Algumas pessoas têm perguntado se a equipe médica do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF) tem “conhecimento e expertise” sobre o medicamento selumetinibe (nome comercial Koselugo).

Sim, temos conhecimento sobre os estudos realizados e temos indicado o seu uso em determinadas condições de acordo com os critérios abaixo:

 

QUANDO USAR O SELUMETINIBE? 

 

Devo usar o novo medicamento? Como faço para conseguir o novo medicamento para neurofibromatose? Como devo usar? Quanto custa? 

 

Estas são as perguntas mais frequentes que temos recebido nos últimos meses, desde que o selumetinibe foi aprovado nos Estados Unidos para o tratamento de determinados casos de neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis.

 

Primeiro, você sabe o que é o selumetinibe? 

 

É um medicamento do tipo antineoplásico, que é como um tipo de quimioterapia, da classe dos inibidores de MEK, estudados e usados geralmente para tratar alguns tipos de câncer. 

O selumetinibe é um medicamento de uso por via oral, feito para ser tomado diariamente, que já tem registro no Brasil e bula registrada na Anvisa desde agosto de 2023.

Nós sabemos quanto sofrimento os neurofibromas plexiformes trazem para as pessoas com NF1 e suas famílias.

Por isso, há vários anos, nossa equipe do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais tem estudado profundamente todos os trabalhos científicos que estão sendo publicados sobre o uso do selumetinibe na neurofibromatose tipo 1.

Temos discutido entre nós os resultados encontrados nestes estudos e também com o Dr. Carlos Magno Leprevost, da equipe médica do laboratório fabricante do remédio (AstraZeneca) e com um dos médicos autores da pesquisa que justificou a liberação do medicamento nos Estados Unidos, o Dr. Michael Fisher.

Além disso, participamos do último Congresso Europeu sobre neurofibromatoses agora em dezembro (aqui) e levamos as nossas análises sobre o selumetinibe na forma de dois posters com partes das informações que apresentamos abaixo.

 

RELÓGIO DE CUIDADOS

Nossa resposta para esta importante questão é apresentar publicamente uma série de cuidados que construímos para que cada pessoa (ou sua família) com NF1 possa entender os efeitos esperados do remédio e decidir junto com seu médico ou sua médica e com segurança se deve usar ou não o selumetinibe e durante quanto tempo.

As etapas que cada pessoa ou cada família deve seguir estão explicadas aqui no blog, um passo a cada post (um post por dia), até completarmos os 12 passos.

A partir de amanhã, iremos seguir passo a passo com você para sabermos se você tem tumores semelhantes aos que foram estudados, o que você espera do selumetinibe e o que ele pode oferecer.

Os passos estão resumidos na figura acima, que ilustra o nosso “Relógio de Cuidados“.

 

Passo 1 – Tenho um neurofibroma plexiforme? 

 

Como você sabe que tem um neurofibroma plexiforme?

Geralmente as médicas e os médicos com experiência em neurofibromatoses são capazes de identificar um neurofibroma plexiforme desde os primeiros anos de vida, porque eles são congênitos, quer dizer, se formam desde a vida dentro do útero.

Você pode encontrar neste link mais informações sobre o que são e como aparecem e crescem os neurofibromas plexiformes: https://amanf.org.br/2020/10/como-crescem-os-neurofibromas-plexiformes/

Somente se você tem um neurofibroma plexiforme você deve dar os passos seguintes, pois o selumetinibe está indicado apenas para este tipo de neurofibroma.

Não está indicado para neurofibromas cutâneos, gliomas ou outras manifestações da NF1.

IMPORTANTE

Além de saber se você tem um plexiforme, precisamos avaliar se ele está crescendo ou não e se está produzindo sintomas, como dor ou perda de função.

Nas últimas semanas, meses ou anos, seus neurofibromas plexiformes podem ter estado estáveis quanto ao tamanho e sintomas.

Mas se eles estiverem crescendo rapidamente, endurecendo ou manifestando dor e outros sintomas, pode ser que esteja ocorrendo a transformação maligna do neurofibroma, e então você precisa esclarecer esta questão rapidamente.

 

Então, nosso primeiro passo é afastar a possibilidade de seu plexiforme estar sofrendo transformação maligna.

O selumetinibe não está indicado para neurofibromas com transformação maligna.

Ver aqui mais informações sobre a transformação maligna dos plexiformes: https://amanf.org.br/transformacao-maligna/

 

Além disso, você precisa saber de algumas situações que não permitem você usar selumetinibe, ou seja, se possui algum dos critérios de exclusão abaixo:

  1. Se estiver grávida ou amamentando.

Se você for uma adolescente ou mulher em idade com possibilidade de ficar grávida (ou seja, depois da primeira menstruação), deverá fazer um teste de gravidez e iniciar um método anticoncepcional seguro e eficiente antes de usar o selumetinibe.

    1. Se possuir alguma outra doença clínica importante,como infecções, disfunção cardíaca, pulmonar, hepática ou renal.
    2. Se necessitar de provável cirurgia durante o uso do selumetinibe.
    3. Estiver realizando radioterapia ou quimioterapia.
    4. Não puder realizarexames de imagem para reavaliar o tumor.

 

  • Incapacidade de engolir cápsulas.

Então, se você tem um neurofibroma plexiforme, sintomático e inoperável, e não está sofrendo transformação maligna e você não possui nenhum destes critérios de exclusão citados, vamos dar amanhã o passo seguinte para o uso ou não do selumetinibe.

 

Passo 2 – O que está acontecendo com meu neurofibroma plexiforme? 

É importante você saber que diante de um adulto ou uma criança ou um adolescente com neurofibroma plexiforme, podemos suspeitar que haverá fases de crescimento do tumor, outras de estabilidade e até mesmo fases de redução do tumor, mas não podemos afirmar com certeza o que irá acontecer nos próximos anos.  

Também precisamos saber qual tipo de neurofibroma plexiforme que você possui, porque existem dois tipos, os difusos e os nodulares e eles se comportam de forma diferente de acordo com a idade da pessoa.

Veja aqui mais informações sobre os neurofibromas plexiformes difusos e nodulares: https://amanf.org.br/2020/10/como-crescem-os-neurofibromas-plexiformes/

maioria dos plexiformes apresenta algum crescimento na infância e adolescência, acima do crescimento natural da pessoa, mas os difusos crescem mais rapidamente antes da adolescência e os nodulares depois da adolescência.

Podemos dizer 3 coisas importantes sobre o crescimento dos neurofibromas plexiformes:

  1. Os difusos parecem ter uma biologia diferente dos plexiformes nodulares.
  2. A maioria dos difusos cresce na infância e os nodulares crescem mais tarde.
  3. Muitos plexiformes difusos podem reduzir seu tamanho na vida adulta.

Então, nos últimos meses, o seu plexiforme está crescendo, está do mesmo tamanho ou está diminuindo?

Assim, a sua idade pode ser um fator importante para saber se deve ou não usar o selumetinibe. O estudo que serviu de base para a aprovação nos Estados Unidos foi feito com crianças e adolescentes.

Outra questão importante é se o seu neurofibroma plexiforme está causando ou não problemas para sua vida. O selumetinibe foi aprovado nos Estados Unidos para neurofibromas que estejam causando problemas como deformidade, dor ou perda de função e que não possam ser corrigidos por meio de cirurgia.

Se o seu plexiforme está causando problemas para você, então veja o nosso post de amanhã.

 

Passo 3 – Quais os problemas causados pelo meu neurofibroma plexiforme? 

 

Neste passo, vamos ver os principais problemas e sintomas causados pelos plexiformes que foram tratados com selumetinibe no estudo da Dra. Gross nos Estados Unidos.

Queremos ajudar você a saber o que você pode esperar com o tratamento.

Metade dos plexiformes apresenta uma ou mais das seguintes consequências:

 

  • Deformidades físicas
  • Dor
  • Perda de alguma função

 

A – Se sua queixa principal sobre o plexiforme for a deformidade física, você precisa saber que no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020) (ver aqui) o selumetinibe reduziu o tamanho do tumor de forma duradoura (mais de um ano de uso constante do medicamento) em 1 em cada 2 crianças (ou adolescentes) que usaram o medicamento.

Nenhuma criança apresentou cura, ou seja, o tumor não desapareceu em nenhuma delas.

Esta redução nestas crianças e adolescentes foi entre 30 e 40% do tamanho inicial, quer dizer, se o plexiforme tinha um volume de um litro, por exemplo, o selumetinibe reduziu cerca de 2 copos aproximadamente.

Você precisa então pensar se esta redução de 30% já seria suficiente para melhorar a deformidade causada pelo plexiforme. Se esta redução faria com que você se sentisse mais confortável porque as outras pessoas estariam percebendo menos o seu plexiforme, por exemplo.

Se você acha que a possível redução de 40% do tumor é suficiente para você enfrentar os riscos e custos do medicamento, vá para o passo seguinte (Passo 4).

 

B – Se o problema principal causado pelo plexiforme for a dor, que pode ser muito forte em algumas pessoas, você precisa saber que a redução do tamanho do plexiforme observada com o selumetinibe em metade das crianças e adolescentes não foi relacionada com a melhora da dor.

Nós também temos dúvidas se o estudo da Dra. Gross comparou corretamente a dor nas pessoas que usaram o selumetinibe, pois a dor é um sentimento subjetivo e pode ser afetada pelo simples uso de uma cápsula colorida achando que é um remédio, o que chamamos de efeito placebo.

E a Dra. Gross não comparou o selumetinibe com algum comprimido placebo.

