Somos médicas e médicos no CRNF que acompanham centenas de famílias com Neurofibromatose do Tipo 1 (NF1), uma doença que pode causar neurofibromas. Esses tumores são geralmente benignos, mas podem trazer dor, deformidades e outras complicações. Por isso, estamos sempre em busca de tratamentos que possam controlar ou reduzir esses tumores.

Além disso, em nossa equipe no CRNF, somos 3 médicos e uma médica que têm filhas ou filhos com NF1, portanto, foi com grande interesse que lemos o estudo recente de Chen e colaboradores, publicado na revista científica The Lancet [ver aqui link para o artigo completo em inglês), que avaliou o uso do selumetinibe em adultos com neurofibromas sintomáticos que não podem ser tratados com cirurgia.

Hoje, a cirurgia é o tratamento padrão para alguns casos, mas em tumores muito grandes, espalhados ou em locais difíceis, a cirurgia não é viável. Nesses casos, não há muitos tratamentos disponíveis, o que torna esse tipo de pesquisa especialmente importante.

 

Uma nova possibilidade de tratamento

 

O selumetinibe pertence a uma classe de medicamentos chamados inibidores de MEK, que foi a primeira a mostrar alguma redução no tamanho dos neurofibromas. Esse remédio não é uma cura, e tem limitações quanto à eficácia e aos efeitos colaterais, mas representa um avanço. Até agora, ele tinha sido estudado apenas em crianças [ver aqui  e aqui], e este estudo traz informações importantes sobre seu uso em adultos.

 

Resultados principais do estudo

 

O estudo foi feito em vários centros e envolveu 145 adultos com NF1 e ao menos um neurofibroma plexiforme sintomático e inoperável. Os resultados mostraram que, após 16 ciclos de tratamento, 20% dos pacientes que tomaram selumetinibe tiveram uma redução de pelo menos 34% no volume do tumor. No grupo que tomou placebo (um remédio sem efeito), apenas 5% tiveram alguma redução.

O selumetinibe não foi superior ao placebo na redução da dor, porque houve uma pequena melhora na dor em quem usou o selumetinibe, mas esta redução da dor foi semelhante em quem usou o placebo. 

No entanto, o selumetinibe não melhorou a qualidade de vida dos pacientes em comparação com o placebo.

 

Quais tipos de neurofibromas responderam melhor?

 

Existem diferentes tipos de neurofibromas: cutâneos (na pele), nodulares e difusos (ver aqui mais detalhes). Esses dois últimos podem formar tumores mais complexos chamados plexiformes, e às vezes afetam todos os nervos que saem da coluna (forma espinhal da NF1).

O estudo não informou se algum desses subtipos respondeu melhor ao tratamento com selumetinibe. Essa informação seria muito útil para orientar melhor os médicos e pacientes sobre quais pessoas têm maior chance de responder melhor ao medicamento.

 

Por que não foi feito um estudo com troca de grupos?

 

É uma pena que o estudo não tenha usado um tipo de pesquisa em que TODOS os participantes trocam de tratamento após um tempo (por exemplo, quem começou com placebo passa para o selumetinibe, e vice-versa), o que é comum em estudos com medicamentos de uso crônico. 

Só houve uma troca dos pacientes que estavam usando placebo e passaram a usar o selumetinibe. 

A falta deste cruzamento limita a utilidade deste estudo da Lancet pois poderíamos ficar sabendo o que acontece quando o tratamento é interrompido: o tumor volta a crescer? O efeito se mantém?

 

Tolerância ao tratamento em adultos com NF1 de longa duração

 

Os efeitos colaterais mais comuns do selumetinibe foram problemas de pele, intestinais e no fígado. Cerca de 15% dos pacientes pararam o tratamento por causa desses efeitos. Além disso, o remédio exige monitoramento constante, como exames cardíacos, o que é um desafio, especialmente porque estamos lidando com uma doença crônica e em princípio benigna.

Como os tumores da NF1 geralmente não são malignos, e o remédio só reduz parcialmente o tamanho, é importante pensar com cuidado sobre os riscos e benefícios no longo prazo. Os pacientes devem participar ativamente dessa decisão, e o tratamento deve ser feito com acompanhamento cuidadoso, como ocorre em centros especializados, como o Centro de Referência em Neurofibromatose da UFMG [ver aqui].

 

Todas as pessoas que precisarem podem ter acesso ao medicamento? 

 

Também lamentamos que o estudo não tenha avaliado se o tratamento é viável do ponto de vista econômico nos adultos. Já sabemos que, para crianças, alguns estudos sugerem que o remédio só seria custo-efetivo se tivesse o preço bastante reduzido ou se o tratamento fosse curto [referências NICE e CADTH]. Mas essa análise ainda falta para os adultos.

 

Conclusão

 

O estudo de Chen et al. representa um avanço importante na pesquisa sobre tratamentos para NF1 em adultos. O selumetinibe pode ajudar uma parte dos pacientes com tumores inoperáveis, mas os benefícios ainda são limitados. Há necessidade de mais estudos para:

  • Identificar melhor quem tem mais chance de se beneficiar do remédio;
  • Entender quais tipos de tumores respondem melhor (nodulares ou difusos);
  • Testar combinações de medicamentos diferentes;
  • Avaliar os efeitos no longo prazo – o que acontece quando o medicamento é suspenso?
  • E verificar se o tratamento é viável do ponto de vista econômico para que todas as pessoas que necessitem dele tenham acesso. 

Continuaremos acompanhando os avanços da ciência e informando nossas famílias com transparência e responsabilidade.

 

Assinam este post a Diretoria da AMANF e a equipe médica do CRNF HC UFMG

SIM, somos a favor da incorporação do selumetinibe pelo SUS, mas com algumas condições, que são importantes para garantir o acesso e a segurança, para quem precisa do remédio, e a sustentabilidade do sistema de saúde:

  1. Redução do preço em cerca de 90% do preço já listado na CMED (como o Canadá e o Reino Unido conseguiram – ver aqui o link) para que todas as pessoas com NF1 com indicação para seu uso tenham acesso ao medicamento.
  2. Seja prescrito dentro da bula, ou seja, somente para neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis em crianças de 2 a 18 anos, conforme os pacientes incluídos no estudo original (ver aqui);
  3. Seja prescrito por profissionais com experiência em neurofibromatoses, sem conflitos de interesse;
  4. Que seja seguido um protocolo de cuidados que apoie a decisão compartilhada para a decisão do uso do medicamento, que informe claramente aos pacientes os potenciais benefícios e riscos do tratamento (ver aqui os cuidados página da AMANF);
  5. Que todos os pacientes sejam informados claramente de que ainda não se sabe  o que acontece se tivermos que suspender o selumetinibe, inclusive de que há relatos de casos de crescimento acelerado dos tumores com a interrupção do medicamento e isso é um risco a ser considerado (ver aqui relato de caso com o efeito rebote);
  6. Somente continuar o uso depois de 18 meses de tratamento se houver evidências clínicas objetivas de que o paciente está respondendo ao medicamento, incluindo avaliação objetiva de redução da dor, da melhora da capacidade motora e/ou da redução do tamanho do tumor.

