Esperamos que no próximo ano a sociedade civil em que vivemos seja capaz de oferecer mais cuidados e tratamentos para as pessoas com NF (NF1 e Schwannomatoses).

Precisamos nos organizar para exigir que a lei que garante o acesso a necessidades especiais para pessoas com NF em todo o Brasil – e aprovada no Congresso, em 2024, depois de dez anos de tramitação – seja colocada em prática de forma efetiva e ampla.

Precisamos nos organizar para que novos tratamentos médicos, psicológicos, fisioterápicos, fonoaudiológicos e de enfermagem e terapia ocupacional sejam pesquisados e oferecidos à população com NF de forma democrática e acessível.

Até uns 5 anos atrás, as neurofibromatoses eram consideradas “doenças órfãs”, quer dizer, que não recebiam a devida atenção dos cientistas, que não se interessavam em buscar a cura ou tratamentos para essas doenças.

Recentemente, a fundação norte-americana CTF (Children’s Tumor Foundation) publicou um boletim entusiasmado (ver aqui), mostrando que, agora, existem mais de 20 indústrias de medicamentos interessadas nas NF e mais de 1000 especialistas se reuniram no congresso anual do CTF.

O interesse de cientistas na procura de tratamentos para as NFs é motivo de grande alegria para nós, pois aumenta a chance de que sejam encontrados medicamentos que tragam alívios para tantas pessoas que sofrem com as manifestações e complicações da sua doença.

O relato do CTF nos causa a impressão de que as NFs, que antes eram ignoradas pelas indústrias farmacêuticas, agora estão sendo assediadas por elas.

Provavelmente este novo interesse da indústria e dos especialistas surgiu a partir da possibilidade de conseguirem grandes lucros com a venda de medicamentos (geralmente muito caros), como o quimioterápico selumetinibe, o primeiro a ser aprovado pela entidades de controle para o tratamento de neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis (ver aqui mais informações sobre este medicamento).

Por isso, o CTF informa que na procura por drogas mais eficientes e com menos efeitos colaterais, alguns medicamentos estão sendo estudados neste momento:

Nossa esperança é de que estes e outros estudos tragam bons resultados e que os medicamentos produzidos sejam economicamente acessíveis a todas as pessoas com NF que necessitarem deles.

Com este espírito é que desejamos um melhor 2025 para todas as pessoas!

No dia 11 de dezembro de 2024 realizamos na Faculdade de Medicina da UFMG, no Auditório Amílcar Viana Martins, o Encontro Anual da AMANF com três grandes motivos de comemoração:

  • o lançamento da parte impressa da Edição Comemorativa dos 20 anos do atendimento no nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC da UFMG (imagem da capa acima);
  • e a entrega do Troféu Mônica Bueno para a Professora Juliana Ferreira de Souza pela sua grande contribuição, como médica e cientista, para as pessoas com neurofibromatoses.
  • a presença de várias pessoas amigas, colaboradoras, beneméritas, familiares e participantes da AMANF e do CRNF.

Na mesa oficial da solenidade contamos com a presença da Professora Dra. Cristina Gonçalves Alvim (vice-diretora da Faculdade de Medicina da UFMG), da Dra. Fabiana Maria Kakehasi (gerente de Ensino, Pesquisa e Extensão do Hospital das Clínicas da UFMG), da Professora Adriana Venuto (presidenta da AMANF) e da própria Professora Dra. Juliana Ferreira de Souza (coordenadora do Centro de Referência em Neurofibromatose do Hospital das Clínicas da UFMG), que iniciou as falas ressaltando a importância dos 20 anos do CRNF e os desafios presentes e futuros para a sua continuidade.

Em seguida, a Professora Adriana falou da contribuição da Dra. Juliana para a AMANF, tornando-a merecedora da homenagem de 2024. Na foto abaixo, da esquerda para a direita, professora Adriana, Dra. Juliana, Dra. Cristina e Dra. Fabiana, participantes da mesa.

 

A seguir, a Dra. Fabiana ressaltou o significado do CRF para o Hospital das Clínicas e a Dra. Cristina registrou a importância do CRNF para a Faculdade de Medicina.

As próximas falas foram do Dr. Nilton Alves de Rezende e do Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, que contaram um pouco a história do CRNF e da Edição Comemorativa, da qual foram distribuídos exemplares entre os presentes.

Quem desejar conhecer a parte impressa e os demais capítulos da Edição Comemorativa, editada pela Mambembe Livros, basta apontar seu celular para o QR Code abaixo.

Ou clique AQUI.

Em seguida, ouvimos o depoimento emocionado da Maria Helena Rodrigues Vieira, portadora de NF1 e ex-presidente da AMANF, representando as pessoas que são atendidas no CRNF e mostrando a dificuldade de se viver com uma doença ainda incurável e com poucos tratamentos.

As fotos abaixo foram momentos registrados pela equipe dos Centros de Comunicação Social da Faculdade de Medicina e do Hospital das Clínicas da UFMG, a quem agradecemos nas pessoas do Vitor Maia e da Maria Valdirene Martins.

Agradecemos também o PODCAST realizado sobre as NF que pode ser acessado neste link:  https://open.spotify.com/episode/748bPosOJzg0kmMj701Dsy?si=lzc0wd9PSjGVIkPAr8dBrQ

Em seguida, foi oferecido um lanche como forma de encerramento festivo, na expectativa de que 2025 seja um ano de novas realizações para o CRNF e para a AMANF.

Melhor 2025 para todes!!!

   

 

O encontro anual da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose de 2024 será realizado na Faculdade de Medicina da UFMG, no Auditório Amílcar Viana Martins (sala 62), no dia 11/12/2024, quarta feira, das 18 às 20 horas, com a presença da Diretora da Faculdade de Medicina, Professora Dra. Alamanda Kfoury Pereira e outras autoridades convidadas.

Nossa programação incluirá o lançamento da Edição Comemorativa dos 20 anos do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG (capa acima) e a entrega do Troféu Mônica Bueno à Professora Doutora Juliana Ferreira de Souza pelos serviços prestados à comunidade NF.

Ver mais informações clicando aqui.

Se você deseja participar, envie um e-mail até 25/11/24 para rodrigues.loc@gmail.com para garantir seu acesso na portaria.

Todas as pessoas interessadas serão benvindas!

 

 

Trago hoje mais um dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em dezembro de 2024, com o texto do médico e nosso amigo e colaborador de longa data Dr. Nikolas Mata-Machado, professor de pediatria e com grandes contribuições para o tratamento das crianças com NF1 e problemas neurológicos. Muito obrigado, em nome de toda a equipe do CRNF.

Dr. Lor

 

Nikolas Mata-Machado

Médico, PhD Professor Assistente de Pediatria

Chefe da Neurologia Pediátrica – Diretor da Clínica de Neurofibromatose

Universidade de Chicago – Estados Unidos da América

 

As convulsões são uma complicação bem conhecida da neurofibromatose tipo 1 (NF1), com prevalência relatada entre 3,8% e 6,4% da população [1]. No entanto, esta prevalência pode ser superestimada devido a um viés de apuração.

Em pessoas com NF1, as crises convulsivas parciais complexas são as mais comuns, mas também são descritas convulsões generalizadas primárias, espasmos infantis e crises febris. A idade média de início das convulsões é na infância.

Um estudo indicou que até 64% dos pacientes com NF1 apresentavam lesões estruturais no encéfalo que originavam as convulsões [2]. Contudo, as amostras de pacientes estudadas eram relativamente pequenas e focadas em pacientes pediátricos, o que pode ter excluído convulsões em pessoas mais velhas. Para comparação, na população em geral (sem NF1), a prevalência de convulsões nos países da Europa, além dos Estados Unidos, Canadá e Japão, é de 0,68%, com uma incidência de 44 por 100.000 pessoas, apresentando picos de incidência na primeira infância e após os 65 anos [3]. As crises parciais complexas são as mais frequentes.

Em pacientes com NF1, a experiência sugere que as convulsões são bastante comuns e podem ocorrer em todas as idades. Muitas vezes, as convulsões são sutis e passam despercebidas, com eletroencefalogramas (EEG) de rotina normais. Em muitos casos, é necessário monitoramento prolongado de vídeo EEG para capturar anormalidades.

A baixa incidência relatada de convulsões pode ser atribuída à baixa disponibilidade de monitoramento prolongado de EEG. Em pacientes com NF1, 42% das convulsões começam antes dos 5 anos de idade, conforme observado por Korf et al. [4], que relatam uma idade média de início de 8,1 anos. Convulsões em pessoas com NF1 após os 4 anos também foram documentadas, o que contrasta com a queda acentuada nas convulsões após essa idade na população em geral.

A causa exata das convulsões na maioria das pessoas com NF1 é desconhecida, mas tumores e doenças vasculares associados à NF1 podem ser causas em apenas um pequeno número de casos. Pesquisas recentes sugerem que pacientes com atraso no desenvolvimento, autismo, dificuldades comportamentais e problemas emocionais graves têm um risco maior de convulsões [5]. Recomenda-se , então, gravações prolongadas de vídeo EEG para avaliar esses crianças.

Alguns dados indicam que uma pequena porcentagem de pessoas com NF1 possui outros membros da família com convulsões, sugerindo que a tendência para convulsões está relacionada à NF1 e não a uma predisposição genética separada para convulsões [6].

 

Referências

[1] Creange A, Zeller J, Rostaing-Rigattieri S, et al. Neurologic complications of neurofibromatosis type 1 in adulthood. Brain 122:473-481, 1999.

[2] Jennings MT, Bird TD. Genetic influences in epilepsies. Review of the literature with practical implications. Am J Dis Child 135:450-7, 1981.

[3] Hauser AW, Annegers JF, Kurland LT. Incidence of epilepsy and unprovoked seizures in Rochester Minnesota: 1935-1984. Epilepsia 34:453-468, 1993.

[4] Korf BR, Carrazana E, Holmes GL. Patterns of seizures observed in association with neurofibromatosis 1. Epilepsia 34:616-620, 1993.

[5] Creange A, Zeller J, Rostaing-Rigattieri S, et al. Neurologic complications of neurofibromatosis type 1 in adulthood. Brain 122:473-481, 1999

[6] Szudek J, Birch P, Riccardi VM, etal. Associattion of clinical features in neurofibromatosis 1 (NF1). Genet Epidemiol 19:429-39, 2000.

 

 

Apresento hoje mais um dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em dezembro de 2024, com o texto  da psicóloga Katie Moraes de Almondes, que amplia as questões apresentadas recentemente pela sua colega Alessandra Craig Cerello. Nesse artigo Katie nos mostra um caminho importante a ser investigado para melhorarmos a qualidade de vida das pessoas com NF1. Muito obrigado, em nome de toda a equipe do CRNF.

Dr. Lor

 

 

Katie Moraes de Almondes

Professora Associada do Departamento de Psicologia

Programa de Pós-graduação em Psicobiologia

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Coordenadora do Ambulatório do Sono e

Ambulatório de Narcolepsia e Apneia do Sono infantil

Hospital Universitário Onofre Lopes da UFRN)

 

A neurofibromatose tipo I (NF1) é uma doença genética autossômica dominante rara, com prevalência de 1:3.000 nascidos vivos, que acontece devido a mutações heterozigóticas do gene NF1 e, subsequente, haploinsuficiência do produto proteico codificado neurofibromina (Kresak & Walsh, 2016). O diagnóstico geralmente é feito na infância e é estabelecido pela identificação de dois ou mais dos seguintes critérios clínicos: mais de seis manchas café com leite, sardas axilares ou inguinais, dois ou mais neurofibromas cutâneos ou um neurofibroma plexiforme, dois hamartomas de íris (Nódulos de Lisch), gliomas do nervo óptico, displasias esqueléticas e história de parente primário com a doença e painel genético contendo uma variante patogênica no gene NF1 (Souza et al, 2009).

