A psicóloga Mirela Zeoula Brito trouxe sua pergunta sobre se deve ou não submeter sua filha com NF1 ao tratamento chamado ABA, habitualmente recomendado (ver aqui) para pessoas com Transtorno no Espectro do Autismo (TEA).

Considero difícil definir numa criança com NF1 se determinados comportamentos neuro-atípicos – e semelhantes aos comportamentos encontrados em crianças com TEA – seriam decorrentes das displasias do sistema nervoso causadas pela NF1 ou seriam causados por um TEA independente e associado à NF1.

Por causa desta semelhança e da falta de tratamento específico para a NF1, alguns profissionais da saúde recomendam a terapia ABA (Análise Aplicada ao Comportamento) para as crianças com NF1.

Fiz hoje uma nova consulta à literatura científica para saber se surgiu algum estudo sobre o uso da terapia ABA nas crianças com NF1 e não encontrei.

Portanto, não posso recomendar com base científica o método ABA para crianças com NF1.

Diante disso, a pergunta que geralmente me fazem é se, pelas semelhanças dos comportamentos da NF1 com o TEA, o método ABA poderia funcionar nas crianças com NF1.

Então, precisamos saber se o método ABA funciona realmente para as crianças com TEA.

Dois estudos prospectivos, que resumo abaixo, trazem algumas informações importantes sobre isso.

Um artigo compara dois métodos ABA e PRT (clique aqui para o artigo completo em inglês)

Embora os procedimentos estruturados de ABA sejam eficazes na produção de mudanças comportamentais em uma ampla variedade de áreas, os estudos mostram três grandes dificuldades encontradas com a intervenção:

  • os ganhos são extremamente lentos (muitas vezes exigindo muitos milhares de tentativas para ensinar uma única palavra);
  • quando ocorrem ganhos, eles geralmente não generalizam;
  • as crianças geralmente não estão motivadas para se envolver nas sessões de ensino, frequentemente exibindo comportamentos disruptivos e fuga.

Consequentemente, as abordagens ABA para intervenção geralmente exigem muitas tentativas apresentadas repetidamente para que as crianças mostrem algum benefício. Isso pode ser extremamente demorado para todos os envolvidos.

Um outro tratamento, denominado de Tratamento de Resposta Central (Pivotal Response Treatment) baseia-se em princípios de ensino operante e tem sido usado para atingir uma ampla gama de déficits, incluindo habilidades sociais e comunicação.

O PRT é uma abordagem de intervenção baseada nos princípios comportamentais da ABA, mas que inclui métodos para melhorar a capacidade de resposta, a taxa de resposta e o afeto positivo das crianças.

Esses métodos incluem:

  • a escolha da criança
  • a variação de tarefas
  • a intercalação de testes de manutenção e aquisição
  • tentativas de reforço
  • o uso de consequências naturais diretas

Num estudo prospectivo com dois grupos de crianças com TEA, essas técnicas foram mais eficazes do que o método ABA, e os resultados mostraram melhor resposta das crianças com a técnica de PRT.

 

Vejamos outro estudo (clique aqui) que também comparou PRT e ABA.

Crianças com autismo geralmente demonstram comportamentos perturbadores durante tarefas de ensino exigentes. A intervenção linguística pode ser particularmente difícil, pois envolve áreas sociais e comunicativas, que são desafiadoras para essa população.

O objetivo deste estudo foi comparar duas condições de intervenção: uma abordagem naturalista, o Tratamento de Resposta Central (PRT) com uma abordagem ABA sobre comportamento disruptivo durante intervenção de linguagem nas escolas públicas.

Utilizou-se um desenho de ensaio clínico randomizado com dois grupos de crianças, pareados de acordo com idade, sexo e duração média da intervenção.

Os dados mostraram que as crianças apresentaram níveis significativamente mais baixos de comportamento disruptivo durante a condição de PRT, sugerindo que este método possa ser mais útil na redução do comportamento disruptivo.

Portanto, ficam aqui estas reflexões sobre métodos de tratamento dos comportamentos do TEA (ou semelhantes ao TEA) nas crianças com NF1.

Espero que novos estudos sobre terapias para crianças com NF1 e comportamentos semelhantes ao TEA sejam realizados com urgência, pois elas são muitas e precisamos cuidar delas.

Dr Lor

 

 

 

Nosso querido amigo  Vic, como nós o chamávamos, nos deixou neste julho de 2024, aos 83 anos, enquanto dormia, iniciando um descanso merecido para quem sempre fez o melhor ao seu alcance para ajudar as pessoas com NF, enquanto ele próprio enfrentava dores e graves limitações neurológicas causadas por um acidente aos 30 anos de idade.

Riccardi foi um médico norte-americano especialista em genética clínica que se tornou pioneiro no atendimento especializado nas neurofibromatoses na década de 70, despertando a comunidade científica para o estudo das neurofibromatoses ao criar a primeira clínica especializada em NF no Baylor College of Medicine em Houston, no Texas, em 1978.

Seu exemplo foi se espalhando pelo mundo e hoje somos milhares de profissionais da saúde, centros especializados, cientistas e associações de apoio trabalhando em busca do alívio do sofrimento das pessoas com NF1 e Schwannomatoses.

