Leandro Cruz Ramires da Silva

Médico cirurgião oncológico mastologista

e coordenador da AMA-ME

 

O desafio em busca da melhor qualidade de vida para pessoas portadoras de mutações genéticas que determinam condições crônicas, muitas vezes incapacitantes, acompanhadas de muito sofrimento para os próprios pacientes, suas famílias e seus principais cuidadores, acabou proporcionando nosso encontro, há pouco mais de cinco anos, com o Prof. Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, coordenador do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da UFMG.  Naquela época, eu atuava como coordenador da Mastologia na mesma instituição.

Esse desafio ganha uma dimensão ainda mais significativa quando essas mutações genéticas afetam nossos próprios familiares, nossos filhos e filhas. O fato de sermos médicos e pais nos transporta da convivência com esses pacientes, que antes se limitava ao ambiente hospitalar e ao consultório, para dentro de nossas casas. Aprendemos, de maneira privilegiada, a nos colocar no lugar do outro e a sentir “o peso do piano”. Desenvolvemos uma empatia mais profunda e canalizamos nossos esforços, iniciados desde a graduação em medicina, na busca por conhecimento e alternativas médicas, e não médicas, que possam melhorar a qualidade de vida, minimizando o desconforto e o sofrimento de nossos filhos e, consequentemente, de outros pacientes que compartilham dessas mesmas condições.

Neste contexto, nasceu a Associação Brasileira de pacientes de Cannabis Medicinal (ama-me), que em 2024 completa 10 anos e o Centro de Referência em Neurofibromatose do HC/UFMG, uma realização da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatoses (AMANF), que celebra 20 anos. A ama-me, entidade do terceiro setor sem fins lucrativos, surgiu inicialmente da necessidade de controlar, de forma sustentável, as crises convulsivas de crianças portadoras de epilepsia refratária e autismo, muitas delas decorrentes de doenças de origem genética, como as Síndrome de Dravet, Lennox Gastaut, West, CDKL5 dentre outras.

Nos últimos anos o Sistema Endocanabinoide (SEC)(1), tornou-se um alvo terapêutico muito importante, com evidências científicas cada vez mais crescentes, para:

  1. Distúrbios de Humor e Ansiedade: O SEC tem sido implicado no tratamento de distúrbios de ansiedade e humor, como Transtorno de Pânico, Transtorno de Ansiedade Social, Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno de Estresse Pós-Traumático e Transtorno Obsessivo-Compulsivo

 

  1. Câncer: O SEC desempenha um papel significativo no tratamento de vários tipos de câncer. Canabinoides têm demonstrado propriedades apoptóticas, anti-metastáticas, antiangiogênicas e anti-inflamatórias em diferentes modelos de câncer, como câncer de mama, pulmão, próstata, pele, entre outros.

 

  1. Doenças Neurológicas/Neurodegenerativas: O SEC é relevante no tratamento de doenças neurodegenerativas, como Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Doença de Alzheimer, Parkinson, Huntington, entre outras. Os canabinoides possuem propriedades neuroprotetoras e modulam a inflamação, podendo aliviar sintomas associados a essas condições.

 

  1. Doenças Autoimunes: O SEC também está implicado no tratamento de doenças autoimunes, como Esclerose Múltipla, Artrite Reumatoide, Doenças Inflamatórias Intestinais (como a Doença de Crohn e Colite Ulcerativa), Lúpus Eritematoso Sistêmico, entre outras. A interação dos canabinoides com os receptores CB1 e CB2 ajuda a regular o sistema imunológico e a resposta inflamatória.

 

  1. A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma das condições monogenéticas mais comuns e está associada a uma variedade de complicações de saúde, incluindo tumores benignos e malignos (como gliomas da via óptica, neurofibromas plexiformes, tumores malignos da bainha dos nervos periféricos e outros tumores do SNC), dores neuropáticas, dores de cabeça, convulsões, ansiedade, depressão, insônia, risco aumentado de constipação e síndrome do intestino irritável, dificuldades de aprendizagem ou atraso na fala, distúrbios de déficit de atenção, escoliose e risco elevado de outros tipos de câncer (como rabdomiossarcomas). Dadas as diversas manifestações, os problemas neurocognitivos e o risco de desfiguração e até mesmo de morte, não é surpreendente que pessoas com NF1 relatem uma diminuição significativa na qualidade de vida(2).

Estudo de longo prazo de uma coorte dinamarquesa de adultos com NF1 mostrou uma frequência aumentada de hospitalizações devido a doenças que afetam todos os sistemas do corpo ao longo de todas as fases da vida. Há um risco significativamente maior de transtornos psiquiátricos, incluindo distúrbios do desenvolvimento, como TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) e transtornos do espectro autista, além de maior dificuldade em estabelecer relações sociais. Mulheres com NF1 apresentam um risco aumentado de abortos espontâneos e natimortos. Indivíduos com NF1 relatam uma qualidade de vida reduzida, com uma alta necessidade de apoio profissional para lidar com problemas físicos, psicológicos e relacionados ao trabalho. A gravidade e a visibilidade da doença estão parcialmente associadas ao bem-estar psicossocial e à necessidade de suporte adicional(3).

Diante da complexidade dos sintomas associados à convivência com a NF1, o potencial terapêutico da Cannabis utilizada para fins medicinais pode contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida desses pacientes. Segundo o Mapa de Evidências sobre a Efetividade da Cannabis Medicinal, elaborado pela WeCann Academy em colaboração com a OPAS/BIREME e o CABSIN (disponível no link: https://mtci.bvsalud.org/en/evidence-map-on-effectiveness-of-medicinal-cannabis/), existem evidências robustas que apoiam a eficácia da Cannabis na melhora de condições como dor (crônica, neuropática, oncológica), espasticidade, náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia, epilepsia, ansiedade, insônia e doenças inflamatórias intestinais.

 

Nesse contexto, o uso medicinal da Cannabis torna-se uma opção atraente para pacientes com NF1, oferecendo algumas vantagens consideráveis, tais como:

Segurança: Não há registros de morte por overdose de Cannabis ou de seus derivados naturais.

Tolerabilidade: Em geral, os medicamentos à base de Cannabis são bem tolerados. O principal efeito adverso é o efeito psicoativo desencadeado pelo THC, que é dose-dependente e pode ser minimizado através da combinação com CBD. Além disso, a tolerância aos efeitos psicoativos desenvolve-se rapidamente, permitindo que os pacientes mantenham doses constantes sem necessidade de aumento ao longo do tempo (4).

Acessibilidade: Produtos à base de Cannabis já estão autorizados pela ANVISA e disponíveis em farmácias no Brasil. Além disso, a importação de produtos semelhantes, com maior variedade e menor custo, é possível através de um processo simplificado de obtenção de autorização para importação mediante prescrição médica, disponível no link: https://www.gov.br/pt-br/servicos/solicitar-autorizacao-para-importacao-excepcional-de-produtos-a-base-de-canabidiol.

Redução da polimedicação: O envolvimento do SEC em várias condições fisiopatológicas permite que o uso medicinal da Cannabis possa proporcionar alívio para uma série de condições que, de outra forma, necessitariam de um número maior de medicamentos. Isso, por sua vez, reduz o custo total do tratamento.

Autonomia: Com o tempo, o paciente torna-se capaz de avaliar seus próprios resultados com a terapia fitocanabinoide e fazer ajustes pontuais na medicação para obter melhores resultados.

 

A terapia com Cannabis para fins medicinais envolve o uso de óleos medicinais, cápsulas, cremes, pomadas, soluções e até supositórios, que podem ser produzidos a partir do extrato de Cannabis, constituído pelo insumo farmacêutico ativo obtido através da extração da resina presente nas flores secas das plantas fêmeas. A aplicação pode ser feita na mucosa oral, sublingual, por via oral ou vaporizada (aspirada). A taxa e a velocidade de absorção, o início do efeito e a metabolização dos fitocanabinoides estão diretamente relacionadas com a via de administração escolhida. As próprias flores secas são reconhecidas como medicinais e podem ser vaporizadas para proporcionar alívio mais rápido da dor.

De modo geral, os medicamentos de Cannabis são classificados em três quimiotipos principais: Quimiotipo I, com predominância de THC; Quimiotipo II, onde existe um equilíbrio entre as concentrações de THC e CBD; e Quimiotipo III, com predominância de CBD. A terapêutica canabinoide difere da terapêutica alopática convencional por ser mais individualizada. O mesmo quimiotipo pode proporcionar conforto e alívio para uma variedade de sintomas em um paciente e não ter a mesma eficácia em outros. A estratégia terapêutica deve começar com doses baixas, sendo os ajustes feitos gradualmente conforme os resultados, sempre dentro do contexto de acompanhamento próximo e de uma boa relação médico-paciente.

Além do CBD e do THC, outros fitocanabinoides (ver tabela 01.) também apresentam potencial terapêutico e podem ser úteis na melhora da qualidade de vida de portadores de NF1. De modo geral, quanto mais próximo da planta inteira for o medicamento, melhor será o efeito terapêutico alcançado. O uso de fitocanabinoides isolados, além de apresentar menor potencial terapêutico, está associado a uma maior possibilidade de efeitos colaterais indesejáveis. O uso da planta inteira favorece o “Efeito Entourage”, que caracteriza a relação sinérgica entre todos os compostos químicos presentes na Cannabis, promovendo melhor tolerabilidade e menos efeitos colaterais.

