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A Dra. Juliana de Souza, o Dr. Bruno Cota e o Dr. Nilton Rezende são atualmente a equipe médica que atende as neurofibromatoses pelo SUS no ambulatório do Hospital das Clínicas (CRNF).

No momento, as primeiras consultas não estão sendo agendadas para o ambulatório porque o Hospital das Clínicas e o CRNF não estão cadastrados na Prefeitura de Belo Horizonte (SUS) como Centros de Referência em Doenças Raras.

Assim, médicas e médicos no atendimento básico do SUS não podem encaminhar pessoas diretamente para o CRNF por meio do sistema eletrônico da Prefeitura de Belo Horizonte.

Por isso, a secretária da AMANF Giorgete Viana só consegue encaminhar apenas as pessoas que já possuem o Cartão do Hospital das Clínicas.

O caminho para o CRNF voltar a atender normalmente todas as consultas é complexo, mas fizemos um documento na forma de abaixo assinado, propondo soluções.

Você pode ajudar nesta luta, lendo e assinando o abaixo assinado que criamos.

Basta clicar nesse link aqui: Abaixo Assinado (google.com)

Vamos reunir muitas assinaturas para mostrarmos a importância da nossa causa!

A AMANF conta com você!

Dr. Lor

(em nome da Diretoria da AMANF)

 

Kiribati é um pequeno livro que conta emocionante história real de Bárbara Lafetá para descobrir o diagnóstico e o tratamento de uma doença rara que acometeu seu filho de 4 anos.

Mesmo sendo uma produtora artística de uma grande rede de televisão e contando com a amizade de gente famosa, que permitiu o acesso aos mais caros médicos e hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, ela demorou 7 meses para descobrir que centenas de exames complementares talvez tivessem sido evitados pela valorização do exame clínico adequado.

A história de Bárbara é bem conhecida pela maioria das mães de crianças com neurofibromatoses, que percorrem uma via sacra de médicos e exames para ter o diagnóstico de suas crianças e levam, em média:

+ de 3,5 anos para o diagnóstico da Neurofibromatose do Tipo 1

+ de 8 anos para o diagnóstico da NF2

+ de 12 anos para o diagnóstico das Schwannomatoses

Vale a pena ler este relato para compreendermos que às vezes não bastam recursos financeiros para enfrentarmos algumas doenças.

Precisamos de um novo olhar da medicina, que seja mais acolhedor, sobre as doenças raras.

Dr. Lor

 

 

Toda família que possui alguém com alguma doença rara deve ter vivido momentos de grande solidão, ao descobrir que desconhecia a doença ou qualquer outra pessoa com os mesmos problemas. 

Profissionais da saúde também desconhecem, em sua maioria, as dificuldades das pessoas com doenças raras, porque são mais de cinco mil doenças raras já identificadas pela medicina.

Para completar, a sociedade tem um olhar atravessado pelo preconceito contra as doenças genéticas, consideradas como castigo divino, maldições, frutos do pecado e tantas outras ideias absurdas.

O resultado destas condições é que as famílias com doenças raras costumam se isolar ou esconder da sociedade as pessoas doentes, para evitar maior sofrimento e discriminação. Por exemplo, uma parente distante em minha família foi mantida em prisão domiciliar durante mais de 30 anos por causa de seu nanismo. 

A soma disso tudo é uma dolorosa solidão. 

Mas Joana e sua família resolveram enfrentar esta solidão!

Trazendo nos genes uma variante que acontece por acaso, Joana nasceu em 1977 com a doença rara denominada Síndrome Cornélia de Lange, mas não se isolou do mundo, pelo contrário, saiu em busca do seu espaço, do reconhecimento da sociedade como uma cidadã de plenos direitos.

É isto que sua tia amorosa, escritora e jornalista, Vilma Fazito, nos conta no livro recém-lançado “Eu, Joaninha, e a Síndrome Cornélia de Lange”. Um livro necessário a todas as pessoas que enfrentam alguma doença rara, como nós da AMANF.

Por isso, recomendo a sua leitura, como um presente de fim de ano para quem quer aprender um pouco mais sobre como uma família unida, atenta e consciente dos seus direitos civis e guiada pelo fogo do amor materno de Vânia Fazito tem sido capaz de construir a autoestima da Joana para que ela possa enfrentar suas muitas dificuldades cognitivas, corporais e emocionais.

É importante ressaltar que apesar da grande diferença nos mecanismos genéticos entre a neurofibromatose do tipo 1 e a Síndrome Cornélia de Lange, os pais das crianças com NF1 vão perceber a semelhança entre os problemas cognitivos nas duas doenças, as dificuldades familiares para obterem informação adequada e assistência médica e jurídica.

Quem quiser comprar o livro, basta clicar aqui: https://comunicacaodefato.com.br/produto/eu-joaninha-e-a-sindrome-cornelia-lange/ 

A luta da família da Joana, documentada pela querida amiga de muitas décadas, a Vilma Fazito, nos anima e dá forças para ajudarmos nossas crianças.

A diretoria da AMANF manifesta seu apoio a mais esta causa pela cidadania.

Maria Graziela Malevichi é mãe de uma criança com neurofibromatose e a partir de sua experiência familiar teve a ideia de formar uma REDE de informação e compartilhamento para ajudar outras pessoas. Publicamos recentemente sua proposta aqui:  https://amanf.org.br/2021/01/uma-grande-ideia/

Recebi nova carta da Graziela, com perguntas importantes e compartilho aqui por achar que são do interesse de outras pessoas.

Caro Dr. Lor, estou tentando enxergar esse projeto da REDE, onde estamos e para onde queremos chegar.

Gostaria de ter um Centro de referência de Neurofibromatose e doenças raras no Brasil. O que acha?

 

Resposta Dr. Lor

Cara Graziela, obrigado pela sua importante pergunta.