Desde então, Riccardi realizou dezenas de publicações científicas e livros sobre neurofibromatose e recebeu em 2008 o Prêmio Von Recklinghausen da Children’s Tumor Foundation pela sua contribuição à compreensão mundial da doença.

Riccardi foi nosso convidado de honra em dois Simpósios Internacionais sobre Neurofibromatoses realizados no Brasil (2009 e 2014), quando aqui esteve com sua esposa Susan Riccardi, e repartiu conosco seus conhecimentos.

Na foto acima, durante o Simpósio Internacional em NF em 2009 no CRNF-UFMG-AMANF, Belo Horizonte. Da esquerda para a direita: Juliana Ferreira de Souza, Nilton Alves de Rezende, David Viscochil, Vincent M. Riccardi, Elane Frossard, Ênio Pietra Pedroso, Lilian Alvarez, Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, Luiz Armando de Marco, Bruce Korf, Luiz Guilherme Darrigo Junior, Eny Goloni-Bertollo e sua orientanda.

Em 2014, Riccardi participou de uma reunião da AMANF, onde contribuiu com sugestões importantes e examinou diversos pacientes do CRNF HC UFMG. Por toda sua inspiração e liderança, a AMANF ofereceu a ele o Troféu Monica Bueno de 2014.

   

Simpósio Internacional em NF em 2014 no CRNF-UFMG-AMANF, Belo Horizonte. Na foto superior, da esquerda para a direita: Nilton Alves de Rezende, Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, Juliana Ferreira de Souza, Susan Riccardi, Danielle de Souza Costa, Vincent Michael Riccardi, Aline Stangherlin Martins, Márcio Leandro Ribeiro de Souza, André Bueno Belo, Luiz Guilherme Darrigo Jr., Eric Grossi Morato, Pollyanna Barros Batista, recebendo o Troféu Monica Bueno durante Simpósio Internacional de 2014 em Belo Horizonte.  Na foto à direita, com Susan em Inhotim, em Brumadinho, MG, onde Riccardi viveu uma experiência emocional intensa diante da arte da instalação Cosmo-coca de Hélio Oiticica. c Na foto inferior à esquerda, com Susan, diante de uma das esculturas populares no Parque Lagoa do Nado, em Belo Horizonte.

Riccardi manteve ao longo da vida diversas percepções originais sobre a NF1, que continuam sendo muito importantes para o desenvolvimento científico e para o atendimento clínico das pessoas com NF1. Num de seus últimos artigos científicos, que ele teve a gentileza de nos enviar assim que foi aceito, ele retomou sua perspectiva de que precisamos olhar para as NF como doenças decorrentes de uma falha no desenvolvimento dos tecidos e órgãos (displasias) e não como uma doença oncológica. Ou seja, Riccardi propôs que os problemas mais comuns da NF1 são decorrentes de defeitos genéticos na formação dos órgãos desde o embrião até a vida adulta.

Riccardi insistia que, para tratarmos corretamente as NF, precisamos distinguir as características clínicas das NF, porque elas se dividem em “achados” (por exemplo, neurofibromas plexiformes), “consequências” (por exemplo, a dor nos neurofibromas plexiformes) e “complicações” (por exemplo, as deformidades físicas causadas pelo crescimento dos plexiformes ou a sua transformação maligna, esta última ocorre pelo menos em 15% dos casos). Num artigo de 2016, Riccardi escolheu os neurofibromas para aprofundar seu olhar crítico e experiente sobre eles, mostrando o quão pouco conhecemos sobre como os neurofibromas surgem numa pessoa com NF1.  Resolver esta dúvida sobre como surgem os neurofibromas, portanto, seria muito importante para descobrirmos formas eficazes de tratamento para o futuro.

Riccardi tinha uma sensibilidade especial para as manifestações artísticas como instrumentos potenciais de intervenção a favor das crianças com NF1, o que motivou uma linha de pesquisa em musicalização de crianças e adolescentes em nosso CRNF.

 

   

Riccardi no nosso último encontro, pessoalmente, durante o Congresso Mundial de NF em Paris em 2018. À esquerda conversando com Dr. Bruno Cota sobre seus resultados sobre efeitos da musicalização sobre crianças com NF1. À direita, com Luiz Oswaldo, Susan Riccardi e Thalma Rodrigues.

Na palestra de encerramento do Congresso em Paris, Riccardi disse que sua esperança para o futuro das pesquisas em NF estava no cuidado integral com as pessoas (e não apenas nos seus tumores) e na maior compreensão dos mecanismos neuro cognitivos que reduzem a capacidade funcional e a qualidade de vida das pessoas com NF1. Para nossa surpresa, esses dois conceitos estavam representados em dois slides com desenhos que enviamos a ele (fotos abaixo). Emocionou-nos profundamente esta homenagem do Riccardi ao nosso trabalho.

 

 

 

Riccardi, além do grande conhecimento sobre neurofibromatoses, do seu interesse pelas artes, possuía também talento como poeta. Durante a pandemia de COVID-19, ele nos enviou um poema de sua autoria, que traduzimos com sua autorização.

Escolha

 

Quebrei meu pescoço uma vez –

num lago de Massachussets.

Durante dois minutos e meio,

de bruços, imóvel na água,

pensei sobre o que eu mais queria.

 

Cada célula de meu corpo implorava

para que eu inspirasse profundamente, respirasse.

 

Quem eu sou, o que eu sou, o que eu era disse

Não! Eu não respiraria.

