Notícias do último congresso sobre Neurofibromatoses realizado em São Francisco, na Califórnia

Relato do Dr. Bruno Cezar Lage Cota

 Agradecimentos

 Agradecemos de modo especial ao pai de uma paciente do nosso CRNF, que pediu para não ser identificado, e que diante de suas condições financeiras favoráveis e de um grande senso de colaboração e incentivo se dispôs a custear a viagem do Dr. Bruno para o congresso, com o intuito de aprimorarmos e atualizarmos o nosso conhecimento sobre as NFs.

Além disso, a viagem foi uma oportunidade para o Dr. Bruno apresentar para alguns cientistas os resultados parciais da sua pesquisa, na qual utiliza a música como um possível tratamento para alguns problemas cognitivos e de socialização na NF1.  Estes resultados, que em breve devem ser publicados em revistas científicas e divulgados aqui, despertaram grande interesse dos pesquisadores com quem ele pôde discutir o tema.

 

Mesa redonda com participação da Dra. Juliana Souza

 A Dra. Juliana Ferreira de Souza, médica e pesquisadora do CRNF, foi convidada para ser uma das representantes da América latina em uma mesa de discussão, que contou com a participação de pesquisadores, médicos, presidentes de associações e pacientes de vários países.

O objetivo da discussão foi levantar alguns aspectos relevantes sobre a pesquisa e a assistência às pessoas com Neurofibromatoses, dentro do contexto local de cada participante. O debate ocorreu no jantar de abertura do congresso, que é um dos momentos mais importantes do evento.

Juliana tem se destacado internacionalmente por seus trabalhos científicos em Neurofibromatoses, e apresentou os nossos avanços na assistência e em pesquisa no CRNF, apesar de todas as dificuldades que enfrentamos diariamente, especialmente pelas limitações de recursos financeiros.

Nesse mesmo jantar foi anunciado o Prêmio Von Recklinghausen, que se destina anualmente ao pesquisador de maior destaque atual em Neurofibromatoses. Dessa vez foi eleito o Dr. Scott R. Plotkin, dos EUA, de mérito inquestionável.

 

Principais focos do congresso

 O congresso trouxe uma melhor compreensão sobre os neurofibromas plexiformes e os tumores malignos da bainha do nervo periférico (TMBNP), por meio de investigação de alterações genéticas na ciência básica. Além disso, foram apontados alvos para desenvolvimento de medicamentos no tratamento destas duas complicações mais graves da NF1. Também foram discutidos métodos diagnósticos mais precisos, o uso de medicamentos tanto em modelos animais, culturas de células como em humanos. Uma grande ênfase foi dada aos estudos sobre a capacidade dos inibidores de uma via metabólica celular (MEK) reduzirem o crescimento dos plexiformes.

Os resultados iniciais de um desses estudos, desenvolvidos pela National Institute of Cancer, nos EUA, evidenciaram uma redução de 22% no volume médio dos tumores plexiformes dos pacientes tratados com o medicamento Selumetinibe, e que 67% de todos os pacientes tiveram uma redução maior do que 20% do volume desses tumores após 1 ano de tratamento.

Neurofibromas podem diminuir espontaneamente, sem tratamento

Em contrapartida, vale ressaltar outro interessante estudo que constatou que mais da metade dos tumores plexiformes reduziram espontaneamente de tamanho ao longo de aproximadamente 9 anos, mesmo sem tratamento algum.

Essa constatação importantíssima merece ser sempre levada em consideração na interpretação dos resultados dos estudos em que o principal objetivo seja a redução do tamanho dos tumores plexiformes.

Para isso, emerge a seguinte questão: a redução do volume dos tumores com o uso de determinada droga foi realmente maior do que a redução que poderia ocorrer espontaneamente, de modo que valha à pena usar a medicação, considerando os seus custos e efeitos colaterais?

Ao longo dos últimos anos tem sido observado que em alguns pacientes o efeito dos inibidores MEK se reduz de modo significativo ao longo do tratamento, devido a um tipo de “tolerância” que os próprios tumores desenvolvem em relação ao medicamento. Sendo assim, atualmente há uma tendência em se estudar a associação dos inibidores MEK com outras drogas, visando melhores resultados. Alguns resultados desses estudos são animadores, mas ainda se restringem a modelos animais e culturas de células, portanto ainda precisam ser testados em humanos.

Uma nova droga (Abemaciclib) foi eleita para ser estudada no tratamento dos neurofibromas nodulares atípicos, que possuem uma correlação com uma mutação específica e risco aumentado para transformação maligna. Esses tumores não raramente localizam-se em sítios de difícil abordagem cirúrgica e estudos prévios mostraram que esses tumores não respondem bem ao tratamento com os inibidores MEK. O estudo possui previsão de início ainda nesse ano.

Para os neurofibromas cutâneos e subcutâneos, algumas modalidades de tratamento não farmacológico foram propostas, mas ainda carecem de mais estudos para confirmar a eficácia e segurança. Nenhum medicamento foi apresentado com possível efeito terapêutico para os neurofibromas cutâneos, exceto pela observação, levantada apenas em um relato de caso, da redução do número desses tumores com o uso dos inibidores MEK. Contudo, também são necessários estudos de maior validade científica para que esse possível efeito seja considerado para as pessoas com NF1, levando-se sempre em conta os riscos dos efeitos colaterais, o custo e a comparação com outras formas de tratamento convencional, como a cirurgia, por exemplo.

Em conformidade com os avanços tecnológicos no campo da Inteligência Artificial (IA), o uso desse recurso foi um tema de relevância no congresso. A sua utilização tem sido alvo de estudo para o cruzamento de dados referentes a características clínicas e genéticas dos indivíduos, com objetivo de maior acurácia para o diagnóstico de lesões malignas, e para o desenvolvimento de possíveis alvos terapêuticos para os tumores. Além disso, a IA foi proposta para aprimorar os métodos de identificação e de mensuração dos tumores plexiformes, por meio de análise computacional de exames de imagem.

