descontrolado, característico dos tumores (neurofibromas) observados na doença (Brems et al., 2009; Gutmann et al., 2017). Até o momento, não existe cura para a NF1, apenas tratamentos das condições específicas que surgem em cada paciente.

Mas, então, você poderia se perguntar: se o problema está na ausência da neurofibromina, por que não tomamos a neurofibromina artificial para correção da NF1? Existem alguns fatores a se considerar.

Primeiramente, esta é uma proteína grande (com cerca de 327 kDa e 2818 aminoácidos) e com uma conformação complexa (Nordlund et al., 1993; Upadhyaya et al., 2008), o que dificulta a sua síntese em laboratório.

Além disso, essa proteína é importante desde a vida intrauterina para o desenvolvimento do bebê, por isso muitas manifestações clínicas da doença, como as manchas café com leite, por exemplo, já estão presentes ao nascimento. Assim, a administração da neurofibromina após o nascimento não seria capaz de reverter as consequências da ausência dessa proteína em estágios iniciais do desenvolvimento.

Somando-se a isso, cerca de metade dos casos de NF1 são resultantes de mutações novas, quando não há histórico familiar (Mckeever et al., 2008), e, portanto, o diagnóstico da doença não é conhecido durante a gestação, o que inviabilizaria um possível tratamento.

Nesse contexto, terapias genéticas surgem como uma esperança de tratamento, e quem sabe até mesmo cura, para a NF1. Vejamos abaixo alguns dos avanços e pesquisas que estão sendo realizadas nessa área.

 

Terapia gênica direta – Substituição do gene defeituoso

 

A terapia gênica direta para NF1 busca corrigir a mutação ou substituir o gene NF1 defeituoso por uma cópia funcional (Leier et al., 2020), visando restaurar a função da neurofibromina e reduzir o crescimento dos tumores e outras manifestações associadas à doença. Essa parece ser uma excelente alternativa de tratamento, no entanto, alguns desafios ainda precisam ser superados para que a substituição do gene seja uma realidade.

Como já vimos, o NF1 é um gene grande, com cerca de 350 kb, e complexo (Pasmant et al., 2015), o que dificulta consideravelmente sua manipulação em laboratório. Pesquisadores conseguiram menos de 10% de sucesso nas taxas de transfecção, isto é, incorporação do gene funcional dentro das células (Bai et al., 2019). Além disso, o sistema de entrega do gene funcional ainda não está bem estabelecido para a NF1. Opções de entrega como a utilização de vetores virais, nanopartículas, exosomos e polímeros ainda não conseguem acomodar o tamanho do gene da NF1 em seu sistema. Imagine tentar transportar um bolo de casamento de 7 andares em uma bicicleta, é muito difícil conseguir entregar o bolo íntegro no local da festa.

 

CRISPR – Edição do genoma

 

Alternativamente à substituição do gene, a edição de parte do genoma se torna uma opção mais plausível no caso da NF1. Existem três abordagens principais para edição do DNA:

  • utilização de nucleases dedo de zinco (ZFN, do inglês zinc finger nucleases);
  • uso de nucleases efetoras semelhantes a ativadores de transcrição (TALENs, do inglês transcription activator-like effector nucleases);
  • sistema CRISPR-Cas (do inglês Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats).

As duas primeiras utilizam como domínio de reconhecimento do DNA estruturas proteicas (dedos de zinco e proteínas TAL – transcription activator-like, respectivamente), ao passo que o sistema CRISPR-Cas utiliza o pareamento das bases nitrogenadas (adenina com timina e citosina com guanina), o que confere maior especificidade a essa metodologia.

Desde que foi descrito como ferramenta de edição de genoma em 2012 (Jinek et al., 2012), o sistema CRISPR-Cas vem sendo amplamente utilizado devido à sua simplicidade, eficácia e versatilidade (Wang & Doudna, 2023). Vamos entender um pouco mais sobre ele.