Assinam esta opinião a equipe de médicas e médicos do CRNF e toda a Diretoria da AMANF 

Equipe de Apoio Jurídico da AMANF

 

A importância do trabalho no contexto dos direitos fundamentais está ligada à sua função como meio de realização pessoal, sustento e inclusão social. O trabalho é considerado aspecto essencial para a dignidade humana, garantindo autonomia e participação na sociedade, conforme previsto em instrumentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal, em seus artigos 6º e 7º.

Pessoas com deficiência podem enfrentar barreiras sociais, físicas e atitudinais que limitam suas oportunidades. Por isso, o direito ao trabalho é garantido por uma série de normas legais que visam promover a inclusão e a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, tanto na iniciativa privada quanto no setor público.

Esse é o caso, também, de pessoas com neurofibromatose (NF1 e Schwannomatoses) que, a depender das manifestações da condição, podem ser legalmente reconhecidas como pessoas com deficiência. Esse reconhecimento, sempre realizado de forma individualizada, é essencial para assegurar o acesso aos direitos previstos na legislação brasileira de inclusão.

 

Acesso a vagas na iniciativa privada

 

A Lei nº 8.213/1991, conhecida como Lei de Cotas, estabelece que empresas com 100 ou mais funcionários devem reservar uma porcentagem de suas vagas para pessoas com deficiência. Essa reserva varia de 2% a 5%, dependendo do tamanho da empresa, conforme o artigo 93 da referida lei.

Esse dispositivo pode ser invocado por pessoas com neurofibromatose que tenham laudo e avaliação funcional atestando impedimentos duradouros, com impacto na vida profissional.

 

Acesso a cargos no serviço público

 

No âmbito do serviço público, a Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, assegura a reserva de cargos para pessoas com deficiência, conforme previsto no artigo 5º, § 2º. Essa norma determina que até 20% das vagas oferecidas em concursos públicos sejam destinadas a candidatos com deficiência, desde que as atribuições do cargo sejam compatíveis com a deficiência declarada.

Além disso, a legislação exige que as provas e avaliações sejam adaptadas, garantindo condições equitativas de participação, como tempo adicional, recursos de acessibilidade ou auxílio de profissionais especializados, conforme a necessidade do candidato. Essa reserva de vagas visa promover a inclusão socioeconômica das pessoas com deficiência, corrigindo desigualdades históricas e garantindo seu direito constitucional ao trabalho digno.

 

Inclusão no ambiente de trabalho

 

Além da reserva de vagas, o serviço público e o setor privado devem adotar medidas de acessibilidade e inclusão para garantir que as pessoas com deficiência exerçam suas funções em condições de igualdade. Essas adaptações incluem:

– Acessibilidade arquitetônica: Eliminação de barreiras físicas nos locais de trabalho, como rampas, elevadores, banheiros adaptados e sinalização tátil e visual.

– Tecnologia assistiva: Fornecimento de equipamentos e softwares especializados, como leitores de tela, ampliadores de texto, impressoras em braille e dispositivos de comunicação alternativa.

– Adaptação de materiais e processos: Disponibilização de documentos em formatos acessíveis (braile, audiodescrição, linguagem simples) e ajustes nos métodos de trabalho, quando necessário.

– Flexibilização de horários e jornada: Possibilidade de adaptação na carga horária ou regime de trabalho, conforme as necessidades individuais, sem prejuízo à remuneração.

– Capacitação e sensibilização: Treinamento de gestores e colegas de trabalho para promover um ambiente inclusivo e combater discriminação ou preconceitos.

Essas medidas seguem a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), internalizada no Brasil com status constitucional pelo Decreto nº 6.949/2009, que determina, em seu artigo 27, a eliminação de barreiras e a garantia de igualdade de oportunidades. Assim, a reserva de vagas vai além da admissão, assegurando condições para permanência no serviço público e na iniciativa privada.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) complementa essa proteção, proibindo discriminação e exigindo adaptações razoáveis nos ambientes de trabalho, incluindo adequação de espaços físicos, equipamentos e métodos laborais, conforme o artigo 34. A mesma norma prevê a superação de barreiras mediante tecnologias assistivas e ajustes estruturais, conforme o artigo 3º, inciso I.

 

Conclusão

 

Em resumo, as pessoas com deficiência têm direito a oportunidades de trabalho em igualdade de condições, com reservas de vagas e adaptações necessárias para superar barreiras físicas, comunicacionais ou atitudinais.

Pessoas com neurofibromatose, quando reconhecidas como PCD, devem ter garantido esse mesmo direito, com pleno acesso às políticas de inclusão laboral. O compromisso com a equidade no trabalho não é apenas uma exigência legal — é um passo necessário para construirmos ambientes mais justos, diversos e humanos, onde cada pessoa possa exercer seu potencial com dignidade.

 

Convidei a Dra. Pollyanna Barros Batista para comentar um dos temas livres do Congresso de Neurofibromatose em Washington, que se encerrou na semana passada. Dra. Pollyanna participa do CRNF há mais de uma década, contribuindo com diversos conhecimentos originais sobre os problemas fonoaudiológicos na NF1 e nas Schwannomatoses.

Dr. Lor

 

 

Pollyanna Barros Batista

Fonoaudióloga

Doutora e Mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto

Especialista em Linguagem pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia

Idealizadora da Plataforma Hey Ear

 

Durante a NF Conference 2025, um dos pôsteres que mais chamou minha atenção foi o trabalho da Dra. Anna Wild e sua equipe da Universidade de Manchester, intitulado “Examining the Effect of Non-Invasive Brain Stimulation on Working Memory in NF1”. Trata-se de uma investigação ousada, que busca compreender como dois tipos de estimulação cerebral – a transcranial direct current stimulation (tDCS) e a transcranial alternating current stimulation (tACS) – podem influenciar a memória de trabalho em adolescentes com Neurofibromatose tipo 1 (NF1).