 

Tabela 01: Efeitos farmacológicos dos principais fitocanabinoides 

Fitocanabinoides Efeitos Farmacológicos
CDB Antiepiléptico, antioxidante, anti-inflamatório, antiemético, imunossupressor, antipsicótico, neuroprotetor, antineoplásico
Δ 9 -THC Antioxidante, antipruriginoso, anti-inflamatório, neuroprotetor, analgésico, antineoplásico, antináusea
CBG Antibacteriano, antifúngico, anti-inflamatório, previne a proliferação celular, antineoplásico, antidepressivo, anti-hipertensivo, analgésico
CBC Anti-inflamatório, analgésico
CBN Sedativo, anticonvulsivante, anti-inflamatório, antibiótico, antineoplásico
THCV Perda de peso, anticonvulsivante, anti-hiperalgesia, anti-inflamatório, antineoplásico
CBDV Inibe a degradação endocanabinóide, antináusea, anticonvulsivante, antineoplásico

Dor crônica, ansiedade, depressão, insônia, síndrome do intestino irritável, espasticidade, crises convulsivas, autismo e câncer são condições clínicas que ocorrem com maior frequência na população com NF1 e serão abordadas de forma individualizada a seguir.

 

Dor (crônica, neuropática, oncológica)

Os receptores canabinoides estão amplamente distribuídos por várias vias de modulação da dor, incluindo neurônios sensoriais centrais e periféricos, regiões do cérebro responsáveis pela discriminação sensorial, circuitos reguladores da dor no tronco encefálico e estados afetivos que modulam as respostas emocionais a estímulos nocivos, como a dor.

Os endocanabinoides AEA e 2-AG podem fornecer uma das primeiras respostas terapêuticas à dor (por exemplo, por meio da modulação dos receptores CB1, CB2, TRPs, PPARs e opioides), desbloqueando uma ou mais vias disponíveis para alcançar efeitos analgésicos.

Terapias baseadas em fitocanabinoides (por exemplo, THC, CBD) têm demonstrado graus variados de eficácia no tratamento dos oito tipos básicos de dor: crônica, aguda, central, periférica, inflamatória, nociceptiva, patológica e mental-emocional.

Um estudo multicêntrico transversal analisou pacientes com dor crônica devido à lesão medular espinhal que usavam regularmente cannabis medicinal (inalada, spray na mucosa oral e óleos medicinais). Esses pacientes relataram melhoras em espasmos (90,3%), padrões de sono (83,5%), sensação de bem-estar (75,4%) e diminuição da ansiedade (69,7%), além de melhora no apetite (53,3%) e na percepção da dor. Os efeitos adversos mais comuns atribuídos ao uso de cannabis medicinal foram boca seca (54,5%), gosto ruim na boca (29,6%), desidratação (28,7%), perda de memória (27,2%), letargia (26,3%), sonolência (21,7%) e constipação intestinal (17,2%). No mesmo estudo, pacientes que não utilizavam cannabis relataram desidratação (42,4%), perda de memória (32,1%), letargia (46,4%), sonolência (49,1%) e constipação intestinal (46,3%), todos esses efeitos adversos foram mais comuns em comparação usuários de Cannabis(5).

Em relação à dor crônica, neuropática ou não, o tratamento com cannabis medicinal busca atingir os seguintes objetivos: melhorar a eficácia analgésica geral, a autonomia, o sono e o humor; reduzir a carga de sintomas específicos da doença, a anedonia, a ansiedade, o uso de opioides, benzodiazepínicos, relaxantes musculares, hipnóticos, anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), além do uso de substâncias ilícitas e lícitas (álcool, tabaco)(5).

Como sugestão para o tratamento da dor, o paciente pode iniciar com 5 mg de CBD duas vezes ao dia e aumentar a dosagem em 10 mg/dia (5 mg de CBD 2x ao dia) a cada 2 a 3 dias, até atingir 40 mg de CBD por dia. Se a dose predominante de 40 mg/dia de CBD não atingir os objetivos de tratamento, os médicos podem considerar iniciar com 2,5 mg de THC por dia e aumentar a dosagem em 2,5 mg de THC a cada 2–7 dias, até 40 mg/dia, mantendo a mesma dose predominante de CBD(5).

 

Ansiedade e depressão

Centenas de estudos foram conduzidos para examinar o envolvimento de todos os componentes do Sistema Endocanabinoide (SEC) no tratamento de transtornos de ansiedade e pânico. Uma porcentagem crescente desses estudos consiste em ensaios clínicos humanos de alta qualidade, incluindo várias revisões sistemáticas e metanálises. A literatura disponível atualmente descreve em detalhes como os fitocanabinoides e outros constituintes da planta de cannabis modulam os fundamentos biológicos e os estados de humor relacionados à ansiedade.

Quando comparados a controles saudáveis, pacientes com ansiedade apresentam alterações na expressão de receptores canabinoides(6), níveis de endocanabinoides(7), suas enzimas metabolizadoras correspondentes(8), além de um tônus ​​endocanabinoide alterado, resultando em sinalização endocanabinoide prejudicada(9).

Em pacientes com ansiedade, uma dose baixa de THC (por exemplo, 1-2 mg/dia) foi eficaz na redução  ansiedade sem produzir efeitos adversos significativos(10). Por outro lado, doses iguais ou superiores a 10 mg/dia de THC (administração oral) podem aumentar a ansiedade(11) quando administrado de forma isolada. No entanto, quando administrado na forma de óleo integral “full spectrum” que envolve todos os componentes da planta, o THC é muito seguro até uma dose de 30 mg/dia. A coadministração de THC e CBD  é vista como  benéfica em comparação ao uso de THC isolado em versão farmacêutica(4). Tratamentos orais com 600 mg de CBD foram capazes de neutralizar a ansiedade induzida por 10 mg de THC em voluntários humanos(12).

O THC pode induzir efeitos ansiolíticos ou, em doses mais altas, efeitos ansiogênicos e paranoicos, ou seja, quanto maior a dose de THC, maior a probabilidade de causar ou agravar estados de ansiedade. Para reduzir esse impacto, a coadministração de CBD e o controle da forma e via de administração são fundamentais.

O CBD induz mudanças de humor suaves e positivas, sem causar alterações na cognição ou sedação. Uma dose de 300 mg de CBD por dia, administrada durante quatro semanas, reduziu significativamente a ansiedade em adolescentes diagnosticados com transtorno de ansiedade social(13). A ação ansiolítica direta do CBD pode ser modulada por meio das vias de receptores de serotonina(14). Indiretamente, a inibição da FAAH pelo CBD pode aumentar a concentração de AEA, ajudando a regular a ansiedade(15).

Os resultados de pesquisas pré-clínicas e clínicas sugerem que o CBG possui propriedades ansiolíticas. O mecanismo pelo qual o CBG atua como ansiolítico ainda não está completamente elucidado, pois evidências “in vivo” e “in vitro” indicam que o CBG pode atuar como um antagonista do receptor 5-HT1A em doses mais altas, diferentemente do CBD(16). Além disso, o CBG pode inibir a recaptação de GABA, contribuindo para o alívio da ansiedade e dos espasmos musculares.

Há um crescente corpo de evidências científicas sugerindo que a homeostase proporcionada pelo Sistema Endocanabinoide (SEC) está envolvida tanto na patogênese quanto no tratamento da depressão. Relatos indicam que a cannabis pode exercer tanto efeitos pró-depressivos quanto antidepressivos, dependendo do quimiotipo utilizado (por exemplo, o uso de um Quimiotipo I de cannabis, com predominância de THC sobre o CBD). Diversos ensaios pré-clínicos demonstraram que a modulação dos receptores canabinoides clássicos, como CB1 e CB2, bem como de outros receptores sensíveis a canabinoides (por exemplo, 5-HT1A/serotonina, adrenérgicos, glutamatérgicos), pode produzir efeitos terapêuticos semelhantes aos dos antidepressivos farmacêuticos.

Dadas as limitações e a falta de resultados positivos a longo prazo dos tratamentos farmacêuticos tradicionais, o mecanismo preciso de modulação do Sistema Endocanabinoide (SEC) para produzir efeitos antidepressivos tornou-se objeto de intensa investigação. Estudos demonstraram que o THC pode produzir tanto efeitos pró-depressivos quanto antidepressivos, provavelmente de forma dose-dependente (quanto maior a dose de THC, maior o risco de efeitos adversos). Em contraste, o CBD tem mostrado resultados predominantemente positivos na mitigação dos sintomas de depressão, apresentando, ao mesmo tempo, um perfil de segurança muito favorável(17). Além disso, vários terpenos comuns da cannabis, como terpineol, beta-cariofileno, limoneno, pineno e linalol, demonstraram eficácia na mitigação dos sintomas da depressão.

Uma revisão sistemática de ensaios clínicos (26) relatou faixas de dosagem efetivas para o uso oral de CBD no tratamento de várias condições, variando entre 1 e 50 mg/kg/dia (com uma média de 15 mg/kg/dia, por exemplo, 1050 mg para uma pessoa pesando 70 kg). No entanto, devido às diferentes sensibilidades individuais, um regime de dosagem baseado em mg/kg pode não ser o método mais preciso; é preferível titular os pacientes a partir de doses iniciais mais baixas. O CBD demonstrou reduzir a ansiedade e a depressão sem causar alterações cognitivas ou efeitos sedativos. Doses a partir de apenas 50 mg/dia, distribuídas em duas ou três administrações diárias, podem apresentar efeitos positivos no controle da ansiedade e depressão. Bons resultados são observados com doses entre 100 e 150 mg de CBD por dia.

 

Insônia

A Cannabis tem sido usada há milênios para ajudar as pessoas a terem um boa noite de sono. A AEA, um agonista dos receptores CB1, aumenta o sono de ondas lentas e o sono REM (movimento rápido dos olhos), além de reduz a vigília(18), favorecendo a ocorrência de sonhos. Os fitocanabinoides THC e CBN, ambos agonistas nos mesmos receptores, demonstraram efeitos indutores do sono semelhantes, sendo que a combinação de THC e CBN apresenta efeitos indutores do sono mais significativos do que o THC sozinho e muito mais do que o CBN isoladamente(19).