 

Chamamos de Doença Rara qualquer doença que afete menos de 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos. Esta definição é da Organização Mundial de Saúde.

Vamos lembrar algumas informações sobre as Doenças Raras.

  1. Existem mais de 7 mil doenças raras nos seres humanos, a maioria delas causadas por problemas genéticos (Brasil e colaboradores, Genes 2019, 10, 978; doi:10.3390/genes10120978)
  2. Em cada dez doenças raras, menos de uma delas tem tratamento comprovado neste momento (Austin e colaboradores, Clin Transl Sci (2018) 11, 21–27; doi:10.1111/cts.12500)
  3. As neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose) são apenas 3 entre as milhares de doenças raras.
  4. Individualmente, as doenças são raras, mas somadas fazem com que o total de pessoas com doenças raras no Brasil seja em torno de 11 milhões de pessoas.
  5. As pessoas com NF formam um grupo de cerca de 80 mil indivíduos no Brasil, ou seja, um grupo pequeno, formado por menos de 1% das pessoas com doenças raras.
  6. Portanto, apesar das NF serem mais comuns do que a maioria das outras doenças raras, ainda assim as neurofibromatoses atingem apenas uma pequena parte das pessoas com doenças raras.

Todas as doenças raras possuem duas necessidades em comum:

1)      Precisam ser reconhecidas pelos profissionais da saúde como possíveis portadoras de uma doença rara.

Ou seja, os profissionais de saúde devem ser habilitados, treinados para suspeitar de uma doença rara.

2)      Diante da suspeita, elas precisam ser encaminhadas a especialistas capazes de confirmar ou afastar o diagnóstico de uma doença rara.

Ou seja, é preciso que algumas médicas e médicos se dediquem a conhecer as doenças raras, especialmente geneticistas, e que sejam profissionais com fácil acesso por parte da população.

A partir do diagnóstico realizado, cada uma das pessoas com doenças raras possui necessidades completamente diferentes entre si em termos de condutas clínicas, tratamentos, suporte e acompanhamento. 

Há doenças raras com tratamentos comprovados (menos de uma em cada dez), há outras para as quais há tratamentos paliativos e outras para as quais não há qualquer tratamento específico e a conduta médica deve promover a melhor qualidade de vida possível.

Temos defendido que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, por isso, compreendemos que todas as etapas acima (a suspeita do diagnóstico, a confirmação do diagnóstico e o tratamento) devem ser realizadas dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).

Somente o SUS seria capaz de habilitar todos os profissionais de saúde para suspeitar de uma doença rara. Por exemplo, as unidades básicas de saúde deveriam ter acesso a um sistema informatizado de diagnóstico preliminar que poderia sugerir alguma doença rara a partir de determinados sintomas e sinais fora do comum.

No entanto, como existem mais de 7 mil doenças raras, provavelmente é humanamente impossível que uma médica ou médico seja capaz de diagnosticar todas elas. Assim, parece ser necessária a ajuda de programas de computador com Inteligência Artificial para tornar o diagnóstico de uma doença rara mais preciso e rápido (Brasil e colaboradores, Genes 2019, 10, 978; doi:10.3390/genes10120978).

Uma vez suspeitada a doença rara, mais uma vez, somente o SUS seria capaz de criar uma rede de especialistas para oferecer o diagnóstico e os possíveis tratamentos para as pessoas com doenças raras.

Quais os especialistas seriam necessários?

Sabendo que cerca de 8 em cada 10 doenças raras são de origem genética, e as outras duas de origem imunológica, os especialistas para o diagnóstico deveriam ser geneticistas e imunologistas. No entanto, mesmo com a participação de geneticistas e imunologistas, é possível que somente a inteligência artificial seria capaz de oferecer diagnóstico rápido e seguro para as mais de 7 mil doenças raras.

Além disso, apesar de apenas cerca de 500 doenças raras apresentarem algum tratamento comprovado, as condutas mais adequadas para cada uma delas podem demandar diversas outras especialidades, o que talvez exija a participação da inteligência artificial cada vez mais no futuro.

Quantas médicas e médicos formariam esta rede? 

Apesar de serem alguns milhões de pessoas com doenças raras, ainda assim elas são doenças raras, então, não é possível haver especialistas disponíveis em todas as cidades.

Por exemplo, vamos considerar a neurofibromatose do tipo 1 (NF1), que acontece em 1 em cada 3 mil pessoas. Numa cidade como Belo Horizonte, com 3 milhões de pessoas, devem viver cerca de mil pessoas com NF1. Quantos médicos especialistas são necessários para atender clinicamente a esta população?

Imagine que uma médica especialista possa atender, de forma ideal, cerca de 6 consultas (com uma hora de duração) por dia. Ela atenderia 24 consultas numa semana, o que daria cerca de 100 num mês e um total aproximado de mil consultas em dez meses. Portanto, poderia ver TODAS as pessoas com NF1 de Belo Horizonte pelo menos uma vez num ano.

Este cálculo acima está de acordo com nossa experiência no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Temos atendido (Dr. Bruno Cota, Dr. Nilton Rezende e eu) cerca de 16 consultas por semana (incluindo retornos), o que resulta num total de 600 consultas por ano.

Além disso, mesmo atendendo pessoas de outras cidades e estados, nossa agenda demora, no máximo, um mês para a marcação de consulta. Portanto, nem todas as mil pessoas com NF1 residentes em Belo Horizonte têm demandado uma consulta por ano em nosso Centro.

É preciso lembrar que atendemos apenas pessoas com NF, porque não somos geneticistas nem imunologistas, mas clínicos. Portanto, desde 2014, já manifestamos nossa total adesão e disponibilidade para fazermos parte de um centro de referência em doenças raras, o que ainda não aconteceu no nosso Hospital das Clínicas.