A escolha do foco na memória de trabalho não é trivial. Sabemos que muitas pessoas com NF1 enfrentam dificuldades cognitivas importantes, sobretudo em funções executivas como atenção, memória e controle inibitório. Esses desafios impactam diretamente a aprendizagem, o comportamento e a qualidade de vida, especialmente na infância e adolescência.

O estudo avaliou 30 adolescentes entre 11 e 17 anos com NF1, submetendo-os a sessões de tDCS, tACS ou estimulação simulada (sham), enquanto realizavam tarefas cognitivas em ambiente de ressonância magnética. A pesquisa é inovadora por utilizar espectroscopia funcional (fMRS) para medir em tempo real o equilíbrio entre os sistemas excitatório (glutamato) e inibitório (GABA) no cérebro – um tema central na compreensão das alterações neurológicas da NF1. No poster, como pontos negativos, não foram citados o tempo que cada participante foi submetido ao estímulo, a intensidade da corrente elétrica quando utilizaram o tDCS e as áreas em que foram posicionados os eletrodos.

Os resultados preliminares, com metade da amostra analisada (n=15), indicam que a tACS foi mais eficaz do que a tDCS em melhorar o desempenho em uma tarefa de memória de trabalho (2-back), embora nenhum dos métodos tenha promovido ganhos sustentados após o término de 3 encontros com a estimulação.

Outro achado relevante foi o aumento da atividade glutamatérgica durante as sessões de estimulação, sugerindo que ambas as técnicas têm potencial de modular a atividade cerebral. Contudo, os autores não encontraram uma relação direta entre esses níveis bioquímicos e as mudanças no desempenho das tarefas cognitivas – o que nos mostra que os mecanismos por trás desses efeitos ainda são complexos e precisam ser melhor compreendidos.

Como fonoaudióloga atuante na área de linguagem e neurodesenvolvimento, vejo esse estudo como um passo importante no caminho da personalização das terapias para pessoas com NF1. A estimulação cerebral não-invasiva ainda é uma tecnologia em fase experimental nesse público, mas carrega consigo a promessa de ser incorporada, futuramente, a programas terapêuticos mais eficazes e direcionados.

É claro que são necessários ensaios clínicos maiores e mais robustos, como os próprios autores reconhecem. Mas o fato de estarmos investigando essas possibilidades com rigor científico já é motivo de otimismo. Estudos como esse alimentam a esperança de que, no futuro, possamos oferecer abordagens terapêuticas mais precisas, que respeitem as particularidades neurobiológicas de quem vive com NF1.

 

Uma leitora pergunta sobre um estudo científico que foi feito sobre os efeitos de uma nova droga, que pode vir a ser investigada nos problemas cognitivos das pessoas com NF1 (VER AQUI)

É uma substância que já está sendo testada como alternativa no tratamento das dificuldades cognitivas na Doença de Alzheimer e na esquizofrenia. A droga ainda não tem um nome comercial (seu código de estudo é SB258585 –  VER AQUI ). Ela ativa inversamente os receptores da serotonina (5-HT6) na área pré-frontal do cérebro, inibindo uma cascata de eventos metabólicos na via denominada mTOR, de forma semelhante a outra droga, a rapamicina, mas sem os efeitos colaterais (tóxicos e imunossupressores) desta última.

O estudo foi realizado na França, com camundongos geneticamente modificados para apresentarem problemas cognitivos semelhantes aos apresentados pelas pessoas com NF1. (Estudo completo – em inglês: VER AQUI ).

Os resultados sugerem que o medicamento inibiu a via mTOR (que também está envolvida no crescimentos dos tumores na NF1) e reverteu as dificuldades cognitivas e de socialização dos camundongos (especialmente no longo prazo) e que por isso a droga deveria ser estudada em seres humanos, uma vez que ela é bem tolerada.

Por enquanto estas são as informações disponíveis.

Aos poucos, vamos reunindo novos conhecimentos para no futuro podermos ajudar de forma mais eficiente as pessoas com NF1 a enfrentar seus problemas cognitivos (80% delas) e comportamentais (50%).

 

Dra Juliana faz seu breve relato do último dia do evento (24/06/25). 

 

O último dia foi dedicado aos estudos translacionais (das ciências básicas para a clínica), com muita ciência básica e conjecturas quanto a possíveis usos futuros em estudos clínicos. 

 

A chave de ouro para este encontro, já muito interessante e proveitoso até aqui, foi a palestra do Dr. Luis Parada. Aquele show de sempre! A palestra dele foi a última da Conferência e, ainda assim, estava cheia. 

 

As atividades de hoje demonstram que os estudos translacionais (aqueles que são feitos in vitro e em modelos animais) seguem acontecendo (independentemente do uso mais amplo dos iMEK) com a testagem de novos compostos possivelmente úteis para o tratamento dos tumores relacionados às Neurofibromatoses. 

 

Aqui vão algumas notas no apagar das luzes.

Modelo Celular de células de Schwann humanas (estudos in vitro) – drogas testadas: trametinibe, BETi e fimepinostat (nome em inglês) produzem apoptose em cultura de células de Schwann – possível alvo em tratamento futuro?

 

A questão da perda total da neurofibromina (segundo hit)

A Nf1 está associada a diferentes variantes somáticas em células normais (esta apresentação mostra como a questão do segundo hit é incerta na nf1). O que parece é que os sinais e sintomas da NF1 estão geralmente associados ao segundo hit somático.

Segundos hits em células que parecem morfologicamente normais, quer este segundo hit aconteça cedo ou tarde na embriogênese,  mantém-se sob seleção positiva, especialmente em tecidos derivados do neuroectoderma e do baço. 

O estudo apresentado mostrou isso em células do cérebro e da medula.

Ver foto abaixo.

Palestra do Dr. Luis Parada – avanços nas pesquisas para Tumor maligno da bainha do nervo periférico (MPNST). As drogas testadas: Gliodicine e Gichol (nomes em inglês). A principal mensagem foi no sentido de buscar alvos terapêuticos no metabolismo das células neoplásicas e, não exclusivamente, na variante patogênica que elas apresentam. Os resultados apresentados são preliminares e ainda não publicados. Aguardamos a publicação.

 

A conferência deste ano foi ótima e fico satisfeita de ter participado. Fica o desejo de estarmos presentes, em Denver, no ano que vem! 

 

No quarto dia da Conferência do CTF em Washington (Estados Unidos), a Dra. Juliana Souza participou de alguns painéis e palestras e nos enviou seus comentários.

 

Carnitina para fadiga e fraqueza muscular na NF1 (Dra. Berman, da Austrália) 

A proposta é estudar a suplementação de carnitina para melhorar a redução de força de adultos e crianças com NF1 (ver foto acima do estudo em fase 3).