Então, se a dor é sua queixa principal, seria interessante você realizar um tratamento rigoroso para a dor, seguindo a escada analgésica (ver aqui) antes de considerar o uso do selumetinibe

Mas se você já tentou esta escada analgésica e não está funcionando, e tem esperança de que o selumetinibe possa reduzir sua dor, vá para o passo seguinte (Passo 4).

 

C – Por fim, sua queixa principal quanto ao plexiforme pode ser a perda de alguma função. Então vamos ver alguns exemplos das perdas funcionais mais comuns causadas pelos plexiformes.

  1. Se você apresenta perda do movimento de um braço ou uma perna, por exemplo, você precisa saber que estas perdas são causadas precocemente pelo desenvolvimento do plexiforme desde a vida intrauterina e não há evidência de que elas possam ser modificadas pelo uso do selumetinibe.

Talvez seja melhor você investir em outros cuidados para melhorar sua capacidade funcional.

  1. Se você apresenta dificuldade para respirar por obstrução das vias aéreaspor causa do plexiforme, o selumetinibe apresentou redução da compressão da traqueia em alguns casos especiais, permitindo a retirada da traqueostomia, e isto pode ser uma indicação para você experimentar o selumetinibe, então vá para o passo seguinte (Passo 4).
  2. Dificuldade visual por causa de invasão do olho pelo plexiforme, você precisa saber que a presença crônica do plexiforme nas proximidades dos olhos pode realmente obstruir a visão, causar glaucoma (aumento da pressão ocular) ou proptose (deslocamento do globo ocular para fora da órbita). Essas são consequências graves do plexiforme que provavelmente não serão modificadas pelo uso do selumetinibe.

 

Passo 4 – Uma cirurgia poderia corrigir minha queixa principal quanto ao plexiforme? E o remédio?

 

Antes de iniciar o tratamento com selumetinibe você precisa consultar uma cirurgiã ou cirurgião para saber se uma cirurgia poderia resolver sua deformidade, sua dor ou sua perda de função causadas pelo neurofibroma plexiforme.

Você deve saber que somente conseguimos remover completamente os neurofibromas pequenos e superficiais, que geralmente não causam grandes problemas. Os maiores e mais profundos, podem envolver estruturas vitais e assim se tornarem impossíveis de remoção completa.

Se o seu neurofibroma plexiforme não puder ser removido cirurgicamente ou a cirurgia não garantir a solução da sua queixa principal, você pode considerar o uso do selumetinibe.

É preciso lembrar que os resultados possíveis do selumetinibe, de acordo com o estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020), são:

  1. Redução do tamanho do tumor, em cerca de 30 a 40%.
  2. Outros resultados, como redução de dor ou melhora da qualidade de vida, podem ocorrer em uma proporção menor de pessoas,mas não está claro ainda qual o tamanho dessa melhora, quanto tempo ela leva para ocorrer e quanto tempo ela dura.
  3. A redução no tamanho do tumor não se associou, no estudo, a estes outros resultados. Ou seja, reduzir o tumor não necessariamente leva a bons resultados em outras coisas.

Se você não puder realizar a cirurgia e acha que os efeitos possíveis do selumetinibe podem melhorar sua qualidade de vida, siga para o passo seguinte.

 

Passo 5 – Minha qualidade de vida vai melhorar?

 

Qualidade de vida é a soma de diversas coisas: sua capacidade de realizar as tarefas do dia, seu estado psicológico, sua disposição para viver, a ausência de dor ou limitações físicas importantes, a sua autonomia pessoal, além das condições de trabalho, moradia, segurança e perspectiva do futuro.

Ou seja, qualidade de vida envolve diversas avaliações subjetivas sobre nossa vida.

NF1 e os neurofibromas plexiformes podem afetar nossa qualidade de vida de diversas maneiras, como já comentamos acima nas queixas principais (deformidade, dor e perda de função).

A qualidade de vida das crianças e adolescentes com plexiforme foi estudada pela equipe da Dra. Gross e os resultados mostraram que o uso do selumetinibe por cerca de um ano produziu uma pequena variação positiva na qualidade de vida (especialmente na avaliação dos pais), mas não houve dados suficientes para afirmar que isto tenha acontecido de fato.

Eles observaram que as respostas dos voluntários, aos questionários sobre qualidade de vida, mostraram uma melhora entre 6,7 pontos (crianças) e 13 pontos (seus pais) numa escala de 0 a 100 pontos.

Esta melhora com o selumetinibe é bastante próxima aos limites definidos como mínimos (que são de 4 a 6 pontos) pela comunidade científica internacional (ver aqui mais informações sobre esta questão: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3687260/  e aqui https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/14616041/

Além da mudança na qualidade de vida com o selumetinibe estar próxima aos limites mínimos de variação, o estudo não envolveu outro grupo de crianças usando um placebo (mesmo problema para a avaliação da dor, já comentado), fazendo com que os dados não sejam suficientes como prova estatística.

Portanto, você deve considerar que o tratamento com selumetinibe provavelmente não terá um GRANDE efeito sobre sua qualidade de vida.

Mas se você deseja saber mais sobre o que esperar do tratamento com selumetinibe, siga para o próximo passo.

 

Passo 6 – Quais efeitos colaterais posso apresentar com o uso do  selumetinibe?

 

Se você chegou até este passo é porque você provavelmente é uma criança ou adolescente que apresenta um neurofibroma plexiforme, sintomático e inoperável.

Você deve estar sofrendo as complicações do tumor a tal ponto que precisa saber os possíveis efeitos colaterais do selumetinibe, se vale a pena o custo em relação ao benefício.

O trabalho científico da Dra. Gross e colaboradores (NEJM, 2020), que justificou a aprovação do selumetinibe nos Estados Unidos, relatou que 1 em cada 4 crianças teve efeitos colaterais intensos o suficiente para obrigar a redução da dose do medicamento e 1 em cada 10 crianças teve que suspender definitivamente o tratamento por causa de sua toxicidade.

É importante salientar que a redução da dose ou a suspensão do tratamento podem levar à perda da resposta inicial ao remédio e o tumor pode voltar a crescer.

Então, vamos saber o que os inibidores de MEK, como o selumetinibe, podem causar no seu organismo .

Outro trabalho científico (para ver o artigo original em inglês  CLIQUE AQUI ) analisou os efeitos colaterais destes medicamentos e a Dra. Laura Klesse e colaboradores (2020) usaram uma graduação da gravidade dos efeitos colaterais, uma tabela usada para avaliar os tratamentos de pessoas que têm tumores malignos (câncer), ou seja, para doenças potencialmente mortais (o que geralmente não é o caso dos neurofibromas plexiformes).

Os resultados mostraram que o uso do selumetinibe causou os seguintes efeitos colaterais mais comuns (graus 1 a 2):

 

  • Disfunção cardíaca em 4 de cada 10 crianças
  • Diarreia crônica em 1 em cada 2 crianças
  • Fadiga (cansaço) em 1 em cada 2 crianças
  • Náusea ou vômitos em 1 em cada 2 crianças
  • Infecções nas unhas e pele das mãos e pés em 4 em cada 10 crianças
  • Acne (espinhas) em 6 em cada 10 crianças

 

Assim, se você usar o selumetinibe, terá uma chance grande de apresentar uma ou mais de uma destas complicações.

Sabendo que os efeitos colaterais podem acontecer, é preciso que você tenha um sistema de supervisão e comunicação permanente e direto com a equipe médica, para que ela possa reduzir ou corrigir estas possíveis complicações.

No passo seguinte veremos como deve ser feita a supervisão médica.

 

 

Passo 7 – Preciso de supervisão médica para usar o selumetinibe? 

 

Se você chegou até este passo é porque você provavelmente é uma criança ou adolescente (ou os seus familiares) que apresenta um neurofibroma plexiforme, que deve estar sofrendo as complicações do tumor a tal ponto que, depois de informada (o) no post anterior, seria capaz de tolerar os efeitos colaterais do selumetinibe.

Para isso, você precisa ter a garantia de que a equipe médica e alguns exames complementares estarão disponíveis, no tempo necessário, pelo Sistema Único de Saúde (ou autorizados pelo seu convênio durante o seu tratamento), ou você terá recursos financeiros próprios para arcar com estas despesas.

Este sistema de proteção deve funcionar da seguinte forma:

  1. A equipe médica deve realizar em você exames clínicos periódicos (ver post de amanhã).
  2. Alguns exames complementares podem ser necessários (por exemplo, ecocardiograma para avaliar a disfunção cardíaca).
  3. Pode ser preciso utilizar outros medicamentos para tratar as complicações (por exemplo as náuseas, diarreias e vômitos).
  4. A equipe médica pode precisar ajustar a dose do selumetinibe.
  5. Você e a equipe médica podem decidir interromper o tratamento por causa dos efeitos tóxicos.

Se você considera que pode contar com a supervisão médica durante o tratamento e poderia suportar estes efeitos colaterais para tentar resolver sua queixa principal em relação ao seu neurofibroma plexiforme, então vá para o passo seguinte.

 

Passo 8 – Como devem ser as reavaliações periódicas?

 

Se você chegou até aqui e continua achando que vale a pena usar o selumetinibe, precisa planejar algumas medidas que devem ser tomadas a partir do início do tratamento, para saber se está funcionando ou não para atender os objetivos que você definiu como importantes.

Novamente, vamos recorrer ao estudo da Dra. Gross, que mostrou que a redução do volume do tumor aconteceu a partir de cerca de 8 meses de tratamento e o melhor resultado foi obtido em até 16 meses.

Portanto, além das avaliações médicas necessárias caso ocorra algum efeito adverso, é preciso agendar reavaliações periódicas com a equipe médica para saber como está a evolução dos principais sintomas que motivaram o uso do selumetinibe.