A NF1 pode afetar diversos órgãos e sistemas. O sistema nervoso central (SNC) é, frequentemente, afetado nas crianças com NF1 com impactos que envolvem alterações cognitivas, comportamentais, distúrbios da fala (Cosyns et al, 2010), problemas motores (Vogel, Gutmann & Morris, 2017), enxaqueca, doenças cerebrovasculares, tumores cerebrais, epilepsias, estenose aquedutal e lesões cerebrais de alto sinal na ressonância magnética ponderada em T2 (Santoro et al, 2018).

Outrossim, alguns estudos sugerem que a NF1 também está associada aos distúrbios de sono, mas os resultados clínicos na literatura são escassos e, ao mesmo tempo, controversos. Alguns estudos apontam que há um indicativo de alta prevalência de distúrbios de sono entre crianças e adolescentes com NF1, enquanto outros defendem que a incidência é similar para a população pediátrica em geral (Maraña et al, 2015).

Esses distúrbios, muitas vezes, são queixas de sono relatadas subjetivamente pelos próprios pais, por uma percepção que tende a superestimar ou subestimar, por serem acordados durante a noite e, frequentemente, não se recordarem com exatidão o padrão do sono, pois a percepção da queixa da criança estar influenciada pela queixa dos pais sobre o próprio despertar. Não obstante, as queixas quando relatadas não são diagnosticadas a partir de critérios clínicos, o que leva a mais imprecisão sobre o padrão de sono das crianças e adolescentes com NF1. Isso é corroborado, principalmente, pelos poucos artigos que trazem a conclusão de disturbios de sono baseados em questionários gerais pediátricos (Johnson, Wiggs, Stores, & Huson, 2005; Maraña et al, 2015). Somado a isso, a anamnese pediátrica, na maioria das vezes, não inclui avaliações sobre padrões e hábitos de sono.

É ponto pacífico na literatura que o sono insuficiente e inadequado em crianças está ligado a uma série de resultados adversos para a saúde, como fadiga diurna (Lehmkuhl et al, 2008), atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (Smaldone, Honig, & Byrne, 2007), desempenho cognitivo reduzido (Gruber et al, 2014), sistema imunológico comprometido (Smaldone, Honig, & Byrne, 2007) e obesidade (Fatima, Doi, & Mamun, 2015).

Além disso, problemas persistentes de sono na infância podem reduzir o bem-estar da família e aumentar o risco de desenvolvimento de dificuldades cognitivas e comportamentais na adolescência e na idade adulta, como transtornos de ansiedade, depressão, comportamento agressivo e dificuldades de atenção (Gregory et al, 2008). O diagnóstico e o tratamento dos problemas do sono são essenciais para garantir um desenvolvimento saudável.

Tomando como base as limitações supracitadas e os impactos derivados de uma associação entre NF1 e distúrbios de sono, em 2005, Johnson et al. (2005) (17) investigaram, através de questionários com 64 crianças com NF1, de 3 a 18 anos, os padrões e comportamentos de sono, e concluíram que havia maior prevalência de parassonias NREM relatadas (terrores noturnos e sonambulismo). Licis et al. (2013), (20) também, investigando o sono de 129 crianças com NF1 e 89 irmãos não afetados, com idades entre 2 e 17 anos, através de um questionário, relataram distúrbios no início e manutenção do sono com presença de despertares noturnos.

Diante dos dados escassos e derivados de outros países, em 2023, no Brasil, conduzimos o primeiro estudo que avaliou padrões, hábitos e problemas de sono em crianças com NF1. Através de um estudo transversal com 41 crianças, sendo 28 (68%) crianças na faixa etária de 06 a 12 anos e 13 (32%) na faixa etária de 01 a 05 anos, recrutadas, voluntariamente, através da Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatose e grupos de apoio do Centro de Referência em Neurofibromatose, Brasil (Almondes et al, 2023).

Nossos resultados apontaram que as crianças com NF1 apresentavam horários tardios de ir para a cama, despertares noturnos frequentes, dormiam menos de dez horas por noite, e manifestavam resistência em ir para a cama, características de um quadro de insônia comportamental (ICSD-3-TR).

Importante assinalar que os horários tardios de ir para a cama apresentam correlação com maior tempo para adormecer e menor tempo total de sono (Mindell, Meltzer, Carskadon e Chervin, 2009). Acerca da resistência em ir para a cama, Sadeh, Tikotzky e Scher (2010) sugerem que a presença parental no momento de dormir da criança pode favorecer os despertares e dificultar a independência para adormecer. Ademais, a criança pode associar o início do sono com a presença dos pais e só conseguir adormecer na presença destes, tendo dificuldade em dormir sozinha.

Acreditamos que os problemas de sono em crianças com NF1 podem decorrer do comportamento dos pais, como ficar próximos à cama da criança devido aos cuidados rotineiros que desempenham em função da doença, e aumentar a superproteção devido à NF1, desfavorecendo a independência da criança no momento de dormir. Assim, esse comportamento pode reforçar a manutenção e perpetuação da queixa de adormecer apenas na presença de um adulto (Almondes et al, 2023).

Nossa amostra revelou um uso elevado de dispositivos eletrônicos à noite, principalmente televisão e celular. O uso desses dispositivos causa agitação psicológica e fisiológica, associada à resistência para dormir, atraso no horário de dormir e ansiedade. Além disso, a exposição a luzes brilhantes, especialmente a luz azul das telas, pode suprimir a produção de melatonina (Aishworiya et al., 2018; Hale & Guan, 2015).

Esses fatores, somados à probabilidade de as crianças seguirem os horários dos adultos, não terem uma rotina de sono definida e não serem independentes para adormecer, podem contribuir para resistência em ir para a cama, horário de sono tardio e menor duração do sono. Mindell et al. (2009) já apontaram que crianças sem uma rotina de sono consistente ou que seguem a rotina dos adultos tendem a dormir menos.

A partir de 2016, exames polissonográficos têm sido fortemente recomendados e considerados obrigatórios para neurofibromas plexiformes das vias aéreas em indivíduos com NF1 (Plotkin et al, 2016) (19), apesar de não ser uma prática rotineira em nosso país. Dados de Carotenuto et al (2023), seguindo essa diretriz, evidenciaram que a macroestrutura do sono de crianças com NF1 sem comorbidades neurocognitivas apresentaram redução nos parâmetros de duração do sono, da eficiência do sono e do estágio N2. Além disso, o número de despertares por hora, despertar após o início do sono (WASO) e eventos respiratórios como Índice de Apneia e Hipoapneia resultaram maiores nas crianças com NF1 em comparação com crianças saudáveis. Esses dados reforçam os dados encontrados através de medidas subjetivas.

 

Considerações Finais:

Ainda temos um longo caminho a percorrer quando se fala de alterações de sono na NF1.

Muitas pesquisas precisam avançar e alavancar avaliações mais acuradas e preconizadas como protocolo recomendável. Na sequência, é importante assegurar manejo terapêutico adequado e eficiente para os distúrbios de sono na população com NF1.

Alcançar quantidades adequadas de sono é importante para o desenvolvimento social, emocional, comportamental e acadêmico das crianças e adolescentes.

Na idade pré-escolar, a duração do sono tem um efeito ainda mais importante, uma vez que está intrinsecamente associada a fatores como crescimento, desenvolvimento cognitivo e comportamental, maturação do sistema nervoso central e manutenção do balanço energético.

Políticas públicas para o público com NF1 precisam ser melhor delineadas, e a pauta de sono merece atenção especial.

Os profissionais de saúde devem ser melhor capacitados nessa área e interface para promover saúde biopsicossocial para esse público.

Referências

  1. Souza, J.F., Toledo, L.L., Ferreira, M.C.M., Rodrigues, L.O.C., Rezende, N.A. (2009) Neurofibromatose Tipo 1: Mais Comum e Grave Do Que Se Imagina. Revista Associação Medica Brasileira, 55(4): 394-9. doi.org/10.1590/S0104-42302009000400012
  2. Pinho, R.S., Fusão, E.F., Paschoal, J.K.S.F., Caran, E.M.M., Minett, T.S.C., Vilanova, L.C.P., et al. (2014). Migraine is frequent in children and adolescents with neurofibromatosis type 1. Pediatrics International, 56:865–7. doi: 10.1111/ped.12375
  3. Maraña Pérez, A.I., Duat, A.R., Soto, V.I., Domínguez, J. C., Puertas, V.M., González, L.S.G. (2015). Prevalence of sleep disorders in patients with neurofibromatosis type 1. Neurologia, 30(9):561-5. doi: 10.1016/j.nrl.2014.04.015.
  4. Licis, A.K., Vallorani, A., Gao, F., Chen, C., Lenox, J., Yamada, K.A., et al. (2013). Prevalence of sleep disturbances in children with Neurofibromatosis type 1. Journal of Child Neurology, 28:1400–5. doi: 10.1177/0883073813500849
  5. American Academy of Sleep Medicine (2023). International Classification of Sleep Disorders, third edition, text revision (ICSD-3-TR). American Academy of Sleep Medicine. ISBN978-0-9657220-9-4.
  6. Lehmkuhl, G., Wiater, A., Mitschke, A., & Fricke-Oerkermann, L. (2008). Sleep Disorders in Children Beginning School: Their Causes and Effects.  Deutsches Ärzteblatt International105(47), 809–814. https://doi.org/10.3238/arztebl.2008.0809
  7. Smaldone, A., Honig, J.C., & Byrne, M.W. (2007). Sleepless in America: Inadequate Sleep and Relationships to Health and Well-being of Our Nation’s Children. Pediatrics,119 Suppl 1, S29‐S37. https://doi.org/1542/peds.2006-2089F.
  8. Gruber, R., Carrey, N., Weiss, S.K., et al. (2014). Position statement on pediatric sleep for psychiatrists. Canadian child and adolescent psychiatry review, 23(3), 174-95.  https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4197518/
  9. Fatima, , Doi, S.A.R., & Mamun, A.A. (2015). Longitudinal impact of sleep on overweight and obesity in children and adolescents: a systematic review and bias-adjusted meta-analysis. Obesity Reviews, 16(2), 137–49. https://doi.org/ 10.1111/obr.12245.
  10. Gregory, A.M., Ende, J.V.D., Willis, T.A., Verhulst, F.C. (2008). Parent-Reported Sleep Problems During Development and Self-reported Anxiety/Depression, Attention Problems, and Aggressive Behavior Later in Life. Archives of pediatrics & adolescent medicine, 162(4), 330-5. https://doi.org/ 1001/archpedi.162.4.330.
  11. Almondes, K.M., Medeiros, D., Azevedo, J., Camilo, V., Rafihi-Ferreira, R., & Rodrigues, L.O.C. (2023). Sleep, Behavioral, and Cognitive Complaints in children with Neurofibromatosis Type 1: A public health challenge. International Journal of Psychology and Neuroscience, 9 (3), 67-78. Doi: https://doi.org/10.56769/ijpn09307
  12. Mindell, J.A., Meltzer, L.J., Carskadon, M.A., & Chervin, R.D. (2009). Developmental aspects of sleep hygiene: Findings from the 2004 National Sleep Foundation Sleep in America Sleep Medicine, 10(7), 771–9. https://doi.org/ 10.1016/j.sleep.2008.07.016.
  13. Sadeh, A., Tikotzky, L., & Scher, A. (2010). Parenting and infant sleep. Sleep Medicine Reviews, 14(2), 89–96. https://doi.org/1016/j.smrv.2009.05.003
  14. Aishworiya, R., Kiing, J.S., Chan, Y.H., Tung, S.S., & Law, E. (2018). Screen time exposure and sleep among children with developmental disabilities. Journal of Paediatrics and Child Health, 54(8), 889–94. https://doi.org/1111/jpc.13918.
  15. Hale, L., & Guan, S. (2015). Screen time and sleep among school-aged children and adolescents: A systematic literature review. Sleep Medicine Reviews, 21, 50–8. https://doi.org/1016/j.smrv.2014.07.007.