A pesquisadora apresentou estudos com modelos animais e um estudo em fase 2 em crianças, com resultados e limitações, financiado pelo CTF, com 6 pacientes, mas os resultados, conforme fala da pesquisadora, foram animadores. 

Estes estudos deram origem ao atual “Strength Trial” que está na fase 3, em andamento, com 20 voluntários, entre 12 e 17 anos. 

Ficamos felizes em saber que nosso estudo no CRNF, sobre força muscular na NF1, foi a base deste projeto na Austrália (ver aqui trabalho de 2009 e aqui informações sobre força na NF1 em portugues).

Aguardemos estes novos resultados!!!

 

Quanto aos demais temas, nossas leitoras e leitores da AMANF vão nos desculpar, mas a temática foi destinada a pessoas muito especializadas nestes assuntos, o que torna bastante difícil evitarmos os termos técnicos, mas quem desejar saber mais, envie-nos um e-mail.

 

Painel – Abordagem das manifestações clínicas que se confundem com NF1 e Schwannomatoses 

 

Manchas café com leite isoladas (Dr. De Luca, de Roma)

 Diante da complexidade das doenças que envolvem o sistema nervoso e a pele (chamadas de facomatoses), devemos solicitar o painel genético de rasopatias para todos os pacientes que tiverem só MCL e efélide? Esta pergunta surgiu porque num caso de MCL isolada foi encontrada variante no gene LZTR1 (que está relacionado a rasopatias e schwannomatose), apesar do aspecto benigno, inicial, desta variante.

 

Neurofibromatose intestinal (Dr. Eric Legius, da Bélgica)

Reapresentação de um caso de Neurofibromatose Intestinal Hereditária, publicado pelo Riccardi pela primeira vez – vale a pena a atenção para as manifestações gastrointestinais em pessoas com NF1.

 

Neuropatia hipertrófica nas rasopatias (Dra. Dhamija, dos Estados Unidos)

A maior parte dos casos apresentados acontece na Síndrome de Noonan, são identificados por ultrassom e há dificuldade em diferenciar esta hipertrofia de um neurofibroma plexiforme no caso da NF1. 

O Dr. Legius falou da importância de buscar por este tipo de alteração, especialmente na presença de dor neuropática. 

Nota pessoal: lembrei do caso de uma paciente do CRNF com características semelhantes e acho importante revermos este caso. 

 

Tumores da bainha do nervo periférico (Dr. Ronellenftisch, da Alemanha)

Tem sido identificada variante patogênica no gene ERBB2, que produz tumor em nervo periférico, causando edema e dor neuropática, mais comum em mulheres (interferência hormonal?) sem outros estigmas da NF1 e com mais de uma raiz nervosa acometida.

 

Variante genética comum a cinco casos de neurofibromatose espinhal ( Dra. Hashemi, da Holanda) 

Foi encontrada uma variante genética patogênica no gene NF1 do tipo splice, que causou a forma espinhal da neurofibromatose em cinco pessoas. A neurofibromatose espinhal (SNF) é uma forma da NF1, caracterizada por neurofibromas bilaterais (comprovados histologicamente) de todas as raízes espinhais (e, eventualmente, de todos os principais ramos dos nervos periféricos) com ou sem outras manifestações da NF1 clássica. 

Foi lembrado que a forma espinhal apresenta  menos de 2% de pessoas sintomáticas e de 24-40% assintomáticas.

Foi comentado o estudo de Ruggieri et al ( 2015)  que reviram 98 casos de SNF publicados e encontraram 3 grupos : A) famílias com a forma espinhal, B) indivíduos isolados com a forma espinhal; C) neurofibromas em múltiplas raízes mas não em todas. Além da redução da incidência de manchas café-com-leite, outras manifestações da NF1 foram menos frequentes. O teste molecular mostrou  anormalidades comuns do gene NF1 em ambos os grupos, mas o risco de desenvolver SNF estava aumentado nas mutações tipo missense.

O diagnóstico genético parece estar recomendado para diagnóstico diferencial da forma espinhal com schwannomatose e outros genes. 

Dr. Fisher compartilhou um caso de uma paciente que ele acompanha desde os 15 anos, agora com 30 anos, com todas as raízes nervosas acometidas e um tumor abdominal, com uma mutação KRAS, que usou o selumetinibe, com boa resposta do tumor abdominal, mas com crescimento acelerado das lesões espinhais exigindo interrupção do iMEK. Assim, sugeriu o cuidado na identificação genética e molecular destes pacientes antes de usar iMEK. 

 

Terapias direcionadas aos problemas ósseos (Dr. Rios, dos Estados Unidos)

Foi observada melhora da densidade óssea ao tratar neurofibromas plexiformes próximos com iMEK, daí surgindo a pergunta se a medicação seria útil para o osso. 

Mostrou que a patogênese molecular da pseudoartrose é a perda do segundo alelo (duplo hit), ocorrendo alterações metabólicas nas células NF1-/- da fratura nas cascatas MAPK e ERK, o que levou a um estudo in vitro – para células da fratura da pseudoartrose – com inibidores MEK, ainda em andamento.  

 

Deformidades espinhais na NF1 (Dra. Larson, dos Estados Unidos)

Apresentou o analisador de escoliose em iPhone e indicou o guideline para o manejo das deformidades ósseas, semelhante ao adotado no CRNF ( ver aqui). Considerou o tratamento indicado para curvaturas grandes >40°/60° e sugeriu imagem – radiografia/TC duas vezes ao ano (de baixa dosagem) nos pacientes com escoliose com maior risco de ser distrófica. Lembrou a impossibilidade de fazer ressonância magnética depois da cirurgia que precisa  colocar instrumentos metálicos para alongar a coluna.

A Dra. Andrea Gross comentou que alguns pacientes do estudo do Selumetinibe tinham neurofibromas plexiformes junto à coluna vertebral que responderam ao iMEK, mas seu defeito ósseo seguiu evoluindo. 

 

Entendendo a displasia óssea na NF1 (Dra. Elefteriou, dos Estados Unidos)

A hipótese para o surgimento da displasia seria a perda total da neurofibromina (duplo hit) no osteoblasto, desencadeando uma situação de senescência do microambiente, que produziria os efeitos nos ossos.

Isso explicaria a melhor resposta à associação do iMEK com os bifosfonatos, de onde  vem a proposta de usar algo que possa interromper a senescência dos osteoblastos. 

 

Amanhã teremos as notícias do último dia do evento!