CRISPR acontece naturalmente em bactérias, como um mecanismo de defesa contra infecções por vírus (Figura 1) (Mojica et al., 2005). De maneira geral, quando um vírus infecta uma bactéria, ele injeta seu material genético dentro dela. Parte desse material é então incorporado no DNA da bactéria como um novo espaçador do sistema CRISPR. Vamos imaginar que a bactéria é uma casa que foi invadida pelo vírus. As câmeras de segurança conseguem identificar esse vírus e guardar a sua imagem nos arquivos (espaçadores do sistema CRISPR). Essa imagem é impressa e entregue aos seguranças para que fiquem alertas em caso de nova tentativa de invasão pelo vírus. No caso da bactéria, a sequência do vírus é, então, transcrita (“impressa”, isto é, a informação é passada de DNA para RNA) e processada para gerar os RNAs de CRISPR (crRNAs), como observado na Figura 1. Estes, por sua vez, associam-se a uma proteína Cas, que irá cortar o material genético do vírus invasor utilizando o crRNA como molde para esse silenciamento em infecções futuras (Wang & Doudna, 2023).

Figura 1: Representação esquemática do sistema CRISPR numa célula procariota. Com uma infecção por vírus, a bactéria incorpora parte desse material genético em seu próprio genoma, como um espaçador do sistema CRISPR (estágio 1). Essa informação será transformada (transcrita) em um pré-crRNA (estágio 2) e então processada para que, em caso de uma nova infecção viral, o crRNA maduro possa clivar (destruir) o material genético do vírus (estágio 3), impedindo o sucesso da infecção.

Inspirados nesse sistema, os pesquisadores começaram a trabalhar na possibilidade de utilizar CRISPR como ferramenta para edição de genomas. Após anos de estudo, o grupo liderado por Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier descobriu como realizar esse feito que iria revolucionar o campo das ciências biomédicas. Eles identificaram que para editar o genoma com CRISPR eram necessários basicamente três componentes (Figura 2) (Jinek et al., 2012):

  • RNA guia: é a combinação do crRNA (onde está a sequência complementar ao alvo) com o tracrRNA (contribui para a estabilidade da estrutura e seu reconhecimento pela enzima Cas);
  • Enzima Cas (do inglês CRISPR associated): essa enzima possui a capacidade de cortar o DNA na região específica identificada pelo RNA guia. Existem várias enzimas descritas hoje em dia, mas a primeira delas foi a Cas9;
  • DNA alvo com a sequência PAM: o DNA alvo é a sequência de interesse que será editada. Próximo a ela, está o motivo adjacente ao protoespaçador ou PAM (do inglês, Protospacer Adjacent Motif), que é uma sequência curta (cerca de 2 a 5 nucleotídeos) essencial para a ancoragem do complexo Cas/RNA guia. A sequência PAM funciona como uma bandeira para confirmação que aquela região do DNA alvo é realmente onde deve acontecer a edição.

 

 

Figura 2: Representação esquemática do sistema CRISPR como ferramenta de edição do genoma. Basicamente são necessários apenas três componentes, o RNA guia formado pela combinação do crRNA e o tracrRNA, a enzima Cas9 e o DNA alvo juntamente com a sequência PAM.

 

De maneira geral, o que acontece na edição do genoma é a entrega do complexo contendo o RNA guia acoplado à enzima Cas, para o tecido que necessita da edição. Um dos métodos mais comuns de entrega é através de vetores virais, que consistem em vírus modificados para não causarem doença, assim como por nanopartículas, exosomos, eletroporação, entre outros métodos de transporte.

Diversas adaptações foram realizadas nesse sistema para permitir uma atuação mais ampla na edição do genoma. Por exemplo, é possível modificar uma base nitrogenada sem necessariamente clivar o DNA utilizando proteínas acopladas à Cas, ou ativar e desativar genes, regular a expressão de genes através de modulação epigenética (afrouxando ou condensando o DNA para deixá-lo mais ou menos disponível para a maquinaria de transcrição da célula), entre outras aplicações [para maiores detalhes, ver revisão de (Chavez et al., 2023)].