 

 

 

 

 

Tenho grande satisfação em publicar mais um dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em dezembro de 2024, com o texto  da psicóloga Alessandra Cerello, profissional experiente e uma das cientistas pioneiras no atendimento psicoterápico de pessoas com NF1. Muito obrigado, em nome de toda a equipe do CRNF.

Dr. Lor

 

Alessandra Craig Cerello

Psicóloga e Mestre

pelo Programa de Pós Graduação

em Saúde do Adulto da FM da UFMG

 

 

Nos capítulos já publicados, foi discutido como a NF1 afeta física e cognitivamente, por acometer diversos sistemas do organismo: nervoso, musculoesquelético, cardiovascular e endócrino. Neste capítulo, veremos como essas alterações podem afetar as pessoas com NF1 e seus familiares no que se refere aos aspectos psicoemocionais.

O funcionamento psicológico do ser humano é multideterminado, sendo influenciado por fatores intrínsecos genéticos (biológicos) e fatores extrínsecos ambientais atrelados ao contexto histórico, que são aprendidos socialmente. Nos últimos 30 anos, diversos autores vêm buscando a interface entre a NF1 e aspectos psíquicos 1,2,3,4 e efeitos na qualidade de vida 5,6.

Desde o nascimento, o ser humano é incluído em grupos sociais: a família, inicialmente, posteriormente escola, comunidade, grupo do trabalho e outros. A partir da interação com o outro, as percepções experimentadas pelos sentidos dos objetos do mundo e de si mesmo são nomeadas e, assim, progressivamente diferenciadas e classificadas.

Essas informações vão se somando, e o indivíduo vai absorvendo e ajustando como as características atribuídas a ele se assemelham ou se diferenciam das outras pessoas, para que a construção daquilo que é conhecido por “eu”, por “mim”, por “mim mesmo” seja formada 7.

Por ser um processo construído nas e pelas relações ao longo da vida, essas informações assimiladas não são nem apenas passivas e nem puramente objetivas, mas contém valores e outros aspectos subjetivos dos outros. Segundo Mead (2018), a formação da identidade é um processo de interiorização do julgamento do outro 8.

Como isso, seus derivados – o autoconceito e a autoestima – também adquirem valorização ou desvalorização, seja geral ou específica para algumas habilidades ou pela falta delas a partir das experiências vividas com essas interações.

A avaliação do autoconceito nos domínios geral e habilidades específicas demonstrou pior escore no domínio de habilidades físicas em crianças com NF1 9,10 e competência social, com aumento das chances de problemas sociais e emocionais 9. Para adolescentes, o autoconceito também foi pior em habilidades físicas, matemática e autoestima geral, tanto para os grupos com NF1 apenas e nos grupos com NF1 associada a dificuldades de aprendizagem e TDAH 10.

Pior autoestima nas pessoas com NF1 em relação a pessoas sem NF1 e irmãos sem a doença 11,12 foi descrita e associada a dificuldade de aprendizagem 10. Apesar disso, autoestima elevada em alguns participantes foi observada 12,13, e esteve associada a ter amigos com NF1, frequentar grupos de apoio para pessoas com NF1 e ter recebido orientação genética 12.

A preocupação com as alterações estéticas pode ser intensificada em algumas situações, como na puberdade, período em que as pessoas jovens estão mais preocupadas com seu corpo e quando os neurofibromas cutâneos costumam aumentar e ficar mais visíveis 1,10. Pode também ser diferente de acordo com algumas culturas, como caso descrito por Rozario (2007) de uma mulher indiana em que os impactos sociais da NF1 tiveram efeitos amplificados em suas vivências incluindo na de escolha de parceiros e casamento na vida adulta 14.

As vivências de estigmatização são uma forma de discriminação na qual a falta de aceitação social do indivíduo por uma comunidade ou cultura implica que o outro enxerga a diferença como uma inferiorização 15. A NF1 pode aumentar a chance de que isso ocorra tanto pela questão estética das alterações físicas, como pela redução da funcionalidade no que diz respeito a alterações cognitivas e de linguagem, impactando na autoestima.

Um artigo de Koerling (2020) traz um relato que ilustra outra situação comum a pessoas com NF1: a dificuldades para se ter amigos 16. Após já ter sido examinado por quatro estudantes de medicina em um hospital-escola, David respondeu a uma estudante que identificou que ele poderia ter NF1:

“Ou como eu chamo, Sem Amigos 1” Koerling (2020) (‘or as I call it, No Friends 1’ – pág 2) 16.

Hummelvoll & Antonsen (2013) avaliaram que em geral os adultos consideraram ter amigos e que muitos deles descreveram que a questão das amizades melhorou na vida adulta em relação à infância, incluindo a presença de amigos com NF1 17.

O retraimento social descrito na NF1 2,14,17 ainda não está completamente explicado na literatura. Não se sabe se resulta exclusivamente das vivências de estigmatização e bullying ou se alguma alteração na expressão genética interfere 3, por exemplo, a partir de problemas cognitivos gerais derivados de dificuldade na velocidade do processamento de informações e déficit do controle cognitivo, resultando em pior performance 4.

A influência em aspectos psicoemocionais, de forma geral, não aparentam estar necessariamente associados com a gravidade física da doença 5,6,9,10,11,17,19,20 exceto em quando a gravidade foi relacionada ao funcionamento neurocognitivo 4,18.

Já quando a avaliação da doença é comparada com a visibilidade dos sintomas, os dados são mais concordantes em apontar associações 1,2,6,17,19. Ainda assim, há discordâncias. Enquanto para Caballo et al. (2023) a maior visibilidade dos sintomas foi associada a ansiedade severa 21, outros resultados não associaram os sintomas emocionais à visibilidade do sintoma, mas a dificuldades de aprendizagem 12,18.

Em estudo qualitativo realizado com perguntas semiestruturadas realizado no Centro de Referência em Neurofibromatose-MG (CRNF-MG) no Brasil, alguns entrevistados descreveram o enfrentamento da doença como sendo “normal, natural”, enquanto outros focaram em sentimentos negativos de medo e consequências negativas da doença por limitações e constrangimentos sociais, reforçando que a experiência com NF1 varia de sujeito para sujeito 22.

Sintomas psicológicos classificados como internalizantes (que são aqueles nos quais a reação é voltada da pessoa para ela mesma)  como ansiedade, depressão e retraimento social 5,9,18,19 foram descritos com mais frequência e concordância entre os autores, que sintomas classificados como externalizantes (aqueles em que a reação é direcionada principalmente a uma ação que repercute no ambiente de um indivíduo), como impulsividade e agressividade 18 que foram menos presentes ou presente apenas em idades mais precoces 4.

A depressão e a ansiedade são condições presentes na população em geral. O aumento dos transtornos ansiosos e depressivos vem sendo associado a questões contemporâneas, como o estilo de vida atual da sociedade, centrada em alta performance, em padrões estéticos e comportamentais, nos quais há valorização da pessoa multitarefas, extrovertida e comunicativa. Na NF1, a presença de doenças psiquiátricas, como depressão, ansiedade e estresse foi associada a reações subjetivas diante das desfigurações decorrentes das alterações estéticas, vivências de estigmatização e alterações no estilo de vida 19.

Enquanto a ansiedade tem se mostrado como um achado concordante entre os autores, os dados relativos à depressão apresentaram menos concordância 4,9,18,23. Possíveis explicações apresentadas são diferentes delineamentos dos estudos, como faixa etária estudada e critérios para a mensuração dos dados. Por exemplo, há diferenças entre as respostas quando as escalas de avaliação são preenchidas pelos profissionais, pelos familiares, pelos professores ou pela própria pessoa com NF1 18,24,25.

Uma alteração mais branda do humor, a distimia, foi avaliada como diagnóstico psiquiátrico mais comum em avaliação longitudinal de 12 anos 13, que também indicou que vivências de estigmatização podem estar envolvidas. Sinais mais graves de depressão com ocorrências de ideações de autoextermínio (IAE) foram descritas em 16% das crianças com NF1 em comparação com 6% dos irmãos sem a doença 9 e em 45% de entrevistados adultos com NF1 contra 10% dos controles sem NF1 26.

Há ainda muito desconhecimento sobre a NF1, o que dificulta a identificação de sinais e sintomas por familiares e o diagnóstico da NF1 por profissionais 22,27. Essa falta de informações e referências sobre a NF1 para a sociedade leva a uma situação de invisibilidade social da doença apesar da visibilidade dos sintomas físicos e comportamentais 22.

Alguns centros de tratamento têm utilizado mídias sociais como instrumento de  divulgação de informações técnicas e mesmo como meio para favorecer o encontro de pessoas com NF1 e familiares, como a Associação Mineira de Apoio às Pessoas com Neurofibromatoses (AMANF). Isso é importante, sobretudo no que se refere à ampliação do acesso a informações e construção de redes de suporte e troca de experiência.

Se por um lado a tecnologia pode aproximar as pessoas e há ganhos válidos com isso (teleconsultas, facilitação do acesso de pessoas com menor mobilidade etc.), algumas pessoas que não se sentem capazes de se utilizar dela podem sentir o efeito contrário, aumentando o sentimento de auto culpabilização e solidão para quem já se sentia à margem. Além disso, a exposição maior pode ser mais um canal para que se experimente bullying, o cyberbullying 21.

Em resumo, apesar das diferenças individuais, em geral o impacto psicológico da NF1 para as pessoas com NF1 é:

  • Avaliado de forma diferente por profissionais, familiares ou a própria pessoa;
  • Menos afetado pela gravidade da doença do que pelas dificuldades de aprendizagem, pela visibilidade dos sintomas os constrangimentos sociais vividos em situações de estigmatização, discriminação e bullyng;
  • Diferente ao longo das etapas da vida (infância, adolescência, vida adulta);
  • Manifestado mais comumente por sintomas psicológicos internalizantes, em destaque para a ansiedade, do que sintomas externalizantes.

Propostas

Diante dos impactos psicossociais da NF1, Johnson et al. (1999) propõe quatro ações 9:

1 – orientar os pais de crianças com NF1 quanto risco aumentado de problemas sociais e afetivos;

2 – avaliar periódica das crianças com NF1 e tratamento dos problemas de linguagem, motores e cognitivos, visando à possível redução de problemas sociais e emocionais;

3 – encaminhar para avaliação psiquiátrica e/ou psicológica padronizada nos casos de problemas sociais e afetivos;

4 – ampliar as possibilidades de intervenção terapêutica pelos centros de tratamento, buscando prevenir e tratar esses problemas.

Tendo em vista que os familiares também estão sob estresse e respondem emocionalmente às questões atreladas à NF1 17,27 faz-se importante um espaço de escuta e acolhimento para eles. Além disso, um suporte familiar adequado favorece que o apoio social para a pessoa com NF1 seja de melhor qualidade, possibilitando efeitos protetores na qualidade de vida das crianças e adolescentes com NF1 5 e mesmo de adultos 23.

A imprevisibilidade do desenvolvimento da doença é um fator que a torna difícil para se compreender e para se enfrentar 1 além de mais ansiogênico 2. Por essa razão, o olhar dos profissionais é fundamental na identificação dos sinais psicoemocionais, para orientação e encaminhamentos adequados. O relato de David 16 relembra de uma ação simples, mas nem sempre bem utilizada. Uma pergunta cotidiana: “como você está se sentindo?” acompanhada por uma abertura sincera pelo profissional a uma escuta atenta da pessoa é indispensável na identificação precoce ou mesmo a tempo de fatores que possam sugerir sofrimento psíquico, incluindo aqueles com maior intensidade. Essas respostas podem incluir as IAE. Nesse caso, o profissional deve estar preparado e conhecer sobre a rede de atendimento psicossocial local para referenciar a pessoa ao cuidado necessário.