Além do SEC, outros receptores como os de serotonina, dopamina, GABA e receptores adrenérgicos, também respondem favoravelmente a endocanabinoides, fitocanabinoides e terpenos, auxiliando na indução e regulação do humor e o sono. Os efeitos do uso de fitocanabinoides individuais são dose-dependentes, ou seja, a quantidade de um único canabinoide (THC, CBD, CBN) pode determinar resultados indesejados se for excessiva ou insuficiente. A proporção entre THC, CBN e CBD, bem como a presença de outros constituintes da planta, como terpenos (por exemplo, mirceno, linalol e limoneno), pode desempenhar um papel significativo na determinação do que funcionará melhor para cada paciente. Facilitar o adormecimento, promover um sono profundo, garantir sonhos sem pesadelos, manter o sono durante a noite e evitar a sonolência residual no dia seguinte são os principais objetivos da terapia com fitocanabinoides em busca da melhor qualidade do sono.

O THC pode promover o sono e reduzir o tempo necessário para adormecer, mas também pode causar sonolência matinal ou, em dosagens mais altas ou em indivíduos mais sensíveis, provocar pânico e ansiedade, piorando a insônia. Embora o THC possa ajudar a lidar com pesadelos relacionados ao estresse pós-traumático, pessoas que consomem grandes e frequentes quantidades de THC podem relatar uma ausência completa de sonhos.

O CBN tem uma sinergia significativa com o THC e pode ser especialmente vantajoso em casos em que o THC sozinho não é suficiente para promover o sono. Embora estudos clínicos diretos sejam escassos, revisões sistemáticas e um estudo duplo-cego sugerem começar com uma dose noturna de THC entre 2,5 a 10 mg, associada a CBN na faixa de 20 mgou mais como ponto de partida (20).

O CBD também possui um efeito bifásico dependente da dose: auxilia na qualidade do sono em dosagens de 50 a 160 mg/dia(21, 22), mas induz a vigília em dosagens em doses de 15 mg/dia(23).

 

Síndrome do Cólon irritável

O tratamento da dor visceral em pacientes com distúrbios da interação intestino-cérebro, como a síndrome do intestino irritável (SII), apresenta um desafio clínico considerável, com poucas opções terapêuticas disponíveis. Cada vez mais, os pacientes têm recorrido à cannabis e aos canabinoides para controlar a dor abdominal. A cannabis atua nos receptores do sistema endocanabinoide, um sistema endógeno de mediadores lipídicos que regula a função gastrointestinal e as vias de processamento da dor, tanto em condições normais quanto patológicas. O sistema endocanabinoide representa, portanto, um alvo terapêutico molecular lógico para o tratamento da dor associada à síndrome do intestino irritável(24). No que diz respeito à SII, não há dados que sugiram a superioridade de um quimiotipo em detrimento de outro, o que oferece flexibilidade para os pacientes escolherem a opção que melhor ajude a controlar seus sintomas.

 

Espasticidade

A eficácia do Quimiotipo II (CBD e THC em proporções semelhantes) no tratamento da espasticidade decorrente de esclerose múltipla foi estudada em quatro ensaios clínicos randomizados e controlados por placebo, todos demonstrando resultados positivos. Esses estudos avaliaram o uso do spray bucal Mevatyl® (Quimiotipo II, com 27 mg/ml de THC e 25 mg/ml de CBD), e as doses variavam entre os pacientes. Em média, seis a doze aplicações diárias mostraram-se eficazes no controle da espasticidade. Óleos medicinais integrais de Cannabis ricos em THC, utilizados por via sublingual apresentam resultados a partir de 4,0 mg/dia divididas em três ou quatro tomadas.

 

Epilepsia e autismo

Mais de uma centena de estudos primários, incluindo vários ensaios clínicos, examinaram diretamente os componentes do sistema endocanabinoide no contexto do tratamento da epilepsia. Agora, temos uma base científica relativamente sólida que nos permite tomar decisões mais sábias e práticas sobre que tipo de cannabis e quais compostos específicos provavelmente produzirão resultados anticonvulsivantes ideais da forma mais segura possível.

Mais de 40 estudos clínicos, incluindo ensaios rigorosos aprovados pela FDA, avaliaram a eficácia de um quimiotipo III de cannabis (com predominância de CBD e pouco ou nenhum THC) ou de um produto farmacêutico purificado à base de CBD, demonstrando potencial terapêutico para a epilepsia. Em pacientes com a síndrome de Dravet, o canabidiol, utilizado na dose de 20 mg/kg/dia em adição ao tratamento antiepiléptico padrão, ao longo de 14 semanas, resultou em uma redução significativa na frequência de convulsões em comparação ao placebo, embora tenha sido associado a taxas mais elevadas de eventos adversos(25).

Pacientes autistas tratados com medicamentos à base de cannabis ricos em CBD e THC, numa proporção Pacientes autistas tratados com medicamentos à base de cannabis ricos em CBD e THC, numa proporção de 20:1 (ou seja, 20 partes de CBD para uma de THC), apresentaram melhora na maioria dos principais sintomas do autismo, além de uma melhoria na qualidade de vida dos pacientes e suas famílias. Nesses casos, os efeitos colaterais são geralmente leves e pouco frequentes. Além disso, a alotriofagia (hábito de comer substâncias que não são alimentos) pode ser tratada com medicamentos à base de cannabis. Os resultados favoráveis alcançados com óleos medicinais integrais de cannabis também contribuem para a redução ou suspensão de outros medicamentos, diminuindo, assim, os efeitos adversos associados a esses tratamentos  (26).

É importante ter em mente que há diferenças significativas entre produtos medicinais de cannabis da planta inteira, CBD de espectro completo ou amplo, e a forma farmacêutica isolada do CBD. Os benefícios específicos da forma farmacêutica não necessariamente se aplicam a todos os produtos de cannabis ou CBD, devido às variações na qualidade e nos processos de fabricação.

 

Quimioterapia, cuidados paliativos, náusea e vômitos

Até o momento, a literatura científica disponível apoia, favorece ou, na pior das hipóteses, sugere a necessidade de mais estudos sobre o uso de terapias baseadas em canabinoides no contexto de cuidados paliativos. Vários ensaios clínicos em humanos testaram direta e especificamente os efeitos dos canabinoides em cuidados paliativos. Recentemente, um estudo clínico randomizado e duplo-cego, realizado em 2023, relatou que a maioria dos participantes se sentiu “melhor” ou “muito melhor” após 14 e 28 dias de tratamento com óleo de CBD (dose média de 400 mg, concentração de 100 mg/ml, administrado de 0,5 ml uma vez ao dia até 2,0 ml três vezes ao dia). No entanto, não houve diferença significativa em outros desfechos, como qualidade de vida, depressão e ansiedade, conforme demonstrado em estudos anteriores(27).

A cannabis tem se mostrado um remédio eficaz para o tratamento de náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia. Ao longo das últimas cinco décadas, uma vasta quantidade de literatura científica tem confirmado esse uso histórico dos constituintes da planta (principalmente THC e, em menor grau, THCA, CBD e CBDA) e elucidado uma série de mecanismos receptores precisos (principalmente via CB1, mas também via 5-HT1A e TRPV1) pelos quais os canabinoides produzem seus efeitos terapêuticos em casos de náusea e vômito induzidos pela quimioterapia.

Além disso, o CBD oral tem demonstrado ser eficaz na prevenção da neuropatia periférica aguda e transitória induzida por quimioterapia, quando administrado na dose de 150 mg de óleo de CBD duas vezes ao dia (300 mg/dia) por 8 dias, começando 1 dia antes do início da quimioterapia(28).

Em 2020, um estudo apresentado e publicado pela European Society for Medical Oncology (ESMO) considerou 81 pacientes elegíveis que apresentavam náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia intravenosa hematogênica, apesar da profilaxia antiemética consistente com as diretrizes. Esses pacientes foram randomizados para receber tratamento com cannabis medicinal. O tratamento consistiu em um ciclo de 1 a 4 cápsulas de THC 2,5 mg/CBD 2,5 mg, administradas três vezes ao dia. A adição de THC e CBD orais aos antieméticos padrão foi associada a uma redução nas náuseas e vômitos, e a maioria dos participantes preferiu o tratamento com THC e CBD ao placebo, mesmo na presença de efeitos colaterais, como sedação, tontura ou desorientação(29).

À medida que a ciência avança e os benefícios terapêuticos da cannabis medicinal se tornam cada vez mais evidentes, o preconceito contra seu uso por parte de pacientes e médicos está, lentamente, dando lugar a uma compreensão mais informada e compassiva. Para pacientes portadores de neurofibromatoses, a cannabis medicinal oferece uma nova esperança para o manejo de sintomas complexos e debilitantes. A crescente aceitação de tratamentos à base de cannabis reflete uma mudança significativa na mentalidade médica, focada não apenas em tratar a doença, mas em melhorar a qualidade de vida. Esta evolução no entendimento e na prática clínica sinaliza um futuro onde a cannabis medicinal será cada vez mais vista como uma opção legítima e valiosa para o tratamento de condições crônicas impostas pelas neurofibromatoses.