 

Resgatado, com a boca aberta no ar, aceitei.

Suspirei, e então sussurrei:

“Estou morrendo.

Quebrei o meu pescoço.”

 

Parte de mim morreu naquele dia.

Mas, eu não.

 

Eu escolhi.

 

Dissemos a ele que todos nós da comunidade NF em todo o mundo agradecemos a ele que tenha escolhido viver, porque mesmo depois deste terrível acidente ele se tornou o mentor mundial no tratamento das pessoas com NF. Nós devemos muito a ele tudo o que fazemos hoje para enfrentar as Neurofibromatoses.

Por tudo que realizou, Riccardi é um exemplo de amor humanista e temos tentado seguir sua iluminação em nosso trabalho no CRNF e no apoio social construído na AMANF. Riccardi está presente em cada pessoa que recebe de nós os conhecimentos que você semeou ao longo de sua vida admirável.

 

Bruno Cezar Lage Cota

Juliana Ferreira de Souza

Luiza de Oliveira Rodrigues

Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues

Nilton Alves de Rezende

 

 

 

 

Grande parte das famílias que atendemos em nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses relata que suas crianças passam muitas horas diante de telas (tablets, smartfones, televisão, games, jogos e séries). E falam também das dificuldades de comportamento dessas crianças.

Será que uma coisa tem a ver com a outra?

A Dra. Luíza Oliveira Rodrigues nos enviou o primeiro estudo científico bem controlado para responder a esta pergunta, que foi publicado recentemente na revista JAMA (ver aqui o artigo completo em inglês).

A equipe de cientistas considerou que o uso excessivo de mídia de tela tem sido associado a pior saúde mental entre crianças e adolescentes em vários estudos observacionais. No entanto, faltavam evidências experimentais que apoiassem essa hipótese. Assim, decidiram investigar os efeitos de uma intervenção de duas semanas com redução de mídia de tela sobre a saúde mental de crianças e adolescentes.

O estudo incluiu 89 famílias (com o total de 181 crianças e adolescentes) de 10 municípios dinamarqueses na região do sul da Dinamarca. Todos os procedimentos do estudo foram realizados no domicílio dos participantes.

As famílias foram divididas aleatoriamente em dois grupos: um grupo A – de redução de mídia de tela – e outro, B – de controle. Os participantes do grupo A tiveram que reduzir o uso de mídia de tela de lazer para 3 horas por semana ou menos por pessoa e entregar smartphones e tablets. O grupo B continuou a usar as telas como fazia anteriormente.

O resultado principal foi a redução nas dificuldades comportamentais no grupo A, que diminuiu seu tempo de tela.

O melhor impacto da redução de tempo de tela foi sobre sintomas emocionais e problemas com colegas.

Em conclusão, este estudo clínico randomizado descobriu que uma redução de curto prazo (apenas duas semanas!) no uso de mídia de tela de lazer nas famílias afetou positivamente os sintomas psicológicos de crianças e adolescentes, particularmente diminuindo problemas comportamentais e melhorando a integração social.

Mais pesquisas são necessárias para confirmar se esses efeitos são sustentáveis a longo prazo, mas este resultado já nos estimula a tentar reduzir o tempo de tela das nossas crianças.

Dr. Lor

 

 

Continuo os comentários sobre o último congresso realizado em Bruxelas.

O desejo da nossa equipe do CRNF seria de apresentarmos muitos outros conteúdos sobre o congresso, mas estamos sobrecarregados de trabalho no atendimento aos pacientes e tivemos diversos problemas de saúde em alguns de nossos familiares.

Além disso, estamos trabalhando bastante para realizar a edição comemorativa dos 20 anos do CRNF a ser lançada em novembro de 2024, na nossa festa anual.

Assim, vamos apresentando o que estamos conseguindo realizar.

 

Hoje , faço uma análise de um tema apresentado no congresso e que também saiu publicado na revista científica The New England Journal of Medicine de junho de 2024 (ver aqui artigo completo em inglês) com o título “Brigatinibe na Schwannomatose Relacionada à NF2 com Tumores Progressivos” pelo grupo de cientistas liderados por Jaishri O. Blakeley, do Massachusetts General Hospital.

A Schwannomatose relacionada à NF2 (NF2-SWN, anteriormente chamada de neurofibromatose tipo 2) provoca o crescimento de múltiplos tumores como schwannomas vestibulares, schwannomas não vestibulares, meningiomas e ependimomas. A doença geralmente é progressiva, necessitando de cirurgias repetidas e ainda sem medicamentos aprovados.

Alguns estudos de laboratório mostraram que uma droga chamada brigatinibe agiu como inibidora das tirosina quinases (estimulantes do crescimento celular) num tipo de schwannoma (não vestibular) e no meningioma induzidos por variante genética no gene NF2. Diante disso, a equipe da Dra. Blakeley realizou um estudo com brigatinibe em pacientes com múltiplos tipos de tumores progressivos em pessoas com NF2-SWN.

Neste ensaio, os pacientes com 12 anos de idade ou mais com NF2-SWN e tumores progressivos foram tratados com brigatinibe oral na dose de 180 mg por dia. O resultado principal foi a resposta radiográfica, ou seja, a variação de tamanho na ressonância magnética dos tumores chamados de “alvo”. Outros resultados secundários foram: segurança do medicamento, taxa de resposta em todos os tumores, melhora auditiva e resultados relatados pelo paciente.