Baseados no estudo da pesquisa da Dra. Gross (página 112 do Protocolo de Pesquisa), seriam necessárias reavaliações antes e durante o tratamento da seguinte forma:

  1. Exame médico completo(incluindo dados de peso, estatura, etc.)

Antes de iniciar o tratamento

A seguir semanal, nos dois primeiros meses

Depois a cada dois meses até 19 meses

Depois a cada seis meses

    1. Exame de sangue(repetir a cada mês no primeiro ano e depois a cada seis meses)
      1. Hemograma completo (repetir a cada mês)
      2. Eletrólitos (sódio, potássio, cloreto), CO2, cálcio, fósforo, magnésio, creatinina, uréia, glicemia, ALT, bilirrubina, proteínas totais e fracionadas, CPK)
    2. Exame de urina, incluindo o teste de gravidez (72 horas antes do início do selumetinibe) (repetir a cada mês no primeiro ano e depois a cada seis meses)

 

  • Eletrocardiograma e Ecocardiograma 

 

Antes de iniciar o tratamento

Com 3, 6 e 11 meses

Depois, a cada seis meses

  1. Ressonância magnética tridimensional (a Dra. Gross e equipe informam que apenas a  é capaz de perceber as diferenças no tamanho do tumor com a medicação)

Antes de iniciar o tratamento

Com 8 meses e 16 meses

Depois a cada seis meses

 

  • Exame oftalmológico

 

Antes de iniciar o tratamento

Com 8 meses e 16 meses

Depois a cada seis meses

É preciso lembrar que infelizmente ainda temos muita dificuldade para fazer estes exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Além disso, precisamos considerar a necessidade de sedação e seus riscos em crianças para a realização de alguns destes exames. 

Se você dispõe dos recursos (técnicos, financeiros e institucionais) para realizar estas reavaliações periódicas, vamos em frente.

 

Passo 9 – Critérios para interrupção do selumetinibe.

 

Se você já considerou todas as questões nos passos anteriores e acha que deve usar o selumetinibe, vamos dar o passo seguinte, que é saber quais são os critérios para interrupção do tratamento, baseados naqueles utilizados no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020).

O tratamento com o selumetinibe deverá ser interrompido por três grupos de motivos:

  1. A) Antes do início do tratamentocom selumetinibe era um neurofibroma plexiforme que estava crescendo (mais de 20% nos últimos 15 meses) e continuou a crescer durante o tratamento. 

O estudo da Dra. Gross e colaboradores mostrou que a suspensão completa do tratamento estava indicada se houvesse progressão (ou seja, aumento do tumor) nos ciclos 5, 9, 13, 17, 21, 25 e depois a cada 6 meses (cada ciclo de tratamento dura cerca de um mês).

  1. B) Era um neurofibroma plexiforme que não estava crescendo antes de iniciar o selumetinibe, mas não apresentou redução até dois anos de tratamento.
  2. C) Outros critérios para descontinuidade do tratamentopara pacientes com e sem progressão:
  • Administrativos(recusa do paciente, no interesse do paciente segundo seu médico, violação do protocolo, não adesão às normas)
  • Toxicidade(que não seja resolvida por redução da dose em 21 dias, ou apareça após suspensão da droga e nova tentativa)
  • Evidência de progressãodos três neurofibromas plexiformes mais importantes, seja por indicadores clínicos ou pela ressonância magnética em 3D (nos ciclos 6,11 e a cada 6 ciclos).
  • Até duas reduções de dose podem ser consideradasse houver efeitos adversos grau 3 ou mais segundo o NCI Common Terminology Criteria for Adverse Effects abaixo apresentados:
    • Elevação de certas enzimas no plasma (transaminases)
    • Baixa de alguns minerais e eletrólitos no sangue (hipofosfatemia, hipokalemia, hipocalcemia ou hipomagnesemia corrigidas com suplementação)
    • Manchas vermelhas com coceira no corpo (rash cutâneo) controlável com terapia adequada.
    • Elevação de uma enzima chamada creatinofosfoquinase (CPK), mesmo que seja assintomática
    • Toxicidade gastrintestinal (diarreia, náusea, vômitos) controlável
    • Catarata (opacidade do cristalino)
    • Ganho de peso maior 20% avaliado caso a caso, considerando a possibilidade de estar ocorrendo retenção de líquidos (edema).
    • Toxicidade cardíaca (redução da função ventricular)
    • Obstrução urinária
    • Descolamento da retina ou trombose venosa da retina
    • Pneumonite

Se você se sente devidamente informada (o) sobre quando deve parar o tratamento com o selumetinibe, siga adiante no próximo passo.

Passo 10 – Definição da duração do tratamento

 

Este é um passo importante, pois você deve estar se perguntando por quanto tempo deve usar o medicamento selumetinibe, caso ele produza uma redução de 30 a 40% do volume do seu neurofibroma plexiforme ou melhore sua dor ou sua disfunção.

Infelizmente, não sabemos ainda esta resposta, pois no estudo da Dra. Gross e colaboradores (2020) as pessoas com plexiformes que responderam ao selumetinbe continuaram em uso por tempo indeterminado.

Algumas pessoas que estavam observando redução do plexiforme e tiveram que suspender a medicação por algum motivo, apresentaram volta do crescimento do tumor. Assim parece que o medicamento teria que ser usado continuamente para sustentar os efeitos positivos observados.

Por outro lado, ainda não sabemos os efeitos do uso prolongado do selumetinibe sobre alguns aspectos importantes da vida das pessoas:

  1. Qual o impacto do selumetinibe noaprendizado, na função cognitiva, na inteligência?
  2. Qual a chance do selumetinibe produzir alterações no crescimento, no desenvolvimento sexual e na fertilidade?
  3. Qual a chance do selumetinibe propiciar o aparecimento de doenças malignas?

Em conclusão, aguardamos novos estudos científicos para podermos responder estas questões com segurança.

 

Passo 11 –  Quanto custa o tratamento com selumetinibe? 

 

Se você chegou até aqui é porque está considerando seriamente o uso do selumetinibe para tratar seu neurofibroma plexiforme sintomático e inoperável, apesar das incertezas e riscos que foram apresentados nos passos anteriores.

Então você deseja saber o preço, ou seja, o custo financeiro do medicamento.

O preço pela CMED, R$ 92.761,64 para 25mg com 60 comprimidos = 61,84 reais por mg de selumetinibe.

Como definimos anteriormente, a duração do tratamento não seria inferior a 12 meses, a não ser que houvesse algum efeito colateral que obrigasse a suspensão da droga, ou o plexiforme voltasse a crescer mesmo com a medicação, o que aconteceu com cerca de metade daqueles que iniciaram o tratamento no estudo da Dra. Gross.

Assim, teríamos um custo de cerca de 600 mil reais a um milhão e duzentos mil reais por pessoa, por ano de tratamento. Este custo, portanto, provavelmente é muito caro para o benefício limitado que o medicamento traria para a sociedade brasileira como um todo.

Algumas análises mostraram que o selumetinibe não é custo-efetivo (ver aqui análise NICE no Reino Unido e aqui a análise CADTH no Canadá, países com saúde pública como nós), ou seja, do ponto de vista de saúde pública, não seria sustentável recomendar o medicamento. E o selumetinibe só foi aprovado nestes países porque o fabricante concordou em reduzir seu custo (o que não aconteceu aqui no Brasil).

Além disso, há uma série de procedimentos clínicos (ver no passo 8 as reavaliações periódicas) e protocolos que precisam ser seguidos para o acompanhamento dos pacientes durante seu uso, que também envolve custos financeiros. 

Talvez esses custos do próprio medicamento e dos adicionais (relacionados ao protocolo de cuidados necessários e ao manejo dos eventos adversos) sejam insustentáveis para o Sistema Único de Saúde e para os Planos de Saúde.

 

Aqui terminamos nossos passos no Relógio de Cuidados que propomos para as pessoas que consideram a possibilidade de usarem o selumetinibe.

Nós do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais estamos comprometidos com nossos pacientes.

Portanto, se a ANVISA, a CONITEC e o Sistema Único de Saúde aprovarem o uso do selumetinibe para neurofibromas plexiformes sintomáticos e inoperáveis, nós faremos todo o esforço possível para criarmos as condições no Hospital das Clínicas para podermos cumprir este relógio de cuidados com cada pessoa com NF1 que nos procurar.

Belo Horizonte, 24 de dezembro de 2020 – atualizado em 20/1/2024

 

Nota final – Como calculamos o preço do selumetinibe?

Realizamos uma estimativa do custo do selumetinibe a partir de dados de outros países, pois ainda não temos seu preço fixado no Brasil.

  1. Considerando que a dose recomendada do medicamento foi de 25 mg por metro quadrado de superfície corporal duas vezes por dia, em ciclos de 28 dias;
  2. Considerando que a idade mediana das crianças incluídas foi de 10,2 anos; portanto, pode ser estimada uma superfície corporal mediana inicial de 1,171 m2 (meninos), crescendo até o final do estudo para 1,43 m2 e podendo chegar numa pessoa de 20 anos a 1,87 m2;
  3. Considerando que o preço mais baixo (em busca online, em sites dos EUA) foi de cerca de US$ 8.680,00 por caixa com 120 comprimidos de 10 mg = US$ 7,23 dólares por mg;
  4. Considerando que a conversão do dólar para reais seria de 5,4;
  5. Podemos estimar o custo mediano mensal do medicamento (ver tabela abaixo), que pode variar de cerca de 50 mil reais (para uma criança de 10 anos) a cerca de 100 mil reais (para um adulto de 20 anos) por mês.