 

Bases farmacológicas da Cannabis medicinal

A Cannabis, nome científico da maconha, é uma planta angiospérmica que existe em nosso planeta há aproximadamente 32 milhões de anos e é utilizada com fins medicinais desde 2.700 a.C., além de ser fonte de fibras para tecidos e cordoaria há mais de 12.000 anos. De origem asiática, a maconha surgiu no noroeste daquele continente, em regiões montanhosas do Himalaia, norte da Índia e na parte mais ocidental da China. Em seu habitat natural, as plantas da família Cannabaceae, do gênero Cannabis, são distribuídas em três espécies: Sativa, Indica e Ruderalis. Domesticada há milénios pela humanidade, atualmente existem centenas de variedades de cannabis, obtidas através de cruzamentos botânicos, que se diferenciam principalmente pelas concentrações de seus componentes químicos: fitocanabinoides, terpenos e flavonoides.

Os fitocanabinoides são uma classe estruturalmente diversa de constituintes químicos naturais do gênero Cannabis. Essa classificação química é amplamente baseada na derivação de um precursor conhecido como ácido canabigerólico (CBGA) ou seu análogo, o ácido canabigerovárico (CBGVA), resultando na produção de aproximadamente 140 moléculas. Essas moléculas, isoladamente ou em conjunto com outros constituintes químicos da planta, produzem efeitos medicinais que variam do sistema nervoso central (SNC) ao sistema imunológico. Os mais conhecidos incluem o Delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), principal responsável pelo efeito psicoativo, o Canabidiol (CBD), o Canabigerol (CBG), o Canabinol (CBN) e a Tetrahidrocanabivarina (THCV), entre outros(30).

Desde os anos 80, um estudo brasileiro pioneiro, duplo-cego, prospectivo e randomizado, coordenado pelo Prof. Dr. Elisaldo Carlini, confirmou o benefício do Canabidiol (CBD), um fitocanabinoide, no controle de crises convulsivas em pacientes adultos(31). Naquela época o mecanismo de ação dos fitocanabinoides era desconhecido.

Ainda no final da década de 80, foi identificado, nas células nervosas, o código do DNA responsável pelo surgimento de Receptores Canabinoides de membrana celular conhecidos como CB1 abundantes nas células do SNC e periférico(32). Um segundo receptor, conhecido como CB2, foi identificada por homologia de sequência e presume-se que esteja presente na periferia, principalmente em células do sistema imunológico(33). Hoje, sabemos que CB2 também está presente no SNC. Os receptores CB1 e CB2 são bem caracterizados como receptores acoplados a proteína transmembrana G. Ambos reconhecem várias classes de compostos agonistas e antagonistas, produzindo uma variedade de efeitos celulares distintos a jusante. Polimorfismos naturais e variantes de splicing alternativo também podem contribuir para a diversidade farmacológica. À medida que o conhecimento sobre eles cresce, adquirimos a capacidade de direcionar conformações específicas dos receptores e suas respostas farmacológicas correspondentes(34).

Uma vez descobertos, os receptores canabinoides CB1 e CB2 foram identificados em diversas células do organismo humano, e sua distribuição é crucial para o entendimento do potencial terapêutico do Sistema Endocanabinoide (SEC)(1):

  1. CB1: Está densamente presente no cérebro, em áreas responsáveis pela memória, aprendizagem, coordenação motora, regulação de hormonal, percepção sensorial, recompensa, emoções e temperatura corporal. No tronco cerebral, área crucial para manutenção da vida, a concentração é inexpressiva. Além disso, CB1 também é encontrado em níveis mais baixos em outras partes do sistema nervoso central e em tecidos periféricos, como o fígado, o tecido adiposo e o sistema gastrointestinal.

 

  1. CB2: Este receptor é predominantemente encontrado nas células do sistema imunológico, como macrófagos e micróglia, e em células envolvidas em processos inflamatórios. A expressão de CB2 é alta em células imunes, e sua ativação está associada a propriedades imunossupressoras, como a indução de apoptose em células T e macrófagos, e a regulação da liberação de citocinas pró-inflamatórias.

Em 1992, Mechoulam e seu grupo identificaram a Anandamida (AEA), um endocanabinoide, produzido pelo próprio organismo, derivado do ácido araquidônico, que interage com o receptor CB1 de forma agonista(35). Em 1995, o mesmo grupo descreveu outro endocanabinoide, trata-se de uma molécula análoga à anandamida contendo um radical glicerol, o 2-arachidonoyl-glycerol (2AG), localizado no intestino de ratos, que apresentava afinidade pelos receptores canabinoides, embora com menos intensidade que o THC(36). A produção de AEA e 2AG ocorrem sob demanda a partir de precursores de fosfolipídios da membrana celular por múltiplas vias biossintéticas, ou seja, apenas quando necessário, em resposta a estímulos fisiológicos. Não existem reservatórios endógenos de endocanabinoides.

As enzimas precursoras dos endocanabinoides incluem N-aciltransferase (NAT) e N-acilfosfatidiletanolamina (NAPE-PLD) para a síntese de AEA e diacilglicerol (DAGLα/β) para a síntese de 2AG. Após cumprirem sua função, os endocanabinoides são metabolizados pelas enzimas Amida de ácidos graxos hidrolase (FAAH), que degrada a anandamida AEA, e a monoacetilglicerol lipase (MAGL), que degrada o 2AG. A inativação seletiva das enzimas de metabolização (FAAH e MAGL) representa uma abordagem promissora. O CBD tem sua ação potencializada porque é um inibidor da FAAH(37).

Receptores canabinoides CB1 e CB2; seus ligantes endocanabinoides AEA e 2AG, suas enzimas precursoras NAT, NAPE-PLD, DAGLα/β, e suas enzimas de metabolização FAAH E MAGL, compõem o Sistema Endocanabinoide (SEC) que está intrinsecamente relacionado a várias funções fisiológicas essenciais para manter a homeostase do organismo. Esse sistema abriu novas frentes de pesquisa, evidenciando seu papel não apenas na transmissão de estímulos nervosos, mas também no sistema imunológico (7). Os fitocanabinoides e outros canabinoides sintéticos interagem direta e indiretamente com os receptores canabinoides e outros receptores, ampliando o potencial terapêutico, como exemplificado abaixo(1):

  1. Receptor GPR55: É considerado um receptor canabinoide “órfão”, tem sido proposto como um receptor canabinoide tipo 3. GPR55 está envolvido em várias funções fisiológicas, incluindo a modulação da dor e a regulação da pressão arterial, e pode mediar efeitos inflamatórios.

 

  1. Receptores TRPV1 (Transient Receptor Potential Vanilloid 1): Embora não seja um receptor canabinoide clássico, o TRPV1 interage com os endocanabinoides como a anandamida. Esse receptor é conhecido por sua função na detecção e regulação da temperatura corporal e na modulação da dor.

 

  1. Receptores PPARs (Peroxisome Proliferator-Activated Receptors): São receptores nucleares que também podem ser ativados por endocanabinoides. Os PPARs desempenham um papel crucial na regulação do metabolismo, na inflamação e na homeostase energética.

No sistema nervoso, quando ocorre uma sobrecarga de estímulos a partir do neurônio pré-sináptico, os neurônios pós-sinápticos iniciam produção aumentada de AEA e/ou 2AG que atuam de maneira retrograda, ocupando receptores específicos no neurônio pré-sináptico. Essa ocupação leva à redução do estímulo nervoso, uma vez que a membrana neuronal se modifica para reter os neurotransmissores, cessando, assim, a continuidade do estimulo nervoso.

Assim como o SEC promove a modulação do sistema nervoso, a ação dos endocanabinoides nos receptores CB2, nas células do sistema imunológico, promove seu equilíbrio, impedindo seu funcionamento exacerbado.  Ambas as ações são fundamentais para a manutenção da vida.  O SEC é um sistema molecular vital manter a homeostase.

Homeostasia, do grego “homeo” (igual) e “stasis” (estático), é a condição de relativa estabilidade necessária para que o organismo realize suas funções adequadamente. É a propriedade de um sistema aberto, especialmente dos seres vivos, de regular seu ambiente interno, mantendo uma condição estável por meio de múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico, controlados por mecanismos de regulação inter-relacionados.

O SEC foi detectado na Hydra vulgaris, uma pequena espécie de cnidário de água doce, que mede entre 10 e 30 milímetros, que surgiu há aproximadamente 600 milhões de anos. Esse organismo, um dos mais primitivos com um sistema nervoso rudimentar, possui receptores canabinoides semelhantes aos encontrados em mamíferos e é capaz de produzir anandamida. Caracterizada por seu corpo tubular e simétrico radialmente, com uma extremidade contendo tentáculos que envolvem uma cavidade bucal(38), a Hydra é um exemplo de como o desenvolvimento do SEC foi fundamental para o processo evolutivo da vida em nosso planeta.

No ser humano, o SEC está implicado em uma ampla gama de processos fisiológicos e fisiopatológicos, incluindo o desenvolvimento do sistema nervoso, função imune, inflamação, apetite, dor, ciclos de vigília/sono, regulação do metabolismo e da energia, homeostase, função cardiovascular, digestão, reprodução, desenvolvimento e densidade óssea, plasticidade sináptica e aprendizado, regulação do estresse, estado emocional e humor, bem como em doenças psiquiátricas, psicomotoras, comportamentais, de memória e autoimunes.