Acerca das IAE alguns mitos precisam ser desfeitos, como orienta a Cartilha de Prevenção ao Suicídio do Ministério da Saúde: falar sobre morrer não incentiva um ato de tentativa de autoextermínio, ao contrário, pode auxiliar a apaziguar a pessoa com uma escuta acolhedora e mesmo prevenir o ato 28.

 

Referências

1- Mouridsen SE, Sorensen SA. Psychological aspects of von Recklinghausen neurofibromatosis (NFl). J Med Genet. 1995; 32:921-4.

2- Ablon J. Living with genetic disorder: The impact of Neurofibromatosis 1. Auburn House, Westport, CT.  1999

3- Martin S, Wolters P, Baldwin A, Gillespie A, Dombi E, Walker K, Widemann B. Social-emotional functioning of children and adolescents with neurofibromatosis type 1 and plexiform neurofibromas: Relationships with cognitive, disease, and environmental variables. Journal of Pediatric Psychology.  2012; 37(7), 713–724.

4- Huijbregts SC, Sonneville LM. Does cognitive impairment explain behavioral and social problems of children with neurofibromatosis type 1? Behav Genet. 2011; 41:430–436.

5- Graf A, Landolt MA, Mori AC, Boltshauser E. Quality of life and psychological adjustment in children and adolescents with neurofibromatosis type 1. The Journal of Pediatrics. 2006; 149(3), 348–353.

6- Page PZ, Page GP, Ecosse E, Korf BR, Leplege A, Wolkenstein P. Impact of neurofibromatosis 1 on Quality of Life: A cross-sectional study of 176 American cases. American Journal of Medical Genetics Part A. 2006; 140A(18), 1893–1898.

7- Papalia DE, Olds SW, Feldman RD. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed, 2000. 684p.

8- Mead GH. Mente, self e sociedade: edição definitiva. Petrópolis: Vozes, 2021. 424p

9- Johnson NS, Saal HM, Lovell AM, Schorry EK. Social and emotional

problems in children with neurofibromatosis type 1: Evidence and proposed interventions. J Pediatr. 1999; 134:767–772.

10- Barton B, North K. The self-concept of children and adolescents with neurofibromatosis type 1. Child Care Health Dev. 2007; 33:401–408.

11- Wang D, Smith K, Esparza S, Leigh F, Muzikansky A, Park E, et al. Emotional functioning of patients with neurofibromatosis tumor suppressor syndrome. Genetics in Medicine.  2012; 14(12), 977–982.

12- Rosnau K, Hashmi SS, Northrup H, Slopis J, Noblin S, Ashfaq M. Knowledge and Self-Esteem of Individuals with Neurofibromatosis Type 1 (NF1). Journal of Genetic Counseling. 2016; 26(3), 620–627.

13- Zöller ME, Rembeck B. A psychiatric 12-year follow-up of adult patients with

neurofibromatosis type 1. J Psychiatr Res. 1999; 33: 63–68.

14- Rozario S. Growing Up and Living with Neurofibromatosis1 (NF1): A British Bangladeshi Case-study. Journal of Genetic Counseling.  2007; 16(5), 551–559.

15- GOFFMAN E. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Quarta Edição. LTC. Rio de Janeiro, 2008. 158p.

16- Koerling AL. No friends 1. Orphanet Journal of Rare Diseases. 2020; 15(1).

17-  Hummelvoll G, Antonsen KM. Young adults’ experience of living with neurofibromatosis type 1. J. Genet. Couns. 2013; 22, 188–199.

18- Noll RB, Reiter-Purtill J, Moore BD, Schorry EK, Lovell AM, Vannatta K, Gerhardt CA. Social, emotional, and behavioral functioning of children with NF1. Am J Med Genet Part A. 2007; 143:2261–2273.

19- Wolkenstein P, Zeller J, Revuz J, Ecosse E, Leplege A. Visibility of

neurofibromatosis 1 and psychiatric morbidity. Arch Dermatol.  2003; 139: 103–104.

20- Sebold CD, Lovell A, Hopkin R, Noll R, Schorry E. Perception of disease severity in adolescents diagnosed with neurofibromatosis type 1. J. Adolesc. Health. 2004; 35, 297–302.

21- Cavallo ND, Maggi G, Ferraiuolo F, Sorrentino A, Perrotta S, Carotenuto M, Santangelo G, Santoro C. Neuropsychiatric Manifestations, Reduced Self-Esteem and Poor Quality of Life in Children and Adolescents with Neurofibromatosis Type 1 (NF1): The Impact of Symptom Visibility and Bullying Behavior. Children. 2023; 10, 330.

22- Cerello AC, Gianorlodi-Nascimento IF, Moreira AH, Rocha VS, Ribeiro LM, Rezende NA. Representações sociais de pacientes e familiares sobre neurofibromatose tipo 1. Ciênc. saúde coletiva. 2013; 18 (8) Ago.

23- Buono FD, Sprong ME, Paul E, Martin S, Larkin K, Garakani A. The mediating effects of quality of life, depression, and generalized anxiety on perceived barriers to employment success for people diagnosed with Neurofibromatosis Type 1. Orphanet J. Rare Dis. 2021; 16, 234.

24- Pasini A, Lo-Castro A, Di Carlo L, Pitzianti M, Siracusano M, Rosa C, Galasso C. Detecting anxiety symptoms in children and youths with neurofibromatosis type I. American Journal of Medical Genetics, Part B: Neuropsychiatric Genetics.  2012; 159B(7), 869–873.

25- Cipolletta S, Spina G, Spoto A. Psychosocial functioning, self-image, and quality of life in children and adolescents with neurofibromatosis type 1. Child: Care, Health and Development.  2018; 44(2), 260–268.

26- Berardelli I, Maraone A, Belvisi D, Pasquini M, Giustini S, Miraglia E, Iacovino C, Pompili M, Frascarelli M, Fabbrini G. The importance of suicide risk assessment in patients affected by neurofibromatosis. International Journal of Psychiatry in Clinical Practice. 2021; 25(4), 350–355.

27- Quintais ALS. Neurofibromatose Tipo 1: Principais Preocupações de Doentes e Cuidadores de Doentes. (Dissertação) Mestrado Integrado em Psicologia. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Luísa Barros (orientadora). 2008. 56p.

28- Brasil. Cartilha de Prevenção ao Suicídio. Sem data. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/consulado-miami/assistencia-a-brasileiros/cartilha-de-prevencao-ao-suicidio

 

 

Recebemos duas perguntas de uma leitora de Curitiba:

No caso do câncer de mama relacionado à neurofibromatose, há responsividade a hormônios (como o estrogênio, por exemplo), como no caso de alguns tipos de cânceres de mama?
Para mulheres com neurofibromatose há alguma contraindicação no uso de alguns tipos de anticoncepcionais devido ao risco aumentado de câncer de mama que essas mulheres já apresentam?”

 

Solicitamos a ajuda da Dra. Luiza de Oliveira Rodrigues e Dra. Débora Balabram que responderam abaixo. Para informações gerais sobre câncer de mama nas pessoas com NF1 clique aqui.

 

São ótimas perguntas.

Sobre os subtipos de câncer de mama na NF1:

Um estudo de 2016, do grupo da Dra. Juha Peltonen (ver aqui, em inglês), resume bem o problema e sugere que, assim como em outras condições genéticas que aumentam risco de câncer de mama (BRCA1/2, Li-Fraumeni (TP53), PTEN etc.), os tumores tendem a ser mais agressivos nas mulheres com NF1, com menor percentual de tumores responsivos ao estrogênio, conforme a leitora nos perguntou. Outro estudo, da Dra. Ann Lee e colaboradores (2018, ver aqui em inglês) confirma estas informações.

 

Sobre os anticoncepcionais:

Embora haja evidências sugerindo um risco modestamente aumentado de câncer de mama com o uso atual ou recente de anticoncepcional oral, esse risco diminui ao longo do tempo após a cessação do uso.

O aumento absoluto do risco é relativamente pequeno, e os benefícios dos anticoncepcionais orais, incluindo eficácia contraceptiva e redução potencial no risco de câncer de ovário, devem ser ponderados em relação a esse risco. Em mulheres sem mutações genéticas, o aumento de risco de câncer foi de mais um caso para casa 7690 mulheres que fizeram uso da medicação por um ano (ver referência 3 abaixo).

Mais pesquisas são necessárias para esclarecer o risco associado a formulações de anticoncepcionais orais mais recentes e em populações específicas, como portadoras da mutação BRCA1/2 (ver referência 1 abaixo).

A literatura médica não aborda especificamente o risco de câncer de mama associado ao uso de anticoncepcionais orais em mulheres com neurofibromatose tipo 1 (NF1). Mas, considerando seu aumento de risco de CA de mama semelhante ao do BRCA2, parece-nos prudente seguir as recomendações para esse grupo.

Além disso, a expressão de receptores de progesterona em neurofibromas foi observada, mas a maioria das mulheres com NF1 que usam anticoncepcionais orais não relataram crescimento significativo de neurofibroma.

Contraceptivos orais, incluindo preparações de estrogênio-progestogênio e progestogênio puro, têm sido usados ​​por mulheres com NF1 sem crescimento significativo de neurofibromas associados na maioria dos casos.

No entanto, houve relatos de crescimento tumoral significativo em uma pequena porcentagem de mulheres usando contraceptivos de depósito contendo altas doses de progesterona sintética [ver referência 2 abaixo]. Isso sugere que, embora os contraceptivos orais possam ser uma opção viável, pode ser necessário cuidado com formulações de depósito.

Dado o aumento do risco de câncer de mama, métodos contraceptivos não hormonais, como dispositivos intrauterinos de cobre (DIUs), podem ser considerados, pois não envolvem exposição hormonal.

Além disso, métodos de barreira ou soluções permanentes, como laqueadura, podem ser alternativas, dependendo dos planos reprodutivos e do perfil de risco do indivíduo.

 

Referências

  1. Oral Contraceptives and Risk of Breast Cancer and Ovarian Cancer in Women With a BRCA1 or BRCA2 Mutation: A Meta-Analysis of Observational Studies. Park J, Huang D, Chang YJ, Lim MC, Myung SK. Carcinogenesis. 2022;43(3):231-242. doi:10.1093/carcin/bgab107
  2. Care of Adults With Neurofibromatosis Type 1: A Clinical Practice Resource of the American College of Medical Genetics and Genomics (ACMG). Stewart DR, Korf BR, Nathanson KL, Stevenson DA, Yohay K. Genetics in Medicine: Official Journal of the American College of Medical Genetics. 2018;20(7):671-682. doi:10.1038/gim.2018.28.
  3. Contemporary hormonal contraception and the risk of breast cancer. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29211679/

 

 

 

 

 

 

Dando prosseguimento à nossa divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em dezembro de 2024, apresentamos o texto fundamental da Dra. Luciana Baptista Pereira, professora de Dermatologia na Faculdade de Medicina da UFMG, com informações muito importantes que faltavam em nosso site, o que vem ampliar nosso conhecimento sobre a NF1. Muito obrigado, em nome de toda a equipe do CRNF.