O mesmo raciocínio pode ser feito para outras doenças raras, como a Epidermólise Bolhosa, por exemplo, uma doença que causa bolhas na pele e nas membranas mucosas, que afeta 1 em cada 50 mil pessoas. Em todo o Brasil deve haver 4 mil pessoas com epidermólise bolhosa e bastariam 4 especialistas nesta doença, em todo o Brasil, para atender a todas elas uma vez por ano.

O que quero dizer é que não faz sentido haver especialistas em epidermólise bolhosa ou neurofibromatose em cada município ou região com 50 mil pessoas, pois ele cuidaria apenas de uma pessoa com epidermólise bolhosa ou cerca de 15 pessoas com neurofibromatose. 

Portanto, não há por que fazermos centros de especialistas em cada uma das doenças raras em todas as capitais dos estados e muito menos em cada cidade. O que precisamos é de alguns poucos centros de referência com especialistas em determinadas doenças, os quais, em conjunto, possam orientar TODAS as doenças raras.

Assim, considerando o tamanho da população e a diversidade clínica entre as doenças raras, creio que uma solução para o diagnóstico seria a criação de uma rede digital de especialistas no SUS, que permitisse uma consulta inicial por videoconferência a partir da suspeita de uma doença rara na unidade básica de saúde. Daí em diante, os especialistas podem indicar os tratamentos disponíveis para cada caso.

Portanto, cara Graziela, como percebe, estou de acordo com sua ideia básica de uma rede nacional de doenças raras na qual estejam incluídas as neurofibromatoses.

Mas compreendo que esta rede deve fazer parte do SUS.

Vamos conversando.

Abraço

Dr Lor

O I Congresso Médico de Doenças Raras é realizado pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM, abordando temas de grande importância para a sociedade acadêmica e contando com a presença de profissionais renomados.

Para o terceiro dia do Congresso (hoje, 27/8/2020), teremos a presença do Dr. Luiz Oswaldo Rodrigues (DR LOR), com a palestra “Neurofibromatose: como diagnosticar?”.

Alunos do 8º período do curso de Medicina da UNIPAM, juntamente com a professora Ana Flávia Bereta Coelho Guimarães, são os coordenadores do evento, por meio do Canal UNIPAM, no YouTube.

O horário de início será as 19:00, com a transmissão sendo feita pelo Youtube!

https://www.youtube.com/watch?v=S3nrhupYZc8

Caras amigas e amigos

Compreendemos as dificuldades que muitas pessoas encontram para enfrentarem as neurofibromatoses e as demais doenças raras.

Temos tentado ajudar neste enfrentamento enviando informações e compartilhando nossas experiências, oferecendo cursos, palestras, videoconferências e publicando cartilhas sobre as NEUROFIBROMATOSES, que são algumas das doenças raras.

Estas informações são públicas e podem ser utilizadas livremente por todas as pessoas interessadas.

O que defendemos é que cada pessoa com neurofibromatose e cada família com neurofibromatose tome posse destes conhecimentos para poder administrar sua vida e sua doença.

Acreditamos que as famílias e as pessoas com neurofibromatose que conhecem melhor sua doença podem cobrar melhor dos profissionais da saúde o cuidado adequado.

Assim, estimulamos todas as famílias de pessoas com neurofibromatoses (e/ou doenças raras) para que se organizem localmente (municípios e/ou estados), mas que tenham plena autonomia para a realização de seus objetivos traçados de forma democrática.

Não pretendemos influenciar quaisquer decisões de outras associações quanto aos caminhos institucionais e políticos que encontrarem para viabilizar a sua luta.

A AMANF não tem e não pretende ter filiais em qualquer estado ou município.

 Autonomia, democracia, descentralização, respeito humano, solidariedade, educação permanente e saúde pública são nossos valores.

 

Doenças Raras

Ao longo dos últimos anos, a AMANF tem recebido convites para participar de associações de doenças raras.

No entanto, a AMANF decidiu em gestões anteriores por concentrar seus esforços nas neurofibromatoses, porque esta tarefa já é grande o suficiente para nossos recursos humanos limitados.

Portanto, apoiamos as entidades que lutam em defesa das pessoas com Doenças Raras, mas não pretendemos participar diretamente dessas lutas, mas fazer a nossa parte contribuindo para a melhor compreensão das neurofibromatoses, que são algumas das doenças raras.

 

Compromisso com o Serviço Público

A AMANF tem sido parceira do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, que está vinculado ao Sistema Único de Saúde. Portanto, precisamos do SUS e apoiamos integralmente o princípio de que a Saúde é um direito que deve ser garantido pelo Estado Brasileiro.

Além disso, a AMANF tem recebido contribuições voluntárias de pessoas generosas, as quais auxiliam as pesquisas que estão sendo feitas dentro da Universidade Pública. No entanto, a AMANF sozinha não é capaz de bancar qualquer pesquisa científica de qualidade. Por isso, defendemos que as pesquisas científicas recebam mais recursos públicos para que possamos desenvolver o conhecimento científico para a cura das complicações das neurofibromatoses.

 

Vamos em frente.

Fiquem em casa para combatermos a epidemia de coronavirus.

 

Dr. Lor

Presidente da AMANF

Em nome da Diretoria

 

Estou profundamente agradecido à minha neta Alice por ter me emprestado o livro “Extraordinário”, da escritora norte-americana RJ Palacio, publicado pela Editora Intrínseca em 2012 e que se transformou em filme a ser lançado em 17 de novembro de 2017 (veja o trailer do filme clicando AQUI ).

É a história de um menino (August) que tem uma doença genética rara que deformou gravemente seu rosto e está na hora dele ir para a escola pela primeira vez, aonde enfrentará a discriminação e a solidão entre os colegas. O livro descreve como August vai superando cada uma das dificuldades com o auxílio da família e de algumas das crianças que se tornam suas amigas.