Um total de 40 pessoas foram voluntárias (idade mediana de 26 anos) com tumores-alvo progressivos (sendo 10 schwannomas vestibulares, 8 schwannomas não vestibulares, 20 meningiomas e 2 ependimomas) e receberam o tratamento com brigatinibe.

Após 10,4 meses de uso do medicamento, segundo a equipe, a resposta radiográfica foi:

Redução de 10% para os tumores-alvo

Redução de 23% para todos os tumores

Outros resultados encontrados foram:

Meningiomas e schwannomas não vestibulares mostraram mais redução do que os schwannomas vestibulares.

As taxas de crescimento por ano diminuíram para todos os tipos de tumor durante o tratamento.

A melhora auditiva ocorreu em 35% das orelhas escolhidas.

Sugestão de redução da dor durante o tratamento.

Nenhum evento adverso grave (graus 4 e 5) foram relacionado ao tratamento.

 

Em conclusão, segundo os autores, o tratamento com brigatinibe resultou em respostas radiográficas em vários tipos de tumor e benefício clínico em um grupo de pacientes com NF2-SWN.

 

Comentários

Inicialmente, minha impressão é de que 10% de redução dos tumores-alvo e 23% de redução dos tumores em geral é um resultado insatisfatório.

Além disso, é preciso considerar que a perda de audição nem sempre está relacionada com o tamanho do tumor. Portanto, reduzir o tamanho do tumor não significa a melhora dos problemas dos pacientes.

Aliás, na Figura 2 publicada, há pessoas que apresentaram piora da audição numa orelha e estabilidade ou melhora discreta na outra. Ou seja, o medicamento não parece ter interferido nos tumores efetivamente.

Reduzir o tumor parece ser apenas um indicativo de que o medicamento está agindo nos processos celulares que promovem o seu crescimento e isto é um sinal promissor de que o caminho para tratamentos mais efetivos possa ser este.

Outro fator preocupante é que 45% das pessoas voluntárias abandonaram o tratamento por efeitos colaterais.

Uma limitação importante do estudo, admitida pelos próprios autores, é a falta de um grupo de pessoas usando placebo como grupo controle, uma vez que um dos resultados procurados pelas pessoas com NF2-SWN é a melhor compreensão das palavras numa conversa, ou seja, um dado fortemente influenciado por fatores subjetivos.

Finalmente, precisamos lembrar que este é mais um estudo realizado com apoio e financiamento da indústria que produz o próprio medicamento que está sendo testado, com diversos dos autores e autoras com conflito de interesse financeiro, pois recebem pagamentos das indústrias envolvidas. Além disso, foi também financiado pela Children’s Tumor Foundation (número no ClinicalTrials.gov INTUITT-NF2, NCT04374305.)

 

Conclusão

Infelizmente, o brigatinibe não mostrou ser uma droga capaz de melhorar a qualidade de vida da maioria das pessoas com NF2-SWN.

Dr. Lor

 

 

 

Terminou na semana passada, em Bruxelas, na Bélgica, a Global NF Conference, que reuniu uma parte da comunidade científica internacional que se dedica ao estudo da NF1 e das Schwannomatoses. Foram 305 assuntos abordados no congresso e destacamos a seguir algumas informações.

A primeira, é que foi um evento patrocinado por alguns laboratórios da indústria farmacêutica, principalmente a Astrazeneca (representada pela Alexion – seu braço comercial para as doenças raras) e a SpringWorks. Assim, já podíamos esperar, como aconteceu, as diversas sessões de propaganda explícita de medicamentos disfarçadas de comunicações científicas. 

A segunda, é que, no meio de muita propaganda, encontramos mais alguns tijolos úteis nessa lenta construção do conhecimento científico sobre NF1 e Schwannomatoses, como alguns avanços no uso da inteligência artificial (14 temas) e no chamado tratamento genético (outros 14 temas). 

A terceira, é que os medicamentos produzidos pelas indústrias patrocinadoras, chamados de inibidores da via MEK dominaram a pauta da reunião (1 em cada 5 temas discutidos). Assim, é preciso compreender o que são estes medicamentos antes de prosseguirmos nossa análise. 

Inibidores MEK 

Já se sabe que diversas manifestações clínicas da NF1 ocorrem porque há insuficiência de uma proteína chamada neurofibromina, a qual controla o crescimento celular assim:

Quando a célula deve crescer, ocorre um estímulo para o crescimento celular, que leva ao início de uma cadeia de eventos dentro da célula, que leva à ativação da etapa MEK, que leva à multiplicação celular. 

Quando a célula não deve crescer: ocorre um estímulo para o crescimento celular, que leva ao início da cadeia de eventos dentro da célula, mas ela sofre BLOQUEIO PELA NEUROFIBROMINA, evitando a ativação da etapa MEK , e então não ocorre multiplicação celular. 

Portanto, a insuficiência da neurofibromina nas pessoas com NF1 permite que a célula cresça quando não deveria, dando origem aos tumores (múltiplas células). 

Os medicamentos inibidores MEK foram desenvolvidos para “substituir” a neurofibromina, ou seja, inibir a etapa MEK, evitando o crescimento inadequado das células e a formação dos tumores.