 

Referências:

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  3. Doser K, Hove H, Østergaard JR, Bidstrup PE, Dalton SO, Handrup MM, et al. Cohort profile: life with neurofibromatosis 1 – the Danish NF1 cohort. BMJ Open. 2022;12(9):e065340.
  4. MacCallum CA, Russo EB. Practical considerations in medical cannabis administration and dosing. Eur J Intern Med. 2018;49:12-9.
  5. Stillman M, Capron M, Mallow M, Ransom T, Gustafson K, Bell A, et al. Utilization of medicinal cannabis for pain by individuals with spinal cord injury. Spinal Cord Ser Cases. 2019;5:66.
  6. Neumeister A, Normandin MD, Pietrzak RH, Piomelli D, Zheng MQ, Gujarro-Anton A, et al. Elevated brain cannabinoid CB1 receptor availability in post-traumatic stress disorder: a positron emission tomography study. Mol Psychiatry. 2013;18(9):1034-40.
  7. Wilker S, Pfeiffer A, Elbert T, Ovuga E, Karabatsiakis A, Krumbholz A, et al. Endocannabinoid concentrations in hair are associated with PTSD symptom severity. Psychoneuroendocrinology. 2016;67:198-206.
  8. Lazary J, Eszlari N, Juhasz G, Bagdy G. Genetically reduced FAAH activity may be a risk for the development of anxiety and depression in persons with repetitive childhood trauma. Eur Neuropsychopharmacol. 2016;26(6):1020-8.
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Um Projeto de Lei que equipara as pessoas com neurofibromatoses às pessoas com necessidades especiais está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados à espera de um relator para dar prosseguimento ao processo de análise e votação.

Este Projeto de Lei é muito importante para o cuidado correto e a qualidade de vida das pessoas portadoras de neurofibromatoses (o que se chamava Doença de von Recklinghausen e que hoje são diferentes doenças, como a NF1, a Síndrome de Legius e as Schwannomatoses).

Este Projeto de Lei foi proposto há dez anos, então não suportamos mais tanta demora! Quantas pessoas, quantas vidas já poderiam ter sido beneficiadas neste tempo!

Por isso, um grupo de pessoas dedicadas à causa das NF e participantes de um WhatsApp denominado “grupo da AMANF” , iniciou uma petição na forma de um abaixo assinado que está circulando nas redes sociais.

A diretoria da AMANF considera o conteúdo do abaixo assinado correto e esperamos que ele produza o resultado desejado, que é a aprovação do PL 410/2019.

Como instituição de apoio às pessoas com neurofibromatoses é dever da AMANF esclarecer que o abaixo assinado está hospedado num site comercial, o qual vende seu espaço para publicidade de empresas.

Além da publicidade associada, com a qual a AMANF não tem qualquer ligação, ao assinarmos a petição, nosso nome e endereço eletrônico podem ser repassados para outras empresas, de acordo com a Política de Privacidade do site Petição Publica Brasil.

Estas outras empresas, farmacêuticas, por exemplo, podem usar nosso endereço para enviar material de propaganda de seus produtos, com os quais a AMANF também não tem qualquer ligação.

Considerando o grande trabalho já realizado pelas pessoas organizadoras do abaixo assinado, com mais de 1800 assinaturas já coletadas, a AMANF decidiu não criar outro abaixo assinado em nosso próprio site com a mesma finalidade.

Se você deseja assinar a petição BASTA CLICAR AQUI

  • Atenção: há um box na petição, no qual você pode escolher se aceita ou não receber propagandas.

Assim, com estas informações em mente, desejamos que o resultado deste movimento seja vitorioso.

 

Belo Horizonte, 27 de agosto de 2024

Diretoria da AMANF

 

Observação: Este texto acima substitui uma publicação anterior, na qual havia um erro sobre a data de conclusão da consulta pública realizada no Senado Federal. Pedimos desculpas pela nossa confusão.

 

A psicóloga Mirela Zeoula Brito trouxe sua pergunta sobre se deve ou não submeter sua filha com NF1 ao tratamento chamado ABA, habitualmente recomendado (ver aqui) para pessoas com Transtorno no Espectro do Autismo (TEA).

Considero difícil definir numa criança com NF1 se determinados comportamentos neuro-atípicos – e semelhantes aos comportamentos encontrados em crianças com TEA – seriam decorrentes das displasias do sistema nervoso causadas pela NF1 ou seriam causados por um TEA independente e associado à NF1.

Por causa desta semelhança e da falta de tratamento específico para a NF1, alguns profissionais da saúde recomendam a terapia ABA (Análise Aplicada ao Comportamento) para as crianças com NF1.

Fiz hoje uma nova consulta à literatura científica para saber se surgiu algum estudo sobre o uso da terapia ABA nas crianças com NF1 e não encontrei.

Portanto, não posso recomendar com base científica o método ABA para crianças com NF1.

Diante disso, a pergunta que geralmente me fazem é se, pelas semelhanças dos comportamentos da NF1 com o TEA, o método ABA poderia funcionar nas crianças com NF1.

Então, precisamos saber se o método ABA funciona realmente para as crianças com TEA.

Dois estudos prospectivos, que resumo abaixo, trazem algumas informações importantes sobre isso.

Um artigo compara dois métodos ABA e PRT (clique aqui para o artigo completo em inglês)

Embora os procedimentos estruturados de ABA sejam eficazes na produção de mudanças comportamentais em uma ampla variedade de áreas, os estudos mostram três grandes dificuldades encontradas com a intervenção:

  • os ganhos são extremamente lentos (muitas vezes exigindo muitos milhares de tentativas para ensinar uma única palavra);
  • quando ocorrem ganhos, eles geralmente não generalizam;
  • as crianças geralmente não estão motivadas para se envolver nas sessões de ensino, frequentemente exibindo comportamentos disruptivos e fuga.

Consequentemente, as abordagens ABA para intervenção geralmente exigem muitas tentativas apresentadas repetidamente para que as crianças mostrem algum benefício. Isso pode ser extremamente demorado para todos os envolvidos.

Um outro tratamento, denominado de Tratamento de Resposta Central (Pivotal Response Treatment) baseia-se em princípios de ensino operante e tem sido usado para atingir uma ampla gama de déficits, incluindo habilidades sociais e comunicação.

O PRT é uma abordagem de intervenção baseada nos princípios comportamentais da ABA, mas que inclui métodos para melhorar a capacidade de resposta, a taxa de resposta e o afeto positivo das crianças.

Esses métodos incluem:

  • a escolha da criança
  • a variação de tarefas
  • a intercalação de testes de manutenção e aquisição
  • tentativas de reforço
  • o uso de consequências naturais diretas

Num estudo prospectivo com dois grupos de crianças com TEA, essas técnicas foram mais eficazes do que o método ABA, e os resultados mostraram melhor resposta das crianças com a técnica de PRT.

 

Vejamos outro estudo (clique aqui) que também comparou PRT e ABA.

Crianças com autismo geralmente demonstram comportamentos perturbadores durante tarefas de ensino exigentes. A intervenção linguística pode ser particularmente difícil, pois envolve áreas sociais e comunicativas, que são desafiadoras para essa população.

O objetivo deste estudo foi comparar duas condições de intervenção: uma abordagem naturalista, o Tratamento de Resposta Central (PRT) com uma abordagem ABA sobre comportamento disruptivo durante intervenção de linguagem nas escolas públicas.

Utilizou-se um desenho de ensaio clínico randomizado com dois grupos de crianças, pareados de acordo com idade, sexo e duração média da intervenção.

Os dados mostraram que as crianças apresentaram níveis significativamente mais baixos de comportamento disruptivo durante a condição de PRT, sugerindo que este método possa ser mais útil na redução do comportamento disruptivo.

Portanto, ficam aqui estas reflexões sobre métodos de tratamento dos comportamentos do TEA (ou semelhantes ao TEA) nas crianças com NF1.

Espero que novos estudos sobre terapias para crianças com NF1 e comportamentos semelhantes ao TEA sejam realizados com urgência, pois elas são muitas e precisamos cuidar delas.

Dr Lor

 

 

 

Nosso querido amigo  Vic, como nós o chamávamos, nos deixou neste julho de 2024, aos 83 anos, enquanto dormia, iniciando um descanso merecido para quem sempre fez o melhor ao seu alcance para ajudar as pessoas com NF, enquanto ele próprio enfrentava dores e graves limitações neurológicas causadas por um acidente aos 30 anos de idade.

Riccardi foi um médico norte-americano especialista em genética clínica que se tornou pioneiro no atendimento especializado nas neurofibromatoses na década de 70, despertando a comunidade científica para o estudo das neurofibromatoses ao criar a primeira clínica especializada em NF em Austin, no Texas, em 1978.

Seu exemplo foi se espalhando pelo mundo e hoje somos milhares de profissionais da saúde, centros especializados, cientistas e associações de apoio trabalhando em busca do alívio do sofrimento das pessoas com NF1 e Schwannomatoses.

Desde então, Riccardi realizou dezenas de publicações científicas e livros sobre neurofibromatose e recebeu em 2008 o Prêmio Von Recklinghausen da Children’s Tumor Foundation pela sua contribuição à compreensão mundial da doença.

Riccardi foi nosso convidado de honra em dois Simpósios Internacionais sobre Neurofibromatoses realizados no Brasil (2009 e 2014), quando aqui esteve com sua esposa Susan Riccardi, e repartiu conosco seus conhecimentos.

Na foto acima, durante o Simpósio Internacional em NF em 2009 no CRNF-UFMG-AMANF, Belo Horizonte. Da esquerda para a direita: Juliana Ferreira de Souza, Nilton Alves de Rezende, David Viscochil, Vincent M. Riccardi, Elane Frossard, Ênio Pietra Pedroso, Lilian Alvarez, Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, Luiz Armando de Marco, Bruce Korf, Luiz Guilherme Darrigo Junior, Eny Goloni-Bertollo e sua orientanda.

Em 2014, Riccardi participou de uma reunião da AMANF, onde contribuiu com sugestões importantes e examinou diversos pacientes do CRNF HC UFMG. Por toda sua inspiração e liderança, a AMANF ofereceu a ele o Troféu Monica Bueno de 2014.