Dr. Lor

 

Professora Luciana Baptista Pereira

Dermatologista e Professora da

Faculdade de Medicina da UFMG

 

 

MANCHAS CAFÉ COM LEITE

 

As manchas café com leite (MCL) estão presentes no primeiro ano de vida em 99% das crianças que posteriormente serão diagnosticadas com neurofibromatose do tipo 1 (NF1).  São o sinal mais comum e mais precoce, seguidas pelas efélides axilares ou inguinais (Nunley et al. 2009). Apesar disso, as MCL não são patognomônicas da NF1. Uma única MCL está presente em cerca de 2,5% dos neonatos em estudos populacionais (Shah 2010) e, em um estudo brasileiro, percentual semelhante foi encontrado: as MCL foram encontradas em 2,8% dos recém-nascidos examinados nas primeiras 36 horas de vida. (Pereira 1999)

As MCL podem aumentar em número até os 2 a 4 anos de idade, sendo incomum surgirem após os 6 anos a não ser em pacientes com NF1, cujo número pode aumentar até a adolescência e vida adulta. (Boyd 2010; Shah 2010) A possibilidade das MCL estarem presentes de forma isolada, sem associação com outras alterações, é inversamente  proporcional ao seu número. Uma criança com 3 ou mais MCL deve ser avaliada cuidadosamente pela possibilidade de haver associação com síndromes, pois a presença de mais que 3 MCL são detectadas em apenas 0,3% das crianças sem evidência de desordem genética. (Nunley et al. 2009) Quanto maior for o número de MCL, maior a probabilidade do diagnóstico ser NF1. A presença de seis ou mais MCL maiores que 5 mm em indivíduos pré-puberais e 15 mm em adultos é um dos critérios diagnósticos da NF1.

Além do número, as características morfológicas das MCL são importantes para o diagnóstico. As MCL se tornam visíveis ao nascimento ou nas primeiras semanas de vida. A cor geralmente é uniforme, variando do marrom claro ao escuro. A cor pode variar entre as manchas do mesmo indivíduo e entre indivíduos diferentes, tendendo a ser mais escuras nos negros e mais claras nas pessoas brancas. (Shah 2010) (Friedman 2016)

As MCL são maculares, sem nenhuma alteração do relevo. Se houver alguma alteração no relevo, o diagnóstico de neurofibroma plexiforme se torna mais provável. (Friedman 2016) – Figura 1 A – As máculas hipercrômicas com alteração de relevo subjacente no tórax em paciente com NF1 – o diagnóstico é neurofibroma plexiforme e não, mancha café com leite. Manchas café com leite podem ser vistas no abdome

 

 

 

Figura 1 – Lesões hipercrômicas.  A – Neurofibroma plexiforme; B e C: Nevos de Becker mácula hipercrômica com bordas irregulares encimadas por micropápulas: a alteração de relevo afasta o diagnóstico de mancha café com leite; D: Mácula hipercrômica também chamada de mancha café com leite atípica.

O tamanho geralmente varia de 5 a 30 mm de diâmetro, mas podem ser maiores chegando a 20 cm. Crescem de forma proporcional ao crescimento da criança. A distribuição parece ser randomizada, poupando apenas o couro cabeludo, palmas e plantas, e são menos comuns na face. A cor e a distribuição das MCL não apresentam relação com a exposição solar (Boyd et al., 2010).

As MCL típicas da NF1 são ovaladas e apresentam bordas regulares, mesmo quando de tamanho maior.  As manchas hipercrômicas que apresentam bordas irregulares, denteadas, são denominadas de MCL atípicas por não serem características da NF1. (Nunley 2009; Kehrer-Sawatzki 2022) Estas máculas hipercrômicas de bordas irregulares, denteadas, chamadas de MCL atípicas por vários autores, (Figura 1 D) são  também denominadas de lesões hipermelanóticas segmentares e refletem um mosaicismo pigmentar e quando pequenas, são denominadas de nevos hipercrômicos. (Torrelo 2005) Essas lesões hipercrômicas de bordas irregulares correspondem ao inverso do nevo despigmentado.

 

Figura 2 – Outras lesões hipercrômicas: nevos hipercrômicos – também denominados de manchas café com leite atípicas – são máculas hipercrômicas de bordas irregulares, denteadas, segmentares – são o inverso do nevo despigmentado, também  denominadas de lesões hipermelanóticas segmentares.

 

 

 

Figura 3 – Manchas café com leite típicas da NF1: máculas hipercrômicas com bordas regulares, ovaladas, de tamanhos variados, em grande número, com tonalidades diferentes entre pacientes ou mesmo, na mesma pessoa.

 

Do ponto de vista histológico, considera-se que a diferença de cor das MCL estaria na maior concentração de melanina nos melanócitos e nos queratinócitos e na presença de macromelanossomas. (Shah 2010, De Shepper et al, 2006). Questiona-se se há ou não diferenças histológicas entre as MCL da NF1 das demais MCL.

As MCL não apresentam tendência a malignização e os tratamentos tentados têm apenas objetivo cosmético. (Shah 2010) Vários tipos de laser têm sido tentados para clareamento das manchas, com resultados variáveis: pulsed dye laser, Er:YAG (erbium doped yttrium aluminum garnet), QS Nd:Yag (Q-switched neodymium-dopet yttrium aluminum garnet), QSRL (Q-switched ruby laser) e QSAL (Q-switched alexandrite laser). Um resultado satisfatório ocorre em cerca de 75% dos pacientes com uma taxa de clareamento maior que 50%. O laser QS-1064-nm Nd:YAG parece ser o mais eficaz com poucos efeitos colaterais. (Zi-Zhen 2023)

 

OUTRAS SÍNDROMES ASSOCIADAS COM MANCHAS CAFÉ COM LEITE

SÍNDROME DE LEGIUS

Na síndrome de Legius há múltiplas MCL em associação com efélides axilares e/ou inguinais, macrocefalia, pectus excavatum ou carinatum, polidactilia, lipomas, dificuldades de aprendizado, comportamento autista, dismorfismos faciais Noonan símile.  Mas os pacientes não apresentam nódulos de Lisch, alterações ósseas, neurofibromas ou outros tumores de nervos periféricos como na NF1. A síndrome de Legius é indistinguível da NF1 em relação ao número, morfologia e padrão de distribuição das MCL. (Shah 2010)

 

SCHWANNOMATOSE (NF TIPO 2)

Embora os pacientes com Schwannomatose apresentem um número menor de MCL quando comparados com os pacientes com NF1, o número ainda é maior que o da população geral.  As MCL não estão entre os critérios diagnósticos para a Schwannomatose, mas estão presentes em 33 a 43% dos pacientes. Além dos schwannomas vestibulares que são característicos dessa desordem, meningiomas, schwannomas espinhais e cutâneos podem estar presentes.

 

MÚLTIPLAS MANCHAS CAFÉ COM LEITE FAMILIARES

MCL múltiplas familiares são observadas em famílias sem outras características de NF1 ou outras síndromes. A ausência de neurofibromas, nódulos de Lisch e outras alterações fenotípicas nos faz pensar neste diagnóstico. Do ponto de vista genético não há mutações nos genes conhecidos das demais síndromes que cursam com MCL. Anteriormente eram categorizadas como NF6 na classificação de Riccardi.

 

SÍNDROME DE NOONAN

A síndrome de Noonan é uma desordem autossômica recessiva com mutações descritas em vários genes que pertencem a via RAS-MAPK. Caracteriza-se pelas seguintes alterações: baixa estatura, anomalias cardíacas, defeitos no tórax como pectus excavatum ou carinatum, retardo mental, hipertelorismo, ptose palpebral, fendas palpebrais inclinadas para baixo, orelhas com implantação baixa e rodadas posteriormente, fronte proeminente, filtro labial largo com bordas labiais proeminentes, pescoço largo, alterações hemorrágicas, presença de lentigos e manchas café com leite.

 

SÍNDROME DO CROMOSSOMO EM ANEL

MCL múltiplas tem sido relatadas em pacientes com síndromes do cromossomo em anel envolvendo os cromossomos 7, 11, 12, 15 e 17. Essas crianças tendem a apresentar uma variedade de outras anomalias congênitas, incluindo dismorfismo facial, microcefalia, clinodactilia, baixa estatura e déficits neurocognitivos. A possibilidade de didimose (“Twin spotting”) é sugerido pelo relato de crianças com MCL múltiplas associadas com máculas hipopigmentadas.

 

Figura 4: A: Manchas gêmeas (“twin spotting”) – manchas hipocrômicas (nevo despigmentado ou hipopigmentado) associadas com hipercrômicas; B: Mancha café com leite segmentar e terminando na linha média; C, D e E:  Piebaldismo.

 

SÍNDROME MCCUNE-ALBRIGHT

As características principais incluem displasia fibrosa poliostótica, puberdade precoce, outras endocrinopatias como hipertireoidismo, hiperparatireoidismo, síndrome de Cushing, acromegalia, MCL grandes, segmentares e com bordas irregulares. As MCL têm uma predileção para áreas com proeminência óssea (fronte, nuca, tórax, nádegas e região sacral) e  geralmente são unilaterais, não ultrapassando a linha média (padrão de mosaicismo em tabuleiro de xadrez).

 

SÍNDROME DE DEFICIÊNCIA CONSTITUCIONAL DO REPARO DO DNA

A síndrome da deficiência constitucional do reparo do DNA é causada por mutações em genes que fazem o reparo no DNA e caracteriza-se por uma alta prevalência de cânceres sincrônicos e metacrônicos na infância. Várias neoplasias podem ser detectadas antes dos 18 anos de idade: neoplasias hematológicas; carcinomas colorretais, do endométrio, intestino delgado, ureter, pelve renal, trato biliar, estômago, bexiga; tumores embriológicos, entre outros. Esses pacientes podem apresentar MCL, neurofibromas e efélides axilares de forma semelhante aos pacientes com NF1.

 

PIEBALDISMO

O piebaldismo é uma desordem autossômica dominante que se caracteriza pelas seguintes características fenotípicas: mecha branca frontal nos cabelos, mácula acrômica triangular na fronte, máculas acrômicas bilaterais no tronco e membros e manchas hipercrômicas (MCL) dentro das manchas acrômicas e na pele normal.

 

 

Figura 5 – A e B: Síndrome de Bloom; C e D: Anemia de Fanconi; E, F e G: Síndrome de Leopard.

 

SÍNDROME DE BLOOM

A síndrome de Bloom é uma doença autossômica recessiva causada por mutação no gene BLM 15q26.1. Caracteriza-se pela tríade: eritema telangiectásico na face, fotossensibilidade e retardo de crescimento. Os pacientes apresentam uma face estreita, pequena, triangular com nariz proeminente (face de passarinho). Podem apresentar também hipogonadismo, imunodeficiências e predisposição para desenvolvimento de malignidades. As MCL podem estar presentes em 50% dos casos e geralmente junto com manchas hipocrômicas, especialmente no tronco.

ANEMIA DE FANCONI

Caracteriza-se por baixa estatura, distúrbios pigmentares na pele (hipermelanose difusa, manchas café com leite, manchas hipocrômicas) presentes em 40% dos casos, malformações ósseas (defeitos no polegar e antebraços), renais, cardíacas, TGI, SNC, hipogonadismo, endocrinopatias. A falência da medula óssea ocorre em 90% dos casos e malignidades não hematológicas podem ocorrer em 20 a 30% dos casos.

SÍNDROME LEOPARD (LENTIGOS MÚLTIPLOS)

LEOPARD é um acrônimo que significa: Lentigos simples; alterações no Eletrocardiograma; hipertelorismo Ocular; cardiomiopatita Obstrutiva; estenose Pulmonar; Anomalias genitais e reprodutivas; Retardo de crescimento; surdez (Deafness).

Trata-se de uma doença autossômica dominante, alélica a síndrome de Noonan, caracterizada pela presença de lentigos que surgem após 4-5 anos de idade, aumentam em número até a puberdade e não acometem as mucosas. As MCL surgem antes dos lentigos e estão presentes em 70 a 80% dos pacientes. Nesta síndrome há também manchas mais escuras e maiores que os lentigos denominadas manchas café noir.