O mecanismo suposto faz sentido e assim foi desenvolvido o medicamento selumetinibe (um dos inibidores MEK em estudo e discutidos no congresso), o primeiro a ser aprovado para uso terapêutico em diversos países nos neurofibromas plexiformes SINTOMÁTICOS E INOPERÁVEIS (ver aqui mais informações sobre isso). 

Os resultados de estudos com vários inibidores MEK foram apresentados no evento, a maioria deles com efeitos semelhantes ao selumetinibe: cerca de 30% de redução do volume dos plexiformes em metade das crianças que usaram a droga por pelo menos 8 meses, mas sem o uso de placebo para comprovação e com efeitos colaterais moderados (inclusive 10% de fraturas ósseas, ainda não relatadas, segundo resumo apresentado no evento pela pesquisadora Andrea Baldwin e colaboradores, vários deles também autores da pesquisa que justificou a aprovação do medicamento pelas autoridades de saúde).

Nos estudos apresentados em Bruxelas, a maioria patrocinada pelos fabricantes das drogas, além dos neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis, os inibidores MEK também estão sendo testados em experimentos clínicos, modelos animais, culturas de células e relatos de casos clínicos, mas os resultados são ainda inconclusivos nas seguintes situações: 

  1. neurofibromas cutâneos, 
  2. gliomas das vias ópticas
  3. glioblastomas  
  4. dor neuropática (em camundongos e mini porcos)
  5. dificuldades cognitivas (em moscas drosófilas)
  6. fadiga  (1 caso)
  7. tratamento adjuvante na transformação maligna 
  8. “preventivos” para crescimento dos tumores 
  9. “preventivos” para displasia do esfenoide
  10. tratamento de problemas psiquiátricos em pessoas com NF1

A expectativa de usar um mesmo tipo de medicamento para essa lista de problemas clínicos tão diferentes entre si parece pouco realista, mas, quem sabe? 

Em conclusão, é possível que a busca por tratamentos das complicações da NF1 com inibidores MEK continue por alguns anos e, nesta busca, esperamos que medicamentos mais eficientes, mais seguros e com preço mais acessível sejam encontrados. 

Esperamos também que, para isso, o financiamento dos estudos se torne cada vez mais público e menos privado (ver aqui as ideias de Isabelle Stengers como é possível), para garantir que as pessoas sejam as mais beneficiadas e não as ações da indústria de medicamentos.

Nos próximos dias comentaremos outras novidades do congresso. 

Dr. Lor

 

 

 

Na semana passada opinei (ver aqui o texto) que precisamos criar associações de defesa da saúde das pessoas, nas quais possamos contar com cientistas que nos ajudem a compreender e colocar a ciência do nosso lado e não do lado do lucro e dos interesses capitalistas.

Recebi muitos comentários sobre o texto, a maioria em apoio à ideia de que precisamos nos defender dos maus usos da ciência. Destaco alguns deles a seguir, que melhoraram minha compreensão do assunto.

 

Em quem confiar?

Sendo “a ciência “ uma abstração, não seria o caso de perguntar em quem devemos confiar? Uso abstração no sentido de que “a ciência “ é uma ideia e como tal só existe na mente das pessoas. Como um método e como uma aplicação ideal deste método. Na prática a ciência é feita por pessoas e, como você colocou, a complexidade dos assuntos nos faz delegar o entendimento completo para especialistas em quem confiamos implicitamente.

Então acho que no final é uma questão de escolher os especialistas nos quais se vai confiar, e neste ponto entram os outros critérios que você cita: motivação financeira, consenso, visão de mundo etc.

No fundo, portanto, é uma questão de confiar na reputação de um grupo de pesquisas, empresa ou entidade.

Juliano Viana, Cientista da computação.

Resposta: Seu argumento ajudou a esclarecer que o uso da ciência é uma escolha política.

 

Anônimo justificado

Não bastasse a desinformação criminosa difundida na internet (como o Sol brilhante na tela, em meio à tempestade e cavalos mortos na vida real – desenhados na charge), há o conluio igualmente criminoso da indústria farmacêutica com as associações que congregam pacientes.

AMANF é honrosa exceção que deve ser preservada.

Peço para minha opinião ser anônima, pois publiquei um texto semelhante em que apontei para a manipulação das associações pelos laboratórios e isto me rendeu embaraços no passado.

 

Esperança equilibrista

Concordo em gênero, número e grau. Me lembro também de uma questão que corre paralela. A esperança do “desta vez, vai”… E não funciona! Da próxima vez haverá um medicamento salvador.

Isto foi revelado por uma pessoa querida que acompanhava o marido em tratamento, pois cada vez que iam ao médico existia uma nova ” esperança equilibrista” . Eles estavam cansados.

Mirtes Maria do Vale Beirão, Professora aposentada de pediatria da UFMG

 

Pouco é melhor do que nada

Acredito nas vacinas e agradeço aos cientistas por sua dedicação em desenvolvê-las.
Quanto ao remédio mencionado, é o que temos no momento e considero 30% de redução de neurofibromas plexiformes razoável, em se tratando de um tumor tão grave. Até para, posteriormente, se tentar uma cirurgia.