Inúmeros estudos utilizam o sistema CRISPR como ferramenta de edição genética na busca pelo tratamento de doenças, mas, até o momento, apenas uma terapia gênica com essa ferramenta foi aprovada para uso em pacientes. No final de 2023, o Reino Unido, seguido dos EUA, aprovaram a terapia com CRISPR para tratamento da anemia falciforme e beta talassemia (Food and Drug Administration (FDA), 2023), após anos de pesquisas e acompanhamento de pacientes. Os resultados são bastante promissores e nos dão esperança para que, em breve, essa metodologia possa ser empregada no tratamento de outras doenças.

No que se refere à NF1, ainda existem poucos estudos com essa metodologia. De maneira geral, a literatura mostra a utilização da ferramenta CRISPR para criar organismos modelos experimentais da doença, a fim de que pesquisas mais aprofundadas possam ser realizadas para melhor entendimento da doença e busca de alvos terapêuticos. Contudo, até então, não existem publicações com o uso de CRISPR no tratamento da NF1.

Afinal, existe cura da NF1 com terapia gênica?

Leier e colaboradores e Staedtke e colaboradores resumem, em seus artigos de revisão, possibilidades de terapias genéticas para a NF1 (Leier et al., 2020; Staedtke et al., 2024). A terapia gênica é sim um grande avanço na medicina, no entanto, existem algumas limitações. É importante destacar que o tamanho e complexidade do gene NF1, a dificuldade com o sistema de entrega (vetores virais e não virais), o aspecto sistêmico da doença que afeta múltiplos órgãos e tecidos, a importância da neurofibromina desde a vida uterina, o diagnóstico tardio e a alta taxa de mutações novas em pessoas sem histórico familiar são alguns dos fatores que dificultam os avanços para o tratamento genético da NF1. Apesar disso, a ciência está caminhando em busca desse tratamento e espera-se que, em breve, novas possibilidades se tornem realidade.

 

Referências

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Bai, R. Y., Esposito, D., Tam, A. J., McCormick, F., Riggins, G. J., Wade Clapp, D., & Staedtke, V. (2019). Feasibility of using NF1-GRD and AAV for gene replacement therapy in NF1-associated tumors. Gene Therapy, 26(6), 277–286. https://doi.org/10.1038/s41434-019-0080-9

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Jinek, M., Chylinski, K., Fonfara, I., Hauer, M., Doudna, J. A., & Charpentier, E. (2012). A Programmable Dual-RNA – Guided DNA Endonuclease in Adaptive Bacterial Immunity. Science (New York, N.Y.), 337(August), 816–822. https://doi.org/10.1126/science.1225829

Leier, A., Bedwell, D. M., Chen, A. T., Dickson, G., Keeling, K. M., Kesterson, R. A., Korf, B. R., Marquez Lago, T. T., Müller, U. F., Popplewell, L., Zhou, J., & Wallis, D. (2020). Mutation-Directed Therapeutics for Neurofibromatosis Type I. In Molecular Therapy Nucleic Acids (Vol. 20, pp. 739–753). Cell Press. https://doi.org/10.1016/j.omtn.2020.04.012

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Mojica, F. J. M., Díez-Villaseñor, C., García-Martínez, J., & Soria, E. (2005). Intervening sequences of regularly spaced prokaryotic repeats derive from foreign genetic elements. Journal of Molecular Evolution, 60(2), 174–182. https://doi.org/10.1007/s00239-004-0046-3

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Pasmant, E., Parfait, B., Luscan, A., Goussard, P., Briand-Suleau, A., Laurendeau, I., Fouveaut, C., Leroy, C., Montadert, A., Wolkenstein, P., Vidaud, M., & Vidaud, D. (2015). Neurofibromatosis type 1 molecular diagnosis: what can NGS do for you when you have a large gene with loss of function mutations? European Journal of Human Genetics, 23(5), 596–601. https://doi.org/10.1038/ejhg.2014.145