Leia mais

Recebi do amigo Elcio Neves da Silva, que está organizando a associação de apoio às pessoas com doenças raras em Vitória (ES), as informações abaixo referentes a um Projeto de Lei Complementar (PLC) que envolve as doenças raras, entre elas as neurofibromatoses.

Dividi o tema em partes e transcrevo abaixo (em azul) a notícia como está na página do Senado (Fonte: informações da Agência Câmara e Agência Senado)

Em seguida, acrescento (em verde) os comentários sobre esta notícia que foram realizados a meu pedido pela Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues (foto acima), médica clínica e dedicada a aplicar a medicina baseada em evidências nas novas tecnologias em saúde, incluindo medicamentos. 
Além de sua especialidade atual, a Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues já cuidou de muitas pessoas com neurofibromatoses e estudou alguns aspectos da NF1 durante seu mestrado em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (ver AQUI o artigo publicado com os resultados de sua pesquisa).

Parte 1

“A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) analisa projeto que cria a Política Nacional para Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta (PLC 56/2016) define como doença rara aquela que afeta até 65 em cada 100 mil pessoas.

O senador Romário (PSB-RJ) foi designado relator do texto, que após análise da CDH seguirá para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS).

Pelo projeto, a política deverá ser implantada em até três anos, tanto na esfera nacional, como na estadual e na municipal, com o objetivo de estabelecer uma Rede Nacional de Cuidados ao Paciente com Doença Rara. A proposta estabelece as competências de cada um dos entes federativos (municípios, estados e União) na execução da política.

O Ministério da Saúde, de acordo com o projeto, será obrigado a fornecer medicamentos para o tratamento de doenças graves e raras, ainda que eles não constem na relação de remédios disponibilizados gratuitamente pelo SUS.

Comentário da Dra. Luíza de O. Rodrigues:

Pelas leis atuais, nenhum medicamento fora da lista do SUS (incluindo os de alto custo) é fornecido pelo Estado.

As listas do SUS são compostas por medicamentos que foram previamente registrados na Anvisa e avaliados pelas agências responsáveis para incorporação às listas do SUS (como o CONITEC). Estas avaliações consideram eficácia, segurança e custo-efetividade de um medicamento. Dessa maneira, fazer o Estado fornecer medicamentos que não passaram por essas etapas de avaliação pode colocar a saúde do usuário em risco, além de poder comprometer a sustentabilidade do sistema de saúde.

A via judicial, de acordo com uma discussão do STF,1 só deveria ser acionada quando houvesse demora excessiva (acima de 365 dias) na apreciação do medicamento pelos órgãos competentes, dentro de determinadas circunstâncias. Eu cito:

“O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais, sem eficácia e segurança comprovadas, em nenhuma hipótese. Já em relação a medicamentos não registrados na Anvisa, mas com comprovação de eficácia e segurança, o Estado somente pode ser obrigado a fornecê-los na hipótese de irrazoável mora da agência em apreciar o pedido de registro (prazo superior a 365 dias), quando preenchidos três requisitos: 1) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil; 2) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e 3) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.”

Pois, como avalia o ministro Luís Roberto Barroso, “o Poder Judiciário não é a instância adequada para a definição de políticas públicas de saúde”.

Na perspectiva das doenças raras, de fato, há poucas alternativas terapêuticas, mas aumentar o acesso a tratamentos sem comprovação mínima de eficácia e segurança não vai resolver essa questão.

São mais necessários os incentivos à pesquisa clínica nacional de qualidade, o que permitirá oferecer tratamentos inclusive experimentais, de forma mais segura e controlada.

Voltando ao texto do Senado:

Parte 2

Atenção básica e especializada

A política será implementada tanto na chamada atenção básica à saúde, quanto na atenção especializada.

Na atenção básica (Unidades Básicas de Saúde e Núcleo de Apoio à Saúde da Família), serão identificados os indivíduos com problemas relacionados a anomalias congênitas, erros inatos do metabolismo, doenças geneticamente determinadas e doenças raras não genéticas. A ideia é que os portadores de doenças raras sejam identificados precocemente, no pré-natal ou ainda recém-nascidos, e que recebam o tratamento adequado desde a primeira infância. A política prevê ainda o suporte às famílias dos pacientes com doenças raras.

Já na atenção especializada (Unidades de Atenção Especializada e Reabilitação e Centros de Referência), serão realizados o acompanhamento especializado multidisciplinar e os demais procedimentos dos casos encaminhados pela atenção básica.

Centros de referência

Conforme o projeto, cada estado deverá estruturar pelo menos um Centro de Referência, que deve, na medida do possível, aproveitar a estrutura já existente em universidades e hospitais universitários.

A proposta determina ainda que os estabelecimentos de saúde habilitados em apenas um serviço de reabilitação passarão a compor a rede de cuidados à pessoa com doença rara. O objetivo é dar assistências aos pacientes sem tratamento disponível no âmbito do SUS. A ideia é que esses centros possam se articular com a rede do SUS, para acompanhamento compartilhado de casos, quando necessário.

Medicamentos órfãos

A política reconhece o direito de acesso dos pacientes diagnosticados com doenças raras aos cuidados adequados, o que inclui a provisão de medicamentos órfãos (aqueles destinados ao diagnóstico, prevenção e tratamento de doença rara).

Pelo texto, a necessidade de utilização desses medicamentos órfãos deverá ser determinada pelos centros de referência do SUS e reavaliada a cada seis meses.
Segundo o projeto, a incorporação do medicamento órfão pelo SUS deverá ser considerada sob o aspecto da relevância clínica, e não sob o aspecto da relação custo-efetividade. 

Comentário da Dra. Luíza de O. Rodrigues:

A relevância clínica de um medicamento vem de sua eficácia em desfechos de interesse à saúde do paciente, comprovada em estudos de qualidade. O simples fato de um medicamento ter sido avaliado em um ensaio clínico não é um atestado de sua relevância clínica. Para tanto, o medicamento tem que demonstrar, de forma clara, benefícios consistentes em desfechos importantes, como qualidade de vida, mortalidade, etc. E, de preferência, de forma comparativa a outro tratamento sabidamente ativo na doença.