Ver abaixo planilha com cálculo do custo do selumetinibe em termos médios.

Idade área SC

a partir de peso e altura (DuBois)

dose/m2 dose diária mg dias de uso preço U$/mg valor U$ custo mensal

R$

custo anual

R$

menina 10,2 anos (início) 0,914 25 45,7 28 7,23 5,4 49.969,13 599.629,62
menino 10,2 anos (inicio) 0,932 25 46,6 28 7,23 5,4 50.962,90 611.554,79
menina (13,4 anos) final 1,469 25 73,4 28 7,23 5,4 80.272,51 963.270,15
menino (13,4 anos) final 1,475 25 73,8 28 7,23 5,4 80.638,22 967.658,63
adulto feminino  1,621 25 81,0 28 7,23 5,4 88.576,67 1.062.919,99
adulto masculino 1,875 25 93,7 28 7,23 5,4 102.468,84 1.229.626,12

Qual seria o impacto deste medicamento sobre o Sistema Único de Saúde? 

  1. Considerando que dentre a população brasileira estimada com NF1 (cerca de 80 mil pessoas) haveria um grupo de 10% da população com plexiformes sintomáticos e inoperáveis (ou seja, 8 mil pessoas potencialmente usuárias do selumetinibe);
  2. Considerando que o custo médio mensal seria de cerca de 80 mil reais (entre 50 e 100 mil reais como calculado acima);
  3. Teríamos o custo estimado para o SUS de 640 milhões de reais por mês.
  4. Considerando que o tempo mediano de tratamento para metade dos voluntários que sustentaram o efeito do medicamento foi de 3,2 anos no  estudo da Dra. Gross e col. 2020;
  5. Teríamos o custo total de cerca de 11 bilhões de reais para o tratamento de metade das pessoas com plexiformes sintomáticos e inoperáveis por três anos.

 

 

 

Telemedicina para pessoas com neurofibromatoses

Relato da experiência durante a pandemia de COVID (2020 – 2022) [1]

 

 

Dr. Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (Dr. Lor)

Médico e Diretor Administrativo da Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Neurofibromatose (AMANF) – Gestão 2022-2026

 

Nos seus primeiros meses, a pandemia de COVID interrompeu o atendimento médico no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (CRNF), localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, que vinha ocorrendo desde 2004 [2]. A solução para atender à grande demanda por atendimento foram as consultas por videoconferência, a chamada telemedicina, que passei a realizar alguns dias por semana, e que resultou no atendimento de cerca de 600 famílias, entre novas consultas e retornos.

A análise desta experiência, aparentemente inédita, pelo menos no Brasil, fornece alguns dados sobre a utilidade ou não da telemedicina para as pessoas com neurofibromatoses (ver aqui mais informações sobre as características clínicas deste grupo de doenças genéticas que apresentam em comum manifestações cutâneas e neurológicas).

Para tornar estas informações mais objetivas, revi os prontuários de 130 pessoas (27%) escolhidas de forma aleatória entre 478 novos atendimentos, mantendo o anonimato e privacidade das pessoas atendidas.

Na Parte 1 estão os principais resultados e, para quem desejar mais informações, na Parte 2 estão mais detalhes sobre como as consultas eram realizadas.

 

Parte 1

 

Fatores favoráveis

A principal vantagem das teleconsultas foi oferecer o atendimento médico parcial – sem exame físico – durante a pandemia, contornando as dificuldades impostas pelo isolamento social que foi necessário para conter a propagação da doença e das mortes enquanto não havia vacinas.

Este atendimento permitiu o esclarecimento diagnóstico e orientações para exames e tratamentos para (69%) das pessoas, provisoriamente, até o fim do distanciamento social.

No entanto, em 31% das vezes, as limitações do atendimento virtual (ver adiante) impediram a orientação clínica segura, exigindo um exame médico presencial.

Por meio da telemedicina foi possível atender pessoas residentes em outros estados brasileiros (71%) ou em locais distantes (ver mapa) sem condições econômicas para realizarem a viagem até o CRNF (39% das pessoas relataram renda mensal de zero a menos de 2 salários-mínimos).

Também foram atendidas algumas famílias – principalmente brasileiras emigrantes – em outros países: Argentina, Bulgária, Canadá, Estados Unidos, Hungria, Indonésia, Itália, Japão, Nigéria, Portugal e Rússia.

As consultas foram realizadas sem qualquer custo financeiro por parte das famílias, uma vez que elas foram vinculadas à agenda do CRNF, onde os atendimentos são realizados pelo Sistema Único de Saúde.

Outra característica do atendimento online foi a oportunidade de conhecer brevemente a intimidade das casas das pessoas atendidas, invertendo o padrão habitual, no qual os pacientes comparecem ao consultório. Este tipo de contato permitiu uma compreensão melhor do ambiente familiar, o que me parece ter ajudado na orientação de algumas condutas clínicas.

As teleconsultas permitiram a emissão de laudos técnicos para a maioria das pessoas (95%), os quais eram encaminhados a médicas e médicos locais ou a instituições de saúde ou previdência social. Aparentemente, estes laudos foram úteis para a orientação clínica à distância e obtenção de benefícios legais, incluindo as declarações de necessidades especiais.

Finalmente, as teleconsultas permitiram o aconselhamento genético para 70% das pessoas atendidas, as quais ainda não possuíam informações seguras sobre a hereditariedade das NF.

 

NF1

Na maioria das pessoas (92%) realizamos o diagnóstico de neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e o atendimento online parece ter sido útil para aquelas que apresentavam as formas menos graves da doença, pois suas principais demandas eram esclarecimento diagnóstico (38%), orientações gerais e laudos técnicos.

As pessoas com as formas mais graves da NF1, que apresentavam demandas como dor, problemas neurológicos, suspeita de transformação maligna etc., geralmente não puderam ser avaliadas com segurança por videoconferência e exigiram novos exames clínicos presenciais (31%) para orientação adequada.

 

Schwannomatoses

As pessoas com Schwannomatoses (ligadas ao gene NF2 ou ao gene SMARCB1 ou ao gene LZTR1) corresponderam a 5,6% dos atendimentos.  Ao contrário das pessoas com NF1, todas elas apresentavam problemas complexos que não puderam ser avaliados de forma segura por telemedicina, exigindo novo exame médico presencial ou o acompanhamento da teleconsultas por uma (o) colega médica (o) presente no local durante a videoconferência.

 

Fatores desfavoráveis

 

Sem dúvida, a principal desvantagem da teleconsulta é a impossibilidade do contato pessoal, que deve acontecer no atendimento presencial. O distanciamento físico na internet dificulta o relacionamento humano e o estabelecimento da confiança entre as pessoas, o que é fundamental para a orientação médica segura, especialmente quando envolve decisões delicadas e de risco.

A falta do exame físico (toque, ausculta, palpação, percussão, medidas neurológicas etc.) reduziu a observação clínica a uma inspeção visual por meio da câmera. Esta limitação da consulta online parece-me insuperável nos casos em que há outras manifestações clínicas (tumores, displasias, déficits neurológicos etc.), além das manchas café com leite e efélides.

Os problemas técnicos com o atendimento online limitaram em algum grau cerca de 30% das consultas e impediram totalmente cerca de 10% dos atendimentos. A maioria destes casos aconteceu em famílias de baixa ou nenhuma renda. Além da internet insuficiente e telefones celulares antigos, muitas pessoas não tinham habilitação digital suficiente para manter a conversação inteligível.

Solicitei pedidos de painel para os genes NF (NF1, NF2 e SPRED1) em 27% dos atendimentos, o que indica um aumento em relação à taxa habitual de cerca de 5% nas consultas presenciais no CRNF. Este aumento de exame genético provavelmente decorre da minha insegurança em geral com o atendimento online.

 

Conclusão

Minha experiência de telemedicina, provocada pela pandemia de COVID, mostrou que este tipo de atendimento para pessoas com neurofibromatoses pode ser útil em determinadas situações, mas apresenta limitações importantes.

Diante disso, penso que a teleconsulta para pessoas com NF deva ser realizada apenas quando o atendimento presencial não for possível ou, no máximo, como pré-consulta, enquanto se aguarda um atendimento presencial.

 

 

Parte 2 – Como as consultas eram realizadas

 

Agendamento

A maior parte da procura por consultas (66%) ocorreu após uma visita na página da AMANF ou a partir conhecimento do CRNF (14%). As demais procuras foram por indicações de profissionais da saúde e grupos de WhatsApp.

O contato inicial foi feito a partir de meu e-mail pessoal até que conseguimos um telefone da AMANF  ou WhatsApp (31 99074 3011) e em seguida pelas secretárias da AMANF (Josiane Nery e Giorgete Viana).

Foi criada uma agenda por ordem de chegada e links para videoconferência para as 2 ou 3 consultas por dia, com uma hora de duração na plataforma Google Meeting, em 3 dias da semana, links estes que eram enviados por e-mail para as pessoas interessadas.

A maior parte dos atendimentos que realizei ocorreu nos dois primeiros anos da pandemia, quando não havia ainda a resolução do Conselho Federal de Medicina para telemedicina.

As consultas foram atendidas sem qualquer custo financeiro por parte das famílias, uma vez que elas foram vinculadas ao CRNF, onde os atendimentos são realizados pelo Sistema Único de Saúde.

 

Características das pessoas atendidas

Apresento, a seguir, algumas informações recolhidas dos prontuários de 130 pessoas escolhidas de forma aleatória (27%) dentre 478 novos atendimentos, mantendo o anonimato e privacidade das pessoas atendidas.