Staedtke, V., Anstett, K., Bedwell, D., Giovannini, M., Keeling, K., Kesterson, R., Kim, Y. R., Korf, B., Leier, A., McManus, M. L., Sarnoff, H., Vitte, J., Walker, J. A., Plotkin, S. R., & Wallis, D. (2024). Gene-targeted therapy for neurofibromatosis and schwannomatosis: The path to clinical trials. Clinical Trials, 21(1), 51–66. https://doi.org/10.1177/17407745231207970

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Upadhyaya, M., Kluwe, L., Spurlock, G., Monem, B., Majounie, E., Mantripragada, K., Ruggieri, M., Chuzhanova, N., Evans, D., Ferner, R., Thomas, N., Guha, A., & Mautner, V. (2008). Germline and Somatic NF1 Gene Mutation Spectrum in NF1-Associated Malignant Peripheral Nerve Sheath Tumors (MPNSTs). Human Mutation, 29, 74–82. https://doi.org/10.1002/humu

Wang, J. Y., & Doudna, J. A. (2023). CRISPR technology: A decade of genome editing is only the beginning. Science, 379(6629). https://doi.org/10.1126/science.add8643

 

Outras informações sobre este tema em nosso site:

https://amanf.org.br/2016/04/crispr-nf/

https://amanf.org.br/2015/12/selecionar-bebes-sem-nf/

https://amanf.org.br/2016/02/novidade-no-dna-das-pessoas-com-nf1/

https://amanf.org.br/2016/03/pergunta-188-por-que-nao-dar-neurofibromina-para-quem-tem-nf1/

https://amanf.org.br/2016/09/reproducao-assistida/

https://amanf.org.br/2018/08/novas-mutacoes/

https://amanf.org.br/2019/04/quando-sera-cura-neurofibromatoses/

https://amanf.org.br/2019/05/reuniao-174-da-amanf-discutiu-novo-tratamento-genetico-a-festa-junina-e-outros-assuntos/

 

 

 

Dando continuidade à divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o cardiologista Jorge Sette, que tem nos auxiliado a compreender melhor os problemas cardiovasculares nas pessoas com NF1.

Agradecemos a sua participação com este texto bem fundamentado e atualizado.

Dr. Lor

 

 

Jorge Cavalcante Bezerra Sette

Cardiologista

 

Cerca de  4% das pessoas com NF1 apresentam uma complicação vascular importante que pode ser tratada com eficiência e para identificar esta complicação basta apenas uma ação muito simples, que pode salvar uma vida: medir a pressão arterial regularmente.

Um aumento relativamente recente da pressão arterial em pessoas com NF1, especialmente em crianças, jovens e adultos jovens, deve fazer o médico pensar em duas causas importantes: 1) a estenose da artéria renal e 2) um tumor chamado feocromocitoma.

Vejamos primeiro a estenose da artéria renal.

 

As artérias renais são vasos sanguíneos que levam o sangue aos rins, para que o sangue seja filtrado e algumas substâncias em excesso sejam eliminadas (por exemplo, ácidos e nitrogênio) na urina. Para que o sangue seja filtrado, é preciso que ele chegue aos rins com uma determinada pressão, que é fornecida pelo bombeamento do coração.

Em cerca de 2% das pessoas com NF1 pode ocorrer um defeito (chamado de displasia fibromuscular) na tubulação das artérias renais, que causa um estreitamento, o qual faz com que a pressão do sangue fique menor naquele rim que recebe o sangue da artéria estreitada. Como o sangue chega com menor pressão do que a necessária para a filtração, o próprio rim produz substâncias que forçam o aumento da pressão arterial.

O resultado desse estreitamento, então, é que a pressão arterial, aquela que deve ser medida com os aparelhos de pressão comuns durante os controles regulares anuais, aumenta acima dos limites normais para a idade, a estatura e o sexo da pessoa.

Se a pressão arterial permanecer aumentada durante muito tempo, o coração, os rins, as artérias cerebrais e as artérias dos olhos podem ser danificadas e problemas graves podem acontecer, como infarto no coração, incapacidade de os rins filtrarem o sangue,  derrames cerebrais e perdas na visão. Por isso, a hipertensão arterial deve ser tratada.