Outro avanço tecnológico que foi apresentado foi o uso da Ressonância Magnética por Emissão de Pósitrons (PET-RNM), que possui a mesma precisão da Tomografia Computadorizada por Emissão de Positrons (PET-CT) para a detecção de tumores malignos ou com risco de malignização. A primeira possui a vantagem de expor os pacientes a uma quantidade muito menor de radiação, contudo possui a grande desvantagem do seu elevado custo, o que torna essa modalidade diagnóstica ainda muito distante para a nossa realidade.

Dentre os avanços tecnológicos na área da genética, no campo da ciência básica, mereceram destaque alguns estudos com o uso de técnicas de edição gênica, por enquanto com o principal objetivo de construir modelos mais fidedignos de tumores malignos, para uma melhor compreensão do seu comportamento e de suas características biológicas, permitindo alvos terapêuticos mais específicos para o tratamento.

Quanto à possibilidade futura do uso da edição e da terapia gênica para as pessoas com Neurofibromatoses, muitas questões foram levantadas, dentre elas: quando o método for acessível, quem deverá ser tratado? Quando tratar? Quais seriam os riscos? Quanto tempo de vigilância esses riscos demandariam? Quais seriam os efeitos prejudiciais e ainda desconhecidos dos vetores virais, que são usados nos métodos de edição do DNA humano?

No campo da cognição, também foram apresentados alguns avanços para compreensão dos problemas cognitivos e comportamentais na neurofibromatose tipo 1. Um estudo está acompanhando 109 crianças e adolescentes de 3 a 15 anos de idade. Até o momento 52 % delas mostraram-se na faixa de risco para transtorno do espectro autista (TEA), sendo 19% em risco severo. Foi encontrada uma forte correlação entre esses resultados e os sintomas de TDAH e a disfunção executiva. Não houve predomínio dessas alterações no sexo masculino, ao contrário do que é observado nas crianças e adolescentes com TEA, mas sem NF.

Em outro estudo, também com desenho longitudinal, porém com uma amostra menor, algumas crianças com NF1 foram avaliadas em um primeiro momento, quando tinha de 3 a 5 anos, e reavaliadas quando tinham entre 9 e 12 anos. Foi observado um aumento importante dos sintomas de ansiedade e desatenção entre a primeira e a segunda avaliação, mostrando que esses problemas podem não ser aparentes na fase pré-escolar.

Uma tendência ao uso de métodos de psicoterapia online tem sido observada desde o penúltimo congresso em Paris. Um grupo de pesquisadores de Harvard utilizou métodos de psicoterapia online com o intuito de obter melhor capacidade de resiliência entre as pessoas com NF1, uma vez que essa é uma capacidade importante para as pessoas que possuem doenças crônicas e incuráveis. Os pesquisadores encontraram resultados positivos com o método.  Um outro grupo de pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer, nos EUA, usou técnicas de vídeo-chat, associadas à meditação (chamada de mindfullness, que quer dizer mente plenamente consciente) em pacientes com NF1 e tumores plexiformes dolorosos, e observaram uma melhor tolerância à dor, o que pode resultar em melhor qualidade de vida desses pacientes.

 

Novos critérios diagnósticos para as Neurofibromatoses e (provável) nova nomenclatura

Uma comissão científica internacional se reuniu durante o Congresso para dar continuidade ao ciclo de discussões sobre os critérios diagnósticos nas NF, do qual participaram os Dr. LOR e Dr. Nilton Alves de Rezende.

O objetivo é atualizar os critérios com todo o conhecimento advindo nos últimos 30 anos, especialmente no campo da genética, assim como incorporar o reconhecimento de outras manifestações clínicas comuns para o aprimoramento dos critérios prévios.

A provável mudança nos nomes das doenças visa incorporar esses avanços e construir uma nomenclatura mais apropriada, uma vez que, por exemplo, existe entre pacientes, familiares e mesmo entre profissionais de saúde uma recorrente confusão entre as neurofibromatoses tipo e 1 e tipo 2.

As alterações dos critérios provavelmente serão publicadas em revistas científicas em breve e, logo que forem publicadas, também serão divulgadas aqui.

  

Palestra do Dr. Vincent Riccardi

A palestra do Dr. Vincent Riccardi, um dos maiores pesquisadores em neurofibromatoses no mundo e grande incentivador e colaborador para as nossas pesquisas no Brasil, sintetizou e destacou alguns temas relevantes do congresso, com novos questionamentos e possíveis direções futuras.

Riccardi destacou a importância de um olhar mais abrangente sobre as neurofibromatoses. Embora a investigação do genótipo (informações presentes no DNA) seja essencial, sabemos que ela por si só tem se mostrado insuficiente para responder a algumas questões elementares, como, por exemplo: por que a segunda mutação, que ocorre no DNA de algumas células do corpo e acarreta em alguma manifestação clínica (por exemplo, o neurofibroma) ocorre especificamente em um determinado local? Quais são os fatores locais (do corpo) envolvidos nisso?

Além disso, a maioria dos estudos científicos busca compreender o motivo de algumas pessoas com NF1 desenvolverem tumores malignos (TMBNP). Contudo, Riccardi apontou que também seria importante direcionar o foco para as pessoas que não os desenvolvem. Quais seriam os fatores que as protegem?

Outras características também precisam, segundo Riccardi, ser melhor elucidadas, como o reconhecimento de todos os estágios dos neurofibromas cutâneos nas pesquisas e a idade dos indivíduos, uma vez que esses fatores geralmente resultam em diferentes características na biologia dos tumores; os possíveis efeitos adversos do tratamento cirúrgico sobre os tumores plexiformes na NF1,  especialmente se haveria maior risco de transformação maligna na parte do tumor que não foi removida; a investigação de biomarcadores, que são moléculas presentes na corrente sanguínea, e que poderiam representar o grau de atividade da doença (como exemplo ele citou um projeto que em breve deverá ser desenvolvido dra. Juliana Souza, orientado pelo dr. Lor e com a colaboração dos demais pesquisadores do CRNF, como algo promissor nesse campo).