Clara Terezinha, professora de Educação Infantil, Psicomotricista, Pedagoga, Portadora de NF1, do Rio de Janeiro

 

Trabalho de formiguinha

É um trabalho de formiguinha disseminar estes “avanços” no meio de tantos conflitos de interesse… Tenho um olhar crítico porque talvez não sejam “tão avanços assim” e não valem o que estão cobrando. É uma posição delicada, pois, de certa forma, questionamos a ciência e, neste cenário (de polarização), isto fica mais complicado e os negacionistas podem usar e abusar destas críticas.

Unaí Tupinambás, Professor de Medicina da UFMG

 

E a situação atual das pessoas com doenças raras?

Muito importante e assertiva a nova publicação no site da AMANF. Entendo a cautela tendo em vista se tratar de uma indústria farmacêutica e pesquisadores vinculados a ela, especificamente. Também compreendo e assino embaixo da necessidade de lutar por uma ciência em saúde pública, gratuita e de qualidade. Temos muito o que lutar para que avancem as pesquisas científicas no centros de pesquisas públicos, sem intenções de interesses privados servientes ao grande capital. Entendo todas essas urgências e sigo na luta para que esse cenário se modifique.

Mas me pergunto, enquanto não temos essa resposta tão esperada pela ciência em saúde pública e enquanto portadora da SWN/NF2, tendo certa urgência pois para nós é uma luta contra o tempo, qual conduta tomar? Como decidir?

Essa é a grande questão que paira em minha mente!

Me vejo diante de uma encruzilhada entre continuar apenas acompanhando o crescimento dos tumores ou tentar um tratamento para os tumores através desse medicamento.

Erica Onofre, Doutoranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Resposta: Cara Érica, o medicamento em questão é para casos específicos de pessoas com NF1. Ainda não temos nenhum medicamento aprovado para Schwannomatoses.

 

Humor à flor da pele

Na dermatologia, falo agora que alguns palestrantes têm pouco interesse para o tanto de conflito que possuem…

João Renato Gontijo, professor de dermatologia.

 

Sedução dos laboratórios

Esse tipo de dúvida tem sido comum, principalmente com doenças genéticas e/ou crônicas, porque os pacientes e suas famílias desejam a cura ou a melhora de suas doenças.
Por outro lado, os médicos e demais profissionais de saúde não podem ser seduzidos pelos laboratórios, que inclusive pressionam a Conitec e a Anvisa. E financiam alguns pesquisadores.

Vocês precisavam ver o tanto de conversa eu tive com os pais de algumas crianças que atendi, eles dizendo exatamente que a vacina era nova e que não havia estudos. Eu então mostrava-lhes o cartão de vacina da criança e perguntava-lhes por que não as questionaram na ocasião. Mesmo com todos esses argumentos, não consegui convencer a todos.

Maria das Graças Oliveira, médica pneumologista e líder da luta antitabagismo

Opinião pessoal

Durante a consulta de uma criança com neurofibromatose do tipo 1 (NF1), sua família perguntou se ela devia usar um medicamento divulgado nas redes sociais e então respondi que há algumas dúvidas sobre a eficiência daquele medicamento, lançado no comércio por um certo laboratório farmacêutico.

Momentos depois, quando sugeri o uso da vacina contra a COVID, a família manifestou sua desconfiança na eficácia da vacina, porque, segundo souberam, fora “inventada muito rapidamente” e, no entanto, foi produzida pelo mesmo laboratório.

Percebi, então, nossa contradição: como podemos confiar (ou desconfiar) das vacinas, mas confiar (ou desconfiar) no tal medicamento, sendo que a vacina e o medicamento são produzidos pelo mesmo laboratório?

Tento compreender.

Por um lado, para confiar nas vacinas, aprendi na faculdade e ao longo de minha prática profissional que as vacinas trazem consigo um histórico de salvar milhões de vidas com baixíssimos riscos. Elas são uma das grandes construções científicas que acompanho desde minha infância, quando ainda havia vítimas em cadeiras de rodas que não foram vacinadas contra a poliomielite entre meus colegas de geração.

Além disso, as vacinas são recomendadas por autoridades em saúde pública, local e internacionalmente, e tenho confiança nelas, acreditando que ministros, secretários e conselhos científicos devem recomendar o melhor para a saúde de suas populações.

Do outro lado, como especialista em neurofibromatoses, há anos acompanho os esforços de diversos laboratórios farmacêuticos para descobrir alguma droga que elimine, reduza ou, pelo menos interrompa o crescimento dos tumores da NF1 de forma eficiente.

Um dos laboratórios nessa corrida tecnológica conseguiu testar uma droga e os pesquisadores (alguns recebendo pagamentos do fabricante) afirmam que a substância reduziu o volume dos neurofibromas plexiformes em até 30% em metade das crianças testadas, com poucos efeitos colaterais. Com este resultado, o laboratório conseguiu a aprovação das autoridades de saúde, nos Estados Unidos e em outros países, inclusive no Brasil, para comercializar o produto.

Considerando o efeito modesto do medicamento (apesar de promissor para estudos futuros) e o custo altíssimo do medicamento (cerca de 1 milhão de reais por ano por paciente, por tempo indefinido), as equipes médicas da AMANF e do CRNF do HC UFMG consideram que há algumas situações em que o medicamento pode ser útil, mas não concordamos com a sua prescrição disseminada como vem acontecendo.

A maioria das pessoas não tem formação suficiente em biologia ou medicina para entender os resultados complexos das pesquisas com medicamentos.