 

OUTRAS MANIFESTAÇÕES DERMATOLÓGICAS PRESENTES NA NF1 ALÉM DAS MCL

 

EFÉLIDES NAS DOBRAS CUTÂNEAS (SINAL DE CROWE)

As efélides são a segunda característica mais comum na NF1. Geralmente surgem entre 2 a 3 anos de idade, nas axilas e/ou virilhas, surgindo portanto, mais tardiamente, quando comparadas com as MCL. Cerca de 90% dos adultos com NF1 tem efélides nas axilas e virilhas. Podem ocorrer também no pescoço, mamas, região perioral, proximal dos membros e mesmo tronco, mas nestes locais não são consideradas critério diagnóstico para NF1. Variam de 1 a 3 mm, distinguindo assim, das MCL. (Boyd et al., 2009)(Friedman 2016)

O termo efélides é utilizado para descrever manchas pequenas, hiperpigmentadas encontradas apenas em áreas expostas ao sol, principalmente em indivíduos de pele clara. Contrariando esta descrição, na NF, a mesma denominação é utilizada para manchas de aspecto similar, mas presentes principalmente em áreas de dobras e não expostas ao sol.

Os achados histológicos são idênticos aos das MCL e alguns autores as consideram como MCL pequenas e agrupadas. Quando apenas as MCL e efélides axilares /inguinais estão presentes, o diagnóstico de síndrome de Legius deve ser considerado.

 

 

Figura 6 – A e B: Manchas café com leite e efélides axilares e cervicais; C: disseminadas.

 

HIPERPIGMENTAÇÃO DIFUSA GENERALIZADA

Uma hiperpigmentação generalizada é encontrada nos pacientes com NF1 quando comparados com pais e irmãos não acometidos. Uma hipótese para explicar esta alteração é que essa hipercromia seria pela mutação nas células germinativas e as MCL seriam secundárias a pelo menos uma segunda mutação (mutações nas células germinativas e  somáticas). Nos pacientes com neurofibromatose segmentar pode haver uma  hiperpigmentação de base no seguimento anatômico acometido. (Boyd 2009)

 

NEUROFIBROMAS

Os neurofibromas são outro sinal marcante da NF1. Podem ocorrer em qualquer lugar do corpo e apresentam grande variação na forma e tamanho. (Boyd 2009) Os neurofibromas dérmicos geralmente surgem na adolescência e raramente são detectados na infância.

Há 3 tipos histológicos de neurofibromas: endoneurais, perineurais e epineurais e sua distinção é importante pois sua evolução natural é bastante diferente. Os axônios com sua bainha de mielina se agrupam formando feixes interligados por uma membrana de tecido conjuntivo chamada endoneuro. Em volta destes feixes, há o perineuro. E vários feixes são cobertos por uma membrana mais externa, denominada epineuro.

 

Figura 7 – Diagrama dos diferentes tipos de neurofibromas e fotos correspondentes.

 

Neurofibromas cutâneos

Neurofibromas endoneurais (cutâneos ou dérmicos ) derivam do endoneuro dos nervos sensitivos terminais cutâneos e são constituídos de células de Schwann, fibroblastos, células endoteliais, perícitos e mastócitos. Podem ser sésseis, achatados ou pedunculados; macios ou com a consistência de borracha; cor da pele a ligeiramente hipercrômicos; tamanhos variados (alguns mm a vários cm). Podem ser dolorosos e/ou pruriginosos. Geralmente surgem na puberdade e podem aumentar de tamanho e número na vida adulta. Além da puberdade, a gravidez é outro período que propicia aumento no número e tamanho dos neurofibromas. (Friedmann 2016)

Os neurofibromas cutâneos provocam grandes problemas para os pacientes com NF1, dependendo da visibilidade, do número e tamanho desses tumores. (Boyd 2009) A excisão cirúrgica com fechamento primário pode ser realizada. A eletrodissecção é uma técnica que permite retirar um número maior de lesões. (Lutterodt 2016)

Neurofibromas subcutâneos

Neurofibromas subcutâneos são revestidos pelo perineuro. Podem formar cordões com vários neurofibromas ao longo do trajeto de um nervo, como contas de um rosário. Apresentam consistência mais endurecida que os neurofibromas cutâneos. Geralmente surgem nos primeiros 5 anos de vida portanto, mais precocemente quando comparados com os neurofibromas cutâneos. Podem crescer ao longo da vida, causar desconforto como dor e/ou prurido e sofrer transformação maligna.

Neurofibromas plexiformes

Os neurofibromas plexiformes (epineurais) ocorrem em cerca de 30-50% dos pacientes com NF1. (Hirbe 2014) São congênitos, o que ajuda diferenciá-los dos neurofibromas cutâneos e subcutâneos. Apresentam pele sobrejacente hipercrômica, com ou sem hipertricose, podendo ser confundido com uma MCL ou nevo melanocítico congênito. (Hernández-Martin 2016). Crescem principalmente nas primeiras 3 décadas de vida no trajeto de um nervo. Podem ser muito grandes e pesados, desfigurantes e interferirem com a função da área acometida. A malignização dos tumores neurais da NF1 usualmente ocorrem em neurofibromas plexiformes, em cerca de 8 a 15% dos pacientes. Dor e crescimento rápido destes tumores é um sinal de alerta importante. A malignização geralmente ocorre na adolescência ou vida adulta. Os neurofibromas plexiformes podem ser internos. (Boyd 2009, Riccardi 2016, Friedman 2016)

 

NEUROFIBROMAS NA CAVIDADE ORAL

Neurofibromas na cavidade oral ocorrem em 4-7% dos pacientes com NF1 e se apresentam como tumores de tamanhos variados, não dolorosos, localizados principalmente na língua, palato, mucosa bucal e alveolar e assoalho da boca. Quando traumatizados, podem causar sintomas. Exérese cirúrgica, eletrocauterização ou  laser diodo ou erbium podem ser realizados. (Angiero 2016)

 

MÁCULAS PSEUDOATRÓFICAS E AZUL AVERMELHADAS

São variantes incomuns dos neurofibromas. A mácula azul avermelhada foi descrita como uma lesão de limites mal definidos, consistência macia, localizada no tronco. Surgem um pouco antes ou durante a adolescência e ficam levemente elevadas com o tempo. Histologicamente, caracterizam-se pela presença de vasos com parede espessada e lúmen largo e células neurais na derme papilar e reticular. (Boyd 2009)

As máculas pseudoatróficas são lesões ovais, levemente deprimidas, medindo 5 a 10 cm. A cor e textura são semelhantes às da pele normal, mas quando comprimidas, demonstram uma perda do tecido subcutâneo subjacente. O exame histológico demonstrou redução do colágeno na derme reticular e substituição por tecido neuroide composto por células de Schwann, fibroblastos e vasos (hipoplasia dérmica neurofibromatosa). (Boyd 2009)

 

XANTOGRANULOMA JUVENIL

A tripla associação, NF1, xantogranuloma juvenil e leucemia mielomonocítica, é questão de debate. Há relatos na literatura demonstrando uma prevalência de xantogranuloma juvenil em 9 a 30% dos pacientes com NF1. Esta prevalência muda com a idade, porque os xantogranulomas podem já ter regredido na época em que o diagnóstico de NF1 é definido. A maioria dos xantogranulomas regride antes dos 5 anos de idade. (Jans 2015; Fenot 2014). O risco de desenvolver leucemia mieloide mielomonocítica juvenil é 200 a 500 vezes maior em crianças com NF1. A leucemia mieloide mielomonocítica juvenil surge habitualmente antes dos 6 anos de idade, portanto deve ser pensada em crianças que tenham sinais sugestivos ou diagnósticos de NF1 e lesões de xantogranuloma juvenil. (Jans 2015) (Boyd 2009)

 

Figura 8. Outras lesões cutâneas que podem ser encontradas nas pessoas com NF1. A: nódulos amarelo-hipercrômicos, um xantogranuloma juvenil; B: nevo anêmico.

 

OUTROS TUMORES

Postula-se uma maior chance dos pacientes com NF1 em ter tumor glômico. O reconhecimento  é importante por ser um tumor doloroso e a exérese cirúrgica é curativa. (Boyd 2009) Rabdomiossarcoma, feocromocitoma, tumores no trato gastrintestinal, câncer de mama em mulheres abaixo de 50 anos são mais frequentes em pacientes com NF1. (Friedman 2016) Em relação ao melanoma, a relação é controversa. A presença de melanomas mais espessos em pacientes com NF1 pode ser pela grande quantidade de lesões pigmentadas nestes pacientes, o que pode ocasionar demora no diagnóstico. (Boyd 2009) Lipomas também ocorrem mais frequentemente em pacientes com NF1.

 

NEVO ANÊMICO

Embora a primeira descrição da associação entre nevo anêmico e NF1 ter sido feita por Naegeli em 1915 e novamente relatada por outros autores em 1969 e 1970, essa associação recebeu pouca atenção até há poucos anos. (Hernández-Martín 2015) A partir de 2013, séries com grande número de pacientes com NF1 e nevo anêmico foram publicadas, demonstrando uma prevalência dessa associação em cerca de 50% dos pacientes. O nevo anêmico encontra-se especialmente no tronco, principalmente na região anterior da parede torácica e esternal, mas pode estar presente em qualquer local do corpo. O tamanho é variável, sendo frequentemente múltiplo. Anormalidades vasculares tem sido descritas em pacientes com NF1, principalmente nas artérias renais e cerebrais. (Hernández-Martín et al., 2015) A presença do nevo anêmico pode ser útil para diferenciar NF1 de outras genodermatoses que apresentam MCL e efélides.

 

PRURIDO

O prurido é uma manifestação relativamente comum na NF1, estimado ser uma queixa em cerca de 20% dos pacientes. (Brenaut 2016). Quando generalizado, parece estar associado a um maior número de mastócitos nos neurofibromas. Pode ser localizado, considerado como uma causa de prurido neuropático, por tumores no sistema nervoso central (medular ou encefálico). Geralmente está associado a outros sintomas como dor, alodinia, parestesias, hiperestesias ou sensações de choque. (Boyd 2009; Brenaut 2016)

 

 

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Em mais uma continuidade da divulgação online dos capítulos escritos para a Edição Comemorativa dos 20 anos do CRNF, a ser lançada em novembro de 2024, apresentamos o excelente texto da Dra. Pollyanna Barros Batista, fonoaudióloga que participa do CRNF há mais de uma década, contribuindo com diversos conhecimentos originais sobre os problemas fonaudiológicos na NF1 e nas Schwannomatoses. Agradecemos mais esta colaboração para a ampliação dos nossos conhecimentos.

Dr. Lor

 

 

Pollyanna Barros Batista

Fonoaudióloga

Doutora e Mestre em Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto

Especialista em Linguagem pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia

Idealizadora da Plataforma Hey Ear

 

 

 

 

Introdução

 

A Neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma doença genética hereditária, autossômica dominante, que afeta aproximadamente 1 em cada 3.000 indivíduos em todo o mundo. Caracterizada pela presença de múltiplos tumores benignos ao longo dos nervos periféricos, bem como por manchas café-au-lait na pele e outras manifestações cutâneas e ósseas, a NF1 é uma das doenças genéticas mais comuns e variadas em termos de apresentação clínica (FRIEDMAN, 1999; HUSON; HUGHES, 1994).

As manifestações clínicas da NF1 são diversas e podem incluir problemas neurológicos, ortopédicos, oftalmológicos e cardiovasculares. No âmbito da comunicação, indivíduos com NF1 frequentemente apresentam dificuldades de fala e linguagem, dificuldades de aprendizagem, problemas auditivos e déficits cognitivos. Essas alterações podem impactar significativamente a qualidade de vida dos pacientes e suas habilidades de interação social (ROSENFELD et al., 2010; NORTH, 2000).

Dada a complexidade e a variabilidade das manifestações da NF1, a abordagem terapêutica requer uma equipe multidisciplinar, na qual o fonoaudiólogo desempenha um papel crucial. A atuação fonoaudiológica na NF1 envolve a avaliação e o tratamento de alterações de fala, audição, linguagem, voz e deglutição, além do suporte no desenvolvimento de habilidades comunicativas e cognitivas (VIEIRA, 2004; PULSIFER et al., 2007).