Felizmente, na NF1, há a possibilidade de tratarmos o defeito na artéria renal e assim a hipertensão pode ser curada em cerca de 75% das pessoas. O tratamento consiste na realização de uma angiografia, ou seja, num exame de imagem para visualizarmos o calibre e o formato das artérias renais, para comprovação do estreitamento e sua localização. Geralmente, faz-se um cateterismo por meio de anestesia local e passagem da sonda por uma das artérias das pernas.

Em seguida, durante o próprio procedimento do exame de imagem, na maioria dos casos, insufla-se um balão que consegue reestabelecer o fluxo de sangue ao rim. Caso haja alguma complicação, coloca-se um anel metálico especial de dilatação (stent) na região estreitada, recuperando-se parcialmente o calibre da artéria renal.

Este tratamento, a angioplastia trans luminal, deve ser o primeiro a ser tentado, pois apresenta  88% de bons resultados.

Quando o anel de dilatação não é possível ou não funciona, ou o estreitamento retorna, pode ser necessário o autotransplante do rim, ou seja, uma cirurgia que desconecta o rim da sua artéria obstruída e o reconecta a outra artéria sadia. Infelizmente, em alguns poucos casos, pode ser necessária a remoção de um dos rins para tratar a hipertensão.

Portanto, segundo o grupo da Dra. Rosalie Ferner, de Manchester (2011), o tratamento da hipertensão arterial secundária à estenose da artéria renal na NF1 é uma combinação de medicação anti-hipertensiva, angioplastia com balão da artéria renal e cirurgia.

Por isso tudo, a medida da pressão arterial é obrigatória, indispensável, fundamental e pode salvar uma vida em 2% dos pacientes com NF1 durante os controles anuais.

 

Outra causa de hipertensão: o feocromocitoma

 

A outra metade dos casos de hipertensão recente nas pessoas com NF1 acontece por causa do aparecimento de um tipo de tumor chamado feocromocitoma.

Este nome complicado, feocromocitoma, indica que é um tumor (oma) formado por células (cito) que são coradas (cromo) numa cor escura (feo). Estas células fazem parte do sistema nervoso, e ficam agrupadas na parte central de duas glândulas localizadas sobre os rins: as suprarrenais. Elas produzem alguns hormônios, incluindo a adrenalina, uma substância que todos conhecem ligada às emoções e aos exercícios, que ativa algumas funções no organismo, como o estado de alerta mental, os batimentos cardíacos e a produção de suor.

Nas pessoas com NF1, a deficiência de neurofibromina aumenta a chance de células do sistema nervoso e da pele crescerem desordenadamente formando tumores, por isso estas células produtoras de adrenalina também podem crescer mais do que o necessário, formando tumores em 2% das pessoas com NF1, em geral a partir dos 15 anos de idade, mas com maior frequência em torno dos 35 anos.

Quando ocorrem, os feocromocitomas geralmente são benignos (90%) e podem se apresentar com sintomas que significam o excesso de adrenalina no sangue. As pessoas com feocromocitomas podem apresentar sintomas em 50% das vezes e, quando apresentam, quase sempre são transitórios:

Os três principais sintomas são:

1)     Crises de aumento da pressão arterial em repouso ou hipertensão sustentada por vários dias;

2)     Palpitações (sensação de coração acelerado);

3)     Dor de cabeça – que pode ser leve ou intensa;

4)     Suor abundante sem relação com a temperatura do ambiente; pode estar acompanhada de tremor, fraqueza e falta de ar.

É importante lembrar que as crises de ansiedade, que afetam qualquer pessoa, inclusive aquelas com NF1, podem se manifestar exatamente com os mesmos sinais e sintomas, o que às vezes faz passar desapercebido um feocromocitoma.