Riccardi também destacou a importância de se compreender o gene responsável pela produção da neurofibromina sob um ponto de vista histórico e evolutivo, citando, como exemplo, os achados e levantamentos recentes sobre o homem de Cro Magnon (ver link aqui). Ele levantou a importância de se tornar o desenvolvimento científico nas NF mais abrangente ao redor do globo, especialmente em países fora do eixo EUA – Europa, e finalizou a palestra com algumas perspectivas futuras, dentre elas o uso da inteligência artificial no aprimoramento de métodos diagnósticos e no desenvolvimento de novas terapias, além da expectativa em relação à edição e da terapia gênica como possibilidades reais para o futuro, mas que ainda muito desafiadoras.

 

Temas pouco abordados ou ausentes

Alguns assuntos relevantes foram pouco frequentes dentre os trabalhos científicos apresentados, e dentre eles merece destaque o pequeno número de temas relacionados à ginecologia e a saúde da mulher. São relativamente comuns os sintomas de dismenorreia e sangramento menstrual aumentado entre as mulheres com NF1, além de outros problemas, como o risco aumentado para o câncer de mama. No entanto, a saúde da mulher foi o objeto de pesquisa em somente três trabalhos apresentados no congresso. Além disso, o tratamento cirúrgico nas NF, os problemas fonoaudiólogicos e nutricionais, os tratamentos não farmacológicos e a descrição de novas características clínicas também tiveram pouco ou nenhum destaque no evento.

 

Dr. Bruno Cezar Lage Cota

Centro de Referência em Neurofibromatoses do HC UFMG

 

 

Finalizamos a quarta edição da cartilha “As manchinhas da Mariana”, com algumas mudanças importantes. Esta nova edição será impressa com apoio da UNIMED BH para ser distribuída às famílias das pessoas com neurofibromatoses.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conversando com algumas mães com filhos com NF1 e TDAH e falando sobre a Ritalina, me perguntaram por eu não dou para o meu filho e respondi que não daria porque soube que a Ritalina pode causar dependência de drogas no futuro. Então elas disseram que isso não era verdade. O senhor poderia esclarecer sobre isso? ” MHRV, de Belo Horizonte, MG.

Cara M, obrigado pela sua pergunta, que pode ser útil a outras famílias.

A possibilidade do uso crônico da Ritalina causar dependência de drogas no futuro tem sido uma pergunta realizada em vários estudos científicos. Ritalina é nome comercial do medicamento metilfenidato.

Vejamos, por exemplo, um estudo realizado por cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro Giuseppe Pastura e Paulo Mattos (VER AQUI). Eles revisaram os principais efeitos colaterais do metilfenidato, em curto e longo prazos, no tratamento de crianças com Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH) e usaram como fontes de dados os artigos científicos publicados nos últimos doze anos.

Eles encontraram efeitos colaterais que surgem em curto prazo, entre os quais prevalecem a redução de apetite, insônia, cefaleia e dor abdominal. Estes efeitos são de média intensidade, desaparecem espontaneamente e dependem da dose utilizada. Entre os efeitos colaterais em longo prazo, são descritas alterações discretas de pressão arterial e frequência cardíaca e uma possível discreta diminuição da estatura.

O abuso e a dependência ao medicamento foram observados muito raramente. Os cientistas concluíram que o perfil de efeitos colaterais do metilfenidato é seguro, não parecendo justificar a restrição ao seu uso no Brasil, ante os benefícios demonstrados na literatura.

Por outro lado, alguns estudos em animais de laboratório mostram alterações neurológicas e comportamentais em longo prazo com o uso de Ritalina (VER AQUI  ).

Portanto, minha impressão é que ainda não temos absoluta certeza do que pode acontecer no futuro com crianças que usam Ritalina cronicamente, especialmente crianças com NF1.

Poucos estudos científicos experimentaram a Ritalina em crianças com NF1. Ver o principal deles em texto anterior publicado neste blog: VER AQUI

Por isso, o principal cuidado é SABER SE A CRIANÇA TEM MESMO TDHA E SE ESTÁ INDICADO O MEDICAMENTO.

Sabemos que o diagnóstico de hiperatividade e desatenção não é simples e deve ser feito por especialistas e não pelos pais e professores.

Quanto mais insegurança tivermos sobre o diagnóstico, mais cuidado temos que ter em prescrever o medicamento.

No momento, minha conclusão para as crianças sem NF1 é que o metilfenidato é eficiente nas crianças com TDHA bem diagnosticado e não parece haver um risco confirmado de que quem usar metilfenidato se tornará dependente de drogas na vida adulta.

No entanto, no momento, minha conduta é de mais PRUDÊNCIA ainda nas crianças com NF1. Raramente uso metilfenidato nas crianças com NF1, porque acho que a maioria delas não têm TDHA. Minha impressão clínica é que elas têm outro tipo de transtorno que é caracterizado por mais desatenção do que hiperatividade, por mais desmotivação do que desatenção, por mais desordem do humor e do processamento auditivo e estas alterações combinadas retiram o foco de sua atenção e atrapalham estas crianças no aprendizado e no convívio social.

Precisamos estudar melhor esta questão.

 

 

 

 

“Meu filho foi diagnosticado com autismo e depois descobrimos que ele tem Neurofibromatose do tipo 1. É possível ter as duas doenças ou o autismo é uma complicação da NF1? ” AGR, de Florianópolis, SC.