No entanto, a própria definição de medicamento órfão implica em medicamento direcionado ao tratamento de doenças raras, sobre as quais é difícil conduzir estudos de boa qualidade metodológica.

Os estudos (científicos) com portadores de doenças raras geralmente incluem poucos participantes e não conseguem comparar outros tratamentos, portanto, nestes estudos a eficácia ou a relevância clínica geralmente não são claramente demonstradas.

Numa sociedade como a nossa, cada vez mais medicalizada,2 os potenciais benefícios de um medicamento costumam ser superestimados e seus riscos subestimados. É cada vez mais difícil aceitarmos, enquanto sociedade, o fato de que em muitos casos, o melhor tratamento (ou seja, aquele que produzirá melhores efeitos em aspectos da saúde de interesse ao paciente) não é um medicamento experimental ou de relevância clínica incerta, mas o melhor cuidado de suporte ou cuidados paliativos.3

A custo-efetividade, por outro lado, é uma análise econômica, que tenta calcular o preço de cada ano de vida ajustado para qualidade (QALY) supostamente ganho com o uso do medicamento. Seu cálculo, no entanto, depende de modelos complexos (como os modelos de Markov4) que, por sua vez, dependem de dados robustos de ensaios clínicos randomizados (os quais raramente estão disponíveis para medicamentos e doenças órfãos), para que possamos estimar o impacto do medicamento no sistema de saúde que o financiará (SUS ou Saúde Suplementar).

Assim, muitas vezes são desenvolvidos remédios muito caros, mas com relevância clínica incerta (ou por terem efeitos demonstrados em poucos pacientes do estudo, ou pelos efeitos serem somente em aspectos indiretos da doença ou por serem muito tóxicos). A custo-efetividade deste remédio certamente será desfavorável (custo muito alto para uma efetividade baixa).

Em países (como o Reino Unido e o Canadá, por exemplo) onde os sistemas públicos de saúde utilizam sistematicamente a análise de custo-efetividade para decisões de incorporação, são definidos os limiares de custo, acima dos quais um tratamento não pode ser incorporado. Para doenças raras e cuidados de fim de vida, o limiar de custo-efetividade costuma ser maior, ou seja, o preço que o sistema de saúde se propõe a pagar por cada QALY ganho é maior. Mas, no Brasil não temos esses limiares definidos. Assim, as análises econômicas em saúde, no Brasil, ainda não têm força regulatória suficiente, o que ameaça gravemente a sustentabilidade do SUS.

Por isso, a relevância clínica, apesar de ser muito importante para o usuário, não pode ser o único parâmetro para as decisões de incorporação e financiamento de medicamentos, pois a custo-efetividade é uma ferramenta importante para decisões que envolvem recursos finitos. Essa é uma preocupação mundial e envolve também os países com sistemas de saúde com mais recursos do que o nosso.5

Do ponto de vista das doenças raras, dado que os recursos são finitos, me parece mais custo-efetivo (ou seja, algo que produzirá efeitos melhores em aspectos de interesse à saúde do paciente – como qualidade de vida e tempo de vida – para um número maior de pessoas com a doença) buscar a garantia de financiamento de uma rede de cuidados multiprofissionais para diagnosticar, tratar e/ou prevenir as manifestações e complicações das doenças (muitas vezes incuráveis) do que buscar a garantia de financiamento de medicamentos caros e de relevância clínica incerta.


Parte 3

A proposta no Senado diz ainda que os medicamentos órfãos destinados ao tratamento de doenças raras terão preferência na análise para concessão de registro sanitário junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e estabelece algumas regras para facilitar o registro.”

Comentário da Dra. Luíza de O. Rodrigues:

Segundo a própria Agência:

“O registro de medicamento é o ato por meio do qual a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza a comercialização deste produto, mediante “avaliação do cumprimento de caráter jurídico-administrativo e técnico-científico relacionada com a eficácia, segurança e qualidade destes produtos”.”

Entendo que o registro tem seus prazos determinados pelo volume de demanda e pela necessidade de análises técnicas das solicitações de registros. Facilitar esses registros pode comprometer a seriedade das análises, que já são bastante flexíveis do ponto de vista da Avaliação de Tecnologias em Saúde, dado que diversos medicamentos são aprovados mesmo tendo sido avaliados somente em estudos de menor qualidade metodológica (do tipo ensaio clínico de fase II).

Já existem normas para solicitar priorização nestas análises.6 No entanto, as análises, reitero, não dizem respeito à custo-efetividade ou às indicações clínicas baseadas em evidências comparativas ou ao impacto do medicamento no sistema de saúde. O registro da ANVISA é o que permite a comercialização do medicamento no país.

Já o papel da CONITEC, segundo a própria CONITEC:

“(…) difere bastante do papel da Anvisa na avaliação das tecnologias. A Anvisa realiza uma avaliação de eficácia e segurança de um medicamento ou produto para a saúde visando à autorização de comercialização no Brasil. No entanto, para que essas tecnologias possam ser utilizadas na rede pública de saúde (SUS), além de receber o registro da Anvisa, elas precisam ser avaliadas e aprovadas pela CONITEC, que considerará a análise da efetividade da tecnologia, comparando-a aos tratamentos já incorporados no SUS. Caso a nova tecnologia demonstre superioridade em relação às tecnologias já ofertadas no SUS, serão avaliados também a magnitude dos benefícios e riscos esperados, o custo de sua incorporação e os impactos orçamentário e logístico que trará ao sistema.”7

Portanto, penso que acelerar a aprovação na Anvisa não tem impacto direto na cobertura obrigatória pelo SUS ou pela Saúde Suplementar. É o CONITEC (para o SUS) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que têm esse papel. Mas, tendo a aprovação da Anvisa para a droga ser comercializada em território nacional, a judicialização se torna possível (ou seja, obtenção do medicamento por via judicial).