Aliás, a mesma ciência que permitiu o desenvolvimento das vacinas também permitiu a criação das armas nucleares e acelerou a tecnologia predatória do capitalismo e a devastação do planeta.

Da mesma forma, as mesmas autoridades em saúde que aprovam os medicamentos e vacinas também podem, por motivos financeiros ou políticos, recomendar procedimentos criminosos, como aconteceu no ministério da saúde durante a pandemia de COVID no governo de Jair Bolsonaro, que levaram a um excesso de mortes de mais de 300 mil pessoas em relação aos demais países.

Em resumo, temos que ter cautela diante da propaganda do laboratório e também da aprovação das autoridades em saúde para o medicamento.

Como podemos enfrentar esse tipo de dúvida?

Então, precisamos nos organizar melhor em defesa da saúde como um todo, – do SUS – participando dos Conselhos Municipais de Saúde e elegendo representantes comprometidos com a saúde pública.

Mas também precisamos construir ou pertencer a entidades coletivas de defesa das pessoas com determinadas condições de saúde, que procurem influenciar a política de saúde pública, como tentamos fazer na AMANF, por exemplo.

Nessas entidades precisamos de pessoas capazes de compreender e explicar a ciência para as demais, tomando a ferramenta poderosa da ciência das mãos do capitalismo e utilizando-a em benefício do bem estar de toda a humanidade.

Aí, poderemos confiar nas respostas da ciência.

Neste caso da família atendida, é uma resposta a favor do uso das vacinas e da cautela com o tal medicamento.

Dr Lor

Nos posts anteriores falamos sobre o possível excesso de diagnósticos de transtornos do comportamento, sobre o papel da família e da sociedade nestes transtornos e sobre a incerteza que existe nos manuais de diagnóstico de transtornos mentais.

Hoje concluímos nossa apresentação sugerindo algumas abordagens para as crianças com o TDDH.  Ainda não há um tratamento específico para esse transtorno, mas as sugestões dos Manuais  são:

  • A avaliação psicológica e psicoterapia deve ser a primeira abordagem da criança com suspeita de TDDH;
  • Os pais e mães (e quem mais for responsável por criar a criança) também devem participar de psicoterapia (para aprender a manejar seus próprios impulsos e raiva) e receber treinamento adequado para serem instrutores de suas crianças, e ajudarem no desenvolvimento do autocontrole e de manejos dos gatilhos que desencadeiam as crises;
  • A abordagem da hiperatividade com medicamentos pode ser útil, mas não é sempre eficaz (e nas crianças com NF1 a eficácia desses tratamentos é ainda menos estabelecida cientificamente: ver um estudo aqui e outro aqui).
  • Não há ainda estudos científicos que justifiquem o uso de estimulantes do sistema nervoso (por exemplo, metilfenidato) associados a antipsicóticos (risperidona, por exemplo).

Por fim, mas não por último, todas estas medidas serão pouco eficientes se não transformarmos a estrutura familiar, a escola e a sociedade num mundo com menos competição, menos foco em obediência e mais guiado pela felicidade humana e não pelo lucro e produtividade.

Crianças e adolescentes precisam de liberdade sem medo, de corpos e mentes livres, pelo menos um pouco longe das telas e das redes sociais, com atividades físicas lúdicas e prazerosas. Precisam também de alegria de viver e de esperança num futuro melhor, em um mundo menos desigual, mais justo e inclusivo.

Há muitos movimentos, de grupos da sociedade que estão preocupados com o futuro, que podem nos ajudar a mudar nossas ações hoje, apontando novos caminhos, como o Movimento Desconecta (https://www.movimentodesconecta.com.br/), o Movimento Infância Livre de Consumismo (https://milc.net.br/) e a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável (https://alimentacaosaudavel.org.br/).

E nós, pais e mães dos tempos atuais, precisamos encontrar mais leveza e mais alegria na nossa convivência em família e na educação de nossos filhos e filhas, pois eles crescem rápido demais, especialmente se estivermos muito ocupados trabalhando, alheios ao presente, muito distraídos pelos nossos celulares e muito preocupados com o futuro adulto que um dia eles serão (veja um livro interessante sobre gestão do tempo aqui https://a.co/d/8DvIxR6).

Talvez, nesse novo mundo, que podemos construir com as ações de hoje e de cada dia, serão mais raras as crianças e adolescentes (e talvez os adultos) com TDDH, depressão, TDAH, TOD etc… ?

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

Nos posts anteriores falamos sobre o possível excesso de diagnósticos de transtornos do comportamento, sobre o papel da família e da sociedade nestes transtornos e sobre a incerteza que existe nos manuais de diagnóstico de transtornos mentais.

Com estas perguntas em mente, vamos tentar compreender melhor o Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (TDDH) (ver artigo aqui em inglês), a partir da leitura de uma revisão sobre esse transtorno.

Lembramos que esta é uma revisão do tipo”narrativa” e não “sistemática” (quem desejar saber a diferença, veja aqui  o que isso quer dizer).

É importante ressaltar que, o Manual Americano de Desordens Mentais (DSM) agrupou o (TDDH) junto com os transtornos do humor (dentro do grupo de Transtornos Depressivos) e não com os transtornos do Neurodesenvolvimento (como o TDAH ou TEA) ou os Transtornos de conduta, disruptivos e de controle de impulsos (como o TOD).