Cara A, obrigado pela sua pergunta, pois ela pode ser útil a muitas famílias com pessoas com Neurofibromatose do tipo 1.

O que é o autismo?

O autismo é uma doença que afeta o desenvolvimento global neurológico e se caracteriza por dificuldades na comunicação social e na interação com outras pessoas e por padrões de comportamento repetitivos e restrição dos interesses.

Assim como na NF1, há grande variação nas manifestações clínicas do autismo, por isso hoje adotamos o nome mais abrangente de Transtorno no Espectro do Autismo.

O diagnóstico do autismo vem aumentando: em 2004, a cada 160 crianças que nasciam uma delas era diagnosticada com autismo, mas atualmente para cada 60 crianças nascidas uma delas apresentará o diagnóstico de autismo. Portanto, o autismo é muito mais comum do que a NF1, pois a cada três mil crianças que nascem apenas uma delas apresentará a NF1.

É preciso uma avaliação cuidadosa para termos certeza de que uma criança apresenta mesmo o autismo. Quando se usam questionários respondidos pelos pais, o diagnóstico de autismo é mais frequente do que quando as crianças são avaliadas diretamente por especialistas (psicólogos e psiquiatras).

Com este cuidado em mente, há estudos científicos mostrando que entre 11 e 29% das crianças com NF1 apresentam comportamentos que são parecidos com os comportamentos das pessoas com autismo. É comum na NF1 encontrarmos atrasos na fala, desatenção, impulsividade e dificuldades de comunicação social.

Diagnóstico do autismo

Deve ser feito por psicólogos, psiquiatras e pediatras especializados, que usam testes sobre o funcionamento cognitivo, informações dos pais e cuidadores e observação direta das crianças.

O diagnóstico de autismo na presença de NF1 (e de outras doenças genéticas) pode ser mais difícil porque algumas crianças com NF1 apresentam sinais e sintomas que são muito parecidos com aqueles encontrados nas pessoas com autismo.

Em alguns casos mais raros (cerca de 1 em cada 300 mil pessoas) a criança pode realmente apresentar as duas doenças ao mesmo tempo.

Antes de seguir adiante com a busca por um especialista, podemos lembrar alguns comportamentos que são característicos das crianças com autismo:

  • Dificuldade em manter o contato visual
  • Atraso importante na fala
  • Pouco uso de gestos (não costumam apontar coisas, mostrar objetos, aplaudir ou acenar)
  • Não respondem quando chamadas pelo nome
  • Não chamam a atenção de outras pessoas para objetos
  • Apresentam forte interesse por determinados objetos ou brincam de forma repetitiva com objetos
  • Grande sensibilidade a estímulos (sonoros e outros)

Se você acha que sua criança apresenta vários destes sintomas, você deve procurar um especialista para confirmar ou não o diagnóstico de autismo.

Diferenças entre autismo e NF1

Há poucos estudos científicos sobre autismo e NF1 com crianças muito pequenas, por isso nosso conhecimento ainda é um pouco limitado para os primeiros anos de vida (ver ao final deste texto um estudo realizado na Inglaterra).

As dificuldades sociais das pessoas com autismo estão presentes desde o começo da infância, enquanto as dificuldades sociais das pessoas com NF1 parecem aumentar ao longo da vida, especialmente na adolescência.

Minha impressão pessoal é de que a principal diferença clínica entre NF1 e autismo seria as crianças com NF1 apresentarem maior ligação afetiva com pais e outras pessoas do que as crianças com autismo.

Um estudo recente (2021) investigou as respostas do sistema nervoso de crianças com NF1 (processamento auditivo) e comparou estes resultados com o padrão encontrado em crianças com autismo. Ver aqui estudo completo em inglês: CLIQUE AQUI

Tratamentos

Mesmo que sua criança com NF1 tenha apenas alguns comportamentos parecidos com autismo, ela poderá se beneficiar de alguns tratamentos que são ofertados às crianças com autismo, que buscam melhorar as habilidades cognitivas e sociais.

Mais informações sobre o autismo

Veja a belíssima cartilha feita pelo ZIRALDO sobre o autismo aqui: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/cartilha-ziraldo-autismo-uma-realidade.pdf

Você pode encontrar mais informações sobre o autismo na Associação Brasileira de Autismo: http://www.autismo.org.br/site/#

 

Um estudo importante

Em 2013 foram publicados os resultados de um estudo científico realizado na Inglaterra sob a coordenação da Dra. Susan Huson, intitulado “Neurofibromatose do tipo 1 e desordem no espectro do autismo” (Garg S, Green JLeadbitter KEmsley RLehtonen AEvans DGHuson SM. Neurofibromatosis type 1 and autism spectrum disorder. Pediatrics. 2013;132(6):e1642-8. doi:10.1542/peds.2013-1868).

O estudo procurou determinar a prevalência, ou seja, o número de pessoas afetadas por comportamentos no espectro do autismo (ASD) entre as pessoas com NF1.

Os autores utilizaram todos os casos de NF1 registrados numa área da Inglaterra habitada por uma população de 4,1 milhões de ingleses. De um total de 109 (52,7%) pessoas que responderam ao questionário SRS (Social Responsiveness Scale), elas foram agrupadas como: ASD significativo: 32 pessoas, ASD moderado: 29 pessoas, sem ASD: 48 pessoas.

Uma amostra de cada um destes grupos formados pelo questionário foi examinada pessoalmente para confirmação ou não do ASD por meio de testes e exames realizados por especialistas.

Os resultados finais mostraram que das 47 pessoas que foram submetidas aos testes e especialistas, 29,5% apresentava ASD confirmado, 27,7% apresentava ASD no limite, e 42,5% não apresentava comportamentos no espectro do autismo.

O grupo com ASD confirmado possuía mais meninos do que meninas, mas não apresentava outras diferenças com os demais grupos (inteligência, nível social, padrão de herança da NF1, gravidade da doença, nível educacional).