No entanto, como já comentamos, o Poder Judiciário não é a instância adequada para se decidir políticas de saúde. Especialmente quando o foco é a melhora dos aspectos de interesse à saúde do paciente, o que raramente é obtido com os medicamentos modernos.

Dr LOR pergunta: em resumo, podemos dizer que este projeto de lei tem como objetivo principal facilitar a venda de medicamentos sem evidência comprovada para pessoas com doenças raras?

Resposta da Dra. Luiza O Rodrigues:

Não sei se é o objetivo principal, mas, de fato, este projeto de lei, se aprovado dessa maneira, facilitaria a venda de medicamentos (geralmente muito caros e tóxicos) sem eficácia demonstrada, para pessoas com doenças raras que, não raramente, têm poucas opções terapêuticas, fazendo com que estejam mais dispostas a tentar esses tratamentos incertos.

Dessa maneira, isso pode fazer com que outros tratamentos, inclusive não-medicamentosos, com maior comprovação de eficácia em melhorar aspectos de interesse à saúde do paciente, ou menores riscos, não sejam tentados ou sejam abandonados por possibilidades incertas, de alto custo e com efeitos colaterais potencialmente graves.

Referências

1. STF. Pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto custo por via judicial. 2016. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326275 .

2. Brito MA de. Medicalização da vida: ética, saúde pública e indústria farmacêutica. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2554-2556. doi:10.1590/S1413-81232012000900036 .

3. INCA. Cuidados paliativos. 2017. http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/cancer/site/tratamento/cuidados_paliativos .

4. Sato RC, Zouain DM. Modelos de Markov aplicados a saúde. Einstein. 2010;8(3 Pt 1):376-379. http://www.scielo.br/pdf/eins/v8n3/pt_1679-4508-eins-8-3-0376.pdf .

5. Sullivan R, Peppercorn J, Sikora K, et al. Delivering affordable cancer care in high-income countries. Lancet Oncol. 2011;12:933-980. doi:10.1016/S1470-2045(11)70141-3 .

6. ANVISA. Priorização de análise de medicamentos. 2017. http://portal.anvisa.gov.br/resultado-de-busca?p_p_id=101&p_p_lifecycle=0&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-1&p_p_col_count=1&_101_struts_action=%2Fasset_publisher%2Fview_content&_101_assetEntryId=2708799&_101_type=content&_101_groupId=3 .

7. CONITEC. Perguntas frequentes. 2017. http://conitec.gov.br/perguntas-frequentes .

8. Wise PH. Cancer drugs, survival, and ethics. BMJ. 2016:i5792. doi:10.1136/bmj.i5792 .

Recebi o convite (ao lado) para o lançamento de uma nova iniciativa de apoio para pessoas com Doenças Raras, a Linha Rara, que segundo os organizadores é a continuação de um trabalho que vem sendo desenvolvido em Portugal.

Penso que todas as iniciativas destinadas a tornarem as doenças raras mais conhecidas pelas pessoas afetadas e pelos profissionais da saúde devem ser apoiadas. Para apoiarmos de forma consciente senti necessidade de conhecer melhor a Linha Rara.

Como sou dedicado às Neurofibromatoses e não estou suficientemente familiarizado com as outras doenças raras, fiz algumas perguntas sobre a Linha Rara para o Rogério Lima Barbosa, fundador da Associação Maria Vitoria de Doenças Raras (AMAVI), que está realizando seu doutorado em sociologia na Universidade de Coimbra justamente sobre este tema.

Rogério gentilmente respondeu e trouxe diversas informações interessantes sobre a Linha Rara, que podem ser úteis ao acolhimento das pessoas com Doenças Raras, incluindo as Neurofibromatoses.



LOR – Você conhece a Linha Rara e o trabalho do grupo de pessoas e apoiadores desta iniciativa? 


Rogério – Primeiramente, quero agradecer por trazer um assunto central nas minhas pesquisas a partir do exemplo deste convite. É preciso destacar que as associações civis atuam de acordo com as ferramentas que encontram e considerando os outros atores interessados no campo das doenças raras, como a indústria farmacêutica, o governo e os cientistas.

As associações de pessoas com doenças raras começam a atuar sem perseguirem qualquer outro objetivo além de se ajudarem uns aos outros, a partir de uma experiência pessoal de compartilhamento de realidades semelhantes. Portanto, parabenizo às pessoas que se aventuram nesse campo.

Sim, conheço o trabalho dessas associações que realizaram o convite da Linha Rara.

A “Raríssimas” é uma instituição com sede em Portugal e possui a filial brasileira ancorada em São Paulo. Se considerarmos a forma de atuação dessa instituição, os veículos de comunicação que utilizam e a própria estrutura das suas páginas na internet percebemos uma forte tendência para o estilo empresarial de trabalho. Este modelo tem como inspiração a Eurordis, a organização europeia mais influente no assunto específico da doença rara. Como esse modelo é muito diferente da grande maioria das associações civis, pesquisadores sociais de Coimbra e de Paris, as denominam como Organizações de Pacientes.



LOR – Como esta iniciativa está funcionando em Portugal?


Rogério – A Linha Rara já existe em Portugal desde 2009, e já ganhou alguns prêmios europeus, como o Mãos Dadas, destinado ao reconhecimento de boas práticas de empreendedorismo social e de liderança na comunidade. Esse prêmio é uma iniciativa da Associação Portuguesa de Criatividade e Inovação.

Como uma forma de verificar o trabalho realizado em Portugal, por esses dias, fiz um contato com a Linha Rara, uma vez que estou em Coimbra. O atendimento não foi diferente do que eu já esperava e pareceu um tanto disperso. A pessoa que me atendeu desconhecia as Neurofibromatoses e, claramente, realizava algumas pesquisas enquanto conversava comigo ao telefone.