História familiar

Nesta amostra, que pode ser representativa dos demais atendimentos por telemedicina que realizei, observa-se que 25% das pessoas atendidas possuía um parente de primeiro grau com NF1.

Sabendo que em metade das famílias a NF1 ocorre como resultado de variantes herdadas, este dado acima sugere que a procura por telemedicina ocorreu mais frequentemente entre famílias com variantes novas do que naquelas nas quais o diagnóstico já era conhecido. Se isto for verdade, este dado parece coerente com a demanda principal da telemedicina por diagnóstico de variantes novas e em pessoas com formas menos graves.

Idade

A idade da população atendida foi de 9 anos (mediana), ou seja, basicamente crianças (56% do sexo feminino), cujas consultas foram agendadas geralmente por suas mães (que, por sua vez, tinham a mediana de idade de 41 anos). O pai destas crianças raramente estava presente à consulta.

Esta ausência paterna (masculina) tem sido observada também nos atendimentos presenciais no CRNF, provavelmente decorrente da estrutura patriarcal de nossa sociedade, que delega o cuidado da saúde da família às mulheres.

Renda

A renda das famílias atendidas foi próxima a 3 salários-mínimos (mediana) e variou de 0 a mais de 40. Cerca de 40% das famílias atendidas possuía renda inferior a 2 salários-mínimos.

Estes dados refletem a desigualdade social em nosso país e indicam que a condição econômica de grande parte das pessoas com NF faz com que elas dependam exclusivamente do SUS para os cuidados com a sua saúde.

Além disso, minha impressão atual é de que a baixa renda atrasa os diagnósticos e impede tratamentos complementares, aumentando a gravidade das manifestações e complicações das doenças.

Raça autodeclarada

A maioria das pessoas atendidas se declarou parda, embora muitas delas não soubessem responder à pergunta “qual é sua raça autodeclarada?” Algumas vezes, percebi desconhecimento e/ou desconforto com este assunto, provocando respostas do tipo: “como assim?” “ah, sei lá!”, “põe aí: moreninha”, “queimada de sol”, “mulata” e outras designações imprecisas.

Esta postura parece-me decorrente do racismo estrutural existente em nosso país, que dificulta a compreensão do significado social de raça e cor da pele.

Escolaridade

A faixa etária mediana (9 anos) das pessoas atendidas indica que a maioria ainda não havia frequentado escolas ou creches ou cursava os primeiros anos do ensino fundamental.

Vacinas

É importante registrar que mesmo estando numa epidemia que resultou em mais de 700 mil mortes no Brasil, apenas 67% das pessoas atendidas se declaram vacinadas contra a COVID – depois que as vacinas estavam disponíveis. As não-vacinadas alegaram desconfiança na “pressa” com que as vacinas foram oferecidas e em outras informações confusas e falsas disseminadas por negacionistas.

 

Motivos para as consultas

Os principais problemas mencionados para a realização das consultas estão apresentados na tabela abaixo e uma mesma pessoa podia apresentar mais de um motivo.

Tabela 1 – Motivos para as consultas

Diagnóstico e informações sobre NF1 38%
Dificuldades cognitivas 56%
Desatenção e hiperatividade 33%
Transtorno no Espectro do Autismo 24%
Tratamento para neurofibromas:
cutâneos e subcutâneos 34%
nodulares 40%
plexiformes (*) 34%
Gliomas 19%
Escolioses 12%

(*) Destes, 2% em busca especificamente do quimioterápico selumetinibe.

 

Esta tabela demonstra que os problemas comportamentais e cognitivos são tão frequentes e importantes quanto os tumores nas pessoas com NF1.

Diante da grande demanda, fica evidente o quanto ainda precisamos de tratamentos efetivos para os diversos problemas causados pelas NF.

 

Perguntas, dúvidas e sugestões para completarmos esta análise serão bem vindas.

Enviar para rodrigues.loc@gmail.com

Grato

Dr. Lor

 

[1] Agradeço as leituras atentas e sugestões dos médicos Bruno CL Cota e Nilton A de Rezende.

[2] O atendimento médico no CRNF foi iniciado em 2004 pelos médicos e professores da UFMG Nilton Alves de Rezende e Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e, a partir de 2018, também pelo médico do HC Bruno Cezar Lage Cota. A partir de 2021, o CRNF passou a ser coordenado pela médica e professora de pediatria da UFMG Juliana Ferreira de Souza.

Apresentei aqui neste blog a história de uma pessoa que queria ser cientista para ajudar seu irmão com NF1. Clique aqui para saber mais detalhes: https://amanf.org.br/2022/07/como-descobrir-a-cura-para-nf/

Agora, estou de volta com a história de Daniel Maier, um estudante de medicina que vem divulgando a neurofibromatose no sul do Brasil.

Vejam abaixo que vídeo lindo, mais uma demonstração do amor fraterno que nos move em direção a um mundo melhor.

 

 

 

 

 

Leitoras e leitores têm perguntado se as pessoas com neurofibromatoses podem usar o CORDÃO GIRASSOL que indica o portador como alguém que tem necessidades especiais, mas que não são evidentes (baixa audição, por exemplo).

O Cordão de Girassol é, além de um acessório, um símbolo utilizado para identificar e auxiliar pessoas com deficiências ocultas. Geralmente, ele é composto por uma faixa verde estampada com vários girassóis.

Para responder esta pergunta consultei a Dra. Luciana Imaculada de Paula, Promotora de Justiça do Estado de Minas Gerais, que respondeu da seguinte forma:

“Entendo que sim, desde que a pessoa com NF possua algum impedimento de longo prazo, de natureza mental, intelectual ou sensorial, que possa impossibilitar sua participação plena e efetiva na sociedade quando em igualdade de condições com as demais pessoas (Ver o terceiro artigo da Lei que reproduzimos abaixo)”.

Ouvimos também o Dr. Renato Penido, advogado que tem contribuído frequentemente com a AMANF, que disse:

“Como houve a inclusão dos portadores de NF, pela lei estadual 21.459/14, no conceito de pessoa portadora de deficiência (art. 1º da lei estadual nº 13.465/0), acredito ser plenamente possível que o paciente tenha direito ao cordão girassol. Se houver recusa no fornecimento pelo Estado, essa deve ser fundamentada, a fim de que o paciente apresente recurso”.

Agradeço mais uma vez a colaboração carinhosa da Dra. Luciana e do Dr. Renato.

Lor

 

LEI Nº 11.444, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2022

Dispõe sobre a utilização do cordão de girassol como símbolo para a identificação da pessoa com deficiência oculta no Município e dá outras providências.

O Povo do Município de Belo Horizonte, por seus representantes, decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º – A utilização do cordão de girassol torna-se símbolo para a identificação da pessoa com deficiência oculta no Município.

Art. 2º – O cordão de girassol de que trata o art. 1° desta lei deverá ser da cor verde, estampado de girassóis da cor amarela e seguir o modelo contido no Anexo Único desta lei.

Art. 3º – Para os efeitos desta lei, entende-se por pessoa com deficiência oculta aquela que possui impedimento de longo prazo, de natureza mental, intelectual ou sensorial, que possa impossibilitar sua participação plena e efetiva na sociedade quando em igualdade de condições com as demais pessoas.

Art. 4º – Por meio do uso do cordão de girassol, a pessoa com deficiência oculta terá assegurados os direitos a atenção especial e a atendimento prioritário e humanizado.

  • 1º – Para os efeitos do disposto no caput deste artigo, as repartições públicas, as empresas prestadoras de serviços públicos e os estabelecimentos privados deverão oferecer atendimento prioritário e serviços individualizados que assegurem tratamento diferenciado e imediato à pessoa com deficiência oculta que esteja portando o cordão de girassol.
  • 2º – Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, entende-se por estabelecimentos privados:

I – supermercados;

II – bancos;

III – farmácias;

IV – bares;

V – restaurantes;

VI – lojas em geral;

VII – demais estabelecimentos que exerçam atividades similares às dos elencados por este § 2º.

  • 3º – A utilização do cordão de girassol não dispensa a apresentação de documento comprobatório da deficiência oculta, caso seja solicitado.

Art. 5º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Belo Horizonte, 30 de dezembro de 2022.

Fuad Noman

Prefeito de Belo Horizonte

(Originária do Projeto de Lei nº 240/21, de autoria das vereadoras Nely Aquino, Flávia Borja e Professora Marli, e do vereador Marcos Crispim)

 

ANEXO ÚNICO

Modelo do cordão de girassol.

 

 

Minha filha AC, de 9 anos, já atendida no CRNF, tem neurofibromatose do tipo 1 (NF1) e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Por causa da irritabilidade acentuada e agressividade um neurologista sugeriu risperidona. Ela não apresenta dificuldade em aprender, já sabe ler desde os 6 anos, mas não quer estudar, porque acha tedioso e só quer brincar. Quando tem foco em algo que gosta é impressionante a rapidez com que aprende. Pode me orientar? M.I, de João Pessoa.

Cara M.I., obrigado pelo seu relato, que abriu uma oportunidade para falarmos sobre algo muito importante: a autonomia das crianças.

Antes, quero lembrar que muitas crianças com NF1 apresentam TDAH e alguma agressividade. A AMANF acaba de publicar uma cartilha com orientações para mães, pais, educadoras e educadores de crianças com NF1 e problemas de comportamento. Clique aqui para obter a cartilha.

Antes de qualquer medicação, acho que todas as pessoas cuidadoras de sua filha devem tentar seguir a nossa cartilha por algumas semanas ou meses.

