Diferenciar um neurofibroma plexiforme de um neurofibroma atípico ou de um tumor maligno da bainha do nervo periférico é sempre um desafio clínico (ver aqui).
Esta distinção é importante porque o neurofibroma plexiforme (NP) pode ser observado clinicamente sem intervenções ou tratado com cirurgia ou medicamentos (ver aqui), enquanto o neurofibroma atípico (NA) precisa ser removido cirurgicamente e o tumor maligno da bainha do nervo periférico (TMBNP) requer cirurgia imediata com ressecções com margens de segurança amplas para evitar recorrência e algumas vezes já apresentam metástases no diagnóstico.
Para tentar melhorar nossa capacidade diagnóstica, um grupo de cientistas publicou recentemente os resultados de um estudo (ver aqui o artigo completo – em inglês) utilizando um exame de laboratório para a detecção precoce de TMBNP que ocorrem em cerca de 10% das pessoas com Neurofibromatose do tipo 1 (NF1). O objetivo foi investigar se este exame seria capaz de ajudar na tomada de decisão clínica, permitindo o tratamento precoce e assim evitar resultados mortais.
Foi utilizado um método sofisticado de biologia molecular (fragmentômica) que analisa fragmentos do material genético (DNA) e o número de cópias de determinados genes circulantes no plasma – sem as células sanguíneas – para distinguir se uma pessoa apresenta um NP ou NA ou TMBNP.
Foram estudadas 101 pessoas com NF1 e 21 pessoas saudáveis (como controles), e todas elas foram submetidas ao sequenciamento do genoma completo, à análise das alterações no número de cópias de determinados genes e à reprodução in silico dos perfis de fragmentos genéticos.
Os resultados mostraram que a alteração no número de cópias de alguns genes identifica os casos de TMBNP, mas não consegue distinguir entre tumores benignos (NP) e pré-malignos (NA). No entanto, a análise de fragmentos do DNA foi capaz de diferenciar os NA dos NP e orientaram a conduta em casos suspeitos de TMBNP.
As autoras e autores concluíram que a análise de fragmentos do DNA no plasma permitiu separar NP (benignos) de TMBNP, auxiliando o diagnóstico clínico e o tratamento de forma mais precisa.
Este estudo é pioneiro na detecção precoce de lesões malignas e pré-malignas na NF1 e pode ser um modelo de abordagem não invasiva e descentralizada para a identificação da transformação maligna em pessoas com NF1 e também em outras doenças hereditárias com predisposição ao câncer.
Os detalhes técnicos estão além da minha compreensão de biologia molecular, especialmente sobre as características dos fragmentos de DNA e sua relação com a malignidade, mas pude compreender que este estudo representa um avanço na capacidade de diferenciarmos laboratorialmente de forma não invasiva os NP dos NA e dos TMBNP.
Esta nova abordagem diminui nossas incertezas sobre a biópsia tradicional e permite o cuidado individualizado das pessoas com NF1.
A utilidade do método pode ser vista num dos exemplos citados no estudo, no qual o resultado de uma biópsia comum mostrou neurofibroma atípico (por isso a cirurgia foi feita com pequena margem de segurança), mas a análise histológica do tumor revelou TMBNP, o qual recidivou no local. A fragmentômica, no entanto, já indicava TMBNP desde o momento da biópsia comum até a recidiva meses depois.
Além disso, a fragmentômica foi capaz de distinguir os controles saudáveis dos neurofibromas plexiformes, o que se reveste de significado clínico importante, pois pode indicar a carga tumoral, ou seja, a quantidade e volume dos plexiformes de uma pessoa com NF1, o que atualmente se obtém apenas com a ressonância magnética de corpo inteiro.
As possíveis fragilidades do estudo são: 1) o tamanho relativamente pequeno da amostra; 2) o fato de não ter sido um estudo prospectivo; 3) pouca documentação clínica seriada e padronizada com estudos de imagem, especialmente em pessoas com múltiplos neurofibromas plexiformes.
As autoras e autores já estão estudando a mesma técnica em outros tumores comuns nas pessoas com NF1, como gliomas, feocromocitomas e tumores gastrointestinais.
Em conclusão, este estudo constitui um avanço importante na nossa capacidade de diagnosticar e tratar uma das mais graves complicações da NF1.
Esperamos que os laboratórios brasileiros sejam capazes de realizar este procedimento o mais breve possível para que possamos orientar melhor as pessoas com NF1 que atendemos no CRNF.
Dr. Lor