A impressão de que o atendente desconhecia o cuidado para a Neurofibromatose foi corroborada pela indicação que as informações sobre a NF seriam encaminhadas para o meu e-mail no prazo de uma semana. Eu desliguei o telefone sem qualquer orientação que me ajudasse no entendimento do diagnóstico ou na busca por tratamento.

Ontem, no dia limite para enviarem as prometidas informações, recebi uma mensagem comunicando que eu devo aguardar mais alguns dias porque o meu pedido “encontra-se em avaliação por parte da nossa Equipa Técnica. ”

Bem, se em Portugal, que é a inspiração brasileira, o serviço deixou a desejar, não consigo pensar que será diferente no Brasil. O nosso país é quase 20 vezes maior que Portugal, ao considerarmos a população, e 92 vezes maior em termos territoriais. Podemos estar à beira de um caso de frustrações bem maiores.

LOR – Qual é o tipo de orientação que eles fornecem?

Rogério – Aqui em Portugal, parece-me que a Linha Rara tem preferência por encaminhar as pessoas à Casa de Marcos, que é o Centro de Referência deles. Veja que é preferência e não uma obrigação. Essa iniciativa possui o apoio do governo português e, além de manter pessoas carentes em suas instalações, busca realizar um atendimento multiprofissional para pacientes e familiares.

Por outro lado, este procedimento tem uma outra face. Também serve como um mecanismo para conhecer, identificar e localizar as que possuem algum diagnóstico de doenças raras. Ao considerarmos a corrida empresarial para a construção dos chamados “biobancos” (informações de pessoas sobre suas condições de saúde e doenças) e o aumento do interesse sobre o campo das mutações genéticas, reunir os dados de pessoas com doenças raras é uma das formas de facilitar a comercialização de medicamentos. 



LOR – Então há uma relação direta entre esta instituição e os laboratórios farmacêuticos?


Rogério – Sim. Em Portugal e outros países da Europa, não há qualquer constrangimento em informar quais são os parceiros comerciais destas associações de pessoas com condições genéticas raras. Na Europa, como na entidade denominada Eurordis, que é a associação mais influente sobre o tema específico das doenças raras, podemos encontrar as informações sobre as parcerias que acontecem tanto com os maiores laboratórios farmacêuticos e grandes empresas privadas quanto com o governo português. O mesmo acontece com a Raríssimas (ver aqui: http://www.rarissimas.pt/pt/conteudo/150/103/parceiros-e-apoios ).

Disponibilizar esta informação é importante porque aumenta a transparência e fomenta o diálogo coletivo.



LOR – E no Brasil, também é assim?


Rogério – Creio que não. Ao visitar o site de muitas associações civis brasileiras de doenças raras não conseguimos ver as parcerias que são firmadas para a angariação de recursos financeiros.

O curioso é que toda pessoa que começa a participar do campo das doenças raras logo descobre que quanto mais próximo da venda de remédios, mais rápida é a busca do diálogo por parte das indústrias Farmacêuticas.

Assim, a relação entre essas organizações de pacientes e o mercado é quase que uma coisa natural. Por isso, ao vermos sites, como o do Instituto, e as ações como a do convite da Linha Rara, a pergunta que surge é: com quais recursos financeiros eles conseguem essa estrutura ou para fazer tantas atividades?

Diferente do que acontece na Europa, no Brasil não conseguimos ver as parcerias institucionais das organizações de pacientes com o mercado. Isso é facilmente constatado ao visitarmos os sites de organizações como a do Instituto e acessarmos o link que indica as parcerias. A indicação de parcerias com o mercado é nula ou muito pouca. No entanto, vemos uma série de logomarcas de representantes de associações civis e, algumas vezes, a logomarca de alguma secretaria de saúde.

E essa divulgação não é desprovida de interesses. Por exemplo, o uso das logomarcas de associações pretende demonstrar legitimidade da organização. Fica confuso e as informações não batem, porque ao mesmo tempo que algumas organizações brasileiras buscam apresentar uma suposta riqueza, elas não possuem a mesma preocupação para divulgarem o como conseguem suportar os seus gastos. Para uma associação, que tem a finalidade de representar a sociedade civil, parece-me um problema importante.

Em nosso caso, se voltarmos ao exemplo do Instituto que realiza o convite para o evento da Linha Rara, ao visitarmos o seu site não encontramos qualquer indicação do apoio financeiro que recebem (ver aqui: http://www.vidasraras.org.br/site/vidas ) Esse é um exemplo que pode ser encontrado em diversas outras associações.

A visão do Brasil como um mercado atraente para a indústria farmacêutica, foi muito bem demonstrado na apresentação do representante da Multinational Partnership LLC, realizada no II Congresso Ibero-americano de Doenças Raras, em Brasília, no ano passado, em que ele afirmou: a América Latina é o lugar para as doenças órfãs!

Em uma notícia no site da Febrafar (Federação Brasileira das Redes Associativas e Independentes de Farmácias), vemos que o mercado das drogas para doenças raras é um mercado disputado pelas indústrias. Portanto, o discurso de que a indústria não possui interesse no campo das doenças raras é antigo e não corresponde à realidade.

Outro ponto que observamos é a limitação da pluralidade das organizações como a da Linha Rara. Num universo onde existem mais de cinco mil doenças raras, no link destinado a Síndromes Raras, não há indicação para muitas outras condições genéticas como, por exemplo, as Neurofibromatoses, as quais são as doenças monogenéticas mais comuns entre os seres humanos.

LOR – Então, qual seria o objetivo final da Linha Rara?



Rogério – Dentro deste cenário o qual o Brasil é apenas coadjuvante nas decisões, mas é o “alvo” da comercialização, ou seja, as atenções são para a venda de medicamento. Vivemos os planos realizados no início da década, quando a indústria farmacêutica começou a divulgar o seu interesse no campo das doenças raras, com as projeções de venda para o período entre 2012 e 2018 superiores e em o dobro das projeções previstas para os medicamentos prescritos, excluindo os genéricos.