Em conclusão, os cientistas encontraram uma prevalência na população de cerca de 45% de pessoas com NF1 apresentando algum grau de comportamento no espectro do autismo.

O estudo recomendou novas pesquisas em busca de tratamentos clínicos para estes comportamentos no espectro do autismo para as pessoas com neurofibromatose do tipo 1.

 

 

Acaba de ser publicado (15/5/19) numa das melhores revistas científicas internacionais de oftalmologia o trabalho realizado pela Dra. Vanessa Waisberg e colaboradores no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

Dra. Vanessa Waisberg e seus colaboradores descreveram três novas mutações que atingem o gene NF2 no cromossomo 22, as quais levam à manifestação clínica da neurofibromatose do tipo 2 (tumores no nervo vestibular, catarata juvenil, tumores cerebrais e outras complicações).

No artigo científico também são descritas as alterações oculares observadas no exame oftalmológico e na tomografia de coerência óptica das pessoas com NF2 que foram voluntárias na pesquisa. Além disso, análises das alterações moleculares (bioquímicas e genéticas) foram descritas.

Os resultados apresentados aumentam o conhecimento internacional sobre a neurofibromatose do tipo 2 e devem beneficiar o diagnóstico e orientar o tratamento de pessoas com NF2 em todo o mundo. A cada novo conhecimento construído, damos mais um passo em direção à cura futura da doença.

O artigo (em inglês) tem o título: “Alterações oculares, achados moleculares e três novas mutações patológicas numa série de pacientes com NF2”. Os autores são Vanessa Waisberg, Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, Márcio Bittar Nehemy, Luciana Bastos-Rodrigues e Débora Marques de Miranda. A revista científica é a Graefe’s Archive for Clinical and Experimental Ophthalmology (endereço eletrônico https://doi.org/10.1007/s00417-019-04348-5 ).

O estudo foi feito como parte do doutorado da Dra. Vanessa Waisberg e só foi possível ser realizado por causa da estrutura PÚBLICA da Universidade Federal de Minas Gerais e com os recursos financeiros PÚBLICOS fornecidos pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento da Pesquisa e Tecnologia) no ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatose do Hospital das Clínicas (PÚBLICO) dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) (PÚBLICO).

Quem disse que nossas universidades públicas não produzem conhecimento?

Se  desejar ver o artigo completo em inglês clique aqui https://rdcu.be/bCncE

A pesquisa científica realizada pela psicóloga Alessandra Craig Cerello com diversos colaboradores do nosso Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais foi a base de uma das questões do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) de 2018.

O trabalho da Alessandra Craig Cerello mostrou que poucos estudos científicos anteriores haviam abordado os aspectos psicológicos associados à Neurofibromatose do tipo 1 (NF1), tanto os problemas psicológicos das pessoas acometidas pela doença quanto o sofrimento psicológico dos parentes e familiares.

Neste estudo foram entrevistados 46 sujeitos, 28 pessoas com NF1 e 18 familiares, buscando-se identificar a compreensão da realidade cotidiana vivenciada por esses dois grupos e as possíveis diferenças entre eles  (ver a dissertação de mestrado da Alessandra Craig Cerello CLICANDO AQUI )

Os resultados mostraram que a dificuldade na obtenção de informações sobre NF1 somado a poucas menções a redes sociais de apoio às pessoas com a doença ou seus familiares contribuíram para a identificação de um cenário de invisibilidade social em torno da NF1. Ou seja, a sociedade desconhece a existência das pessoas com NF1.

Estes resultados mostraram a necessidade de mais investimentos em estudos e intervenções relacionados à NF1, a fim de ampliar as condições de enfrentamento social da doença por parte daqueles que a vivenciam.

O trabalho completo (em português) pode ser visualizado basta CLICAR AQUI

A questão da prova do ENADE foi adaptada do Gráfico 3 do trabalho da Alessandra. O ENADE é realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, autarquia do Ministério da Educação. Aplicado desde 2004, o ENADE é uma das avaliações do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior e tem como objetivo aferir o desempenho dos estudantes em relação a conhecimentos, competências e habilidades desenvolvidas ao longo do curso. O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação e é composto por uma prova para avaliação individual de desempenho do estudante e um Questionário do Estudante.

Parabéns à Alessandra e seus colaboradores por mais esta contribuição para a compreensão da vida das pessoas com NF1.

Continuamos o texto adaptado para a página da AMANF a partir da edição especial da NEUROLOGY por Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e Sara de Castro Oliveira.

Diversos grupos de cientistas internacionais envolvidos com as neurofibromatoses, inclusive o Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, estão trabalhando para o desenvolvimento de tratamentos eficazes para os neurofibromas cutâneos (NFc).

Para conseguirmos estes tratamentos eficientes para os NFc, alguns passos precisam sem realizados de forma cuidadosa, rigorosa e científica:

  1. Definição internacional dos diferentes tipos de NFc (se desejar ver novamente esta definição clique AQUI);
  2. Definição dos objetivos dos tratamentos: tamanho dos NFc, número de NFc e qualidade de vida das pessoas com NF1 (ver Tabela 1);
  3. Aquisição de dados prospectivos sobre a taxa de aparecimento das várias formas de novos NFc e sua taxa de crescimento em crianças e jovens adultos;
  4. Taxa de crescimento dos NFc “nascentes” versus o NFc “maduros”;
  5. Influência dos hormônios e outros fatores de crescimento no desenvolvimento e proliferação de NFc;
  6. Taxa de involução espontânea (se houver);
  7. Identificação de biomarcadores confiáveis que indiquem o crescimento dos NFc;
  8. Comparação entre as diferentes técnicas de medida dos NFc.