No quarto dia da Conferência do CTF em Washington (Estados Unidos), a Dra. Juliana Souza participou de painéis e palestras e nos traz os comentários dos participantes do evento sobre a sessão de posters onde ela apresentou outro trabalho científico desenvolvido em nosso CRNF (ver aqui nos anais do Congresso os resumos em inglês). 

A seguir o resumo do nosso trabalho apresentado (em português).

Título

A terapia com inibidores de MEK pode ser descontinuada com segurança em um neurofibroma plexiforme responsivo? Um relato de caso 

Souza JF (M.D., Ph.D.); Rezende NA (M.D., Ph.D.), Cota BCL (M.D., Ph.D.), Rodrigues LO (M.D., M.Sci.), Rodrigues LOC (M.D., Ph.D.). Centro de Referência Ambulatorial de Neurofibromatose (CRNF), Hospital das Clínicas (HC), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil, rodrigues.loc@gmail.com 

Introdução

O uso de inibidores de MEK (MEKi) tem sido recomendado para o tratamento de neurofibromas plexiformes sintomáticos inoperáveis (ISPN) em indivíduos com tipo de neurofibromatose (NF1) (1,2). Seguindo nosso protocolo de atendimento clínico para terapia MEKi no tratamento de ISPN (3), iniciamos o tratamento em um paciente do sexo masculino de 9 anos (DBF) com um extenso neurofibroma nodular em formato plexiforme afetando a pelve e o membro inferior direito (Figura 1A), acompanhado de dor neuropática intratável sem resposta à terapia anterior, incluindo imatinibe. O PET-CT pré-tratamento não mostrou transformação maligna. O acesso ao selumetinibe foi concedido por ordem judicial, e a terapia oral começou a ser de 25 mg/m² , duas vezes ao dia em ciclos de 28 dias a partir de dezembro de 2023. 

Objetivo deste resumo

Explorar considerações clínicas sobre a descontinuação da terapia com selumetinibe, com foco no momento mais adequado, critérios e estratégias para interromper o tratamento com segurança sem causar crescimento tumoral ou recorrência da dor neuropática, seja devido à preferência do paciente ou limitações financeiras (4). 

Métodos

Os exames de ressonância magnética foram realizados a cada 6 meses, pois a análise volumétrica de ressonância magnética não estava disponível em nossa instituição. Os níveis de dor foram avaliados usando uma escala de dor padronizada e as medições da circunferência da coxa foram feitas antes e durante o tratamento (dezembro de 2023 a abril de 2025) (Ver gráfico abaixo). 

 

Figura 1 – Fotos dos membros inferiores de uma criança com NF1 acompanhada no CRNF por 8 anos, com ressonância magnética mostrando a extensão do neurofibroma nodular (do tipo plexiforme) e a evolução do perímetro das coxas ao longo dos anos, com e sem selumetinibe.

Resultados

Após 3 meses de tratamento, DBF relatou melhora significativa no controle da dor, uso de analgésicos não opioides de forma intermitente, e melhora na qualidade de vida, incluindo o retorno às atividades físicas na escola. Além disso, a família do paciente relatou uma percepção subjetiva de crescimento lento do ISPN, embora a ressonância magnética não tenha mostrado uma redução no tamanho do tumor (Figura 1B). O Gráfico 1 ilustra as mudanças na circunferência da coxa de 2018 a 2025. Em abril de 2025, as avaliações clínicas indicaram melhora sustentada da dor, qualidade de vida e diminuição da taxa de crescimento do tumor (Figura 1B), com eventos adversos mínimos relatados. 

Conclusão 

A avaliação clínica mais recente levou a uma avaliação entre a família do paciente e a equipe médica sobre os próximos passos do tratamento. Dado que o medicamento é aprovado pela FDA (e pela ANVISA no Brasil) sem protocolo prescrito para descontinuação quando as respostas ao tratamento são favoráveis, a questão de quando e como interromper a terapia permanece obscura. 

Acreditamos que é hora de a comunidade NF se envolver em uma discussão completa sobre os resultados da interrupção da terapia MEKi para neurofibromas plexiformes. Esse diálogo é particularmente importante para apoiar melhor os indivíduos que podem não ser capazes de tolerar os efeitos colaterais, não podem pagar pelo tratamento ou preferem interromper a medicação.

 

Palavras-chave: neurofibromatose, neurofibromas plexiformes, inibidores de MEK, selumetinibe, cuidados clínicos Conflito de interesse: nenhum. Financiamento da AMANF – Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose

 

Referências

  1. Selumetinib in children with inoperable plexiform neurofibromas. Gross AM, Wolters PL, Dombi E, et al. N Engl J Med. 2020;382:1430–1442.
  2. Selumetinib in children with neurofibromatosis type 1 and asymptomatic inoperable plexiform neurofibroma at risk for developing tumor-related morbidity. Gross AM, Glassberg B, Wolters PL, et al. Neuro Oncol. 2022;24:1978–1988.
  3. Clinical Care Protocol to use selumetinib as a treatment for inoperable plexiform neurofibromas – a proposal. Rodrigues LO, Rezende NA, Cota BCL, et al. European Neurofibromatosis Meeting, 2020, Rotterdam. European Neurofibromatosis Meeting Abstracts & Presentations, 2020. https://amanf.org.br/atendimento-medico/selumetinibe/
  4. Challenges of selumetinib therapy for neurofibromatosis in a resource-limited setting. Khalaf T M, Alqadhi A A. 2025. Cureus 17(3): e81071.

 Alguns dos comentários de participantes do evento que compareceram ao poster.

  • Um médico falou sobre o que aconteceu quando ele interrompeu  o uso do selumetinibe numa pessoa com glioma óptico (provavelmente uma paciente de algum estudo clínico) e houve a necessidade de trocar para a quimioterapia tradicional (no caso do glioma há esta opção, mas não nos neurofibromas): a paciente teve efeitos colaterais (dermatológicos) mais intensos após a puberdade (acne) com o selumetinibe e o glioma voltou a crescer com a interrupção da medicação. 
  • Outro médico, norte americano (que já trabalhou em Curitiba), conversou com colegas sobre o mesmo dilema enfrentado com um adolescente usando selumetinibe para um neurofibroma difuso mediastinal e mencionou uma proposta de redução progressiva da dose (desmame), evitando interrupção súbita. Ambos falaram de novo crescimento do tumor após a interrupção da medicação.
  • A maior parte das pessoas compartilhou que este é um grande dilema que elas também têm enfrentado. Todas estão em busca de informações sobre o que acontece com a interrupção dos iMEK. Uma das médicas disse que o título do nosso pôster deveria ser “a questão de um milhão de dólares”. 
  • Houve relatos de pacientes, na maior parte adolescentes, que perguntam quanto tempo mais terão que usar o medicamento. 