Se, ao final, a cartilha não for suficiente para melhorar a qualidade de vida de vocês, então os medicamentos podem ser pensados.

Quando há hiperatividade, o medicamento metilfenidato pode ser uma opção ( prescrita pela neurologia) a ser experimentada com a finalidade de diminuir a impulsividade – ações realizadas de forma impensada e às vezes contra a vontade consciente da pessoa. A impulsividade gera ansiedade que contribui para a irritabilidade e, como consequência, para aumentar a agressividade.

Quando não há hiperatividade, mas apenas desatenção, ainda não estou convencido de que o metilfenidato seja eficiente nas crianças com NF1.

Se houver hiperatividade e mesmo com o uso do metilfenidato ainda persistir a agressividade, pode ser experimentada a risperidona sob a orientação da psiquiatria psiquiatra infantil ou neurologia infantil.

 

Mas vamos pensar numa coisa importante, que você falou: sua filha aprende rapidamente quando quer.

 Acho que ela tem razão.

 Acho que todos nós aprendemos de fato somente aquilo que nos interessa.

E talvez qualquer pessoa fique irritada e agressiva se for obrigada a fazer coisas que não deseja, não é?

Há cerca de 50 anos, fiquei impressionado por um experimento educacional famoso na Inglaterra, chamado Summerhill, que deu origem às escolas democráticas, no qual as crianças podiam escolher quando brincar ou estudar. Mesmo as crianças com problemas comportamentais (a maioria naquele colégio especial) acabavam aprendendo aquilo que precisavam para seguirem suas vidas com autonomia quando adultas.

Clique aqui para conhecer mais sobre as escolas democráticas inspiradas em Summerhill.

Talvez a escola convencional atual seja mesmo muito entediante para crianças com hiperatividade.

Talvez possamos ajudar as crianças a se encontrarem e a realizarem seus desejos e sua formação humana por meio de brincadeiras criativas.

Brincar é o jeito mais alegre e eficiente de aprender sobre tudo: sobre o mundo, sobre as pessoas e sobre os afetos. Sobre como viver.

 

Eu, no lugar da sua filha, gostaria de estar numa escola onde brincar fosse levado muito a sério.

Vamos ouvir o que sua filha quer fazer?

Dr. Lor

 

 

 

Amigas e amigos da AMANF,

Estamos encerrando o ano em que nossa AMANF completou 20 anos de existência e nos preparando para um novo ano de atividades.

Neste ano que passou, enfrentamos diversas dificuldades, como a continuidade da pandemia de COVID, a falta de recursos financeiros para a saúde reduzidos no governo Bolsonaro e a agressividade política do ano eleitoral.

Apesar destas barreiras para o nosso trabalho, atendemos a centenas de pessoas presencialmente no ambulatório do Hospital das Clínicas e por meio de videoconferência. Isto foi possível por causa da dedicação da Dra. Juliana Souza e do Dr. Bruno Cota, agora contratados pela Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Hospital das Clínicas.

Na retaguarda fundamental dos atendimentos clínicos, contamos com os apoios do Dr. José Renan (nosso querido cirurgião que tem enfrentado tantos casos complexos e desafiadores), Dr. Renato Viana (nosso dedicado ortopedista) e Dr. Renato Penido (nosso advogado indispensável).

Além disso, passamos a ter o trabalho da secretária Josiane Rezende, contratada com os recursos da AMANF, que centralizou de forma eficiente a nossa agenda e facilitou nosso atendimento clínico e a comunicação com a comunidade NF.

Como você sabe, todos os recursos financeiros da AMANF nos chegam por meio de doações, que são feitas por pessoas generosas, que, felizmente aumentaram em número neste ano de 2022.

Graças a estas pessoas solidárias, conseguimos dar continuidade a pelo menos um projeto de pesquisa, a tese de doutorado do Dr. Bruno Cota, que estuda os benefícios possíveis do treinamento musical em adolescentes com Neurofibromatose do Tipo 1. A tese deve ser concluída em 2023.

Com os recursos das doações também foi possível oferecermos sete bolsas de iniciação científica a estudantes de graduação em fonoaudiologia, enfermagem, medicina e psicologia: Bruna Pereira, Gabriela Poluceno, Maila Araújo, Marina Corgosinho, Thais Andreza, Vitória Perlin e Julia Lemes, todas elas ligadas ao projeto científico do Dr. Bruno Cota.

Milhares de reais dos recursos financeiros da AMANF também foram utilizados para realização de exames, transporte para tratamento e medicamentos para pessoas em estado de pobreza e vulnerabilidade social. Esta é uma das funções importantes de nossa Associação, especialmente diante do empobrecimento agravado que aconteceu no país nos últimos anos.

Além disso, tivemos a construção de protocolos médicos no Centro de Referência em Neurofibromatoses, graças às iniciativas e empenho científico da Dra. Luíza de Oliveira Rodrigues, que também participou dos cursos de formação para as famílias, com os apoios da Dra. Ana Carolina Feitosa, da Maria Graziela, da Josiane mãe do Pedro e do Marcos Vieira.

Também neste ano de 2022, graças à generosidade da família de Letícia Lindner (com apoio da artista gráfica Daine Lindner e da professora Ana Rodrigues) produzimos a nova Cartilha sobre Dificuldades Cognitivas que está sendo impressa e passará a ser distribuída gratuitamente a partir de 2023.

Também mantivemos nosso serviço on-line de informação permanente, que completou mais de 700 mil visitas

Finalmente, realizamos as atividades administrativas rotineiras e necessárias da AMANF sob a direção de nossa Presidenta Adriana Venuto e com o apoio da nossa diretoria: Juliana Souza, Fabiana Pantuzza, Marcos Vieira, Maria Helena Vieira, Marcia Campos, Tânia Corgosinho e eu.

Foi tudo isto que comemoramos em nossa Festa de 20 anos, na qual Dr. Nilton Rezende e eu fomos homenageados com o Troféu Mônica Bueno pela nossa contribuição como médicos e associados.

E tudo isso foi possível com seu apoio e sua generosidade.

É tudo isso, e muito mais, que desejamos realizar novamente em 2023.

Contamos com você, com sua participação nos atendimentos e nas pesquisas, com seu apoio e generosidade.

Contamos também com o novo governo eleito, um governo de frente ampla de diversos partidos contra o desgoverno de Jair Bolsonaro, que esperamos que seja capaz de recuperar as estruturas públicas, especialmente as da saúde, e reduzir a pobreza em nosso sofrido país.

É esta a nova chance que desejo a todes.

 

Dr. Lor

Diretor Administrativo da AMANF

 

 

 

Muitas pessoas, que confiam em mim como médico, perguntam o que penso das eleições.

Respeito as escolhas de cada pessoa e então, para justificar minha opinião pessoal, compartilho com as famílias que me procuram dois fatos importantes:

 

Fato 1 – Sem verbas públicas para as pesquisas

Estamos sem verbas do governo federal para as pesquisas científicas que vínhamos fazendo e que poderiam beneficiar as pessoas com NF.

Por causa disso, a tese de doutorado do Dr. Bruno Cota somente continua porque está sendo totalmente financiada pela AMANF, com as doações generosas de pessoas que estão solidárias com nossa causa.

Mas outras pesquisas estão paradas.

Essa falta de recursos financeiros para pesquisas –  inclusive as nossas –  faz parte do desprezo de Bolsonaro pela ciência, que fez com que ele tenha cortado as verbas das universidades e institutos de pesquisa.

 

Fato 2 – O telhado desabado na nossa sala de atendimento

Na próxima semana completa um ano desde que as chuvas fortes de 2021 derrubaram parte do telhado do ambulatório de dermatologia, atingindo nossa sala de atendimento clínico. Por isso, não podemos atender ou entrar na sala, nem mesmo para pegar os prontuários das pessoas que já foram atendidas por nós.

Essa demora para o conserto do telhado acontece pelo mesmo motivo: cortes de verbas decididas pelo governo Bolsonaro para as universidades.

 

Estes dois problemas que citei são pequenos diante dos crimes cometidos pelo governo Bolsonaro no campo da saúde, como o desprezo pela pandemia, atraso e corrupção na compra de vacinas, deboche das pessoas sofrendo e morrendo, compra e distribuição de cloroquina com dinheiro público e desmonte do SUS.

Mas estes dois problemas que trago aqui mostram como as decisões de Bolsonaro afetam também nossa causa em defesa das pessoas com NF.

Por isso, nesse próximo domingo meu voto será pela volta das verbas para a saúde e para as universidades.

Votarei contra Bolsonaro.

Dr. LOR

(Opinião pessoal)

 

 

Para Júlia Rocha

 

Renata acordou com calor antes do despertador tocar, percebeu a luz do amanhecer penetrando pelas frestas da cortina improvisada e se levantou para preparar o lanche para Samila e arrumar os cadernos da menina para a escola. Renata lembrou que não chovia desde maio, alguma coisa estava acontecendo com o clima, ouviu das moças que faziam campanha para uma candidata no bairro, e acendeu o fogão improvisado com pedaços de madeira que vinha recolhendo na rua, para economizar o gás que estava acabando.

Renata ligou baixinho a pequena TV para não despertar o caçula e o pastor dizia bom dia, repleto de bênçãos do Senhor, na paz de Deus, lembrou que estava atrasada com o dízimo, pudera, tudo aumentando de preço, menos as faxinas, as patroas pagando o mesmo preço de dois anos atrás, ou até menos, algumas dispensando, cortando passagem, dificultou para ela, trocou o arroz com feijão pelo macarrão, carne quase nunca, pouca fruta. Roupa, só aproveitada, uma cervejinha no sábado era luxo de antigamente, dos tempos na casa da mãe, no interior, quinze anos antes, o mundo era melhor, muita gente empregada, carteira e salário na mão, até visitar parentes no norte de Minas foram.