Técnicas de medida dos NFc

Fotografia e contagem (quela que a Dra. Sara de Castro está usando em nosso Centro de Referência)

Uma técnica para medida dos NFc foi desenvolvida e apresenta baixo custo e acessível a todos. Utiliza-se uma cartela padronizada (ver Figura 4) com uma janela de 100 cm2 que é colocada nas costas, no abdome e na coxa, fotografando-se e contando-se manualmente o número de NFc contidos naquela área. O tamanho dos NFc é medido por meio de um compasso milimétrico. (Ver trabalho original AQUI ).

Esta técnica está sendo utilizada em diversas pesquisas e apresenta bons resultados apesar de algumas limitações (dificuldade na contagem de grande número de NFc e impossibilidade de medir o volume total do NFc incluindo a parte abaixo da pele).

Outras técnicas

Outras técnicas podem medir o tamanho completo do NFc, ou seja, incluindo a parte que fica abaixo da pele, e elas podem permitir maior sensibilidade para as mudanças de tamanho ao longo da vida ou em resposta a terapias, encurtando o tempo das pesquisas

A tomografia de coerência óptica (TCO) permite a visualização da estrutura completa da pele humana numa resolução de 5 micrômetros (5 milionésimos do metro), permitindo a visualização de dutos das glândulas sudoríparas, capilares e fluxo sanguíneo, exceto terminações nervosas (abaixo de 2 micrômetros).

O ultrassom de alta frequência (USAF) é uma técnica também não invasiva que usa frequências entre 20 e 100 MHz e tem sido usada para visualização e tratamento de tumores na pele, como o carcinoma de células basais. Um estudo recente com USAF de 25 MHz realizado em 108 NFc mostrou achados consistentes e revelando um padrão hipoecóico (pouca reflexão do som) do NFc, podendo ser usado no lugar de biópsias (ver AQUI ). Novos estudos são necessários para se verificar a utilidade do USAF nas pessoas com NF1.

Fotografias em 2D e 3D, ultrassom convencional e ressonância magnética têm sido utilizadas para dimensionar os NFc, no entanto, assim como a TCO e a USAF, elas não são capazes de abranger a quantidade total de NFc no corpo de uma pessoa com NF1.

Todas estas técnicas envolvem custos financeiros mais elevados, o que precisa ser levado em conta nas pesquisas sobre os futuros tratamentos dos NFc.

Além disso, o impacto dos NFc sobre a vida das pessoas com NF1 não depende apenas do tamanho e quantidade dos NFc. Por exemplo, reduções parciais do tamanho podem não afetar a qualidade de vida, mas, ao contrário, tratamentos que reduzam a dor, prurido ou desconforto podem ser de grande significado clínico para as pessoas com NF1.

 

Medidas dos efeitos clínicos

Além das técnicas para a medida objetiva dos NFc, para a avaliação dos efeitos dos tratamentos dos NFc é preciso desenvolvermos métodos de avaliação global dos indivíduos com NF1, os quais sejam comparáveis entre os diversos cientistas.

Ainda não temos um protocolo padronizado sobre como medir o impacto dos NFc e de seu tratamento, assim como os efeitos tóxicos colaterais dos medicamentos nas pessoas com NF1. Há alguns métodos de avaliação neste sentido que estão sendo considerados pela equipe de cientistas envolvidos (ver Tabela 2, página S35 do artigo original:  AQUI )

Na próxima semana continuamos com mais informações sobre tratamentos dos neurofibromas cutâneos.

Dr. Bruno, Dr. Nilton, Thalma e Dr. Lor durante Congresso Mundial em Neurofibromatoses em Paris em 2018

A partir desta semana contamos com mais um médico especializado em neurofibromatoses para atender pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no nosso ambulatório do Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, localizado na Alameda Álvaro Celso 55, Sala 226, Bairro Santa Efigênia, Belo Horizonte, MG.

O horário do Dr. Bruno Cota será durante as manhãs das segundas-feiras.

O agendamento pode ser feito pelo telefone 31 3409 9560 (ligar de terça a sexta de 7 às 10 da manhã).

Agora, somos três médicos atendendo regularmente no CRNF: Dr. Nilton Rezende (também segunda de manhã), Dr. Bruno Cota e Dr. Lor (quinta à tarde).

Vamos em frente!

Dra. Vanessa Waisberg recebendo o Prêmio Varilux pelo seu trabalho científico.

A médica e oftalmologista Vanessa Waisberg apresentou sua tese de doutorado, e foi aprovada por unanimidade, no dia 1 de fevereiro de 2019, no Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

O título de seu estudo foi: “Alterações genéticas e oftalmológicas na neurofibromatose do tipo 2” e a banca examinadora foi formada por seis professores com doutorado em oftalmologia, genética, clínica médica e medicina molecular. Foram eles, a orientadora Débora Marques de Miranda (orientadora), Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues (co-orientador), Márcio Bittar Nehemy (co-orientador), Daniel Vitor de Vasconcelos Santos, Galton Carvalho Vasconcelos, Juliana Garcia Carneiro, Antônio Marcos Alvim Soares Junior e teve como suplente Marco Aurélio Romano.

A Dra. Vanessa Waisberg mostrou que o exame oftalmológico especializado utilizando a tomografia de coerência óptica permitiu a identificação de sinais específicos nos olhos das pessoas com NF2. Estes sinais foram correlacionados com as alterações genéticas encontradas no exame do DNA e esta associação permitiu uma melhor definição do diagnóstico e orientação do prognóstico da doença em cada pessoa examinada. Além disso, o estudo apresentou três novas mutações patológicas do gene NF2 que ainda não haviam sido descritas.

Parte dos resultados já foram comentados neste site da AMANF (VER AQUI) e publicados numa das melhores revistas mundiais de Oftalmologia (artigo em inglês VER AQUI ). Além disso, foram apresentados e citados no Congresso Mundial sobre Neurofibromatoses realizado em Paris em novembro de 2018 e receberam o principal prêmio para trabalhos científicos em Oftalmologia, o Prêmio Varilux (reportagem do Jornal Brasileiro de Oftalmologia: VER AQUI). O restante dos resultados deve ser publicado em breve.