No geral, a percepção foi de que este tema é muito importante e está presente em diversos paineis, conferências e temas livres (posters) do evento.

AMANHÃ TRAREMOS A CONTINUAÇÃO DO RELATO DOS PAINEIS E CONFERÊNCIAS DA SEGUNDA FEIRA 23/06/25

 

No terceiro dia da Conferência do CTF em Washington (Estados Unidos), a Dra. Juliana Souza e o Dr. Bruno Cota participaram de painéis e palestras e apresentaram os dois trabalhos científicos desenvolvidos em nosso CRNF aprovados pela comissão científica  (ver aqui nos anais do Congresso os resumos em inglês). 

Na foto, Dra. Juliana diante do pôster do Dr. Bruno (ver abaixo o pôster mais nítido).

Apresentamos abaixo o relato da Dra. Juliana Souza, pois o Dr. Bruno Cota teve que retornar ao Brasil por problema de saúde em sua família, para quem desejamos pronta melhora.

 

Domingo 22/06

Minha impressão geral é de que foi um dia dedicado aos esforços atuais e às inovações que podem auxiliar no tratamento de manifestações tumorais da Neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e Schwannomatoses (SWN), especialmente dos tumores malignos da bainha do nervo periférico (TMBNP) e schwannomas vestibulares. 

  1. Algumas informações podem ser destacadas em estudos com modelos animais
    • As células cancerosas podem se recuperar da senescência induzida por quimioterapia e radioterapia e voltar a se dividir e crescer o tumor. A droga ABT-236 em estudo (ver resumo nos anais) pode promover a apoptose (morte da célula cancerosa).
    • Foram apresentadas diferentes associações de compostos, que atuam em diferentes pontos das cascata RAS/ERK, testados in vitro e em modelos animais, com avaliação do efeito na proliferação e crescimento celular.
    • A inibição da proteína do estresse térmico tipo 2 (iSHP2) no tratamento do TMBNP e a combinação do iSHP2 e CDK4 foi efetiva no modelo animal com TMBNP, parecendo conferir atividade antitumoral mais profunda e duradoura.
    • A inibição da Quinase de Adesão Focal no crescimento dos schwannomas e preservação da audição está sendo estudada, assim como o Brigatinib, mencionado anteriormente.
    • Inibição da via FAK tem relação com inativação dos mastócitos e pode haver sinergismo na inibição FAK e inibidores da via MEK (iMEK)
  2. Alguns destaques foram mencionados na prevenção do câncer foram discutidos, utilizando biomarcadores para detectar mais cedo, o que seria desejável, mas o que temos atualmente é biópsia com limitações e o PET, que é sensível mas inespecífico.Outras possibilidades apresentadas foram:
    • Detectar o DNA tumoral na circulação (biópsia líquida) com múltiplas classes de potenciais marcadores.  
    • Menção a uma abordagem multi-ômica, ou seja, integrando a análise de DNA, RNA, proteínas e outros produtos do metabolismo celular. 
  3. Como anda a terapia gênica na NF1?
    • Pergunta-se: corrigir a expressão gênica da NF1 seria suficiente para corrigir as alterações teciduais da NF1?
    • Um modelo animal está em construção, mas há limitações para a terapia gênica, como o fato de haver muitas variantes patogênicas, ser um gene grande, grande expressão na vida embrionária e outras. 
  4. Inteligência Artificial pode ser usada na definição de biomarcadores?
    • Questões sobre a habilidade de digitalizar a histopatologia;
    • A possibilidade de identificar subtipos histológicos e moleculares, que podem individualizar o tratamento. 
    • Usou o exemplo dos gliomas de baixo grau.
  5. Papel do exercício físico na NF1
    • Exercício voluntário atenua crescimento tumoral em modelo animal (ca de mama) – modelo animal heterozigoto
    • Nf1 4,9 vezes mais chances de ca de mama
    • 30% dos ca de mama têm mutação somática do gene nf1
    • Atividade física de alta intensidade diminui o risco de Ca de mama em 20% ( população geral)
    • No estudo apresentado por ela, animais sedentários e ativos não apresentaram alteração no peso;
    • Perda do gene nf1 não modificou a composição corporal basal (há controvérsias…)
    • A atividade física voluntária atrasou o surgimento dos tumores de mama e atenuaram seu crescimento

 

Abaixo apresentamos a versão em português do trabalho do Dr. Bruno sobre os benefícios da prática musical sobre as dificuldades cognitivas de pessoas com NF1. Amanhã apresentaremos o trabalho apresentado pela Dra. Juliana e os comentários que foram feitos sobre o pôster. 

Em resumo, Dr. Bruno e sua equipe de colaboradores realizaram práticas musicais num grupo de pessoas com NF1 durante seis meses e mediram diversos indicadores cognitivos e da atividade cerebral relacionada ao processamento dos sons. Comparando os testes realizados antes e depois da prática musical, os resultados mostraram melhora significativa das funções cognitivas. Este estudo sugere que a prática musical seja útil no tratamento das pessoas com NF1. 

Veja abaixo o resumo que foi apresentado em Washington (em português). 

Foto do poster do Dr. Bruno exposto no CTF 

 

Título

Efeitos da Prática Musical nas Funções Auditivas e Executivas em Indivíduos com Neurofibromatose Tipo 1

Autores: Bruno Cezar Lage Cota (PhD), Luciana Macedo Resende (PhD), Juliana Ferreira Souza (PhD), Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (PhD), Julia Lemes de Medeiros, Maila Araújo Pinto, Marina Silva Corgosinho, Vitória Perlin Santiago, Jamile Noeli Andrade, Gabriela Poluceno Pereira, Thais Andreza Oliveira Barbosa, Ana Letícia Ferreira Santos de Ávila, Nilton Alves de Rezende (PhD). 

Instituição: Centro de Referência em Neurofibromatose, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Financiamento: AMANF

Conflitos de interesse: nenhum

Introdução

A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é um distúrbio genético multissistêmico frequentemente associado a prejuízos nas funções executivas e no processamento auditivo, incluindo a percepção musical. 

Objetivo

Examinar a relação entre déficits de função auditiva e executiva em indivíduos com NF1 e avaliar os potenciais efeitos terapêuticos da prática musical nesses domínios. 

Métodos

Vinte e cinco indivíduos com NF1, com idades entre 13 e 25 anos, foram submetidos a um programa de treinamento musical de seis meses e foram avaliados pré e pós-intervenção por meio de uma bateria abrangente de testes. 