Enquanto coava o café, Renata admirava a moça branca super chique e o homem de gravata que falavam notícias sobre a guerra na Ucrânia, queria ter continuado na escola, gostava de história, mas nasceu Samila, tinha que trabalhar, depois, Alex Sandro foi embora e deixou pro filho só o nome, não aguentava o choro do menino, porque ELE trabalhava de dia, – e quem não?, o menino que não dormia, não ganhava peso, os cabelinhos ficando loiros secos, e ninguém na casa com aquele cabelo. Teve até o médico que duvidou que ela cuidava, que não dava o peito, – o menino é que não chupava direito, cansava, parava, veio outra, a doutora, que mostrou as manchas, disse que era grave, que ele ia viver pouco, mas que não tinha nada para fazer.

Renata tocou o ombro de Samila, precisava levantar e comer alguma coisa, podia levar pra escola uns biscoitos da cesta que ganhou do Afrânio, três quilos de arroz, meio de feijão, uma garrafa de óleo, um pacote de macarrão e outro de biscoito, para ela votar no candidato dele, o mesmo da outra vez, era pra vestir a camisa amarela com o nome, em troca prometeu cuidar do Junior, arranjar fisioterapia para ele, veio de conversa que ela era a mulher mais bonita do bairro, merecia um homem de verdade, cristão e não um maconheiro. Renata refugou, ainda pensava no traste do Sandro, Afrânio sumiu para voltar agora, com a mesma lenga-lenga, mas as coisas pioraram, agora não deu para recusar.

Renata desceu vinte minutos de ruas com Samila até a escola municipal e deixou o menino ainda sonolento e resmungando com a vó Carmem, que fica com crianças enquanto as mães trabalham, uma coisa de Deus que o pessoal do terreiro cuida, mas a turma do Afrânio não reconhece, as mães levam a comida e as fraldas, na volta pegam até de banho tomado, tem dia, e aquelas que podem dão algum dinheiro, outras ajudam com trabalho voluntário na comunidade. Só não dá pra deixar quando o menino está com febre, que é muito sempre, aí fica mais irritado, nervoso, não dorme nada, então ela perde o dia de faxina ou deixa o filho com a vizinha, mas a vizinha bebe, é um aperto no coração o estado em que ela entrega o menino, e ainda cobra 30 reais! Mas no posto de saúde Renata tem que levar, ela mesma, então perde o dinheiro da faxina, as patroas não querem nem saber, nada de direito, de carteira assinada, isso é coisa desses comunistas, elas dizem, aí… corta mais um pouco no jantar.

O cartão do hospital para o Alex Junior levou mais de ano para conseguir, eles falaram em corte do governo no dinheiro da saúde, reduziram pessoal, as filas aumentaram, mandaram procurar ajuda na internet, – mas como na internet, meu Deus!?, se o que ela ganha nem paga direito o telefone que precisa para fazer as faxinas! Ainda bem que a Marielle, que trabalha na assistência social, ajudou muito, leu o laudo da médica do posto, descobriu o nome da doença, um nome complicado, procurou no Google, disse que tem problema de genética, – meu ou do Sandro? – não sei, respondeu Marielle, só que isso atrapalha o crescimento dele, a magreza, a falta de força e de sono, até as manchas na pele.

Marielle conseguiu marcar uma consulta no ambulatório de Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas, onde Renata viu a faixa meio rasgada “Fora Genocida!” com um retrato do candidato do Afrânio. Renata lembrou da epidemia de COVID, dos dias que passou na cama depois que foi obrigada a trabalhar numa casa onde o patrão estava com a doença, a vizinha ajudou um pouco a cuidar das crianças até que ficou doente também, tinha muita gente morrendo no bairro com a COVID, o Júnior chorando, a Samila reclamando de fome, sem escola, sem merenda, a chuva derrubando uma parte do barraco, não conseguiu o auxílio do governo, Nossa! – passou um arrepio só de lembrar – e pensou que foi Deus que não deixou ela enlouquecer.

Renata entrou na sala com o Alex Sandro Junior no colo e perguntou: – é verdade que não tem nada para fazer pelo meu menino, doutor?

 

Dr LOR

 

Os nomes são fictícios. Somente os nomes.

O desenho acima foi feito por Luíza, de 10 anos, que tem Neurofibromatose do Tipo 1.

Pedi para ela um desenho de uma mãe triste, com um bebê no colo.

A mãe de Luíza ouviu mais de uma vez médicos dizerem que não havia nada a fazer pela sua criança.

Obrigado, Luíza, por ajudar, com seu ótimo desenho, a mantermos nossa esperança.

 

 

 

 

 

A AMANF é uma associação sem ligações com partidos políticos ou com quaisquer candidatos.

Mas a AMANF é uma associação política como toda reunião de pessoas em torno de objetivos comuns, pois a política é o esforço coletivo para a administração do bem comum.

Então, nosso desejo para a eleição neste próximo domingo é que sejamos capazes de escolher representantes que defendam o bem comum.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma das conquistas sociais para o bem comum da população brasileira, que nos toca mais diretamente, porque somos uma associação destinada a apoiar pessoas com problemas de saúde, as neurofibromatoses.

Assim, nossa esperança é que as pessoas eleitas sejam comprometidas com a defesa do SUS.

Veja clicando aqui uma cartilha importante sobre o SUS.

Vamos escolher as candidatas e candidatos que defendem nossa saúde, nossa vida, respeitam a democracia e lutam por uma sociedade mais inclusiva, menos racista, menos machista e menos desigual.

Boa eleição!

Adriana Venuto

Maria Helena Rodrigues Vieira

Marcos Vinicius Soares Vieira

Dr. Lor

 

 

 

Post #4 – final

Esta é a quarta e última parte da conversa com uma jovem estudante (MD, de 17 anos), que gostaria de saber como poderia se tornar uma cientista para descobrir a cura para a neurofibromatose do tipo 1 para um dia poder ajudar seu irmão mais novo, que nasceu com a doença. Nossa correspondência foi muito interessante e então, com a autorização de MD, resumi abaixo algumas perguntas e respostas que foram surgindo durante nossa conversa, porque talvez elas sejam úteis a outras pessoas.

A quinta pergunta de MD:

Como conviver com minha família religiosa?

Todas as etapas e condições que já comentamos antes parecem tornar muito difícil para uma garota como você, negra, brasileira e filha de trabalhadores, se tornar uma cientista. Para tornar as coisas ainda um pouco mais complicadas, você também relata um conflito com sua família, que possui princípios religiosos, os quais parecem se contrapor ao campo científico no qual você pretende ingressar.

Você pergunta sobre como conviver com sua família com crenças diferentes e, ao mesmo tempo, viver sua própria vida de acordo com as evidências materialistas que a ciência apresenta.

Você tem razão, não é fácil, especialmente quando as crenças religiosas interferem nas estruturas públicas de ensino e pesquisa. Se desejar, veja uma reflexão mais detalhada sobre isto no texto “Entre deus e o orientador ateu”.

Neste difícil território das opiniões, minha sugestão para você é deixar qualquer arrogância científica de lado e lembrar que o surgimento da ciência é muito recente na história. Nossa gente sobreviveu (e muitos povos originários ainda sobrevivem) por dezenas de milhares de anos sem a ciência, portanto, não podemos desprezar outras formas de ver o mundo simplesmente porque a ciência se mostra mais capaz de fazer previsões corretas sobre a realidade material, o que nos permite confiar mais nos satélites, por exemplo, do que nos búzios para prever o clima de amanhã.

Dependendo do campo do conhecimento, a ciência poderá ter respostas mais úteis, por exemplo no enfrentamento de uma pandemia, na criação de vacinas, no aquecimento do planeta ou no funcionamento das doenças neurológicas e psiquiátricas. Por outro lado, a ciência não oferece evidências objetivas sobre o sentido da vida individual ou sobre seus valores morais. Por isso, em determinados assuntos, muito subjetivos, é perda de tempo contrapor a ciência aos conhecimentos tradicionais ou mesmo contra a religião.

Além disso, compreender bem as informações científicas requer uma educação básica, a qual a maioria da população brasileira não tem acesso. Quantos jovens são forçados a abandonar a escola para trabalhar! Por isso precisamos ter respeito pelas pessoas cuja história de vida as levou à falta de escolaridade e de formação científica.

Com muito cuidado, podemos oferecer os dados científicos a quem não compreende a ciência somente quando algo objetivo precisa ser resolvido e a ciência tenha dados confiáveis sobre aquele assunto. Por exemplo, vamos vacinar nossas crianças? Ou, como evitar a gravidez precoce? Quais as vantagens de se oferecer educação sexual para todas as pessoas? Como podemos combater o racismo? Por que mulheres e homens são iguais em capacidades e direitos? Se o planeta está aquecendo, o que devemos fazer?

Solidão e conhecimento

Outro comentário seu, mas não menos importante, foi que “se sente solitária, porque acredita em um ideal que quase ninguém acredita”. Vamos chamar esta situação que descreveu de “solidão filosófica”, algo que acontece progressivamente à medida que vamos vivendo, pensando, estudando e descobrindo coisas sobre o mundo. Essas novas percepções (científicas, por exemplo) podem reduzir o número de pessoas que nos reconheciam anteriormente como parte de seu grupo (religioso, por exemplo) (se desejar, ver aqui um poema sobre isso ).