Suspeitando da presença deste tumor, devemos medir a produção dos derivados da adrenalina na urina colhida durante 24 horas, chamadas de catecolaminas urinárias (ácido vanilmandélico, adrenalina, noradrenalina, metanefrina). Este exame é mais confiável quando a urina é colhida durante os sintomas acima.

Quando o exame urinário vem positivo, o próximo passo é realizar exames de imagem para localizar o tumor para guiar o tratamento cirúrgico. Em casos em que a suspeita clínica seja alta, mas o exame de urina esteja normal, outros exames são necessários. Os mais sensíveis são a ressonância magnética e a tomografia computadorizada com a emissão de pósitrons (PET CT), capazes de descobrir mesmo os menores tumores de até 1 cm. Este último exame pode auxiliar na descoberta de feocromocitomas também localizados fora do local mais comum que são as suprarrenais, como, por exemplo, no intestino, onde são chamados de tumores carcinoides.

A maioria dos feocromocitomas ocorre nas glândulas suprarrenais, mas 10% deles podem ocorrer nos intestinos, na artéria aorta (no arco aórtico ou no órgão de Zuckerkandl) e no mediastino.

Confirmada a presença do feocromocitoma (ou dos carcinoides), estamos diante de uma urgência de tratamento, que deve ser realizado por profissionais experientes neste problema.  O tratamento é cirúrgico e envolve uma preparação de cerca de 7 dias para conter os efeitos da adrenalina em excesso (com bloqueadores alfa e beta) antes da retirada dos tumores, que podem estar presentes em ambos os rins.

É preciso lembrar que os feocromocitomas ignorados podem ameaçar a vida, especialmente durante cirurgias e durante a gravidez.

Os casos mais graves, quando os feocromocitomas são malignos (10%), devem ser tratados com cirurgia e quimioterapia associada.

Mais uma vez, lembramos que é importante medir a pressão arterial de todas as pessoas com NF1 regularmente e, também, não esquecer de questionar os pacientes sobre os principais sintomas que possam dar pista ao diagnóstico (dor de cabeça, palpitação e suor aumentado).

 

E quando a pressão está aumentada sem uma causa definida na NF1?

 

Como vimos acima, as pessoas com NF1 correm maior risco de apresentarem dois problemas que causam aumento da pressão arterial: displasia da artéria renal (com estenose ou obstrução do fluxo de sangue para um ou os dois rins) e feocromocitoma (um tumor capaz de produzir adrenalina).

No entanto, um estudo procurou saber se as crianças com NF1 apresentam pressão arterial maior do que a população infantil sem a doença (ver aqui artigo em inglês: AQUI ).

O grupo orientado por Shay Ben-Shachar mediu a pressão arterial 3 vezes em 224 crianças com NF1, metade meninas, com idade em torno de 9 anos. Os resultados da pressão arterial foram classificados de acordo com a idade, o sexo e o percentil da altura de cada uma delas, em normais (menor do que o percentil 85%), pré-hipertensos (entre os percentis 85 a 95%) e hipertensos (maior que o percentil 95%).

Os resultados mostraram que em torno de 13% das crianças com NF1 eram pré-hipertensas e outras 13% eram hipertensas, o que significa que a hipertensão arterial é dez vezes mais frequente em crianças com NF1 do que na população em geral.

Outro achado importante do estudo foi que a hipertensão era maior na primeira medida (20%) do que na terceira, por isso devemos repetir a medida quando encontramos valores altos da primeira vez.

As condições do estudo não permitiram aos autores confirmar ou excluir as alterações vasculares nas crianças com hipertensão, assim, ainda não sabemos a definição exata da causa da hipertensão arterial nas crianças com NF1, mas levantaram a hipótese de que a pressão arterial aumentada faça parte das características da NF1. Esta hipótese merece ser mais estudada no futuro.

De qualquer forma, este estudo confirma e aumenta a necessidade de vigilância sobre a pressão arterial de pessoas com NF1, pois se não for tratada a hipertensão arterial pode causas complicações, inclusive fatais.

Portanto, não se esqueça de medir a pressão arterial pelo menos uma vez por ano.