Durante a defesa da sua pesquisa, os resultados da Dra. Vanessa Waisberg foram comentados por todos os membros da banca, que elogiaram o seu trabalho e fizeram sugestões e críticas importantes que serão incorporadas ao texto final a ser impresso para o banco de teses de doutorado da UFMG.

É importante lembrar que a Dra. Vanessa realizou a defesa de sua tese com clareza, boa disposição e bom humor, considerando que ela está esperando seu segundo filho para os próximos dias. Desejamos toda a felicidade para ela e sua família e estamos esperando seu retorno ao trabalho após a merecida licença maternidade.

Para finalizar, durante a banca, li a carta abaixo.

 

Empatia, Ética e Emoção

Sinto-me honrado por participar deste grupo de cientistas que avaliam o estudo da Dra. Vanessa Waisberg sobre alterações oculares e genéticas em pessoas com Neurofibromatose do tipo 2 (NF2).

Enquanto ela desenvolvia sua pesquisa nestes últimos anos, como co-orientador do seu doutorado, pude observar sua grande capacidade profissional como médica e oftalmologista e suas exemplares qualidades pessoais.

Uma banca de doutorado tem por meta avaliar diversas habilidades da doutoranda, muito além das virtudes científicas da pesquisa realizada. A originalidade, a adequação dos métodos, a confiabilidade dos resultados, a pertinência da discussão e o impacto do conhecimento gerado devem ser objeto de apreciação da banca. No entanto, este papel da análise do estudo realizado durante o doutorado muitas vezes vem sendo realizado pelas revistas científicas, permitindo que a banca possa se dedicar à avaliação das outras qualidades da doutoranda.

Devo, então, examinar alguns critérios que indicam a plena capacidade da Dra. Vanessa Waisberg para receber o título de Doutora, o qual significa que ela estará habilitada para realizar pesquisas científicas de forma autônoma assim como ensinar ciência. É esta capacitação da Dra. Vanessa Waisberg que desejo comentar.

Observei o compromisso da Dra. Vanessa Waisberg com a busca pela verdade científica enquanto reuníamos pessoas voluntárias acometidas pela NF2, as quais foram submetidas a avaliações clínicas, oftalmológicas e genéticas que resultaram em novas informações relevantes e inéditas para o cuidado médico com portadores de NF2 e suas famílias. 

Informações cientificamente obtidas são fundamentais numa época em vivemos, na qual a verdade vem sendo relativizada, numa onda anti-civilizatória patrocinada por líderes populistas em várias partes do mundo. Enfrentamos hoje uma cultura demagógica na qual as versões pessoais e subjetivas, construídas pelas paixões políticas, alcançam o mesmo valor que a opinião construída por especialistas a partir de fatos e pesquisas.

Informações científicas verdadeiras deveriam constituir a maior riqueza contemporânea, pois são a única alternativa para que a humanidade resolver suas questões de sobrevivência num planeta ameaçado pelo aquecimento global e pela desigualdade econômica.

Foi em busca de informação científica que a Dra. Vanessa Waisberg utilizou tecnologia de ponta na oftalmologia e na genética para estudar as pessoas com NF2. Sua contribuição passa a integrar a enorme quantidade de dados científicos que são disponibilizados mundialmente a cada dia.

Informações em grande escala, os chamados big data, permitem a construção de sistemas de inteligência artificial, um recurso tecnológico em expansão, que pode ajudar a medicina a enfrentar as doenças, em especial aquelas mais de cinco mil doenças raras, entre elas a NF2.

A inteligência artificial já permite à medicina aumentar sua precisão nos diagnósticos e a descoberta de novos tratamentos. Alguns sistemas de inteligência artificial já superam seres humanos no diagnóstico e algoritmos para tratamento de muitas doenças.

No entanto, apesar do enorme potencial da inteligência artificial, como aprendi com o cientista da computação Juliano Viana, ela não pode, pelo menos por enquanto, superar o ser humano em três campos: da empatia, da ética e da emoção. São justamente estes três aspectos que desejo relembrar do convívio no trabalho com a da Dra. Vanessa Waisberg.

Primeiro, mesmo sabendo que a NF2 é uma doença rara, Dra. Vanessa Waisberg demonstrou empatia para com a questão científica de grande importância para as pessoas e suas famílias com a doença, que é saber se podemos melhorar nossa capacidade diagnóstica e prognóstica da NF2. Ela abraçou a pergunta com entusiasmo e se dedicou a inúmeras horas de estudo numa revisão extensa da literatura. Seu esforço resultou num método de pesquisa que respondeu afirmativamente, sim, podemos aumentar a segurança do diagnóstico e orientar melhor o tratamento e o prognóstico.

Na condução de sua pesquisa, a Dra. Vanessa Waisberg se pautou pela ética, refletindo cuidadosamente a cada passo sobre as consequências de seus atos como médica e cientista. Se estamos diante do resultado de um exame genético de uma pessoa, quantos desdobramentos de nossa informação sobre sua vida podemos prever? Posso testemunhar que a Dra. Vanessa agiu com todo o cuidado necessário numa pesquisa envolvendo informações genéticas.

Finalmente, acompanhei a emoção da Dra. Vanessa Waisberg diante das pessoas com NF2, tanto na coleta dos dados quanto na entrega dos resultados, quando irradiava discretamente sua felicidade com os resultados com melhor prognóstico e visivelmente se comovia solidária com os casos mais graves. Sua solidariedade traduziu-se também no compromisso ético de dar continuidade ao pronto acompanhamento oftalmológico gratuito para as pessoas com NF2 que se voluntariaram para a sua pesquisa.