   

Simpósio Internacional em NF em 2014 no CRNF-UFMG-AMANF, Belo Horizonte. Na foto superior, da esquerda para a direita: Nilton Alves de Rezende, Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, Juliana Ferreira de Souza, Susan Riccardi, Danielle de Souza Costa, Vincent Michael Riccardi, Aline Stangherlin Martins, Márcio Leandro Ribeiro de Souza, André Bueno Belo, Luiz Guilherme Darrigo Jr., Eric Grossi Morato, Pollyanna Barros Batista, recebendo o Troféu Monica Bueno durante Simpósio Internacional de 2014 em Belo Horizonte.  Na foto à direita, com Susan em Inhotim, em Brumadinho, MG, onde Riccardi viveu uma experiência emocional intensa diante da arte da instalação Cosmo-coca de Hélio Oiticica. c Na foto inferior à esquerda, com Susan, diante de uma das esculturas populares no Parque Lagoa do Nado, em Belo Horizonte.

Riccardi manteve ao longo da vida diversas percepções originais sobre a NF1, que continuam sendo muito importantes para o desenvolvimento científico e para o atendimento clínico das pessoas com NF1. Num de seus últimos artigos científicos, que ele teve a gentileza de nos enviar assim que foi aceito, ele retomou sua perspectiva de que precisamos olhar para as NF como doenças decorrentes de uma falha no desenvolvimento dos tecidos e órgãos (displasias) e não como uma doença oncológica. Ou seja, Riccardi propôs que os problemas mais comuns da NF1 são decorrentes de defeitos genéticos na formação dos órgãos desde o embrião até a vida adulta.

Riccardi insistia que, para tratarmos corretamente as NF, precisamos distinguir as características clínicas das NF, porque elas se dividem em “achados” (por exemplo, neurofibromas plexiformes), “consequências” (por exemplo, a dor nos neurofibromas plexiformes) e “complicações” (por exemplo, as deformidades físicas causadas pelo crescimento dos plexiformes ou a sua transformação maligna, esta última ocorre pelo menos em 15% dos casos). Num artigo de 2016, Riccardi escolheu os neurofibromas para aprofundar seu olhar crítico e experiente sobre eles, mostrando o quão pouco conhecemos sobre como os neurofibromas surgem numa pessoa com NF1.  Resolver esta dúvida sobre como surgem os neurofibromas, portanto, seria muito importante para descobrirmos formas eficazes de tratamento para o futuro.

Riccardi tinha uma sensibilidade especial para as manifestações artísticas como instrumentos potenciais de intervenção a favor das crianças com NF1, o que motivou uma linha de pesquisa em musicalização de crianças e adolescentes em nosso CRNF.

 

   

Riccardi no nosso último encontro, pessoalmente, durante o Congresso Mundial de NF em Paris em 2018. À esquerda conversando com Dr. Bruno Cota sobre seus resultados sobre efeitos da musicalização sobre crianças com NF1. À direita, com Luiz Oswaldo, Susan Riccardi e Thalma Rodrigues.

Na palestra de encerramento do Congresso em Paris, Riccardi disse que sua esperança para o futuro das pesquisas em NF estava no cuidado integral com as pessoas (e não apenas nos seus tumores) e na maior compreensão dos mecanismos neuro cognitivos que reduzem a capacidade funcional e a qualidade de vida das pessoas com NF1. Para nossa surpresa, esses dois conceitos estavam representados em dois slides com desenhos que enviamos a ele (fotos abaixo). Emocionou-nos profundamente esta homenagem do Riccardi ao nosso trabalho.

 

 

 

Riccardi, além do grande conhecimento sobre neurofibromatoses, do seu interesse pelas artes, possuía também talento como poeta. Durante a pandemia de COVID-19, ele nos enviou um poema de sua autoria, que traduzimos com sua autorização.

Escolha

 

Quebrei meu pescoço uma vez –

num lago de Massachussets.

Durante dois minutos e meio,

de bruços, imóvel na água,

pensei sobre o que eu mais queria.

 

Cada célula de meu corpo implorava

para que eu inspirasse profundamente, respirasse.

 

Quem eu sou, o que eu sou, o que eu era disse

Não! Eu não respiraria.

 

Resgatado, com a boca aberta no ar, aceitei.

Suspirei, e então sussurrei:

“Estou morrendo.

Quebrei o meu pescoço.”

 

Parte de mim morreu naquele dia.

Mas, eu não.

 

Eu escolhi.

 

Dissemos a ele que todos nós da comunidade NF em todo o mundo agradecemos a ele que tenha escolhido viver, porque mesmo depois deste terrível acidente ele se tornou o mentor mundial no tratamento das pessoas com NF. Nós devemos muito a ele tudo o que fazemos hoje para enfrentar as Neurofibromatoses.

Por tudo que realizou, Riccardi é um exemplo de amor humanista e temos tentado seguir sua iluminação em nosso trabalho no CRNF e no apoio social construído na AMANF. Riccardi está presente em cada pessoa que recebe de nós os conhecimentos que você semeou ao longo de sua vida admirável.

 

Bruno Cezar Lage Cota

Juliana Ferreira de Souza

Luiza de Oliveira Rodrigues

Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Nilton Alves de Rezende

 

 

 

 

Grande parte das famílias que atendemos em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses relata que suas crianças passam muitas horas diante de telas (tablets, smartfones, televisão, games, jogos e séries). E falam também das dificuldades de comportamento dessas crianças.

Será que uma coisa tem a ver com a outra?

A Dra. Luíza Oliveira Rodrigues nos enviou o primeiro estudo científico bem controlado para responder a esta pergunta, que foi publicado recentemente na revista JAMA (ver aqui o artigo completo em inglês).

A equipe de cientistas considerou que o uso excessivo de mídia de tela tem sido associado a pior saúde mental entre crianças e adolescentes em vários estudos observacionais. No entanto, faltavam evidências experimentais que apoiassem essa hipótese. Assim, decidiram investigar os efeitos de uma intervenção de duas semanas com redução de mídia de tela sobre a saúde mental de crianças e adolescentes.

O estudo incluiu 89 famílias (com o total de 181 crianças e adolescentes) de 10 municípios dinamarqueses na região do sul da Dinamarca. Todos os procedimentos do estudo foram realizados no domicílio dos participantes.

As famílias foram divididas aleatoriamente em dois grupos: um grupo A – de redução de mídia de tela – e outro, B – de controle. Os participantes do grupo A tiveram que reduzir o uso de mídia de tela de lazer para 3 horas por semana ou menos por pessoa e entregar smartphones e tablets. O grupo B continuou a usar as telas como fazia anteriormente.

O resultado principal foi a redução nas dificuldades comportamentais no grupo A, que diminuiu seu tempo de tela.

O melhor impacto da redução de tempo de tela foi sobre sintomas emocionais e problemas com colegas.

Em conclusão, este estudo clínico randomizado descobriu que uma redução de curto prazo (apenas duas semanas!) no uso de mídia de tela de lazer nas famílias afetou positivamente os sintomas psicológicos de crianças e adolescentes, particularmente diminuindo problemas comportamentais e melhorando a integração social.

Mais pesquisas são necessárias para confirmar se esses efeitos são sustentáveis a longo prazo, mas este resultado já nos estimula a tentar reduzir o tempo de tela das nossas crianças.

Dr. Lor

 

 

Continuo os comentários sobre o último congresso realizado em Bruxelas.

O desejo da nossa equipe do CRNF seria de apresentarmos muitos outros conteúdos sobre o congresso, mas estamos sobrecarregados de trabalho no atendimento aos pacientes e tivemos diversos problemas de saúde em alguns de nossos familiares.

Além disso, estamos trabalhando bastante para realizar a edição comemorativa dos 20 anos do CRNF a ser lançada em novembro de 2024, na nossa festa anual.

Assim, vamos apresentando o que estamos conseguindo realizar.

 

Hoje , faço uma análise de um tema apresentado no congresso e que também saiu publicado na revista científica The New England Journal of Medicine de junho de 2024 (ver aqui artigo completo em inglês) com o título “Brigatinibe na Schwannomatose Relacionada à NF2 com Tumores Progressivos” pelo grupo de cientistas liderados por Jaishri O. Blakeley, do Massachusetts General Hospital.

A Schwannomatose relacionada à NF2 (NF2-SWN, anteriormente chamada de neurofibromatose tipo 2) provoca o crescimento de múltiplos tumores como schwannomas vestibulares, schwannomas não vestibulares, meningiomas e ependimomas. A doença geralmente é progressiva, necessitando de cirurgias repetidas e ainda sem medicamentos aprovados.

Alguns estudos de laboratório mostraram que uma droga chamada brigatinibe agiu como inibidora das tirosina quinases (estimulantes do crescimento celular) num tipo de schwannoma (não vestibular) e no meningioma induzidos por variante genética no gene NF2. Diante disso, a equipe da Dra. Blakeley realizou um estudo com brigatinibe em pacientes com múltiplos tipos de tumores progressivos em pessoas com NF2-SWN.

Neste ensaio, os pacientes com 12 anos de idade ou mais com NF2-SWN e tumores progressivos foram tratados com brigatinibe oral na dose de 180 mg por dia. O resultado principal foi a resposta radiográfica, ou seja, a variação de tamanho na ressonância magnética dos tumores chamados de “alvo”. Outros resultados secundários foram: segurança do medicamento, taxa de resposta em todos os tumores, melhora auditiva e resultados relatados pelo paciente.

Um total de 40 pessoas foram voluntárias (idade mediana de 26 anos) com tumores-alvo progressivos (sendo 10 schwannomas vestibulares, 8 schwannomas não vestibulares, 20 meningiomas e 2 ependimomas) e receberam o tratamento com brigatinibe.

Após 10,4 meses de uso do medicamento, segundo a equipe, a resposta radiográfica foi:

Redução de 10% para os tumores-alvo

Redução de 23% para todos os tumores

Outros resultados encontrados foram:

Meningiomas e schwannomas não vestibulares mostraram mais redução do que os schwannomas vestibulares.