O diagnóstico do TDDH pode ser feito a partir dos critérios apresentados na tabela abaixo.

 

Tabela  – Sinais e sintomas para o diagnóstico de Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5 edição, Washington, DC, 2013).

  • Surtos frequentes e graves de raiva (verbais ou comportamentais) desproporcionais à provocação.
  • Os surtos são inadequados para a idade da criança.
  • Ocorrem 3 ou mais vezes por semana.
  • O comportamento habitual entre os surtos é continuamente irritado ou raivoso a maior parte do dia, quase todos os dias e são percebidos por outras pessoas.
  • Este problema tem duração maior que 12 meses, sem intervalo..
  • Estes comportamentos estão presentes em dois ou mais destes ambientes: em casa, na escola e com crianças da mesma idade) e são graves, pelo menos em um destes ambientes.
  • O início dos problemas está presente desde antes dos dez anos de idade.
  • O diagnóstico não é feito antes dos 6 e nem depois dos 18 anos.
  • Sintomas de comportamento bipolar típico (mania ou depressão) não duram mais do que um dia.

Observação: para se fazer o diagnóstico de TDDH, a criança não pode apresentar outros diagnósticos já definidos, como depressão grave, distimia, transtorno no espectro do autismo, desordem de estresse pós-traumático, desordem de ansiedade de separação, transtorno bipolar, desordem explosiva intermitente ou transtorno desafiador opositor e os sintomas não são decorrentes de efeitos de uso de drogas ou problemas neurológicos.

 

Lembrar que os sintomas de TDDH podem estar presente em outros problemas, por exemplo: com o diagnóstico de transtorno depressivo maior (TDM), transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno de conduta (TC) e transtorno por uso de substância (TUS). Aliás, o manual informa que é raro o diagnóstico isolado dessa condição.

Quantas crianças têm TDDH?

Como o transtorno só foi descrito recentemente, as informações não são muito precisas. Por exemplo, há relatos de que poderia estar presente em 1 a cada 100 crianças na população em geral, mas poderia acontecer em até 1 em cada 4 crianças atendidas por problemas de comportamento.

O que causa o TDDH nas crianças?

Ainda não sabemos exatamente. Os estudos genéticos ainda não encontraram hereditariedade definida, embora a presença de outras doenças mentais na família poderiam contribuir para o aparecimento do TDDH.

Ainda não foram realizados muitos estudos específicos (incluindo ressonância magnética funcional) em crianças classificadas com o TDDH. Dados preliminares sugerem que há uma resposta excessiva aos estímulos emocionais numa parte do cérebro chamada “amígdala”. Por exemplo, uma expressão facial neutra pode ser interpretada como sendo agressiva pela criança com transtorno de humor importante (ver estudo sobre isso aqui).

 

Amanhã, concluiremos nossa apresentação apresentando sugestões para o tratamento das crianças com o possível TDDH.

 

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.

 

 

 

Nos posts anteriores falamos sobre a possibilidade de excesso de diagnósticos e sobre o papel das famílias e da sociedade nos transtornos mentais das crianças.

Hoje, vamos falar sobre os manuais internacionais de doenças mentais (DSM), que apresentam muitos rótulos para doenças que se confundem nos limites, porque os sintomas são parecidos.

Por exemplo, o Transtorno Disruptivo de Desregulação do Humor (TDDH) apresenta sintomas semelhantes ao Transtorno no Espectro do Autismo (TEA), ao Transtorno Bipolar (TBP) e ao Transtorno Opositor Desafiador (TOD).

Assim, são muitos rótulos e muitas “patologias” com sintomas em comum, com critérios diagnósticos que se confundem e com tratamentos medicamentosos semelhantes: estimulantes do sistema nervoso, antipsicóticos e estabilizadores do humor.

Qual é a verdadeira utilidade de separar os comportamentos das crianças em tantas caixas diferentes porém tão parecidas?

Se elas tivessem causas diferentes e bem conhecidas, as quais pudessem ser tratadas diretamente, poderia fazer sentido separá-las. Mas, a medicina ainda não sabe completamente a causa da maior parte dessas “doenças” e estamos, em geral, tratando somente os sintomas, com os mesmos “remédios”.

Algumas “novas” doenças mentais são mais divulgadas que outras, e parecem ser justamente aquelas tratadas com um medicamento caro (ver aqui nossas dúvidas sobre a indústria farmacêutica).

Inclusive, um dos principais autores do artigo de revisão do TDDH, que comentaremos a seguir, é justamente um psiquiatra que tem ligações profissionais com indústrias que produzem o medicamento metilfenidato, utilizado para ajudar a tratar os sintomas de hiperatividade e desatenção. Portanto, poderia haver interesse pessoal dele em promover o tratamento medicamentoso das crianças com este medicamento?

Amanhã continuaremos nossa discussão sobre problemas de comportamento em nossas crianças, abordando o novo diagnóstico denominado TDDH.

 

Dra. Luiza De Oliveira Rodrigues

Dr. Luiz Oswaldo C. Rodrigues

Agradecemos as leituras atentas e sugestões de Fabiana Amélia Reis Pantuzza, Felipe Pantuzza Santana , Maria Helena Rodrigues Vieira, Marcos Vinícius Soares Vieira e Rafael Cosenza.