O processamento auditivo foi avaliado com o teste Gaps in Noise (GIN), Pitch Pattern Sequence (PPS) e potenciais evocados auditivos de longa latência (P1-N1-P2 e Mismatch Negativity – MMN). 

A percepção musical foi medida usando a Bateria de Avaliação de Amusia de Montreal (MBEA). As funções executivas foram avaliadas com o Teste de Fluência Verbal Switch (SVFT), Span de Dígitos, Tarefa de Toque de Bloco de Corsi, Teste de Cinco Dígitos (FDT), Teste de Cinco Pontos (T5P) e Teste de Rede de Atenção (ANT). 

Resultados

Foram observadas correlações significativas entre as medidas musicais, auditivas e de função executiva, incluindo: MBEA e T5P (p = 0,013, r = 0,509), latência MBEA e MMN (p = 0,009, r = -0,669), GIN e Corsi (p = 0,017, r = -0,515), PPS e ANT (p = 0,006, r = -0,563) e PPS e Digit Span (p = 0,019, r = 0,506). 

O treinamento musical levou a melhorias nas funções executivas, particularmente flexibilidade cognitiva (FDT: p = 0,015, η² = 0,124), troca de tarefas (FDT: p = 0,030, η² = 0,155) e fluência verbal (SVFT: p = 0,011, η² = 0,158). 

O processamento auditivo também melhorou, evidenciado pelo aumento dos escores do GIN (p = 0,017, η² = 0,042) e redução da latência do MMN (p = 0,001, η² = 0,365). 

Conclusão

Os achados sugerem uma forte relação entre as funções auditivas e executivas em indivíduos com NF1 e indicam que a prática musical pode ter efeitos benéficos sobre esses sistemas cognitivos, apoiando seu uso como estratégia terapêutica complementar.

 

 

Relatos da Dra. Juliana Souza e do Dr. Bruno Cota

 

Sábado (21/06/25)

 

CTF presta homenagem ao nosso amigo e pioneiro Vincent Riccardi 

 

A homenagem póstuma ao Dr. Vincent M. Riccardi (falecido em 2024 aos 83 anos) foi um momento de grande emoção para todas as pessoas que tiveram a oportunidade de conviver com aquele que, antes de todo mundo, se envolveu profundamente com as pessoas com NF. 

Riccardi esteve por duas vezes em nosso CRNF (ver aqui um desses momentos) onde deixou lições de sabedoria e espírito científico. Veja a homenagem da comunidade NF dos Estados Unidos ao Riccardi, com uma fotografia que fiz dele e de sua querida Susan no Parque Lagoa do Nado em Belo Horizonte. 

Além de ser um referência internacional, estimulou nossas linhas de pesquisa e nos apoiou internacionalmente.

Vamos continuar nosso trabalho com a mesma dedicação que Riccardi nos ensinou, como uma forma de homenagear esta pessoa que tanto nos inspira. 

Riccardi vive em nossos corações e mentes.

Dr. Lor

 

Os outros assuntos do dia foram comentados pela Dra. Juliana e Dr. Bruno foram: :

  • Aula espetacular da Dra. Nancy Ratner sobre neurofibromas
  • Preservação da audição nas pessoas com NF2
  • Inteligência artificial – usos e limitações nas NF
  • Tratamento da transformação maligna dos neurofibromas
  • Como medir o volume dos neurofibromas 

Confira abaixo nossos resumos

 

Formação dos neurofibromas, segundo a Dra. Nancy Ratner

Inicialmente, ela mostrou que a perda do segundo alelo do gene NF1 na célula de Schwann dá início aos neurofibromas (que podem ser plexiformes), mas isto não é suficiente para a transformação maligna, pois é preciso a ocorrência de outros fatores. 

Em seguida, mostrou a importância dos estudos pré clínicos no avanço na utilização dos inibidos MEK (iMEK) nos estudos clínicos. Chamou a atenção para as vias SHP2 e KRAS, para as quais já há uma droga (BI-6674) em estudo pré-clínico, em preparação para publicação, assim como outros potenciais alvos. 

Mostrou um diagrama com diversas drogas que tentam bloquear outras etapas da cascata e que foram capazes de encolher os neurofibromas plexiformes em modelos animais. 

Relatou que a ideia atual é começar a associar estas drogas, embora ainda não haja efeito durável ou combinação que possa produzir um encolhimento maior dos neurofibromas plexiformes. 

Mostrou que os neurofibromas plexiformes têm cerca de 30% de células do sistema imunitário: macrófagos, células dendríticas e células T e que tanto os iMEK quanto os  iSHP2 diminuem a população de macrófagos e células dendríticas. De maneira um pouco menos dramática nos humanos do que no modelo animal, mas ainda assim importante 

Destacou o fato de que as células de Schwann Nf-/Nf- expressam fatores que atraem células T e células dendríticas, enquanto os macrófagos estão dentro das células tumorais no início da sua formação e promovem seu crescimento. Drogas anti macrófagos no início da formação inibem o surgimento dos plexiformes e diminuem um pouco seu tamanho depois de formados. 

Quando células B e T não estão presentes, neurofibromas plexiformes não se formam e os macrófagos estão diminuídos. Se você oferece anticorpos anti células T (ver poster de Jay Pandavela nos anais do evento), ou seja, o mecanismo seria assim: NF1(-/-) →  macrófagos →  citocinas → CD8 células T → neurofibromas.

Lembrou que a mesma variante patogênica tem fenótipos diferentes por causa de genes diferentes e modificadores genéticos diferentes (epigenética). Sugeriu que esta informação poderá ser útil no tratamento dos plexiformes e que já há variantes germinativas ATM germline em estudo. 

Finalmente, disse que um microambiente heterozigoto não é necessário para a formação de um neurofibroma plexiforme, ao contrário do que tem sido pensado nos últimos anos. 

 

Preservação da audição nas pessoas com Schwannomatose relacionada ao gene NF2 (NF2-SWN) 

De início, o palestrante Bradley Welling apresentou uma opinião controversa, a sua preferência em operar os schwannomas vestibulares o mais precocemente possível (quando ainda tem apenas milímetros de tamanho), pois a evolução a médio e longo prazo dos implantes cocleares e de tronco cerebral não é um resultado tão satisfatório. 

(Comentário nosso: ver aqui nossa sugestão de tratamento para schwannomas vestibulares nas pessoas com NF2-SWN, na qual evitamos a abordagem cirúrgica o máximo possível)

Foi ressaltada a importância de se realizar a ressecção dos schwannomas com monitorização direta do nervo coclear para preservação da audição, mas não foram apresentados dados comparativos com esse desfecho entre procedimentos com ou sem monitoração. 