As taxas de crescimento por ano diminuíram para todos os tipos de tumor durante o tratamento.

A melhora auditiva ocorreu em 35% das orelhas escolhidas.

Sugestão de redução da dor durante o tratamento.

Nenhum evento adverso grave (graus 4 e 5) foram relacionado ao tratamento.

 

Em conclusão, segundo os autores, o tratamento com brigatinibe resultou em respostas radiográficas em vários tipos de tumor e benefício clínico em um grupo de pacientes com NF2-SWN.

 

Comentários

Inicialmente, minha impressão é de que 10% de redução dos tumores-alvo e 23% de redução dos tumores em geral é um resultado insatisfatório.

Além disso, é preciso considerar que a perda de audição nem sempre está relacionada com o tamanho do tumor. Portanto, reduzir o tamanho do tumor não significa a melhora dos problemas dos pacientes.

Aliás, na Figura 2 publicada, há pessoas que apresentaram piora da audição numa orelha e estabilidade ou melhora discreta na outra. Ou seja, o medicamento não parece ter interferido nos tumores efetivamente.

Reduzir o tumor parece ser apenas um indicativo de que o medicamento está agindo nos processos celulares que promovem o seu crescimento e isto é um sinal promissor de que o caminho para tratamentos mais efetivos possa ser este.

Outro fator preocupante é que 45% das pessoas voluntárias abandonaram o tratamento por efeitos colaterais.

Uma limitação importante do estudo, admitida pelos próprios autores, é a falta de um grupo de pessoas usando placebo como grupo controle, uma vez que um dos resultados procurados pelas pessoas com NF2-SWN é a melhor compreensão das palavras numa conversa, ou seja, um dado fortemente influenciado por fatores subjetivos.

Finalmente, precisamos lembrar que este é mais um estudo realizado com apoio e financiamento da indústria que produz o próprio medicamento que está sendo testado, com diversos dos autores e autoras com conflito de interesse financeiro, pois recebem pagamentos das indústrias envolvidas. Além disso, foi também financiado pela Children’s Tumor Foundation (número no ClinicalTrials.gov INTUITT-NF2, NCT04374305.)

 

Conclusão

Infelizmente, o brigatinibe não mostrou ser uma droga capaz de melhorar a qualidade de vida da maioria das pessoas com NF2-SWN.

Dr. Lor

 

 

 

Terminou na semana passada, em Bruxelas, na Bélgica, a Global NF Conference, que reuniu uma parte da comunidade científica internacional que se dedica ao estudo da NF1 e das Schwannomatoses. Foram 305 assuntos abordados no congresso e destacamos a seguir algumas informações.

A primeira, é que foi um evento patrocinado por alguns laboratórios da indústria farmacêutica, principalmente a Astrazeneca (representada pela Alexion – seu braço comercial para as doenças raras) e a SpringWorks. Assim, já podíamos esperar, como aconteceu, as diversas sessões de propaganda explícita de medicamentos disfarçadas de comunicações científicas. 

A segunda, é que, no meio de muita propaganda, encontramos mais alguns tijolos úteis nessa lenta construção do conhecimento científico sobre NF1 e Schwannomatoses, como alguns avanços no uso da inteligência artificial (14 temas) e no chamado tratamento genético (outros 14 temas). 

A terceira, é que os medicamentos produzidos pelas indústrias patrocinadoras, chamados de inibidores da via MEK dominaram a pauta da reunião (1 em cada 5 temas discutidos). Assim, é preciso compreender o que são estes medicamentos antes de prosseguirmos nossa análise. 

Inibidores MEK 

Já se sabe que diversas manifestações clínicas da NF1 ocorrem porque há insuficiência de uma proteína chamada neurofibromina, a qual controla o crescimento celular assim:

Quando a célula deve crescer, ocorre um estímulo para o crescimento celular, que leva ao início de uma cadeia de eventos dentro da célula, que leva à ativação da etapa MEK, que leva à multiplicação celular. 

Quando a célula não deve crescer: ocorre um estímulo para o crescimento celular, que leva ao início da cadeia de eventos dentro da célula, mas ela sofre BLOQUEIO PELA NEUROFIBROMINA, evitando a ativação da etapa MEK , e então não ocorre multiplicação celular. 

Portanto, a insuficiência da neurofibromina nas pessoas com NF1 permite que a célula cresça quando não deveria, dando origem aos tumores (múltiplas células). 

Os medicamentos inibidores MEK foram desenvolvidos para “substituir” a neurofibromina, ou seja, inibir a etapa MEK, evitando o crescimento inadequado das células e a formação dos tumores.

O mecanismo suposto faz sentido e assim foi desenvolvido o medicamento selumetinibe (um dos inibidores MEK em estudo e discutidos no congresso), o primeiro a ser aprovado para uso terapêutico em diversos países nos neurofibromas plexiformes SINTOMÁTICOS E INOPERÁVEIS (ver aqui mais informações sobre isso). 

Os resultados de estudos com vários inibidores MEK foram apresentados no evento, a maioria deles com efeitos semelhantes ao selumetinibe: cerca de 30% de redução do volume dos plexiformes em metade das crianças que usaram a droga por pelo menos 8 meses, mas sem o uso de placebo para comprovação e com efeitos colaterais moderados (inclusive 10% de fraturas ósseas, ainda não relatadas, segundo resumo apresentado no evento pela pesquisadora Andrea Baldwin e colaboradores, vários deles também autores da pesquisa que justificou a aprovação do medicamento pelas autoridades de saúde).

Nos estudos apresentados em Bruxelas, a maioria patrocinada pelos fabricantes das drogas, além dos neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis, os inibidores MEK também estão sendo testados em experimentos clínicos, modelos animais, culturas de células e relatos de casos clínicos, mas os resultados são ainda inconclusivos nas seguintes situações: 

  1. neurofibromas cutâneos, 
  2. gliomas das vias ópticas
  3. glioblastomas  
  4. dor neuropática (em camundongos e mini porcos)
  5. dificuldades cognitivas (em moscas drosófilas)
  6. fadiga  (1 caso)
  7. tratamento adjuvante na transformação maligna 
  8. “preventivos” para crescimento dos tumores 
  9. “preventivos” para displasia do esfenoide
  10. tratamento de problemas psiquiátricos em pessoas com NF1

A expectativa de usar um mesmo tipo de medicamento para essa lista de problemas clínicos tão diferentes entre si parece pouco realista, mas, quem sabe? 

Em conclusão, é possível que a busca por tratamentos das complicações da NF1 com inibidores MEK continue por alguns anos e, nesta busca, esperamos que medicamentos mais eficientes, mais seguros e com preço mais acessível sejam encontrados. 

Esperamos também que, para isso, o financiamento dos estudos se torne cada vez mais público e menos privado (ver aqui as ideias de Isabelle Stengers como é possível), para garantir que as pessoas sejam as mais beneficiadas e não as ações da indústria de medicamentos.

Nos próximos dias comentaremos outras novidades do congresso. 

Dr. Lor

 

 

 

Na semana passada opinei (ver aqui o texto) que precisamos criar associações de defesa da saúde das pessoas, nas quais possamos contar com cientistas que nos ajudem a compreender e colocar a ciência do nosso lado e não do lado do lucro e dos interesses capitalistas.

Recebi muitos comentários sobre o texto, a maioria em apoio à ideia de que precisamos nos defender dos maus usos da ciência. Destaco alguns deles a seguir, que melhoraram minha compreensão do assunto.

 

Em quem confiar?

Sendo “a ciência “ uma abstração, não seria o caso de perguntar em quem devemos confiar? Uso abstração no sentido de que “a ciência “ é uma ideia e como tal só existe na mente das pessoas. Como um método e como uma aplicação ideal deste método. Na prática a ciência é feita por pessoas e, como você colocou, a complexidade dos assuntos nos faz delegar o entendimento completo para especialistas em quem confiamos implicitamente.

Então acho que no final é uma questão de escolher os especialistas nos quais se vai confiar, e neste ponto entram os outros critérios que você cita: motivação financeira, consenso, visão de mundo etc.

No fundo, portanto, é uma questão de confiar na reputação de um grupo de pesquisas, empresa ou entidade.

Juliano Viana, Cientista da computação.

Resposta: Seu argumento ajudou a esclarecer que o uso da ciência é uma escolha política.

 

Anônimo justificado

Não bastasse a desinformação criminosa difundida na internet (como o Sol brilhante na tela, em meio à tempestade e cavalos mortos na vida real – desenhados na charge), há o conluio igualmente criminoso da indústria farmacêutica com as associações que congregam pacientes.

AMANF é honrosa exceção que deve ser preservada.

Peço para minha opinião ser anônima, pois publiquei um texto semelhante em que apontei para a manipulação das associações pelos laboratórios e isto me rendeu embaraços no passado.

 

Esperança equilibrista

Concordo em gênero, número e grau. Me lembro também de uma questão que corre paralela. A esperança do “desta vez, vai”… E não funciona! Da próxima vez haverá um medicamento salvador.

Isto foi revelado por uma pessoa querida que acompanhava o marido em tratamento, pois cada vez que iam ao médico existia uma nova ” esperança equilibrista” . Eles estavam cansados.

Mirtes Maria do Vale Beirão, Professora aposentada de pediatria da UFMG

 

Pouco é melhor do que nada

Acredito nas vacinas e agradeço aos cientistas por sua dedicação em desenvolvê-las.
Quanto ao remédio mencionado, é o que temos no momento e considero 30% de redução de neurofibromas plexiformes razoável, em se tratando de um tumor tão grave. Até para, posteriormente, se tentar uma cirurgia.