LOR – Qual é a perspectiva futura?


Rogério – Hoje, observamos que a entrada desta associação internacional em um cenário brasileiro pode desestabilizar o fortalecimento das diversas associações de doenças raras que lutam por uma saúde pública abrangente e eficiente, inviabilizando a criação de uma rede de cuidado e de informação para o paciente.

Como as organizações civis (ao estilo da Eurordis ou da Raríssimas) agem em busca do lucro, são fundamentalmente diferentes da maioria das associações de pacientes. Enquanto estas últimas baseiam-se na promoção de atividades associativas em benefício das pessoas que dizem representar, aquelas focam em atividades que podem apoiar as pessoas que dizem representar, mas que devem gerar lucro para a sua estrutura e as pessoas que a formam. Portanto, para não replicarmos a cisão entre as associações, o que aconteceu na Europa, é preciso fortalecer os laços associativos no Brasil.

Isso quer dizer que precisamos encontrar o fortalecimento entre as associações e a divulgação de ações que já existem como, por exemplo, o 0800 do Instituto Canguru.

Utilizei esse canal quando minha família recebeu o diagnóstico de Neurofibromatose, em 2010, e fui muito bem acolhido. Eles fazem um excelente trabalho e estivemos em várias atividades em conjunto. 



LOR – Mas é possível mudar esta situação desfavorável para a maioria das doenças raras?


Rogério – É claro que sim. O primeiro passo é conhecermos a nós mesmos. Além de todo o cenário internacional que persegue o nosso país para a venda de drogas órfãs, precisamos enxergar que esse interesse somente existe por causa de nossas virtudes. E, a principal delas, é a garantia da saúde como um direito, que é o nosso Sistema Único de Saúde, o SUS.

Hoje, o SUS garante não somente o atendimento de qualidade das pessoas com alguma condição genética, que, não raro, acontece nos hospitais escolas, como também é o SUS que fornece os recursos para uma assistência de saúde suplementar, assim como é por causa do SUS que há o processo judicial para conseguir as medicações.

Portanto, como um sistema, é o SUS que fornece todos os mecanismos para o atendimento da pessoa, de maneira integral.

Assim, defender o SUS e a integralidade do cuidado a que propõe é o mesmo que cuidar das pessoas e enxergar toda a complexidade que envolve o cuidado. Ao contrário, se continuarmos a replicar o discurso europeu e a alinhar as condições genéticas às doenças e aos medicamentos órfãos, mutilamos a nossa principal virtude e nos apequenamos.

É preciso pensarmos no cuidado na perspectiva do SUS para passarmos a cuidar da saúde e da pessoa. Porque realizar o cuidado apenas pelo remédio e o comércio, é uma preocupação do mercado em instrumentalizar a família como representantes desvalorizar o nosso bem mais precioso, a própria vida.


Recebi algumas perguntas sobre a portaria do Ministério da Saúde (dezembro de 2016) que habilita um hospital de Brasília como Centro de Referência em Doenças Raras, incluindo na sua competência as doenças de origem genética e não genéticas.

Primeiramente, devo esclarecer que sou professor aposentado na Universidade Federal de Minas Gerais e presto serviço ao Sistema Único de Saúde como médico voluntário no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas. Nesta condição, não conheço a estrutura do SUS de forma suficiente para emitir opinião técnica sobre a designação de um determinado hospital como centro de referência em doenças raras.

Da mesma forma, não tenho conhecimento científico e médico suficiente sobre as mais de cinco mil doenças raras, o que também me impede de emitir opinião técnica sobre as doenças raras de forma específica.

Assim, reservo-me à prudência de opinar exclusivamente sobre as neurofibromatoses (NF1, NF2 e Schwannomatose), que fazem parte das doenças raras, é verdade, mas com as quais tenho envolvimento pessoal, técnico e científico há alguns anos.

Neste sentido, minha impressão é de que a primeira linha de atuação em benefício das pessoas com doenças raras talvez seja lutarmos por uma grande mudança no pensamento médico a respeito delas.

Até agora, por gerações e gerações de estudantes de medicina, temos sido formados com o pensamento de que devemos aprender a cuidar das doenças mais comuns. Dizem que um professor em minha faculdade ensinava: “O que é comum, é comuníssimo; o que é raro, é raríssimo”. Há, nesta postura, uma crítica aos médicos que se dedicam a estudar as “raropatias”.

Este tipo de pensamento pode estar nos induzindo a não incluirmos as doenças raras no rol de doenças possíveis diante de uma pessoa que nos procura por atendimento médico.

Ao contrário, se formos ensinados que entre cada 100 pessoas que atendemos 3 delas podem apresentar alguma doença rara, nossa postura será completamente diferente: ao invés de ampliarmos as variantes das manifestações das doenças comuns, deixando passar desapercebida uma doença rara qualquer, pensaremos mais na possibilidade de estarmos diante de algo que não conhecemos bem e que precisamos enviar para outros colegas com mais possibilidades de esclarecimento. Ou seja, sentiremos mais a necessidade de encaminhamento a um Centro de Referência.

Imagino que estes centros de referência devam receber profissionais capacitados em doenças raras e serem equipados como mais uma das especialidades médicas, como são a ginecologia, a pediatria, etc., sem com isso contradizer a própria estrutura democrática do SUS.

Em outras palavras, penso que os centros de referência devem prestar atendimento médico sem privilégios, ou seja, respeitar a equidade, que é dar a cada um de acordo com sua necessidade, mas dentro dos limites impostos pela igualdade de tratamento para todos.

Neste sentido, precisamos defender e melhorar o SUS para todas as pessoas e, com isto, melhorar o SUS também para aqueles que possuem doenças raras.