No entanto, nós precisamos do reconhecimento dos outros para construirmos nossa identidade porque somos, em parte, aquilo que os outros pensam que somos. Então, vivemos nos equilibrando entre o desejo de possuir uma identidade (que nos distingue do grupo) e o desejo de pertencer ao grupo (que tende a nos assimilar e massificar).

Neste sentido, o conhecimento científico adquirido também gera o desejo de pertencer a uma comunidade mais ampla, internacional e acadêmica, na qual vamos querer (novamente) construir nossa identidade, reproduzindo noutro nível o conflito permanente entre ser único e pertencer ao grupo. Enfim, sempre buscaremos por status em qualquer grupo social ao qual desejarmos pertencer, como todo ser humano neurotípico.

Conclusão

Você já percebeu nesta conversa que mesmo quando os temas são aparentemente simples, todos os assuntos são complexos porque a sociedade é complexa, porque nós, humanes, somos complexes (veja só quanta complexidade está envolvida no uso destas palavras “humanes” e “complexes” que usei para incluir os diferentes gêneros!). Ou seja, não temos respostas simples para questões complexas se quisermos resolvê-las de fato, sem preconceitos religiosos nem arrogância científica.

Então, tanto você, uma jovem estudante, quanto eu, um velho médico e cientista, para abordarmos qualquer assunto, devemos estar preparados para enfrentarmos sua complexidade. Parece um longo caminho e, de fato, o é.

No entanto, apesar de todas as dificuldades que conversamos, nossa vida como cientistas pode ser uma fascinante viagem pelas dúvidas e perguntas e, quem sabe, com bastante sorte, poderemos encontrar algumas respostas valiosas.

Entre elas, a resposta para algum tratamento efetivo para os problemas que afligem as pessoas com NF1.

Dr Lor

Junho 2022

 

 

Comentários sobre este texto, que foi lido por estudantes de graduação que estão realizando sua Iniciação Científica sob a orientação do Dr. Bruno Cézar Lage Cota durante seu projeto de doutorado, no qual ele está pesquisando os efeitos do treinamento musical sobre a capacidade cognitiva de adolescentes com NF1.

Gabriela Poluceno (medicina)

Como se tornar uma cientista? A minha resposta como uma jovem que acabou de entrar na universidade, de 22 anos, nova nesse mundo da pesquisa é: ainda não sei!

É um processo que acredito ser longo, trabalhoso, repleto de marcas importantes (será? um doutorado dá a alguém um título de cientista?) e que começa com algo tão simples quanto uma boa pergunta.

Claro que equipamentos de qualidade, uma boa estrutura e financiamento fazem uma diferença enorme nesse contexto (inclusive, infelizmente, define através do lucro a importância de certos estudos), porém acredito que o passo inicial para ser um cientista consista em ter curiosidade e criatividade para realizar boas perguntas.

 Conseguir extrair bons questionamentos de lugares não-usuais e elaborar soluções interessantes e pouco convencionais estão entre as habilidades que acredito que bons cientistas possuem e que basearam as grandes revoluções científicas.

A nossa pesquisa atual é um ótimo exemplo disso, ao utilizar a música e um diferente olhar sobre o processamento auditivo como pontapé inicial para um possível tratamento para a NF1. Ter o interesse e a motivação de afetar positivamente a vida de alguém, melhorar sua qualidade de vida ou até mesmo curar uma doença são atitudes essenciais durante o trajeto de um verdadeiro cientista, de modo que tenha-se sempre em mente que estamos lidando com pessoas e não apenas números, exames ou sintomas.

As questões éticas que isso envolve são inúmeras, e deve-se deixar claro que o sofrimento humano nunca compensa qualquer tipo de conhecimento científico adquirido, e que, ciência sem ética não é ciência.

Agora, de um ponto de vista mais prático, eu diria para que quando entrasse numa universidade, buscasse professores orientadores e uma iniciação científica, mas como exatamente fazer isso? Afeto! Tenha boas relações com seus professores, faça amigos, conheça pessoas dos mais diversos contextos e se assuste para onde a vida te levará! Ciência não se faz sozinho e não se vira cientista sozinho. A beleza da ciência está na diversidade e no coletivo.

Veja meu caso, ter tido aula com a professora Juliana, que em uma de nossas conversas de feedback citou a AMANF, o que me gerou muito interessante e me fez correr atrás do professor Bruno. Ao chegar no Bruno, que me acolheu imensamente e sou muito grata, pude acompanhar diversas consultas e ter um contato próximo com as pessoas participantes da pesquisa, que me trouxe a esse grupo enorme de estudantes, professores e colaboradores!

Por fim, essa é a minha pequena visão até agora de como se tornar um cientista, caminho longo que acredito que tenho muito a percorrer e que ainda sei pouquíssimo sobre.

E por fim, uma reflexão: reconhecer a ignorância não faz parte de ser um verdadeiro cientista?

 

Maíla Araújo Pinto (medicina)

Desde o ensino médio, eu sonhava em me tornar cientista e, com isso, almejava entrar para a iniciação científica no contexto universitário. Dessa forma, assim que entrei na faculdade de medicina fui em busca de como realizar esse sonho. Entretanto, por mais que esse desejo fosse antigo, só consegui de fato entrar para iniciação científica ao terceiro ano da faculdade.

 

A faculdade que ingressei é particular e não obtive resposta acerca do processo da iniciação científica. Por outro lado, sempre que tive a possibilidade conversei com professores demonstrando meu interesse.

 

Em vista disso, minha oportunidade surgiu quando conheci o professor Bruno Cota que em sua apresentação contou sobre seu projeto de doutorado pela universidade federal. O caminho não é fácil, nem antes de entrar, nem durante o processo, mas sem dúvida tem sido uma experiência enriquecedora. Sendo assim, caso se tornar cientista seja de fato um sonho, vale a pena buscar formas de alcançar.

 

Marina Silva Corgosinho (enfermagem)

Acredito que todos que desejam e possuem o gosto pela busca de conhecimento já é um dos caminhos para ser um cientista, além disso é necessário estar matriculado em um curso de ensino superior, e a melhor parte é que pode ser qualquer curso, basta buscar um projeto e um profissional que esteja disposto a caminhar juntamente com você durante todo o processo de construção do projeto, que será em forma de uma iniciação científica.

Ser um cientista vai além de boas notas ou ser um destaque, é ser responsável e ter a certeza de que seus estudos irão beneficiar as pessoas e às vezes podem vir a descoberta da cura de alguma doença ou uma inovação que fará bem a todos. 

 

Thaís Andreza Oliveira Barbosa (fonoaudiologia)

Como o Lor já ressaltou, o ambiente da universidade pública nos proporciona muitas oportunidades de ingressar no meio acadêmico e científico. Eu ainda estou no começo dessa caminhada, mas posso dizer que algo essencial é o apoio dos nossos professores e orientadores nesse processo.

 

Nem sempre decidir pesquisar algo é fácil (arrisco dizer que provavelmente nunca é) e surgem muitas dúvidas e inseguranças ao longo do caminho, então o apoio desses profissionais mais experientes é essencial, bem como a confiança deles de que somos capazes de embarcar nessa oportunidade.

 

Vitória Perlin Santiago (medicina)

Como se tornar um cientista e minha experiência ao longo da iniciação científica.

Como relatado pelo professor Lor, para se tornar um cientista é necessário passar por diversas formações acadêmicas, que demandam tempo, dedicação e recursos, podendo estes serem financeiros ou governamentais.

Como ainda sou estudante no curso de medicina, estou nos primeiros passos de minha carreira científica, ou seja, participando de uma iniciação científica. O projeto de doutorado sobre a relação da música com a Neurofibromatose tipo 1, do professor Bruno, foi introduzido a mim em meu segundo ano de curso, na nossa primeira aula juntos. Naquele momento, despertou em mim características que acho fundamentais para quem quer seguir na área da ciência, a curiosidade acerca do projeto, o entusiasmo de querer fazer parte e a identificação com o tema da pesquisa.

Após diversas reuniões com o professor Bruno em que ele, pacientemente, explicava seus estudos, hipóteses e métodos, ficava cada vez mais clara e consciente a vontade de participar do projeto, principalmente por ser diferente de qualquer outra experiência oferecida ao longo do curso. Quando finalmente começamos a realizar as práticas da pesquisa, ficou ainda mais nítido o quanto o professor Bruno estava empolgado com seu projeto, sempre buscando as melhores soluções, dedicando cada dia mais de seu tempo à pesquisa, se solidarizando com os participantes estudados e nunca estando satisfeito com pequenos resultados, indo cada vez mais profundo em seus estudos. Toda essa dedicação do professor incentivou ainda mais a minha participação, e tenho certeza que das outras voluntárias também, pois vemos nele algo que também é muito essencial para ser um cientista, o propósito de mudar a vida de muitas pessoas com os resultados encontrados.

Estou na pesquisa há quase um ano e meio e posso garantir que está sendo uma experiência única, não só pelos diversos conhecimentos científicos que adquiri, mas pelas pessoas que conheci, histórias que me emocionei e interesses que despertei.

Com isso, pela minha experiência, entendo que para se tornar um cientista, além das formações acadêmicas, é necessário ter muita dedicação e foco em seus objetivos; sempre ter curiosidade e buscar saber cada vez mais, não estando satisfeito com apenas alguns resultados; se identificar com o tema da sua pesquisa, pois isso faz com que você tenha incentivo e interesse em segui-la; encontrar pessoas que estejam dispostas a contribuir em seus estudos e estejam em sintonia com você, pois elas serão essenciais para orientá-lo e ser um apoio e, por fim, sempre lembrar do propósito da pesquisa, para que a essência dela não se perca e você tenha satisfação em seus resultados.