Clara Terezinha, professora de Educação Infantil, Psicomotricista, Pedagoga, Portadora de NF1, do Rio de Janeiro

 

Trabalho de formiguinha

É um trabalho de formiguinha disseminar estes “avanços” no meio de tantos conflitos de interesse… Tenho um olhar crítico porque talvez não sejam “tão avanços assim” e não valem o que estão cobrando. É uma posição delicada, pois, de certa forma, questionamos a ciência e, neste cenário (de polarização), isto fica mais complicado e os negacionistas podem usar e abusar destas críticas.

Unaí Tupinambás, Professor de Medicina da UFMG

 

E a situação atual das pessoas com doenças raras?

Muito importante e assertiva a nova publicação no site da AMANF. Entendo a cautela tendo em vista se tratar de uma indústria farmacêutica e pesquisadores vinculados a ela, especificamente. Também compreendo e assino embaixo da necessidade de lutar por uma ciência em saúde pública, gratuita e de qualidade. Temos muito o que lutar para que avancem as pesquisas científicas no centros de pesquisas públicos, sem intenções de interesses privados servientes ao grande capital. Entendo todas essas urgências e sigo na luta para que esse cenário se modifique.

Mas me pergunto, enquanto não temos essa resposta tão esperada pela ciência em saúde pública e enquanto portadora da SWN/NF2, tendo certa urgência pois para nós é uma luta contra o tempo, qual conduta tomar? Como decidir?

Essa é a grande questão que paira em minha mente!

Me vejo diante de uma encruzilhada entre continuar apenas acompanhando o crescimento dos tumores ou tentar um tratamento para os tumores através desse medicamento.

Erica Onofre, Doutoranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Resposta: Cara Érica, o medicamento em questão é para casos específicos de pessoas com NF1. Ainda não temos nenhum medicamento aprovado para Schwannomatoses.

 

Humor à flor da pele

Na dermatologia, falo agora que alguns palestrantes têm pouco interesse para o tanto de conflito que possuem…

João Renato Gontijo, professor de dermatologia.

 

Sedução dos laboratórios

Esse tipo de dúvida tem sido comum, principalmente com doenças genéticas e/ou crônicas, porque os pacientes e suas famílias desejam a cura ou a melhora de suas doenças.
Por outro lado, os médicos e demais profissionais de saúde não podem ser seduzidos pelos laboratórios, que inclusive pressionam a Conitec e a Anvisa. E financiam alguns pesquisadores.

Vocês precisavam ver o tanto de conversa eu tive com os pais de algumas crianças que atendi, eles dizendo exatamente que a vacina era nova e que não havia estudos. Eu então mostrava-lhes o cartão de vacina da criança e perguntava-lhes por que não as questionaram na ocasião. Mesmo com todos esses argumentos, não consegui convencer a todos.

Maria das Graças Oliveira, médica pneumologista e líder da luta antitabagismo

Opinião pessoal

Durante a consulta de uma criança com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), sua família perguntou se ela devia usar um medicamento divulgado nas redes sociais e então respondi que há algumas dúvidas sobre a eficiência daquele medicamento, lançado no comércio por um certo laboratório farmacêutico.

Momentos depois, quando sugeri o uso da vacina contra a COVID, a família manifestou sua desconfiança na eficácia da vacina, porque, segundo souberam, fora “inventada muito rapidamente” e, no entanto, foi produzida pelo mesmo laboratório.

Percebi, então, nossa contradição: como podemos confiar (ou desconfiar) das vacinas, mas confiar (ou desconfiar) no tal medicamento, sendo que a vacina e o medicamento são produzidos pelo mesmo laboratório?

Tento compreender.

Por um lado, para confiar nas vacinas, aprendi na faculdade e ao longo de minha prática profissional que as vacinas trazem consigo um histórico de salvar milhões de vidas com baixíssimos riscos. Elas são uma das grandes construções científicas que acompanho desde minha infância, quando ainda havia vítimas em cadeiras de rodas que não foram vacinadas contra a poliomielite entre meus colegas de geração.

Além disso, as vacinas são recomendadas por autoridades em saúde pública, local e internacionalmente, e tenho confiança nelas, acreditando que ministros, secretários e conselhos científicos devem recomendar o melhor para a saúde de suas populações.

Do outro lado, como especialista em neurofibromatoses, há anos acompanho os esforços de diversos laboratórios farmacêuticos para descobrir alguma droga que elimine, reduza ou, pelo menos interrompa o crescimento dos tumores da NF1 de forma eficiente.

Um dos laboratórios nessa corrida tecnológica conseguiu testar uma droga e os pesquisadores (alguns recebendo pagamentos do fabricante) afirmam que a substância reduziu o volume dos neurofibromas plexiformes em até 30% em metade das crianças testadas, com poucos efeitos colaterais. Com este resultado, o laboratório conseguiu a aprovação das autoridades de saúde, nos Estados Unidos e em outros países, inclusive no Brasil, para comercializar o produto.

Considerando o efeito modesto do medicamento (apesar de promissor para estudos futuros) e o custo altíssimo do medicamento (cerca de 1 milhão de reais por ano por paciente, por tempo indefinido), as equipes médicas da AMANF e do CRNF do HC UFMG consideram que há algumas situações em que o medicamento pode ser útil, mas não concordamos com a sua prescrição disseminada como vem acontecendo.

A maioria das pessoas não tem formação suficiente em biologia ou medicina para entender os resultados complexos das pesquisas com medicamentos.

Aliás, a mesma ciência que permitiu o desenvolvimento das vacinas também permitiu a criação das armas nucleares e acelerou a tecnologia predatória do capitalismo e a devastação do planeta.

Da mesma forma, as mesmas autoridades em saúde que aprovam os medicamentos e vacinas também podem, por motivos financeiros ou políticos, recomendar procedimentos criminosos, como aconteceu no ministério da saúde durante a pandemia de COVID no governo de Jair Bolsonaro, que levaram a um excesso de mortes de mais de 300 mil pessoas em relação aos demais países.

Em resumo, temos que ter cautela diante da propaganda do laboratório e também da aprovação das autoridades em saúde para o medicamento.

Como podemos enfrentar esse tipo de dúvida?

Então, precisamos nos organizar melhor em defesa da saúde como um todo, – do SUS – participando dos Conselhos Municipais de Saúde e elegendo representantes comprometidos com a saúde pública.

Mas também precisamos construir ou pertencer a entidades coletivas de defesa das pessoas com determinadas condições de saúde, que procurem influenciar a política de saúde pública, como tentamos fazer na AMANF, por exemplo.

Nessas entidades precisamos de pessoas capazes de compreender e explicar a ciência para as demais, tomando a ferramenta poderosa da ciência das mãos do capitalismo e utilizando-a em benefício do bem estar de toda a humanidade.

Aí, poderemos confiar nas respostas da ciência.

Neste caso da família atendida, é uma resposta a favor do uso das vacinas e da cautela com o tal medicamento.

Dr Lor

Nos posts anteriores falamos sobre o possível excesso de diagnósticos de transtornos do comportamento, sobre o papel da família e da sociedade nestes transtornos e sobre a incerteza que existe nos manuais de diagnóstico de transtornos mentais.

Hoje concluímos nossa apresentação sugerindo algumas abordagens para as crianças com o TDDH.  Ainda não há um tratamento específico para esse transtorno, mas as sugestões dos Manuais  são:

  • A avaliação psicológica e psicoterapia deve ser a primeira abordagem da criança com suspeita de TDDH;
  • Os pais e mães (e quem mais for responsável por criar a criança) também devem participar de psicoterapia (para aprender a manejar seus próprios impulsos e raiva) e receber treinamento adequado para serem instrutores de suas crianças, e ajudarem no desenvolvimento do autocontrole e de manejos dos gatilhos que desencadeiam as crises;
  • A abordagem da hiperatividade com medicamentos pode ser útil, mas não é sempre eficaz (e nas crianças com NF1 a eficácia desses tratamentos é ainda menos estabelecida cientificamente: ver um estudo aqui e outro aqui).
  • Não há ainda estudos científicos que justifiquem o uso de estimulantes do sistema nervoso (por exemplo, metilfenidato) associados a antipsicóticos (risperidona, por exemplo).

Por fim, mas não por último, todas estas medidas serão pouco eficientes se não transformarmos a estrutura familiar, a escola e a sociedade num mundo com menos competição, menos foco em obediência e mais guiado pela felicidade humana e não pelo lucro e produtividade.

Crianças e adolescentes precisam de liberdade sem medo, de corpos e mentes livres, pelo menos um pouco longe das telas e das redes sociais, com atividades físicas lúdicas e prazerosas. Precisam também de alegria de viver e de esperança num futuro melhor, em um mundo menos desigual, mais justo e inclusivo.

Há muitos movimentos, de grupos da sociedade que estão preocupados com o futuro, que podem nos ajudar a mudar nossas ações hoje, apontando novos caminhos, como o Movimento Desconecta (https://www.movimentodesconecta.com.br/), o Movimento Infância Livre de Consumismo (https://milc.net.br/) e a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável (https://alimentacaosaudavel.org.br/).

E nós, pais e mães dos tempos atuais, precisamos encontrar mais leveza e mais alegria na nossa convivência em família e na educação de nossos filhos e filhas, pois eles crescem rápido demais, especialmente se estivermos muito ocupados trabalhando, alheios ao presente, muito distraídos pelos nossos celulares e muito preocupados com o futuro adulto que um dia eles serão (veja um livro interessante sobre gestão do tempo aqui https://a.co/d/8DvIxR6).

Talvez, nesse novo mundo, que podemos construir com as ações de hoje e de cada dia, serão mais raras as crianças e adolescentes (e talvez os adultos) com TDDH, depressão, TDAH, TOD etc… ?

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.