Portanto, em conclusão, é com enorme alegria que reconheço na Dra. Vanessa Waisberg todas as qualidades necessárias, acadêmicas, científicas, éticas e humanitárias, para seu título de Doutora.

Parabéns e longa vida dedicada à construção da Ciência.

LOR

Fevereiro de 2019

Texto adaptado para a página da AMANF a partir da edição especial da NEUROLOGY por Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues e Sara de Castro Oliveira.

Aparecimento dos NFc

Os NFc geralmente se tornam visíveis após a puberdade, mas há grandes variações na sua manifestação entre diferentes pessoas com NF1, as quais possuem diferentes mutações no gene NF1.

Além de as pessoas com NF1 apresentarem mutações diferentes entre si, cada pessoa (portanto com uma determinada mutação no gene NF1) pode apresentar diferentes tipos de neurofibromas, desde neurofibromas plexiformes até NFc, além de variados tipos de NFc.

Uma das explicações para esta variedade de tipos e comportamentos dos neurofibromas numa mesma pessoa (ou entre pessoas da mesma família com a mesma mutação) é que a segunda mutação necessária para a formação do NF seria diferente entre cada um dos tumores e ela ocorreria em cada NFc em momentos distintos da vida. Ou que fatores aleatórios ainda desconhecidos influenciariam o desenvolvimento dos NFc.

Em outras palavras, durante um exame clínico, ainda não sabemos se um pequeno NFc se desenvolverá da mesma forma que um grande NFc ao seu lado (ou seja, seriam NFc semelhantes, mas apenas em fases diferentes), ou se cada um deles terá um curso diferente pois seriam tumores distintos.

Tamanho e quantidade de NFc

    

Figura 4 –  Variação da quantidade de neurofibromas cutâneos (NFc) nas costas de pessoas com NF1. Esquerda: poucos pontos marcados; Direita: muitos pontos marcados. (Fotos: Dra. Sara Castro de Oliveira).

Os NFc variam muito em tamanho (desde milímetros a centímetros – ver escala nas laterais da Figura 4) e quantidade (desde poucos até milhares) entre as pessoas com NF1, podendo surgir em qualquer parte do corpo, com preferência pelo tronco. Ver foto de NFc de tamanhos variados aqui .

Não há nenhum fator identificado que possa prever a quantidade de NFc que uma pessoa apresentará ao longo da vida, com apenas duas exceções: as microdeleções (perda completa de um dos alelos do gene NF1) que se caracterizam por maior número de NFc e pelo seu aparecimento precoce na infância; e, ao contrário, há dois tipos de mutação (em p.Met992del e em p.Arg1809) que apresentam pouquíssimos ou mesmo nenhum NFc ao longo da vida.

Conhecer melhor estas duas mutações com poucos NFc (que são indistinguíveis da Síndrome de Legius) poderá trazer informações valiosas para a compreensão da formação e tratamento dos NFc.

Fora estas exceções acima, não foi possível estabelecer qualquer relação genótipo-fenótipo na formação dos NFc. O que se espera agora é que nos próximos estudos sejam encontradas correlações entre as diferentes estruturas da neurofibromina produzida pelas mutações e o número e tamanho dos NFc.

Idade e NFc

Nas demais pessoas com NF1, o número de NFc aumenta com a idade, de tal forma que pessoas mais velhas apresentam mais NFc (ver Figura 4). No entanto, eles crescem mais lentamente depois dos 35 anos e variam o crescimento nas diferentes áreas do corpo.

A taxa de crescimento dos NFc observada num estudo pioneiro realizado durante 8 anos (ver  AQUI ) foi um crescimento médio mensal de aproximadamente 1,7 a 2,7% no volume dos NFc da seguinte forma: nas costas: 0,37 mm3, no abdome: 0,28 mm3 e nos braços e pernas: 0,21 mm3.

O número de novos NFc em 8 anos foi de 3,1 nas costas, 1,7 no abdome e 0,4 nas pernas e braços (por área de 100 cm2).

Nenhuma involução, ou seja, nenhum desaparecimento de NFc foi verificado.

Figura 5 – Número de neurofibromas cutâneos (NFc) ao longo da vida. Observa-se que abaixo de 10 anos de idade as pessoas com NF1 apresentam apenas 0 a 1 NFc (barra preta). Ao contrário, acima dos 60 anos de idade cerca de 60% delas apresentam mais de 100 NFc (barra laranja). Adaptado de Duong e col. 2011 (ver aqui: AQUI)

Neste momento, novos estudos sobre o crescimento dos NFc estão em andamento, inclusive o que está sendo realizado pela Dra. Sara Castro de Oliveira no Centro de Referência em Neurofibromatoses do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

Hormônios e NFc

Uma das ideias mais frequentemente encontradas é de que a gestação e fases de modificação hormonal causariam aumento dos NFc. Alguns estudos sugerem que o número de NFc aumentam durante a gravidez, mas não foram afetados pelo uso de anticoncepcionais hormonais. No entanto, estes estudos são inconclusivos pois foram retrospectivos e subjetivos.

Estudos em laboratório e em animais sugerem efeitos hormonais no crescimento dos neurofibromas.

Curiosamente, homens apresentam mais NFc numa mesma idade que as mulheres, mas o número de NFc depois dos 40 anos é semelhante entre homens e mulheres independentemente do número de gestações que elas tenham tido.

A conclusão atual é de que os hormônios podem ter um papel na história natural dos NFc, mas não parecem ser a causa e nem o fator mais importante. Estudos prospectivos são fundamentais para esclarecermos esta questão.

 

Vitamina D e NFc

Observou-se também que pessoas com NF1 e com muitos NFc apresentam baixos níveis de Vitamina D no plasma, mas ainda não está definido se estes dois achados são causa entre si ou apenas coincidência.

 

No próximo post falaremos do comportamento clínico dos neurofibromas cutâneos.