Sobre os mecanismos para perda auditiva na swn-nf2, foram citados o comprometimento da vasculatura, a compressão direta da cóclea pelo tumor e a secreção de proteínas citotóxicas pelo tumor.

Relatou que 75% dos pacientes com NF2-SWN não são candidatos à cirurgia com preservação auditiva no momento da cirurgia. Dos 25% que se submetem à cirurgia, 70% têm tumores menores que 1cm, e metade deles evolui com preservação da audição no pós-operatório. Contudo, pela própria evolução da doença, a taxa de preservação da audição a longo prazo não tem melhora significativa.

A discrepância entre tamanho do schwannoma e perda auditiva foi novamente destacada, estando de acordo com o protocolo proposto pelo nosso CRNF (ver acima). 

Alguns fatores intra-operatórios que determinam o resultado da cirurgia para a preservação da função auditiva: 

  • nervo de origem anatômica do tumor (ramo coclear, nervo vestibular superior ou inferior); 
  • suprimento vascular da cóclea; 
  • expertise do cirurgião; 
  • extensão do tumor; 
  • monitorização intra-operatória da função coclear (novamente sem dados apresentados);

Como tratamento paliativo para perda da audição na NF2-SWN, apresentaram os óculos de captura de fala em tempo real, nos quais a pessoa pode ler na lente as palavras ditas no ambiente em tempo real. 

Concluiu com a apresentação de um gráfico (abaixo) sobre a preservação da função auditiva a longo prazo em diferentes trabalhos que avaliaram o efeito do tratamento dos schwannomas com radioterapia, todos de retrospectivos, mostrando que em todos os casos a audição teve piora progressiva, independente do efeito da radioterapia no tamanho do tumor.

 

Inteligência Artificial nas NF 

Os três palestrantes do painel falaram sobre a IA e diagnósticos por imagem de tumores em oncologia, comentando as limitações para validação das ferramentos de IA, por parte dos pacientes e médicos, quanto ao seu uso na prática médica.

Existe uma IA, já disponível, que faz uma medida volumétrica em 3D dos schwannomas vestibulares na NF2-SWN. Foi questionada a capacidade de identificação pela IA de artefatos e para indicação do implante coclear.

Nos neurofibromas cutâneos ficou a impressão de que a IA teria utilidade, essencialmente, para medir a eficácia de intervenções terapêuticas. 

 

Tratamento da transformação maligna dos neurofibromas 

A Dra, Blakeley apresentou um estudo recém iniciado para tumor maligno da bainha do nervo periférico associando imunoterapia com quimioterapia com cirurgia e com radioterapia se cirurgia deixar margem com tumor. 

As drogas em questão seriam: 

  • Nivolumabe + Ipilimumabe: imunoterapia para estudo histológico com resultado de tumor atípico ou TMBNP, cujo foco seriam PD-L1 e células T CD8 (CTLA4 e PD1);
  • TMBNP recentemente diagnosticado por biópsia: 2 doses dos medicamentos nas 8 semanas entre a biópsia e o tratamento tradicional;
  • Quimioterapia citotóxica pré cirurgia para melhorar as margens 
  • Cirurgia em busca de margem negativa. 
  • Se não conseguir margem negativa, radioterapia após a cirurgia. 

Aguardaremos os resultados. 

 

Análise do volume dos neurofibromas plexiformes

 

Este painel foi moderado por Andrea M Gross e Brigitte Widmann, ambas relacionadas aos estudos com Selumetinibe sob o patrocínio da Astrazeneca. 

Foram lembradas as diversas características dos chamados neurofibromas plexiformes (de maneira generalizada), mas sem a proposta de separá-los para avaliação em nodulares, difusos e na forma espinhal. 

Mostraram a diferença da medida em 1D, 2D e 3D, sendo a 3D mais precisa e, portanto, a indicada de acordo com as recomendações da “REINS Consensus Recommendation” para a medida dos neurofibromas plexiformes.

No painel mostrou-se que a definição do contorno pode ser: manual, semi automática ou por meio de IA, mas há limitações na definição de qual é o contorno para a medida do volume. A variabilidade de medida é grande entre observadores (tabela apresentada pela Eva Dombi). 

Os diferentes tipos de neurofibromas plexiformes (sem distinção de difusos ou  nodulares) foram mostrados como exemplos que são medidos com 3D e se apresentam para os estudos clínicos.

Foram discutidas as possibilidade sobre o que acontece quando um neurofibroma plexiforme “encolhe” com o tratamento (com iMEK, por exemplo): 

  • Remodelamento (a forma nodular se torna quase que o “resto” de um difuso) mas sem desaparecer; 
  • Mudança (diminuição) no sinal em T2 (até que ponto esta alteração modifica a definição do contorno e a medida pós iMEK? (dúvida nossa); 
  • Mudança na densidade do tumor.

Discutiu-se também se a precisão da medida 3D refletiria a realidade, pois há certo grau de incerteza, sendo dependente do examinador e como capta o processo de mudança. Diante disso, considerando os vieses na análise volumétrica, que uma diferença de 10% no volume deve ser considerada dentro de uma possível “margem de erro”. 

Também se comentou sobre variação volumétrica e seu impacto estético: será que uma redução de 20% de volume pode representar pouco em relação a uma redução linear de um tumor (~6%)?

Nessa discussão, um dos participantes, Frank Buono (que é portador de NF2-SWN), ressaltou a relevância de se considerar a melhora dos sintomas em contraposição somente à redução do volume. Esta posição se opôs aos demais participantes do painel, envolvidos nos estudos com iMEK, que defenderam que uma diminuição de 20% no volume é um bom resultado. 

Finalmente, foi debatida a relação entre a superfície dos tumores e o volume dos tumores, que pode ser extrapolada para os tumores plexiformes nodulares e difusos. Dois tumores com o mesmo volume podem ter superfícies muito diferentes (maior nos difusos), com diferente repercussão pela extensão do tumor, especialmente estética. Portanto, clinicamente, o impacto de uma pequena redução de volume (por ex, 20%) em um tumor plexiforme difuso, pode ser muito menor do que em um neurofibroma nodular. 

A definição do contorno dos plexiformes sofre muitos vieses nos plexiformes difusos (mistura de tumor com tecidos sadios, estruturas normais com características de imagem semelhantes ao tumor, qualidade da imagem) impactando na variabilidade inter-examinadores.

 

AMANHÃ ENVIAREMOS MAIS NOTÍCIAS!!!