 

Alterações da Comunicação na NF1

A NF1 frequentemente está associada a diversas alterações na comunicação, abrangendo dificuldades de fala, linguagem e aprendizado. Essas alterações podem variar amplamente em termos de gravidade e impacto funcional, refletindo a heterogeneidade clínica da doença. Indivíduos com NF1 frequentemente apresentam dificuldades na aquisição e desenvolvimento da linguagem. Estudos indicam que aproximadamente 60% das crianças com NF1 podem apresentar algum tipo de déficit de linguagem (ROWAN et al., 2014). Esses déficits podem se manifestar como atrasos na aquisição da linguagem, dificuldades na compreensão e expressão verbal, vocabulário limitado e problemas na construção de frases complexas (HARRIS et al., 2016).

As dificuldades de linguagem frequentemente se estendem para as habilidades de leitura e escrita, contribuindo para problemas acadêmicos significativos. Estudos sugerem que crianças com NF1 têm maior risco de desenvolver dislexia e outros transtornos de aprendizagem relacionados à leitura (OLSEN et al., 2013). Essas dificuldades podem resultar em uma baixa autoestima, frustração e desmotivação escolar, impactando negativamente o desempenho acadêmico geral (UTTER et al., 2014).

Entre os transtornos específicos de fala, a disartria e a apraxia de fala são relativamente comuns em pacientes com NF1. A disartria, uma desordem motora da fala resultante de lesões no sistema nervoso central ou periférico, pode causar articulação imprecisa, voz monótona e ritmo de fala irregular (HILTON; WOLLAND, 2012). Já a apraxia de fala, uma desordem neurológica que afeta a programação dos movimentos necessários para a produção da fala, pode levar a dificuldades significativas na articulação de sons e na fluência verbal (MORRISON et al., 2013).

Indivíduos com NF1 podem apresentar dificuldades significativas de motricidade orofacial, incluindo problemas na coordenação e controle dos músculos responsáveis pela mastigação, deglutição, fala e expressão facial. Essas dificuldades podem se manifestar como fraqueza muscular, movimentos orais incoordenados e anomalias estruturais, como alterações na mordida e no posicionamento dos dentes, que impactam negativamente a clareza da articulação, a fluência da fala e a eficiência na alimentação. Além disso, a presença de neurofibromas na região orofacial pode exacerbar essas dificuldades, comprometendo ainda mais a função motora e a estética facial, e, consequentemente, a qualidade de vida das pessoas com NF1 (HINKLEY et al., 2012; SILVA et al., 2015).

Indivíduos com NF1 podem apresentar problemas auditivos que agravam as dificuldades comunicativas. A perda auditiva neurossensorial, embora não seja comum, pode ocorrer devido à presença de neurofibromas ao longo do nervo auditivo (NIEMANN et al., 2012). Além disso, déficits no processamento auditivo podem interferir na aquisição e uso eficiente da linguagem (BATISTA et al., 2010; BATISTA et al., 2014; HINKLEY et al., 2012). Crianças e adultos com NF1, devido ao transtorno do processamento auditivo, podem ter dificuldades para entender instruções complexas, seguir conversas e captar nuances de linguagem como metáforas e expressões idiomáticas (BATISTA et al., 2010; BATISTA et al., 2014).

 

Intervenção Fonoaudiológica

A intervenção fonoaudiológica em indivíduos com NF1 é essencial para minimizar as dificuldades associadas à condição. Devido à variabilidade nas manifestações clínicas da NF1, as abordagens terapêuticas devem ser individualizadas, levando em consideração as necessidades específicas de cada paciente. As principais estratégias de intervenção fonoaudiológica, destacando técnicas específicas, são discutidas a seguir.

 

Estratégias de Intervenção para Fala e Voz

 

A terapia de fala e voz para pacientes com NF1 visa melhorar a articulação, fluência, voz e prosódia. As estratégias incluem:

  • Exercícios de articulação: Práticas direcionadas para a produção precisa de sons específicos que são frequentemente articulados incorretamente.
  • Terapia de fluência: Técnicas para melhorar a fluidez da fala, como controle de ritmo e técnicas de suavização.
  • Intervenção vocal: Exercícios para melhorar a qualidade vocal, incluindo controle de volume e tom, e técnicas de relaxamento para reduzir a tensão vocal.
  • Treinamento prosódico: Práticas para melhorar o ritmo, entonação e ênfase da fala, ajudando a tornar a comunicação mais natural e expressiva (HILTON; WOLLAND, 2012).

 

Terapia de Linguagem

A terapia de linguagem para indivíduos com NF1 pode abordar tanto a linguagem receptiva quanto a expressiva. As abordagens incluem:

  • Intervenção para a linguagem receptiva: Técnicas para melhorar a compreensão verbal, como o uso de pistas visuais, simplificação da linguagem e repetição de instruções.
  • Intervenção para a linguagem expressiva: Estratégias para ampliar o vocabulário, melhorar a estrutura frasal e desenvolver habilidades narrativas.
  • Desenvolvimento de habilidades pragmáticas: Intervenções que focam na utilização da linguagem em contextos sociais, incluindo práticas de conversação e treinamento de habilidades sociais (PHILLIPS et al., 2011).

 

Intervenção para o Processamento Auditivo

A intervenção para o Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC) em indivíduos com NF1 envolve várias abordagens:

  • Treinamento auditivo: Exercícios para melhorar as habilidades auditivas (BATISTA, 2016).
  • Uso de tecnologia assistiva: O sistema Roger é uma tecnologia inovadora que auxilia pessoas com TPAC. Utilizando microfones sem fio e receptores, o Roger transmite a voz do falante diretamente para os ouvidos da pessoa com TPAC, minimizando os ruídos de fundo e melhorando a clareza do som. Esta ferramenta é especialmente eficaz em ambientes educacionais, onde o barulho pode dificultar a compreensão auditiva.
  • Estratégias compensatórias: Técnicas para ajudar os pacientes a lidar com as dificuldades auditivas, como ensinar a pedir para que as informações sejam repetidas ou reformuladas (CHERMAK; MUSIEK, 1997).

 

Perspectivas Futuras

Avanços na Pesquisa

A pesquisa sobre NF1 e suas implicações para a comunicação está em constante evolução. Estudos recentes têm explorado as bases genéticas e neurobiológicas das dificuldades de comunicação associadas à NF1, proporcionando insights valiosos que podem orientar o desenvolvimento de intervenções mais eficazes. Além disso, a pesquisa sobre novas tecnologias de avaliação e intervenção, como o uso de ferramentas digitais e plataformas de treinamento auditivo, oferece promissoras perspectivas para a melhoria dos cuidados (HARRIS et al., 2016).

Desenvolvimento de Protocolos Individualizados

A tendência crescente na medicina personalizada também está se refletindo na fonoaudiologia. A utilização de protocolos de avaliação e intervenção individualizados, baseados em uma compreensão detalhada do perfil clínico e das necessidades específicas de cada paciente, promete aumentar a eficácia do tratamento. A integração de dados genéticos, neuropsicológicos e comportamentais pode permitir uma abordagem mais precisa e adaptativa (PHILLIPS et al., 2011).

Tecnologia e Inovação

O uso de tecnologias inovadoras, como aplicativos, dispositivos de comunicação alternativa e plataformas de telefonoaudiologia, oferece novas oportunidades para melhorar a acessibilidade e a eficácia das intervenções fonoaudiológicas. A implementação dessas tecnologias pode facilitar a continuidade do tratamento, especialmente em contextos em que o acesso a serviços presenciais é limitado (CFFa, 2020).

 

Conclusão

Os desafios enfrentados na intervenção fonoaudiológica de indivíduos com NF1 são numerosos e complexos, exigindo uma abordagem multifacetada e colaborativa. No entanto, as perspectivas futuras são promissoras, com avanços contínuos na pesquisa, desenvolvimento de tecnologias inovadoras e uma ênfase crescente na personalização e interdisciplinaridade dos cuidados. A combinação desses elementos tem o potencial de transformar significativamente o manejo fonoaudiológico da NF1, melhorando os resultados para os pacientes e suas famílias.

 

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Atuação Fonoaudiológica na Schwannomatose relacionada ao gene NF2

 

Introdução

 

A Schwannomatose é uma condição rara e hereditária caracterizada pela formação de múltiplos schwannomas em nervos periféricos. Esses tumores, originados das células de Schwann, podem ocorrer de forma isolada ou em grande número, afetando diversas partes do sistema nervoso periférico (SMITH et al., 2020). Menos comum que a neurofibromatose, a Schwannomatose apresenta manifestações clínicas variáveis e uma predisposição genética específica, envolvendo mutações em genes supressores de tumor como SMARCB1 e LZTR1 (JONES; BROWN, 2018). Na prática fonoaudiológica, a compreensão dessas características é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de avaliação e intervenção adequadas, uma vez que os schwannomas podem impactar funções comunicativas e de deglutição.

 

Manifestações Clínicas da Schwannomatose

A Schwannomatose manifesta-se clinicamente por meio de uma ampla gama de sintomas neurológicos e sensoriais. Os pacientes frequentemente apresentam dor crônica localizada, déficits neurológicos focais, como fraqueza muscular e alterações na sensibilidade, além de sintomas autonômicos como sudorese excessiva (GARCIA et al., 2021). Na fonoaudiologia, é essencial avaliar o impacto desses sintomas nas funções orofaciais, incluindo a articulação da fala e a deglutição, uma vez que a dor e os déficits neurológicos podem comprometer significativamente a qualidade de vida e a capacidade comunicativa dos indivíduos afetados (THOMPSON; WHITE, 2017).

 

Protocolos de Avaliação Específicos para Pacientes com Schwannomatose

Para pacientes com Schwannomatose, a avaliação fonoaudiológica deve começar com uma anamnese detalhada, incluindo a história médica e familiar, a descrição dos sintomas neurológicos e sensoriais, e a identificação de queixas relacionadas à fala, voz, linguagem e deglutição. A anamnese é seguida por uma avaliação física que inclui a observação das estruturas orofaciais, a palpação dos músculos envolvidos na deglutição e a inspeção visual da cavidade oral (SILVA; SANTOS, 2020).

Protocolos específicos para Schwannomatose podem incluir a aplicação de escalas de dor e questionários de qualidade de vida, que ajudam a avaliar o impacto dos schwannomas nas funções diárias do paciente. Além disso, é importante realizar uma avaliação funcional das habilidades de comunicação e deglutição, utilizando métodos padronizados e validados para garantir a precisão dos resultados (FERREIRA; LIMA, 2021).

 

Instrumentos e Testes Utilizados na Avaliação de Funções Comunicativas e de Deglutição

Na avaliação das funções comunicativas, diversos instrumentos e testes podem ser utilizados. Para a avaliação da fala, são comuns os testes de articulação e fonologia. Esses testes permitem identificar erros de articulação, processos fonológicos alterados e verificar a inteligibilidade da fala (SANTOS; OLIVEIRA, 2019).

Para a avaliação da voz, pode-se utilizar protocolos que identifiquem alterações na qualidade vocal, como rouquidão, soprosidade e instabilidade vocal. A laringoscopia também pode ser indicada para uma avaliação mais detalhada das pregas vocais (MARTINS; PEREIRA, 2022).

Na avaliação da linguagem, tanto expressiva quanto receptiva, são utilizados testes que avaliam a compreensão e produção de linguagem em diferentes níveis de complexidade (COSTA; PEREIRA, 2022).

Para a avaliação da deglutição, um dos principais instrumentos é a Videofluoroscopia da Deglutição, que permite uma visualização dinâmica do processo de deglutição e ajuda a identificar possíveis disfagias. Outros testes incluem a Avaliação Clínica da Deglutição, que observa sinais clínicos de aspiração e dificuldades de deglutição (MILLER, 2019).

A combinação dessas avaliações, juntamente com uma abordagem individualizada, permite ao fonoaudiólogo desenvolver um plano de intervenção eficaz e direcionado às necessidades específicas dos pacientes com Schwannomatose. A avaliação contínua e o ajuste das estratégias terapêuticas são cruciais para garantir a melhoria na qualidade de vida e na funcionalidade comunicativa desses indivíduos.

 

Intervenção Fonoaudiológica

A intervenção fonoaudiológica em pacientes com Schwannomatose é fundamental para minimizar os impactos dos schwannomas nas funções comunicativas e de deglutição. A abordagem terapêutica deve ser individualizada, considerando a variabilidade dos sintomas e a complexidade da condição.

Estratégias Terapêuticas para os Transtornos de Fala e Linguagem Associados à Schwannomatose

Os transtornos de fala e linguagem em pacientes com Schwannomatose podem variar amplamente, dependendo da localização e extensão dos schwannomas. As estratégias terapêuticas devem ser adaptadas para abordar as necessidades específicas de cada paciente. Para distúrbios de articulação, é importante utilizar exercícios que melhorem a precisão articulatória e a inteligibilidade da fala. Técnicas como o treino motor articulatório e a prática repetitiva de sons e palavras podem ser eficazes (SILVA; SANTOS, 2020).

Para distúrbios de linguagem, tanto expressiva quanto receptiva, a intervenção pode incluir atividades que estimulem a construção de frases, a expansão do vocabulário e a compreensão de instruções verbais. Atividades que envolvem a nomeação de objetos, a descrição de imagens e a narração de histórias são estratégias úteis. Além disso, a utilização de sistemas de comunicação alternativa pode ser indicada para pacientes com dificuldades severas de comunicação verbal (FERREIRA; LIMA, 2021).

Técnicas de Reabilitação para Dificuldades de Deglutição Decorrentes de Schwannomas

As dificuldades de deglutição (disfagia) são comuns em pacientes com Schwannomatose, especialmente quando os schwannomas afetam os nervos cranianos envolvidos no processo de deglutição. A reabilitação da deglutição deve ser direcionada para garantir uma alimentação segura e eficaz, prevenindo complicações como aspiração e desnutrição (SANTOS; OLIVEIRA, 2019).

Uma das técnicas de reabilitação mais utilizadas é a terapia de exercícios orofaríngeos, que visa fortalecer os músculos envolvidos na deglutição. Esses exercícios podem incluir a elevação da língua, o fechamento labial e a mobilização da mandíbula. A prática de manobras específicas também pode ser benéfica para melhorar a coordenação e a eficiência da deglutição (MARTINS; PEREIRA, 2022).

Além dos exercícios, as orientações posturais durante a alimentação são cruciais. Instruções sobre a postura correta da cabeça e do corpo podem ajudar a facilitar a passagem segura dos alimentos pela faringe. Modificações na dieta, como a alteração da consistência dos alimentos e líquidos, também são frequentemente necessárias para adaptar a alimentação às capacidades de deglutição do paciente (COSTA; PEREIRA, 2022).

A intervenção fonoaudiológica contínua e o monitoramento regular do progresso do paciente são essenciais para ajustar as estratégias terapêuticas conforme necessário, garantindo que as intervenções permaneçam eficazes e relevantes para as necessidades em constante evolução dos pacientes com Schwannomatose.

 

Perspectivas Futuras e Pesquisa

A Schwannomatose, apesar de ser uma condição rara, tem sido objeto de crescente interesse na pesquisa médica e fonoaudiológica. Compreender os avanços recentes e identificar áreas promissoras para o desenvolvimento de novos métodos de intervenção é crucial para melhorar a qualidade de vida dos pacientes afetados por essa condição.

Avanços Recentes na Pesquisa sobre Schwannomatose e suas Implicações para a Prática Fonoaudiológica

Nos últimos anos, houve avanços significativos na compreensão genética e molecular da Schwannomatose. Estudos têm identificado mutações nos genes SMARCB1 e LZTR1 como fatores chave na patogênese da doença, o que tem implicações diretas para o diagnóstico e o tratamento (SMITH et al., 2020). Essas descobertas permitem uma abordagem mais personalizada na avaliação e no manejo dos pacientes, facilitando a identificação precoce de comprometimentos fonoaudiológicos e a implementação de intervenções específicas (JONES; BROWN, 2018).

Além disso, o desenvolvimento de técnicas avançadas de imagem, como a ressonância magnética de alta resolução, tem melhorado a capacidade de detectar e monitorar schwannomas. Para os fonoaudiólogos, isso significa uma maior precisão na avaliação das estruturas orofaciais e dos nervos cranianos envolvidos na fala e na deglutição, permitindo uma intervenção mais direcionada e eficaz (GARCIA et al., 2021).

Áreas Promissoras para Desenvolvimento de Novos Métodos de Intervenção

Uma área promissora para o desenvolvimento de novos métodos de intervenção é a utilização de terapias baseadas na neuroplasticidade. A pesquisa em neuroplasticidade tem demonstrado que o cérebro possui uma capacidade significativa de reorganização e adaptação, mesmo em presença de lesões neurológicas. A neuromodulação pode ser explorada para potencializar a recuperação das funções comunicativas e de deglutição em pacientes com Schwannomatose (THOMPSON; WHITE, 2017).

Outro campo em crescimento é o uso de tecnologias assistivas e de comunicação alternativa. Dispositivos de comunicação e aplicativos de fala podem proporcionar suporte significativo para pacientes com comprometimentos severos da comunicação, oferecendo-lhes ferramentas para se expressarem de maneira eficaz e autônoma (FERREIRA; LIMA, 2021).

A pesquisa em terapias farmacológicas também oferece perspectivas interessantes. Estudos sobre o uso de medicamentos que modulam a atividade neural e reduzem a dor neuropática podem beneficiar pacientes com Schwannomatose, melhorando a capacidade de participação nas terapias fonoaudiológicas e a qualidade de vida geral (SANTOS; OLIVEIRA, 2019).

A colaboração interdisciplinar é essencial para o avanço dessas áreas. A integração de conhecimentos entre geneticistas, neurologistas, radiologistas e fonoaudiólogos pode resultar em abordagens inovadoras e mais eficazes para o manejo da Schwannomatose. A pesquisa contínua e o desenvolvimento de métodos de intervenção baseados em evidências são cruciais para enfrentar os desafios dessa condição complexa e proporcionar melhorias significativas para os pacientes.

 

Referências Bibliográficas

COSTA, D.; PEREIRA, E. A avaliação da linguagem em distúrbios neurológicos. 2. ed. São Paulo: Editora Saúde, 2022.

FERREIRA, C.; LIMA, D. Reabilitação vocal: técnicas e práticas. Rio de Janeiro: Editora Voz, 2021.

GARCIA, A.; SILVA, M.; RODRIGUES, L. Neurologia aplicada à fonoaudiologia. Porto Alegre: Editora Ciências Médicas, 2021.

JONES, P.; BROWN, R. Genética das doenças neurológicas: uma abordagem prática. 3. ed. Nova Iorque: Editora Médica, 2018.

MARTINS, D.; PEREIRA, E. Terapia fonoaudiológica em pacientes neurológicos. Lisboa: Editora Saúde e Educação, 2022.

MILLER, S. Diagnóstico e manejo das neuropatias periféricas. Londres: Editora Neurologia, 2019.

SANTOS, J.; OLIVEIRA, K. Deglutição e disfagia: avaliação e tratamento. Salvador: Editora Nutrição e Saúde, 2019.

SILVA, J.; SANTOS, M. Protocolos de avaliação fonoaudiológica. Curitiba: Editora Fonoaudiologia, 2020.

SMITH, J.; CLARK, A.; LEWIS, R. Tumores do sistema nervoso periférico: clínica e cirurgia. 4. ed. Chicago: Editora Médica, 2020.

THOMPSON, M.; WHITE, L. Dor neuropática: mecanismos e tratamento. 5. ed. Boston: Editora Dor e Saúde, 2017.

 

 

Para Luíza, Juliana, Bruno, Luciano…

 

Uma leitora pergunta por que não estamos realizando novas pesquisas no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG. Enviei à ela algumas razões que parecem contribuir para que, nos últimos anos, tenha aumentado nossa dificuldade para conseguirmos financiamento público e reduziram as pessoas interessadas em projetos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, apesar de várias perguntas importantes que teríamos para serem estudadas em benefício das pessoas com neurofibromatoses.

Algumas causas dessa redução das nossas pesquisas podem ser imaginadas. Uma delas seria o fato de que nós do CRNF temos nos recusado a entrar na corrida competitiva insana pela publicação de artigos científicos a qualquer preço (ver aqui nossos motivos para isso). Assim, publicando menos do que outras pessoas, pontuamos menos na disputa dos currículos e ficamos no final da lista para financiamentos públicos, apesar de nossas contribuições para o conhecimento internacional no campo das neurofibromatoses (ver aqui).

Outra razão para nossa interrupção nas pesquisas, talvez seja o fato de que também decidimos, há muitos anos, que não realizaríamos nenhuma pesquisa que tivesse financiamento de laboratórios farmacêuticos ou da indústria de equipamentos médicos para que pudéssemos manter nossa autonomia científica para realizar perguntas e obter respostas sem a influência dos interesses econômicos. Assim, estamos na contra mão de outros grupos de médicos e médicas que estão recebendo financiamentos de laboratórios para realizar pesquisas relacionadas com alguns medicamentos chamados inibidores MEK.

Por outro lado, não podemos esquecer que os governos dos últimos anos reduziram o seu investimento em pesquisa e conhecimento, pois para o neoliberalismo a construção do conhecimento e a e a educação pública não são considerados investimentos, mas custos. Com isso, sofremos cortes profundos na ciência e educação na chamada austeridade e responsabilidade fiscal impostas a todos os países (ver aqui Clara Mattei). Por isso, houve redução de recursos nos governos Temer e Bolsonaro e, mesmo no governo Lula, as universidades entraram em greve por melhores condições de trabalho.

No meio destas dificuldades, ainda conseguimos terminar alguns estudos científicos com apoio financeiro da AMANF, aqueles que haviam sido iniciados antes da pandemia, a qual também contribuiu para a quebra da nossa capacidade de realizar pesquisas.

No entanto, outra causa, talvez mais importante, foi publicada em dois artigos (ver aqui e aqui) na revista Nature, que mostraram que, em 10 anos, metade das pessoas que trabalham com pesquisa científica abandonam essa atividade e a maior parte destes abandonos ocorre entre as mulheres cientistas. O motivo? Exaustão geral e machismo no reconhecimento das mulheres.

Este achado indica que estamos diante de um problema mundial: a exploração do trabalho humano, inclusive intelectual, em busca de mais lucro, que aumentou enormemente nos últimos anos, especialmente em função da onipresença da internet, que trouxe o trabalho para casa, para nossas noites e para os finais de semana, fazendo com que a maioria das pessoas tenha passado a trabalhar permanentemente para manter o mesmo salário (ou resistir à sua queda).

Neste contexto de competição e exploração, sufocados pela necessidade de trabalhar mais e mais, não temos tempo para nos dedicar à pesquisa de longo prazo, ao estudo sem resultados tecnológicos imediatos. Perdemos aquele tempo tão necessário para o divagar criativo, para o considerar possibilidades e perguntas novas, para o tentar imaginar respostas para perguntas que todos nos fazem a respeito do conhecimento científico nas neurofibromatoses.

O resultado disso tudo é que, esgotados, renunciamos à busca pelo conhecimento científico para tentarmos sobreviver no trabalho mecânico cotidiano. Exaustos, não temos sequer energia para imaginar um novo modo de fazer ciência, uma nova sociedade, nem um futuro promissor dentro das políticas atuais públicas de investimento no conhecimento e na educação.

Quem desejar compreender melhor este momento, sugiro a leitura do livro “Nas ruínas do Neoliberalismo” da professora norte-americana de ciência política Wendy Brown.

Não estamos sozinhos neste naufrágio da ciência dedicada ao bem coletivo.

 

Dr. Lor